Arquivos Colunistas - Página 294 De 305 - Revista Algomais - A Revista De Pernambuco

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A importância da água na cerveja (por Rivaldo Neto)

Nos áureos tempos em que aqui no Recife se comercializava a deliciosa “Antarctica de Olinda”, sempre ouvia dos mais velhos a seguinte frase: A diferença é a água. Naquele tempo o mercado de cervejas era muito restrito, se resumia em duas marcas apenas, ou era Antactica ou era a Brahma. A Antactica tinha uma tradicional e uma chamada Pilsen Extra, assim consequentemente a Brahma , uma igualmente tradicional e a Brahma Extra, todas duas com grande aceitação na época, mas lembro muito bem das colorações e sabores quem nem de longe parecem com as que hoje tomamos desses mesmos rótulos, com exceção da Pilsen Extra, da Antactica, que não existe mais, infelizmente. Vez por outra surgia uma “Malt 90” da vida, e como disse um amigo meu recentemente, quando lembramos dela solto um: “ Era levinha!” Mas logo saíam do mercado e eram substituídas por outros rótulos, digamos, mais comerciais pra época. Então saindo do saudosismo e voltando ao assunto da questão da água na cerveja. Podemos afirmar que é o principal ingrediente, já que sem ela, não poderíamos produzi-la. Começando que a cerveja é composta por 90% a 95% de água. Na produção comercial, para cada 1 litro de cerveja produzida, são utilizados cerca de 20 litros de água. Não tudo usado nos tanques, mas em seu processo de produção em geral, como por exemplo, na limpeza e pasteurização, somente para citar alguns processos. Bom que se diga que os estilos das cervejas estão intimamente ligadas com as propriedades da água utilizada no processo de fabricação. Os íons dos elementos químicos que fazem parte das composição da água reagem entre si com os demais insumos presentes na fabricação da cerveja, modelando as características que se queira atingir ou não. Vamos adiante para esclarecer melhor: Saiba que a água é classificada conforme a quantidade de sais minerais que ela possui e definida assim: - 0 – 50 ppm: água “mole” - 51 – 110 ppm: agua “média” - 111 – 200 ppm: água “dura” - 201 ppm em diante: água “super dura E é justamente esses minerais que determinam alguns estilos de cerveja, justamente reagindo com os insumos como citado acima. Sulfato: Principal responsável em intensificar o amargor do lúpulo, deixando-o mais seco. Pode deixar um sabor adstringente que é aquele que causa a contração das mucosas da boca, que ocorre quando algum alimento tem uma elevada quantidade de tanino. Isso acontece quando há ingestão de frutas verdes, por exemplo. Cálcio: É o que determina o que chamamos de “dureza” da água, influi no sabor e na clareza do líquido e tem uma efeito acidificante. Magnésio: Também responsável pela “dureza” da água. É a principal fonte de nutrientes das leveduras da cerveja. Se presente em grande quantidade, produz um amargor intenso. Bicarbonato: Grande dominante da composição química das fontes usadas na fabricação, por pertencer a família dos carbonatos. Cloreto: Dá o “start” na acentuação da doçura do malte. E não de deve ter mais de 250 ppm, ultrapassando esse valor pode impactar no “trabalho” das leveduras e estragar a cerveja. Sódio: Também ajuda na doçura do malte, não podendo ultrapassar 150 ppm, pois faz com que o líquido fique salgado no final do processo de produção. Importante dizer também que antigamente a qualidade da água era determinante para produzir alguns estilos de cerveja. Porém, hoje em dia, isso não faz mais sentido. A tecnologia é capaz de ajustar corretamente as propriedades da água para cerveja, dependendo de como o cervejeiro quer a água e qual estilo quer chegar.   MUNDO CERVEJEIRO Devassa parte na frente Depois de um ano de tantas mudanças, a Cervejaria Devassa, que faz parte do portfólio da Brasil Kirin, encerra 2016 com uma novidade que promete agitar os cervejeiros. Com inspiração numa tendência que tem ganhado cada vez mais força fora do Brasil, a marca agora lançará o Growler 2 Go, um recipiente de cerâmica, que se assemelha a um galão de vinho, feito especialmente para o armazenamento de chopp. Com esta novidade, Devassa pretende colaborar ainda mais com a disseminação da cultura cervejeira no país e possibilitar uma experiência muito além do bar. Disponível em todas as franquias da marca a desde do dia 20 de dezembro, a garrafa armazena até 2 litros de chopp e possui tampa de pressão, que evita a perda de gás carbônico, conservando frescor, sabor e qualidade por até dois dias. O lançamento traz a liberdade de se tomar um chopp de qualidade, fresquinho, na reunião com os amigos ou em casa. O Growler 2 Go permite também que o sabor da bebida seja apreciado com mais calma, tornando a experiência ainda mais agradável. “Hoje em dia as pessoas estão buscando cada vez mais levar as experiências para dentro de casa e com o Growler 2 Go sabemos que podemos oferecer exatamente isso para os nossos consumidores. Agora eles vão poder levar para casa o chopp Devassa e usufruir quando quiser e da forma mais fresca possível”, afirmou Jussara Calife, gerente de marketing de Devassa. Para garantir a qualidade do chopp, toda vez que o Growler 2 Go for reutilizado, ele receberá uma tag com informações sobre qual data e qual estilo foi envasado. O consumidor poderá escolher entre as 5 opções de chopes especiais da casa, todos puro malte: Loura Tropical Lager, Ruiva Tropical Red Ale, Negra Tropical Dark Ale, Sarará Tropical Weiss e Índia Tropical IPA, cuidadosamente tirados com creme, que ajudará na conservação do líquido. O valor do Growler 2 Go poderá variar de acordo com a região. *Rivaldo Neto (rivaldoneto@outlook.com) é designer e cervejeiro gourmet nas horas vagas

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Você não curte colarinho na cerveja? Tá na hora de repensar (Por Rivaldo Neto)

O lúpulo, as proteínas e os açúcares são os componentes formadores da espuma, ou colarinho, como também o chamamos. Esse processo é de extrema importância para bebida, pois ele ajuda a manter a temperatura do líquido no copo. Facilita no desprendimento correto do aroma e serve como isolante também evitando que o ar entre em contato com a bebida e assim minimizar a sua oxidação. Para a “saúde” da cerveja que bebemos isso é fundamental. E nada de achar que a espuma faz com que “percamos” quantidade, até porque 70% volta ao estado líquido. Um colarinho bem formado, inclusive diz muito a respeito do que estamos bebendo. Sempre que uma cerveja for servida devemos observar sua espuma, como está sua formação e sua persistência. Lógico que levando em conta que isso pode variar em relação aos estilos. Um ponto importante é que as bolhas devem ser pequenas, com uma certa uniformidade e unidas. Alguns colarinhos podem ter características bem peculiares, podendo ser até “maciça”, esse caso ocorre se existir proteínas (dos grãos) suficientes para sua formação. Uma cerveja que não forma colarinho, ou não está apropriadamente carbonatada ou pode o copo em que foi servido conter impurezas ao ponto de impedir o processo de formação do mesmo. Isso a gente pode observar se as bolhas grudam-se nos lados do copo, mas não chega o topo do recipiente. Já quando o colarinho se dissipa rapidamente, com grandes bolhas, meio parecidas com sabão, esse comportamento acontece quando há uma “injeção” de estabilizadores de espuma (alguns desses estabilizadores são feitas de um derivados de alga marinha). Grandes cervejarias usam esses procedimentos, que podemos dizer que é um mal necessário, devido ao processo para o clareamento do líquido e manter a sobriedade da bebida. Cervejas que tem um puro malte, quase sempre possuem bolhas pequenas e com uma espuma cremosa e consistente. Abaixo algumas dicas de como devemos servir uma cerveja com um saudável colarinho: * Deite o copo ao uma angulo de 45 graus em relação à mesa, derramando a bebida aos poucos até a metade. Após, endireitar o copo e derramar o restante da cerveja, cuidando para que se produza cerca de dois dedos de espuma. * Lave muito bem o copo antes de servir a cerva. Restos de sabão ou gordura restante no copo podem “matar” a espuma e liquidar o seu prazer de beber. * Prefira servir a cerveja com o copo levemente molhado, o que favorece a criação da espuma. * Se alguém lhe oferecer, para fazer "firula", um copo gelado, recuse. O contato da cerveja com a temperatura do copo produz condensação que irá diluir a bebida a ponto de alterar-lhe o sabor e a temperatura correta na qual deveria ser servida. * Cerveja “estupidamente gelada” é apenas para quem não conhece de cerveja, para aqueles que querem apenas um líquido refrescante ou então para disfarçar o gosto de uma cerveja ruim.   *Rivaldo Neto (rivaldoneto@outlook.com) é designer e cervejeiro gourmet nas horas vagas

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Nossas dicas de cerveja com rolha para brindar 2017 (por Rivaldo Neto)

Estamos na porta de 2017, que tal brindarmos com uma cerveja de rolha? Sendo uma bebida fermentada como o vinho, existe hoje no mercado vários tipos de cerveja com esse tipo de lacre e que não só preservam a integridade do líquido, como também dão uma certa elegância e glamour. Uma curiosidade é que são precisos 25 anos em média para que um tronco de sobreiro (árvore que dá a cortiça) comece a produzir cortiça para a elaboração de rolhas. Cada tronco do sobreiro tem que atingir em média um perímetro de 70 cm a 1,5 metro do chão. A partir de então, a sua exploração durará mais de 130 anos. Vamos sugerir três rótulos para dar uma toque diferente ao seu réveillon: Primeiro a Galoise Blonde, com 6,3%Vol e uma bela cor dourada, turva e bem carbonatada tem uma espuma bem cremosa e fina. Muito aroma de frutados característicos dos lúpulos florais que carrega. Tem um discreto amargor e bastante refrescante possuindo um retrogosto muito interessante. Indo para uma cerveja tripel estilo que se adiciona três vezes mais malte do que em uma cerveja “comum”. Possui aroma e sabores complexos, macios e com forte presença de frutas o que, às vezes, pode lhe conferir um paladar adocicado. Excelente equilíbrio entre o lúpulo e a cevada. A Tripel da La Trappe, contém todas essas características acima, ma com uma presença marcante de lúpulo. Sua espuma é densa e com uma boa carbonatação. Com 8,0%Vol é intensa e deliciosa. E pra finalizar a belga e ímpar Blanche de Namur, uma witbier realmente diferenciada, considerada uma das melhores Wits do mundo com vários prêmios no currículo a Blanche é suave e refrescante. Tem uma coloração turva e amarelada, espuma espessa e densa e muito aromática, uma verdadeira explosão de frutados com notas cítricas e especiarias, amargor muito discreto, quase que imperceptível, com seus equilibrados 4,5%Vol. Vale muito a pena! Que venha 2017 com mais descobertas nesse maravilhoso mundo das cervejas! Feliz ano novo! *Rivaldo Neto (rivaldoneto@outlook.com) é designer e cervejeiro gourmet nas horas vagas

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Cervejas Escocesas, tão boas quanto o whisky! (Por Rivaldo Neto)

A Escócia, Inglaterra, País de Gales e Irlanda do Norte são os países que compõe o Reino Unido. Mas em se tratando da Escócia, terra do lendário monstro no lago Ness, curiosamente possui apenas 10% dos Pubs das ilhas britânicas. Isso é até compreensível por ser o menos populoso dos quatro. Por ter um clima mais nortenho e frio, tem a tradição de produzir Ales muito encorpadas, com cores bem mais escuras e muito maltadas. Tal gosto não é a toa, é cultural o gosto por bebidas mais fortes a mesma cultura que da tradição em produzir os melhores whiskys do mundo. Mas a Escócia também produz cervejas menos intensas também. Na verdade, para cada Bitter inglesa existe uma similar escocesa (mesmo sendo mais fracas, são mais fortes que as Bitters). São as chamadas Scottish Ales. Apesar do berço escocês, não existem muitos exemplares desse estilo na própria escócia. Nos EUA e no Canadá a oferta é maior, e até com outras denominações como a Strong Ale ou a Wee Heavy. Tais bebidas têm a característica de cervejas fortes, escuras, maltadas (como dito acima) e que, usualmente, variam entre 6.5 a 8.5% Vol, podendo ir um pouco além. Têm a particularidade de serem fermentadas a temperaturas mais baixas do que a maior parte das Ales e, para além disso, possuem sabor de malte mais acentuado e com pouca presença de lúpulo. Reservei três rótulos que valem muito a pena: Uma é a Cerveja Tennent´s Strong Scotch, típica Scottish Ale, produzida em Glasgow. As cervejas da Tennent’s são feitas em Glasgow, Escócia. Produzidas desde 1885 em Wellpark, sendo a marca de cerveja mais vendida do país. A sua Scottish Ale tem uma alta graduação, 9,0%Vol, mas é frutada também, e ao mesmo tempo contém aromas bem complexos. Têm sutis toques de lúpulo e um final caramelizado assim como uma bela cor avermelhada. Passando agora para uma Belhaven Scottsh Ale, uma das mais tradicionais do mundo, um pouco mais leve, com seus 6,5%Vol, possui coloração avermelhada. É uma cerveja límpida, bem maltada, com caramelo na receita e um pouco defumada. Tem um aroma sutilmente herbal e refrescante, clássicos dos lúpulos ingleses. No início, o dulçor equilibrando com o amargor. Por outro lado também é na Escócia que se encotra a BrewDog, uma das minhas cervejarias favoritas em se tratando de suas fórmulas inovadoras e ousadas. Ela produz a San Diego Scotch Ale, apenas um pouco de cuidado nesse rótulo, mesmo sendo maravilhoso, não é para qualquer paladar, trata-se de uma cerveja com personalidade fortíssima, onde até as Imperial Ipas, ficam mais amenas quando colocadas lado ao seu lado. Primeiro pela sua graduação pelos imponentes 11,9%Vol (isso mesmo!) que ela carrega no seu corpo. Para não deixar a tradição escocesa do lado é envelhecida em barris de whisky e o toque final, e surpreendentemente bom é que dentro do barris são postas passas californianas embebidas em Rum Ballast Point por 9 meses segundo o fabricante. Com uma cor marrom escura, um retrogosto fantástico e com muito aroma. É certamente uma das melhores que já provei. Na terra de monstro “Nessie” as boas cervejas não são só lenda, elas são realidade, é procurar e experimentar, vale muito a pena! *Rivaldo Neto (rivaldoneto@outlook.com) é designer e cervejeiro gourmet nas horas vagas

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Mas o que são cervejas artesanais, caseiras e industriais? (Por Rivaldo Neto)

Muito se fala em cervejas artesanais. Mas você realmente sabe a forma de como elas são produzidas? Vamos então mergulhar um pouco nesse universo cervejeiro que está em plena ebulição e conhecer um pouco mais do que isso quer dizer. Passando depois pelas caseiras e por fim as industriais. O primeiro ponto é que quando nos referimos as cervejas usando o termo artesanal, nos remete a ideia que de certa forma é uma bebida produzida de um jeito mais “caseiro”. Um ponto importante a destacar é que mesmo uma cerveja produzida com equipamentos modernos e uma linha de engarrafamento do produto, a sua produção ainda é considerada artesanal. O ponto “X” da questão é o cuidado que tal produção terá. Isso porque que mesmo que no processo sejam usados ingredientes básicos, receitas de preparo e insumos mais apurados, tudo isso deve ser predominantemente natural e não químico. As cervejas artesanais são produzidas em menor escala, feitas com maior cuidado, com foco na qualidade. Todo o processo é controlado e acompanhado pelas mãos dos produtores. Observa-se mais de perto todas as etapas e, ao final, analisa se os aromas e sabores condizem com a qualidade que se é esperada. os ingredientes são selecionados, mais nobres e alguns precisam ser até mesmo importados. Essas bebidas têm quatro componentes: malte, água, lúpulo e levedura. Isso quer dizer que as cervejas não levam açúcares de fontes extras. Mas também existem sim cervejas “caseiras”, por assim dizer ao pé na letra e são aquelas em que são usados equipamentos de pequeno porte, onde não se precisa de muito espaço de produção, não tem engarrafadoras, usando embalagens comuns e em alguns casos utilizando até rolha no processo de vedação. E são feitas com produções limitadas, normalmente de 20 a 40 litros por vez. Cervejas artesanais e cervejas “caseiras” têm uma matriz mais comum e se assemelham mais do que as produzidas em larga escala comercial. As cervejas industrializadas são produzidas em maior escala com o objetivo de vender em grande quantidade para um maior número de consumidores. Elas também passam por processos como filtração e pasteurização, o que não acontece na produção da cerveja artesanal. Tais cervejas utilizam cerca de 60% de malte de cevada, que é o principal ingrediente dessa bebida, e os outros 40% são cereais não maltados ou carboidratos, como milho e arroz. No mundo das cervejas, os processos de produção definem diretamente na qualidade do que bebemos e apreciamos, é sempre bom sabermos onde podemos provar o que há de melhor! *Rivaldo Neto (rivaldoneto@outlook.com) é designer e cervejeiro gourmet nas horas vagas

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Meninos do Recife (por Joca Souza Leão)

O primeiro “serviço de extinção de incêndios” do Brasil surgiu aqui, no Recife. O do Rio de Janeiro foi inaugurado por Pedro II mais de 100 anos depois. Lembrei-me desse fato sem muita, ou nenhuma, importância – veja você como são as coisas do pensamento – porque me lembrei do poema Evocação do Recife, de Manuel Bandeira: (...) De repente nos longos da noite um sino Uma pessoa grande dizia: Fogo em Santo Antônio! Outra contrariava: São José! Eram os sinos das igrejas que chamavam os bombeiros e informavam ao povo o bairro que o fogo queimava. Sinos de São Pedro dos Clérigos, do Carmo e do Livramento? Incêndio em São José. Esse poema foi encomendado a Bandeira por Gilberto Freyre. “Encomendado como quem encomenda um pudim” – diria Gilberto em tom jocoso anos depois. Mas, pudim de quê? Ah! aí é que tá. Quem encomendou tinha outras receitas do Recife, mas não aquela. Pudim da infância cada um tem a sua. Única. E a de Bandeira, ainda menino, já era de poesia pura. Poesia nos nomes das pessoas e ruas (Como eram lindos os nomes das ruas da minha infância”); poesia nas casas; no Capibaribe; nos banheiros de palha de Caxangá. “Um dia eu vi uma moça nuinha no banho / Fiquei parado o coração batendo / Ela se riu / Foi o meu primeiro alumbramento.” Gilberto, por sua vez, planejava escrever um grande livro (já o imaginava grande) sobre a “História da Vida de Menino no Brasil” ou “À procura de um menino perdido”, esses os títulos provisórios escolhidos. Chegou a investir todas as suas economias na compra de livros para pesquisar a vida de crianças sob as mais diferentes culturas. Escreveu para Bandeira revelando o seu projeto e pedindo ajuda. Queria que o poeta investigasse o que havia sobre crianças no acervo da Biblioteca Nacional, o que havia de peças e brinquedos infantis no Museu Nacional, além de recorrer à sua cultura e memória musical: cantigas de ninar, de danças e de roda. “Esse estudo teria de começar pela vida de menino entre nossos índios. (...) Depois, sobre o background da criança dos colonizadores (brancos e negros) e os primeiros contatos das crianças de origem europeia com os bichos do Brasil, os papões e os mal-assombrados, os frutos, os pássaros etc...” Bandeira tinha ido de mudança com a família para o Rio aos 2 anos de idade. Voltou com 6 e aqui ficou até os 10 na casa do avô, na Rua da União. “Do Recife tenho quatro anos de existência consciente, mas ali está a raiz de toda a minha poesia” – disse ele em sua última longa entrevista, em ‘64. Veja só, amigo leitor. Do “Meninos do Brasil”, de Gilberto, cresceu e tomou corpo Casa Grande e Senzala; da encomenda atendida por Bandeira, com sua memória infantil e afetiva, nasceu Evocação do Recife. Obras-primas. Manu e Giba. Ah, esses meninos do Recife!

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O sonho de uma cidade-parque

No lançamento da Agenda TGI 2017, no final de novembro, tive a oportunidade de falar, pelo 18º ano seguido, sobre a retrospectiva do ano que está terminando e as perspectivas relativas ao ano que vai se iniciar para o mundo, o Brasil, Pernambuco e o Recife, conforme reportado na matéria de capa desta edição. No que diz respeito ao Recife, dei destaque aos avanços conseguidos em relação ao projeto Parque Capibaribe: o Jardim do Baobá, a Avenida Beira-Rio das Graças, Ativação da Capunga e o Cais do Imperador. Sobre o Jardim do Baobá, considerado o marco zero do Parque Capibaribe, mostrei como uma intervenção relativamente simples conseguiu derrubar os muros que emparedavam a árvore na beira do rio, o monumento vegetal que é o portentoso baobá, resgatando-o para a cidade e chamando tanto a atenção da população que passou a frequentar em massa o local. Em relação à avenida Beira-Rio das Graças, relatei a luta da associação de moradores do bairro pela adequação da via às diretrizes do Parque Capibaribe, a vitória conseguida e a aprovação pela prefeitura do novo projeto de uma via-parque prestes a ser licitada. Relativamente à Ativação da Capunga, destaquei a ação de urbanismo tático realizada no trecho da beira do rio que fica na frente da faculdade Uninassau e vai quase até os fundos do Quartel do Derby onde foram instalados equipamentos provisórios, mas dentro do espírito do Parque. Já no que diz respeito à recuperação do Cais do Imperador, mostrei as fotos do local onde desembarcou D. Pedro II em 1859, na frente do antigo Grande Hotel, agora reintegrado à cidade com uma cafeteria, do outro lado do Cais da Alfândega. Essas intervenções inserem-se na concepção do Parque Capibaribe que, por sua vez, insere-se na concepção do Plano Recife 500 Anos, uma abordagem consistente de planejamento de longo prazo para a cidade, pela primeira vez em muitas décadas, com um bônus adicional: o potencial (o sonho) de, pela extrapolação dos conceitos do Parque Capibaribe, transformar o Recife numa cidade-parque até 2037. No final da palestra, citei novamente Victor Hugo: “Nada como o sonho para criar o futuro. Utopia hoje, carne e osso amanhã”. É com ele que finalizo este último artigo de 2016 desejando aos leitores um ano novo de sonhos realizados, inclusive o de uma cidade com um futuro melhor. Que venha 2017!

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A morte é um dia que vale a pena viver

Vira e mexe meu irmão faz a mesma proposta, há anos: “Vamos jogar tudo pro alto, construir uma casinha numa praia deserta, levar toda a família e viver da caça e da pesca?” Romantismos, brincadeiras e devaneios à parte, no fundo no fundo, o desejo é real, não obstante pareça ser de praticidade utópica. Li um livro na última semana que me fez ligar para ele, assim, do nada: “E aí, Mamá? A proposta está de pé?” Expliquei-lhe que acabara de ler A Morte é um dia que vale a pena viver, da médica Ana Cláudia Quintana Arantes, pela editora Casa da Palavra. O livro, conquanto fale da morte, é, na verdade, uma lição de vida. Simplesmente impactou-me. Falamos pouquíssimo da morte, ou quase nada. Sendo essa a única certeza que temos, caro leitor, deveríamos conversar mais sobre o evento que se aproxima. Perdoe-me a franqueza, mas não há como negar. Ela vai chegar para ti também. Pensar na morte é um tabu. Mas Ana Cláudia é uma médica que especializou-se em cuidados paliativos e nos traz uma surpreendente reflexão sobre o assunto. A morte anunciada traz a possibilidade de um encontro veloz com o sentido da vida. Os cuidados paliativos não são apenas aqueles que aliviam o sofrimento físico e as sequelas do tratamento agressivo. Quando fecha-se o prognóstico de uma doença incurável e anuncia-se a proximidade da morte, a medicina costuma dizer que “não há mais o que fazer”. Cláudia prova no livro que a medicina sempre esteve errada. Sim, ainda há muito o que fazer. Porque muito embora não haja mais tratamento disponível para a doença, há muito mais a fazer pela pessoa que tem a doença. Sempre atrelei cuidado paliativo à sedação. Estava enganado. A narrativa nos convence que é possível ter uma morte natural, lúcida. Assim como existe o parto normal, pode existir a morte normal. Aquela que é sentida e vivenciada pela pessoa até o seu último suspiro, de forma consciente, digna. Existem meios adequados para que se alivie a dor, o sofrimento, permitindo à pessoa que vá embora despedindo-se de cada um dos seus, de forma serena, calma, tranquila, consciente. Cláudia especializou-se em ajudar as pessoas a morrer. A ter uma boa morte. A ter qualidade de vida na finitude humana. “A morte é um laboratório incrível”, diz ela. Especialmente porque, nesse corredor final, as pessoas costumam se despir de toda e qualquer vaidade, futilidade ou mentira. E, assim, as pessoas falam com a alma. Quer um conselho sábio sobre a vida? Peça a alguém que está morrendo. Esse sopro vital de sabedoria, bem perto da hora da saída, emerge para a consciência e ilumina os pensamentos com uma luz divina, uma lucidez absurda. E é neste ponto que Cláudia, através do seu trabalho, nos dá uma lição de vida ao falar dos arrependimentos dos seus pacientes. E eles são sempre os mesmos, amigo leitor. Seja qual for a sua situação financeira ou status social. Seja a pessoa um gari, médico, advogado, engenheiro, servente, carpinteiro ou psicólogo. O maior dos arrependimentos é sempre o de não ter realizado os seus próprios desejos. De não ter priorizado suas próprias escolhas e de ter feito escolhas para agradar os outros. Pode ser o mais poderoso ou o mais humilde dos seres humanos, ele estará arrependido no seu leito de morte se não fez aquilo que queria ter feito. O que deveria nos assustar não é a morte em si, mas a possibilidade de chegarmos ao fim da vida sem aproveitá-la. Sem fazê-la do nosso jeito. Não há motivo para temer a morte. Só há uma coisa a temer: não usar o nosso tempo da maneira que gostaríamos. O que estás a fazer com o tempo que tens? O que farás do tempo que te resta? Por sinal, quais são suas escolhas para 2017? Bom Natal e feliz Ano Novo!

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O abandono da Maciel Pinheiro

Não é possível que o prefeito desta cidade do Recife, Geraldo Julio, depois de reeleito com expressiva maioria de votos no último pleito municipal, continue de olhos vendados para o abandono da Praça Maciel Pinheiro no bairro da Boa Vista. De alguns anos para cá, na Praça Maciel Pinheiro, reina o completo abandono e o descaso, não havendo quem se atreva a sentar em seus bancos nas manhãs ou mesmos nos fins de tarde e, muito menos, nas noites amenas do bairro da Boa Vista. Antes belo e bucólico, esse recanto daquele bairro foi transformado em “teto” dos moradores de rua, que lá espalharam os seus andrajos e entulhos, misturados aos viciados no crack e outras drogas, o que torna impossível a frequência de quem quer que seja. Em meio a tal abandono, a secular fonte encontra-se relegada ao descaso, fissurada pelos pregos que vez em quando nela são introduzidos, num verdadeiro atentado a esta cidade que se diz civilizada. Com seus 7,85 metros de altura, a velha fonte portuguesa, esculpida em Lisboa pelo renomado artista Antônio Moreira Ratto (1818-1903), que tem sua assinatura em vários monumentos que ornam praças e passeios de Lisboa, de Évora e do Rio de Janeiro, resiste à incúria do tempo e a agressividade dos homens. Trata-se do mais belo monumento do Recife, erguido em comemoração ao término da Guerra do Paraguai (1864-1870), ali instalado por subvenção popular, em 31 de março de l875, assim descrito pelo Diario de Pernambuco, em sua edição de 1º de abril: O chafariz mede da base, que é em forma de cruz e assentada em granito, até o cimo do emblema representando a América – uma cabocla selvagem – que o coroa, 7,85 m; à base sobrepõem-se quatro leões curvados sobre as patas, olhando aos quatro pontos cardeais e sustentando com suas cabeças uma grande bacia de 3,18 m de diâmetro. Sobre esta bacia quatro ninfas em pé, simetricamente dispostas em atitude de se banharem, recebem a água que desborda da segunda bacia que lhes sobre fica e que é menor do que a primeira, pois só tem 2,11 m de diâmetro. Cada uma das ninfas conta de altura com 1,60 m. A terceira e última bacia mede 1,80 m de diâmetro. No singular bairro da Boa Vista, a partir do ano da Revolução Russa de 1917, vieram fixar residência centenas de famílias de judeus askenazins emigrados da Bessarábia (Moldávia), Polônia, Ucrânia, Iugoslávia e de outras regiões do Leste Europeu. Tipos ruivos que logo ocuparam seculares casas e sobrados existentes nas ruas Velha, da Glória, de Santa Cruz, Leão Coroado, da Alegria, Visconde de Goiana, Marques Amorim, Barão de São Borja, do Jasmim, do Aragão, dos Prazeres, Visconde de Suassuna, dentre outras. Nos finais de tarde homens dessa comunidade faziam da bucólica Praça Maciel Pinheiro o seu centro de convívio, onde em animadas conversas, ou acaloradas discussões, se comunicavam, na língua anasalada do dialeto ídiche, tratando de temas da vida diária ou de recordações de suas terras de origem. Descendente desta comunidade a futura escritora Clarice Lispector (Chechelnyk - Rússia, 10 de dezembro de 1920 — Rio de Janeiro, 9 de dezembro de 1977), viveu sua infância, na casa de esquina com a Rua do Veras; uma escultura em cimento da escritora lá se encontra em obra recente do artista Demétrio Albuquerque (2006). O bucolismo da praça é assinalado pelo poeta Eugênio Coimbra Júnior (1905-1972) em um dos seus mais belos sonetos, cujos versos iniciais lá se encontram transcritos no painel em cerâmica no meio de um de seus canteiros: Cidade velha: em meio à praça, a fonte/Todo o jardim cercado de gradis./Maciel Pinheiro, queres que te conte?/Nem mesmo criança fui jamais feliz. Senhor Prefeito! Vamos recuperar esta joia que o passado do legou!

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Estados fracassados?

À grave situação fiscal que afeta a União some-se agora a crise financeira que atinge o conjunto dos Estados brasileiros, embora haja substanciais diferenças quanto ao grau de dificuldade e de desempenho da gestão fiscal entre as unidades federadas. A crise financeira dos Estados brasileiros que assume colorações fortemente dramáticas no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul, mas não em Pernambuco, é estrutural em sua essência. A recessão econômica só fez agravar e revelar com ênfase uma situação que vinha se deteriorando gradativamente ao longo do período 2007-2015. A perda de arrecadação própria e de transferências da União comprometeu as receitas dos Estados. Todavia, esta não foi a causa da crise. Apenas piorou o que já era ruim. O principal vilão da crise é o crescimento dos gastos com pessoal, especialmente com os inativos. As despesas com servidores públicos no conjunto dos Estados aumentaram 43% acima da inflação entre 2009 e 2015. E o déficit com inativos elevou-se 64% durante o mesmo período aumentando de R$ 47 para R$ 77 bilhões. Não houve aumento significativo no número de servidores públicos ativos para o conjunto do País. A elevação dos gastos com pessoal deveu-se mais ao aumento de inativos e do salário médio. Em 2015, oito Estados tiveram os limites globais de comprometimento da Receita Corrente Líquida com pessoal bem acima do teto de 60% estabelecida pela Lei de Responsabilidade Fiscal, destacando-se Minas Gerais (78%) e o Rio Grande do Sul (71%). Pernambuco comprometeu apenas 53% porque fez bem o dever de casa. Esse estouro ocorreu apesar da definição do que está contido ou não nos limites ter sido, em anos recentes, flexibilizada pelo Senado Federal e pela vista grossa dos Tribunais de Contas dos Estados. Houve também um aumento do endividamento financeiro dos Estados com bancos públicos e agências multilaterais, especialmente entre 2007 e 2014. Esses recursos foram captados para investimento, mas, de fato, substituíram receita própria que teria essa finalidade e que foi deslocada para aumentos de pessoal e custeio da máquina pública. Parte do investimento foi financiado por empréstimos e não por recursos próprios. A terceira causa da crise dos Estados repousa na substantiva renúncia fiscal incorrida para atrair ou manter empresas nos seus territórios, conhecida como guerra fiscal. Os benefícios fiscais incidem em sua maioria sobre o ICMS, o principal imposto de titularidade dos Estados. Há inúmeros benefícios que se caracterizam por isenções, redução da base de cálculo e créditos que drenam recursos dos cofres estaduais. Alguns desses benefícios foram concedidos à margem do Conselho de Política Fazendária (Confaz) que exige unanimidade dos Estados para serem aprovados. No caso do Rio de Janeiro, de longe o Estado com a situação fiscal mais crítica, houve o uso de rendas do petróleo (royalties), um recurso volátil e finito, para financiar despesas permanentes como o pagamento de aposentadorias e pensões dos servidores públicos. É um princípio saudável da política fiscal que gastos recorrentes não devam ser financiados por receitas extraordinárias ou incertas no seu valor e duração. Isso, no entanto, foi o que ocorreu no Rio de Janeiro onde as despesas com pessoal cresceram durante o período 2009-2015, sem descontar a inflação, 146,6%. Retirado o efeito da inflação (45,4%), o crescimento real da folha de pagamento dos servidores públicos, ativos e inativos, do Rio de Janeiro cresceu 101,2%, o que significa que os gastos com pessoal dobraram em termos reais em seis anos. Esse crescimento mostrou-se insustentável, revelando uma gestão fiscal temerária. Quais são as saídas? Reformar a previdência pública dos Estados; criar uma limitação constitucional para o crescimento dos gastos primários, ou seja, limitar o crescimento real do gasto público primário estadual com mecanismo, se não igual, semelhante à contida na PEC dos gastos do Governo Federal; acabar com o princípio do destino na cobrança interestadual do ICMS extinguindo a guerra fiscal; e, fortalecer e ampliar a Lei de Responsabilidade Fiscal para evitar alguns abusos como o uso de royalties para financiar despesas permanentes. As medidas são duras, mas é melhor encarar esses desafios do que ter de conviver com Estados fracassados onde há uma dissociação entre realidade jurídica e empírica, onde as estruturas de governança não funcionam e onde as instituições e as principais funções do Estado colapsam.

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