“A gente tinha que fazer a Paixão de Cristo em 2022, senão nunca mais ela aconteceria” – Revista Algomais – a revista de Pernambuco

“A gente tinha que fazer a Paixão de Cristo em 2022, senão nunca mais ela aconteceria”

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Após dois anos sem ter apresentações, Nova Jerusalém volta a exibir a Paixão de Cristo. O presidente da Sociedade Teatral de Fazenda Nova, Robinson Pacheco, relata as dificuldades causadas pela pandemia, como está sendo a retomada e conta, com humor e emoção, a história da criação do espetáculo.

A história da criação da Paixão de Cristo em Fazenda Nova, no município do Brejo da Madre de Deus, daria um filme, com toques de drama, aventura, comédia, romances proibidos, uma boa dose de inspiração épica e vários finais felizes. Nesta entrevista a Cláudia Santos, Robinson Pacheco, presidente da Sociedade Teatral de Fazenda Nova e coordenador geral do espetáculo, contou detalhes desse roteiro, que começou a ser escrito por seus avós e pais, resultando na ousadia de construir um espetáculo grandioso, com efeitos especiais, estrelado por atores famosos nacionalmente e encenado numa cidade-teatro, construída como uma réplica de Jerusalém. Emocionado, ele revelou as dificuldades enfrentadas no período da pandemia e fala com otimismo da retomada com a 53ª temporada que acontece de 9 a 16 deste mês e traz no elenco Gabriel Braga Nunes no papel de Jesus, Christine Fernandes, como Maria; Luciano Szafir, interpretando Herodes, o ator Sérgio Marone, como Pilatos, a influenciadora digital Thaynara OG, no papel de Herodíades, e a atriz pernambucana Marina Pacheco no papel de Madalena.

Como surgiu a ideia de criar o espetáculo da Paixão de Cristo?

Em 1951, a Vila de Fazenda Nova tinha mil habitantes. Um cidadão de nome Epaminondas Mendonça migrou com a sua esposa Sebastiana, de Quipapá, na zona da mata, onde ele era vice-prefeito e tinha uma farmácia, para morar aqui, por orientação médica. Ela sofria de artrite e aqui temos a fonte hidromineral de água magnesiana, recomendada para quem tem esse problema. Ambos eram meus avós. Chegando aqui, comprou uma casa, botou uma loja de tecido, uma farmácia e uma pequena pousada que vivia de eventos, como o São João. Minha avó adorava teatro e era ligada à cultura popular. Meu avô também tinha uma pousada no Recife e, todas as vezes em que queria lotar o hotel em Fazenda Nova, chamava os clientes e os conhecidos para virem para cá, porque em certas datas havia apresentações. No 7 de setembro, minha avó fazia o espetáculo sobre Dom Pedro e a Independência, em dezembro, sobre o nascimento de Jesus.

Mas a Semana Santa era a baixa estação, não vinha ninguém. Uma vez o genro dele foi visitá-lo e levou um exemplar de O Cruzeiro, com o encarte Fonfon, que trazia uma matéria sobre um espetáculo da Paixão de Cristo numa cidade alemã. Meus avós eram muito católicos e aí ele disse: “Sebastiana faz um espetáculo sobre a Paixão de Cristo, vai lotar os hotéis (já havia três na vila)”. Ela disse: “vou chamar Lourinho (que era Luiz Mendonça, um dos filhos do casal que interpretou o primeiro Jesus) e vou dar essa ideia para ele”.

Lourinho, com o colega Osíris Caldas, escreveu a primeira peça chamada Drama do Calvário. Esse meu tio morava no Recife, trabalhava na Secretaria da Fazenda, e trouxe as pessoas ligadas ao teatro, do MCP (Movimento de Cultura Popular). A esse grupo de atores se juntou a figuração toda daqui da vila. Eles fizeram o espetáculo em 1951 e em anos posteriores.

Em 1955 meu pai, Plínio Pacheco, um jornalista e oficial da aeronáutica, era gaúcho e veio morar no Nordeste procurando um lugar mais quente. Chegando ao Recife, conheceu meu tio Luiz Mendonça, no bar Savoy. Meu pai era diretor de redação do Diário da Noite e do Jornal do Commercio. Um dia meu tio falou com o fotógrafo Clodomir Bezerra (que era correspondente de O Cruzeiro), para ele fotografar uma cena do espetáculo, em fevereiro, no Carnaval e enviar para a revista para ver se publicavam. O fotógrafo e os atores ficariam hospedados no hotel. Clodomir disse que só iria se envolvesse Plínio, porque ele era o chefe de redação dos dois jornais e tinha muita influência. No meio do papo, meu pai teve uma ideia: “vou conseguir um vagão da Rede Ferroviária Federal e vamos levar 30 jornalistas até Caruaru e de lá vamos de caminhão”. Naquela época não havia estrada, carro, energia elétrica ou água encanada.

Eles vieram em pleno Carnaval e no domingo todos foram brincar num bloco, inclusive minha mãe, Diva, que tinha 16 anos e ajudava os pais no hotel. Quando ia saindo, ela viu o gaúcho de bermuda, sapato, camisa abotoada até o pescoço, lendo jornal, às 10h. E perguntou: “você não vai para o bloco?”. Ele respondeu: “não, prefiro ficar aqui lendo três jornais”. Minha mãe ficou impressionada. Ela voltou, às 4 da tarde, toda suada, com as sandálias na mão e papai continuava lendo jornal (risos). Ela disse: “eu já brinquei Carnaval o dia todo, tomei um porre e você está aí no mesmo lugar? (risos). Aí meu pai: “isso é coisa de gaúcho”.

Daí surgiu um romance, mas meu avô não queria porque meu pai era desquitado. Eles fugiram para o Rio Grande do Sul. Passados dois anos, meu avô mandou uma carta pedindo para voltarem. Eles voltaram, ele ficou baseado no Recife, depois vieram para cá na Semana Santa e ele assumiu a produção do evento que era realizado na rua.

Como a cidade-teatro foi construída?

A via sacra era encenada na escada externa de uma grande casa onde as pessoas assistiam da rua e algumas assistiam de cima do muro da residência. Esse muro, em 1962, caiu com mil pessoas em cima dele. Na época havia 6 mil espectadores. Meu pai cancelou o espetáculo na hora, a sorte é que ninguém se machucou. Aquele foi o último ano do espetáculo na rua. Ele começou a trabalhar no projeto para a construção do teatro e em 1966 comprou um terreno, com uma verba do Ministério da Cultura, e foi atrás de patrocínio. Mas não conseguiu.

Em 1967 assumiu o Governo de Pernambuco, Nilo Coelho, que soube pelos jornais do projeto. Ele veio aqui, sem avisar, bateu palmas e perguntou: “é aqui que tem um gaúcho doido que quer construir uma Jerusalém neste lugar?”. Quando papai olhou pela jananela, viu, surpreendido, que era o governador. Nilo Coelho perguntou o que era preciso para inaugurar o teatro dentro de um ano quando o governo dele completasse um ano. Meu pai disse que já tinha todo o projeto e a equipe, só faltava o dinheiro. E o governador respondeu: “vá tomar café segunda-feira comigo no Palácio do Governo e leve seu custo mensal que a gente vai bancar isso”. Esse foi o grande fomentador. Em 1968, aconteceu a primeira temporada com dois espetáculos. O público foi de três mil pessoas, no segundo ano dobrou, foram três dias de espetáculo, deu seis mil pessoas na temporada, em 1970 foram quatro dias e passou para 12 mil pessoas. Em 1997, foram 72 mil pessoas em oito espetáculos, o maior público da história. Estamos indo agora para 53ª temperada. Nesses anos todos, já recebemos mais de 4,5 milhões de espectadores de todo o Brasil e de 18 países do mundo.

Como vocês enfrentaram a pandemia?

Foi muito ruim. Sofremos muito. Passamos praticamente dois anos parados. Mas as coisas aqui nunca foram fáceis, devido à grandiosidade de tudo. A pandemia deixou muita gente sem o seu salário, pessoas que viviam com a gente há mais de 40 anos. E a gente sofre junto também porque são pais e mães de família. Mas passamos por tudo isso sem perder a vontade, a coragem e a fé de que o amanhã será melhor. No início de janeiro, mesmo com os três filmes da campanha prontos, a gente sentiu muita dificuldade de colocar a campanha na rua porque havia uma certa resistência devido aos protocolos, àquela insegurança no País e no mundo todo.

Meu pai viveu vários momentos de dificuldade (diz em tom emocionado e lágrimas nos olhos), mas ele e minha mãe nunca deixaram de acreditar. Essa crença nos deu força para entender que a gente tinha que fazer o espetáculo em 2022, senão nunca mais aconteceria. Aquele céu nublado foi clareando, o sol voltou a brilhar e a gente está próximo da estreia com tudo preparado.

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