Arquivos Artigos - Página 16 De 20 - Revista Algomais - A Revista De Pernambuco

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O tempo não faz concessão

*Paulo Caldas “Nunca se viu, na história da humanidade, tanta preocupação com a gestão eficaz do tempo. Tanto as empresas e as instituições quanto as pessoas em geral, se debatem com a premência de ter que lidar da forma melhor com ele. O aprendizado pode ser árduo, mas vale a pena, porque, como percebeu Peter Drucker, o pioneiro da gestão moderna, ‘O tempo é o nosso recurso mais escasso’’. Com esta definição, os consultores Cármen Cardoso, Francisco Cunha e Tiago Siqueira apresentam o livro “Quem tem prazo não tem pressa”, escrito pelos três, com a produção da INTG Editora, projeto visual (de fino trato) assinado pela designer Gisela Abad, revisão da Consultexto, impressão e acabamento da Gráfica Santa Marta. O caminhar do texto exibe pedras preciosas lapidadas em expressões de renomados pensadores contemporâneos e de outras eras, encontradas nos campos da lida. Tais assertivas, daqui e de alhures, instrumentalizam o cotidiano de profissionais que gravitam no universo da gestão de negócios sejam corporativos ou intrínsecos ao seu perfil individual. No livro acontece a sublimação do bom senso, pois garante que, uma vez organizado, o tempo não sucumbe à pressa. Assim, são alinhadas as esmeraldas, águas marinhas, topázios e outras garimpadas pelo trio de autores, quando extrai preciosidades do tipo: “Talento é trabalho”, de Millôr Fernandes, ou “O pessimismo é uma doença como qualquer outra” de Aristóteles Onassis. Nas extensas galerias dessa mina, são arrebatadas pepitas de filósofos gregos, ícones da política internacional, gestores de conglomerados empresariais, escritores, jornalistas, poetas, cantores, compositores, sociólogos, religiosos, esportistas consultores, cientistas e outros tantos luminares desta aldeia global. Sem enredo, cenas, cenários ou diálogos, este “Quem tem prazo não tem pressa”, dada a criatividade dos autores e o quilate dos personagens, vai além de um simples breviário do nosso dia a dia. *Paulo Caldas é escritor

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21 lições para o século 21 (por Francisco Cunha)

Esse é o título do mais novo e excelente livro de Yuval Harari, autor do também muito bom Sapiens – Uma Breve História da Humanidade. Harari é professor da Universidade Hebraica de Jerusalém. O 21 Lições é o seu terceiro livro. Entre este último (sobre o presente) e Sapiens, o primeiro (sobre o passado), lançou Homo Deus – Uma Breve História do Amanhã (sobre o futuro). Todos três muito instigantes e resultado de uma inteligência viva e provocativa. Quem ainda não leu nenhum, sugiro começar pelo mais recente, o 21 Lições, depois, se gostar, pode passar para o Sapiens e, por fim, Homo Deus. Penso tratar-se de uma leitura obrigatória para quem tem interesse pelo tema e preocupação com as tendências de peso relativas a costumes, tecnologia e negócios, neste momento de profundas transformações e, ao mesmo tempo, de tantas informações desencontradas em que vivemos. A primeira frase de Harari no 21 Lições, logo na introdução, é a seguinte: “Num mundo inundado de informações irrelevantes, clareza é poder”. E é justamente isso que ele provê com seus escritos: clareza. Observando o Século 21, enumera as três principais ameaças globais para o futuro no planeta: (1) a sempre presente possibilidade de guerra nuclear com detonadores acessíveis por ditadores de plantão; (2) o aquecimento global com o seu risco associado de colapso ecológico; e (3) a disrupção digital com a dupla revolução da inteligência artificial e da biotecnologia. Em contraposição, enumera as articulações já existentes (uma ecologia, uma economia e uma ciência globais), faltando uma política global capaz de evitar o pior por meio de uma articulação consequente. No que diz respeito especificamente à ameaça da disrupção tecnológica (biotecnologia + inteligência artificial), diz: “A revolução tecnológica pode em breve excluir bilhões de humanos do mercado de trabalho e criar uma nova e enorme classe sem utilidade, levando a convulsões sociais e políticas com as quais nenhuma ideologia existente está preparada para lidar”. Já serão evidências disto o Brexit, a eleição de Trump, as migrações em massa e as recentes manifestações dos coletes amarelos em Paris? Refletir e especular organizadamente sobre o futuro é, de longe, a melhor maneira de se preparar para enfrentar as ameaças e aproveitar as oportunidades que surgem. Harari ajuda muito nisso.

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Empresas sexistas perdem dinheiro e oportunidades (por Beatriz Braga)

*Por Beatriz Braga Se você não enxerga diversidade no trabalho como uma necessidade, você não está apenas atrasadx socialmente, como também corre risco de estar perdendo dinheiro e oportunidade de crescimento. Tive a chance de ir ao Web Summit - uma das maiores conferências tecnológicas do mundo que aconteceu no começo do mês em Lisboa - e o assunto “disparidade de gênero” foi recorrente. Que privilégio ouvir tantas líderes - de vários países e etnias - tocando na ferida do ‘gender gap’ em um evento cujo setor é dominado por homens. As pesquisas mostram o óbvio: quanto mais uma empresa é diversa, mais demandas e mais públicos poderá acolher com eficiência. Mais diversidade, mais lucro. O avanço na igualdade salarial de homens e mulheres traria uma injeção de 12 trilhões de dólares na economia global até 2025 segundo o estudo da McKinsey Global Institute. No entanto, apesar do tema já ser tratado há dez anos, a distância entre homens e mulheres está aumentando. Mulheres continuam a ser pagas, em média, 20% menos (Global Wage Report) mesmo com níveis de educação superiores e a previsão para que essa diferença seja eliminada são de mais de dois séculos para frente. O problema é que, além das mulheres ganharem menos, homens tendem a ter seus salários aumentados com mais rapidez. Além disso, temos menos acessos às indústrias onde se ganha melhor e somos mais propensas a trabalhos de meio período, a dar um tempo no emprego por conta da maternidade e a dedicarmos mais energia à casa e à família. Uma das grandes dificuldades, como explica Randi Davis (United Nations Development Programme), é que as barreiras continuam por toda vida útil de trabalho, inclusive em escalas subjetivas. Davis pede atenção ao “unconscious bias” (preconceito inconsciente) por parte dos colegas de trabalho que impedem os avanços das mulheres dentro das empresas. É o que mostra o case de “Heidi e Howard”. Uma mesma tese científica assinada por esses dois nomes diferentes foi posta sob análise para uma turma da Escola de Negócios de Havard, para a qual foram feitas perguntas sobre o teor do trabalho e do suposto autor(a). O resultado: o projeto foi classificado igualmente como bem feito e eficaz, porém os estudantes estariam dispostos a trabalhar com Howard, mas não com Heidi, sobre quem diziam “merecer menos”, ser “menos agradável” e “mais egoísta” que seu concorrente. A pesquisa foi realizada depois com outros nomes e obteve a mesma conclusão, simpatia e sucesso estão correlacionados apenas para homens. Heidi Roizen - que inspirou o estudo - é uma executiva do Vale do Silício que disse ter aprendido que mulheres precisam saber que vão decepcionar por serem bem sucedidas. Esse quadro e o fato de que líderes homens são a grande maioria no mundo (um estudo da CIPD mostrou que os executivos-chefes das maiores empresas listadas na bolsa de Londres têm mais probabilidade de serem chamados Dave do que de serem do sexo feminino), nos leva a uma verdade inconveniente, dita pela diretora do Women´s Forum Chiara Corazza: “A primeira coisa a ser feita é convencer os homens de que mulheres são capazes e vão trazer performance e valor para seus negócios”, afirma. É preciso, pois, um comprometimento dos altos escalões. Susie Wee, vice-presidente da Cisco Systems, possui um time no qual mais da metade são mulheres, num campo de atuação bem sexista, o setor tecnológico. “É possível”, diz ela. Para começar, a expert sugere que os líderes requisitem listas de candidatos 50%-50% (metade mulheres, metade homens) e escolher, dentre eles, xs melhores. “Um dos nossos VPs fez isso e acabou com duas executivas fenomenais contratadas. A igualdade no começo do processo alargou os padrões”. Para Susie, os detalhes também fazem a diferença, como o dia que precisou levar o filho bebê para uma conferência e foi bem recebida pelo chefe. No Web Summit, muitas palestrantes fizeram um convite às empresas de tecnologia: ferramentas inteligentes devem fazer a diferença nesse processo de mudança. “Precisamos tornar as vida das mulheres trabalhadoras mais flexíveis”, diz Chiara Corazza, uma vez que os ambientes corporativos foram pensados para as demandas masculinas. Algumas ideias interessantes surgiram para compor o dia-a-dia das grandes corporações: um aplicativo que meça a quantidade de vezes em que a mulher é interrompida nas reuniões (vide o maravilhoso “arementalkingtoomuch.com”); outro que possa medir a quantidade de ideias vinda de mulheres e se elas são reconhecidas; e a chamada talvez mais importante: “financiem mulheres!”, aconselhou Randi Davis à plateia. “Eu conheci profissionais fantásticas aqui e elas dizem que é muito, muito difícil conseguir financiamento, recursos e acesso à indústria tecnológica”, completou. É válido lembrar que o esforço do meio privado não será eficiente se o governo não se comprometer com as grandes causas. Chiara falou sobre o caso da França. “Há 5 anos, existia menos de 8% mulheres nas diretorias. Hoje são 40% de líderes, somos o número 1 do planeta por conta da lei. Mas as mulheres foram preparadas para isso” afirma, lembrando que a sociedade precisa criar líderes desde crianças. Enquanto o país de Macron subiu de 20ª para 11ª no ranking de igualdade do Fórum Econômico Mundial entre 2006 e 2017, o Brasil caiu da 67ª para 90ª. Sobre algumas das assertivas franceses temos: o primeiro escalão de governo dividido igualmente; garantia de licença maternidade paga pelo governo; o orçamento do órgão que combate a desigualdade cresceu 13% em 2017 e um sistema de penalidades financeiras para setor público e privado que descumprirem as obrigações de paridade de gênero. Toda vez que eu ouvi, durante o Web Summit, que o cerne da questão está no exemplo que as grandes empresas e o governo devem fazer para criar um mundo mais diverso, lembrei de Bolsonaro afirmando que não pagaria o mesmo salário para homem e mulher ou que sua filha foi fruto de uma fraquejada. Se não podemos esperar que o exemplo venha de cima no Brasil, pois então comecemos de baixo, ensinando a cada garota a nosso alcance que números, ciência, política

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O castelo poético de Taciana Valença

Por Paulo Caldas Emoções à flor da pele é o que se reflete na aura desse “Febre” (Tarcísio Pereira editor- editoração de Lourdes Duarte, capa Tiago Valença, orelhas Sidney Nicéias, prefácio Bernadete Bruto, apresentação Fátima Quintas e posfácio Luiz Carlos Dias), poemas assinados por Taciana Valença. Há perene emoção na concepção de cada escrito, bem como a fluidez de versos libertos das estrofes e dos rigores formais, que em moto-contínuo abraçam a sensibilidade do leitor, carinhosamente. Em “Febre”, poema título do livro e no caminhar dos demais, predomina o intimismo, princípio que concebe e tece a teia de sentimentos que envolve a poética e o leitor. É interessante também observar a presença explícita do contraponto no poema “Alheia”, quando o manuseio das palavras em confrontação marcam a cadência do ir e vir, suave balanço no compasso das símiles colocadas com natural sutileza. Há ternura e graça em momentos continuados, no entanto sem que a poetisa se afaste do tom áspero quando requer a composição do verso. “Febre” traz consigo uma legião de zelosos cavaleiros que cavalgam nas orelhas, apresentação, pré e posfácio, trajados de armadura, escudo, espada, que abaixa a ponte elevadiça, abre as muralhas e no castelo lírico de Taciana, conduz o leitor aos segredos ocultos nos seus labirintos poéticos. O clima do livro é intenso desde o primeiro poema e não perde o ânimo quando perpassa cada um dos escritos. “Febre” não precisa de silêncio, como apela a autora, mas de celebração, proclamas à voz de arautos (centenas deles). E desde agora, assumo tal atribuição.

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Aconteceu uma vez, então pode acontecer de novo

*Por Beatriz Braga Visitar o Memorial do Holocausto em Berlim foi uma das experiências mais fortes que vivi. Na entrada do local, dedicado à história do genocídio nazista, nos deparamos com a frase estampada numa parede branca: “aconteceu, então pode acontecer de novo”. O governo alemão, segundo a minha guia, fez questão de construir o museu em uma das principais vias da capital. “Dessa forma, lembramos todos os dias do que já fomos capazes de fazer”. A ideia não foi criar uma geração de deprimidos pós-guerra, mas uma nação que conhece sua história para que os erros não sejam repetidos. A Alemanha e o Brasil são extremos quando se trata da relação com o passado. A primeira está cheia de monumentos, memoriais, cemitérios e projetos onde seus anos de livros queimados e massacres são refletidos. Sem contar o sistema de educação do país, que abraça os traumas coletivos para revertê-los em consciência. Corta para o Brasil, em 2018, quando o Museu Nacional do Rio de Janeiro, com mais de 200 anos de história, sucumbe às chamas. Tragédia essa precedida dos incêndios do Instituto Butantan, do Memorial da América Latina, do Museu da Língua Portuguesa e da Cinemateca Brasileira. Vivemos em um país sem memória. “Já está feito, já pegou fogo, quer que faça o quê?”, comenta csobre o acontecimento. O candidato à frente da corrida eleitoral brasileira vai além. Presta homenagens a Carlos Brilhante Ustra, ícone da repressão no país, e diz que o erro do regime militar teria sido “torturar e não matar”. E não para por aí. Afirmou que não aceitaria ser atendido por um médico cotista; que prefere um filho morto a um filho gay e que não estupraria a deputada federal Maria do Rosário porque ela não mereceria. Nossa democracia é uma jovem adulta. Há apenas 33 anos, o Brasil rompia com a ditadura. Neste 5 de outubro, a Constituição cidadã completa exatas três décadas. O voto feminino, vale dizer, é um idoso, com 86 primaveras. E cá estamos, seguros demais sobre uma história frágil que está apenas no começo. Entre os eleitores de Bolsonaro, muitos justificam o voto sob a alegação de que ele não teria como fazer tudo aquilo que diz (ainda que seu plano não seja tão bem definido quanto os seus preconceitos) e afirmam que se não der certo, o povo pede de volta a cadeira do executivo. Quão arriscado será entregar a nossa ainda galopante democracia nas mãos de um homem que, até agora, não defendeu nenhum valor democrático em sua campanha? O que dirá o “Messias” sobre ela? Que, assim como as mulheres, fruto da “fraquejada dos pais”, a democracia brasileira foi um fraquejo dos militares que tanto admira? “Aconteceu uma vez, então pode acontecer de novo” deveria vir escrito no título eleitoral do brasileiro, para que seja lembrado do que a duras penas foi conquistado nesse Brasil desmemoriado. O nosso autogolpe será eleger pelas urnas os valores que em 1964 precisaram de armas para chegar ao poder. O jornalista português Baptista Bastos disse que “um país sem memória, ou que não cultiva a recordação das coisas, está irremediavelmente condenado.” Sem saber de onde viemos, pois, seguiremos condenados a ter medo do que vem pela frente. No futuro, com o Brasil em chamas, ao pensar nas eleições de 2018, vamos citar o postulante inominável ao Palácio da Alvorada: “já está feito, já pegou fogo, quer que faça o quê?”.

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O filme lançamento da Netflix "Sierra Burgess is a Loser"

*Por Beatriz Braga O filme lançamento da Netflix Sierra Burgess é uma loser tem como alvo o público teen. Um romance água com açúcar cheio de clichês que acontece entre os corredores hostis de uma escola e jogos de futebol americano. Mas o caso de amor improvável se dá entre Sierra, garota considerada acima do peso e não atraente, e Jayme, o atleta típico protagonista de sessão da tarde. A estranheza causada por esse encontro, dada a raridade de sua existência nos filmes que crescemos assistindo, mostra que não amadurecemos. Ainda estamos lá, na lanchonete do colégio, dividindo o mundo entre os corpos esbeltos, brancos e bonitos que merecem atenção e os invisíveis que devem abrir passagem. Queria ter visto mais Sierras enquanto crescia. A personagem, apesar do bullying que sofre, tem um senso de segurança que conquistou vindo de uma família que valorizava suas qualidades. Hoje o feminismo faz um trabalho pesado e necessário para que nos libertemos da pressão dos padrões de beleza. Mesmo absorvendo toda a teoria e me identificando com o discurso, no final do dia, ainda me torturo em frente ao espelho. Tenho inveja do meu corpo de dez anos atrás e não consigo entender porque me proibia de usar shorts naquela época. Vejo o sentimento se repetir nas mulheres a minha volta e a conclusão é sempre a mesma: nos enxergamos sempre piores do que um dia fomos. E como a vida segue inevitavelmente para frente, nunca seremos suficientes no presente em que vivemos. A frustração é um hábito e, pela natureza do que é cotidiano, não nos desperta atenção. Somos acostumadas com a nossa insuficiência e vivemos assim porque esse é o tipo de amor próprio que conhecemos - exigente e cruel. O filme tem algumas falhas de roteiro, mas a canção final criada por Sierra compensa esses detalhes (a atriz Shannon Purse - que também interpretou Barb em Stranger Things - tem uma voz lindíssima). Na letra, a protagonista se compara a um girassol, não tão bonito quanto uma rosa, em alusão à garota mais bonita e popular da escola. A protagonista apresenta a música ao pai, um escritor intelectual que, emocionado, cita uma frase de George Eliot sobre a beleza física: “a natureza, grande dramaturga trágica, entretece-nos por ossos e músculos e nos divide na teia mais sutil do nosso cérebro” (o filme também me ganha nas referências literárias). George Eliot na verdade era Mary Ann Evans, escritora inglesa do século 19, que usava o pseudônimo masculino para ganhar respeito na sociedade machista na qual vivia. Dizem que ela própria era considerada bem feia, fato muito discutido durante sua vida e postumamente - detalhe normalmente incluso em biografias femininas, mesmo quando o importante era mesmo a beleza de sua prosa. Passam os séculos, algumas coisas continuam iguais. A natureza nos fez diversos e tornamos isso, tantas vezes, uma tragédia. Entre os filmes e as conversas de adulto, as vezes é importante voltar algumas casas e nos refazermos. É preciso voltar ao passado e nos perdoarmos por sermos imperfeitos. Para compensar as adultas de hoje, faz bem resgatar a Sierra que poderíamos ter sido.  Aquela que sai do banho, encara o espelho e diz sorrindo para si mesma: “você é um animal maravilhoso”. “Você é linda, Sierra, mas é muito mais que isso”, diz seu pai. E não é simples assim? Somos tão além disso e, rotineiramente, nos julgamos tão menos. Que graça tem a rosa, afinal, cheia de espinhos, ao lado do girassol que, por ofício natural, persegue os raios de sol em todo canto que lhe é permitido florescer?

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Precisamos falar com os homens

*Por Beatriz Braga “O machismo é democrático, fode com todo mundo”, disse a jornalista Milly Lacombe e lembro dela quando preciso sintetizar de maneira fina e objetiva um fato tão claro.  Parecido com o que acontece com as mulheres, os homens também estão submetidos às regras do que é “ser masculino”. Enquanto nossa criação é baseada no “feche as pernas, menina”; os garotos são criados no “menino não chora” ou “anda que nem homem”. “O homem já nasce com três nãos: não ser mulher, não ser gay e não ser criança”, escreve Helen Barbosa dos Santos, pesquisadora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, no projeto O crepúsculo do macho . A sociedade inferioriza tudo que tem a ver com o feminino e força os homens a se adequarem às características ditas masculinas (força, agressão e racionalidade) - porque essa é a fórmula dita da masculinidade bem sucedida. No entanto, nem todo homem se encaixa nessa definição simplória do que é ter pênis nesse planeta. Além do que a educação dos meninos tem-se comprovado perigosa: homens são autores de 90% dos homicídios no mundo e 94% dos homicídios em massa. Também são as principais vítimas de assassinatos, acidentes de trânsito e alcoolismo. Machismo é a causa principal de morte de homens no planeta, segundo Benedito Medrado (Instituto Papai) no documentário Precisamos falar com os homens? Uma jornada pela igualdade de gêneros, um filme que faz um chamado aos rapazes a repensar a forma como são educados. Temos a falsa impressão que meninas são mais propensas à emoção e ao cuidado, enquanto homens são de natureza agressiva. Essas qualidades, porém, foram socialmente criadas, não são herança biológica. O problema é que esses hábitos sociais são os responsáveis por um mundo hiperviolento. Outro documentário importante, A Máscara em que você vive , coloca a mídia no centro da discussão sobre brutalidade e gênero masculino. Um menino normal passa em média 40 horas por semana assistindo TV, esportes e filmes; 15 horas jogando videogames e 2 horas vendo pornografia. Aos 18 anos, já viu cerca de 200.000 atos de violência na tela. Nessas produções, os arquétipos masculinos trazem personagens calados e com controle de suas emoções, além de serem ágeis e raivosos. Quando são extrovertidos normalmente degradam mulheres e consomem uma grande quantidade de drogas e álcool. Os garotos são influenciados pelos estímulos que consomem e não é à toa que se espelham nos heróis e personagens que acompanham cotidianamente. O feminismo vem despertando mulheres para questionar estereótipos. Os homens precisam entrar na conversa para que também possam estar livres (e nos livrar) da pressão que gira em torno deles. Há, por um lado, a cegueira confortável para os que se beneficiam do status quo; mas há também o tiro no pé dos caras que não enxergam que a luta é para todos. O machismo cala mulheres, mas também cala homens quando limita suas capacidades de expressão. “Eu peço a todos os homens para se lembrarem da primeira vez que ouviram que tinham que ‘ser homem’. Acho que é a frase mais destruidora da nossa cultura”, diz Joe Ehrmann, ex-jogador da NFL que lamenta, no filme, o uso dos esportes para tornar os meninos ainda mais agressivos, homofóbicos e machistas. Se reconhecer como vítima é poderoso. A partir disso, entendemos como chegamos até aqui enquanto sociedade. Somos todos, em maior ou menor grau, consequências e coprodutores do sexismo e do preconceito. É preciso alguma dose de tolerância para entender as sementes que foram plantadas dentro de nós pelos que vieram antes. E coragem, agora, para cortá-las pela raiz. “Os homens têm que encontrar formas de viver melhor com eles mesmos. Porque estão matando mulheres e estão matando uns aos outros”, diz Nadine Gasman da ONU Mulheres Brasil. O que fazer, então, do futuro? Tenho algumas ideias. Para começar, assistir aos documentários aqui citados e ao episódio Masculinidade e Sentimentos do podcast Mamilos , que traz alguns dos homens que estão fazendo parte desse movimento de repensar uma nova masculinidade. Nessa edição, eles choram, desabafam e relembram suas criações opressoras. É um processo poderoso. Enquanto nos libertamos, precisamos urgentemente livrar o que vem a seguir. Já é hora de privar as crianças da nossa obsessão por gêneros. Permitamos que os meninos chorem e sintam emoções; que usufruam das suas energias femininas e vejamos que bem faz mostrar a uma geração que ela não precisa se comunicar através da agressão. Em Precisamos falar com homens, a publicitária Thais Fabris diz uma frase que não me sai da cabeça: “eu odeio o machismo, não o machista”. O problema não é pessoal, é social. O que vai definir se você fará parte da solução ou do problema é a sua disposição de se perceber alvo sem deixar de se enxergar responsável pela mudança.

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Seis podcasts que você precisa começar a ouvir

*Por Beatriz Braga Ouvir. Precisamos urgentemente abrir os nossos ouvidos. Ouvir quem está do lado, ouvir quem está distante. Ouvir mulheres, ler mulheres, assistir mulheres. Isso, claro, se quisermos evoluir como humanidade. Uma ótima ideia do mundo moderno foi a invenção do podcast (arquivo digital de áudio transmitido através da internet sem necessariamente uma frequência fixa de episódios). Esse tentáculo do rádio tem ganho cada vez mais atenção dxs produtorxs de mídia, isso inclui centenas de mulheres à frente de programas muito interessantes. Eu sou fiel adepta ao mundo do podcast e não saio de casa sem meu fone. De repente, o caminho até o trabalho ou o exercício na academia tornam-se viagens às águas até então não navegadas individualmente. Também continuo uma fiel amadora do mundo analógico e sigo fascinada pelo tradicional rádio nosso de todo dia. O podcast, pois, une o que o rádio tem de fascinante (a atenção às palavras, à discussão e à conversa entre humanos) com o que o avanço tecnológico trouxe de bom (praticidade, diversidade e democratização de conteúdo). As hashtags #mulherespodcasters e #opodcastédelas são um caminho eficiente para descobrir projetos legais protagonizados por vozes femininas. Se você ainda não começou, por que não hoje? Ouça mulheres. Escute diálogos sobre diferentes experiências da sua. Essa é a nossa maior contribuição para um mundo mais bacana. As opções de programas bons (e gratuitos) são infinitas, mas como acho que cardápios grandes atrapalham mais do que ajudam, selecionei os poucos e bons que me acompanham. Compartilho, aqui, minha lista de podcasts queridinhos. Preencher os tempos ociosos do meu dia ouvindo o que outras mulheres têm a dizer foi uma das melhores coisas que fiz nos últimos tempos. Estão preparadxs para uma lista super interessante? 1. Mamilos | B9 Jornalismo de peito aberto, cabeça fria e personagens bem escolhidos. Conversa boa, bem humorada e inteligente, sobre temas que mudam a cada edição: arte, política, sexo, masculinidade, maternidade, aborto e por aí vai. Meu podcast preferido (sou “mamileira” fiel), apresentado por Juliana Wallauer e Cris Bartis, é ótimo para se atualizar dos assuntos do momento. Polêmicas e tabus são bem-vindos e tratados com respeito. Todo mundo deveria ouvir Mamilos! Saiba mais: www.b9.com.br/podcasts/mamilos/ 2. Feito Por Elas | Anticast Eis a proposta: assistir, toda semana, um filme de uma diretora mulher durante um ano. Topa? O desafio#52FilmsbyWomen (52 Filmes por Mulheres) foi lançado pela organização Women in Film (www.womeninfilm.org), projeto que nasceu para alavancar um universo muitas vezes deixado de lado por falta de oportunidade e preconceito. Foi de olho neste desafio que o podcast Feito Por Elas surgiu. Cada edição apresenta uma mesa redonda de mulheres que já tinham alguma experiência anterior em crítica de cinema (Angelica Hellish, Isabel Wittmann, Samantha Brasil, Camila Vieira, Stephania Amaral e Michelle Henriques). Quinzenalmente, uma diretora é escolhida e três filmes diferentes de sua carreira são analisados. A ideia do projeto é enriquecer o debate em torno de produções assinadas por mulheres e dar mais visibilidade às cineastas que fizeram ou continuam fazendo trabalhos importantes ao redor do mundo. Saiba mais: www.anticast.com.br/2016/08/feitoporelas 3) Baseado em Fatos Surreais Para ouvir depois de um dia pesado e dar risada ou se confortar com esses episódios leves de geralmente algo em torno de 20 minutos. A ideia aqui é dar vozes às histórias anônimas de outras mulheres contadas na primeira pessoa. A cada episódio, uma história enviada por ouvintes é interpretada por uma das apresentadoras em uma conversa aberta com outras parceiras. Tudo isso com empatia, sensibilidade e bom-humor. Claro que rola uma dramatizada e uns pontos a mais nos contos, mas tá tudo certo, a gente gosta mesmo de emoção. As histórias giram em tornos de fatos “surreais” que acontecem na vida de pessoas comuns, envolvendo amizade, sexo, trabalho, família e o que mais couber no roteiro cotidiano de gente como a gente. O projeto é mantido por Marcela Ponce de Leon e Sheylli Caleffi, sempre com convidadas para interpretar e reagir aos causos da vida alheia. Saiba mais: www.bfsurreais.com.br 4) Talvez Seja Isso Um convite às profundezas do “ser mulher”. Nesse podcast, mulheres se reúnem para conversar e analisar a obra clássica “Mulheres que correm com os lobos” de Clarissa Pinkola Estés. O livro é um caminho sem volta para transformação pessoal (para as leitoras interessadas, claro). Assim como a felicidade, toda transformação é mais real se compartilhada. O podcast é um espaço seguro para ouvir sobre os ensinamentos desse livro fantástico. A cada edição, um capítulo entra na berlinda. Eu ainda não terminei o livro, mas quando acabo um capítulo, vou lá e ouço essa conversa entre mulheres, que apesar de não conhecê-las, sinto como se fossem minhas amigas dialogando na mesa de bar - e tem melhor cenário para sair renovada? Não necessariamente é preciso ler o livro para entender as reflexões, mas acho que o combo (leitura + discussão) é a maneira mais legal de aproveitar essa viagem ao centro de nós mesmas. Aos mais distraídos, pode soar como besteira. Às mais dispostas, soa como poder. Saiba mais: www.talvezsejaisso.com 5) About Race | Reni Eddo Loge As duas últimas dicas são podcasts em inglês (uma ótima opção para quem quiser, de quebra, treinar o ouvido para esta língua estrangeira). No site do programa, inclusive, encontramos os episódios transcritos para serem lidos. É muito bom escancarar os ouvidos e saber o que se está falando ao redor do mundo também. About Race é o podcast da jornalista britânica Reni Eddo Loge, autora do livro bestseller “Why I'm No Longer Talking to White People About Race” (Porque eu não falo mais com pessoas brancas sobre racismo, em tradução livre), do qual tenho lido críticas maravilhosas e tem alavancado a carreira da escritora pelo mundo. No programa, pautas interessantíssimas, muitas vezes polêmicas e sempre bons convidados. O tema central é racismo e a autora, enquanto feminista com foco interseccional, tem muito a dizer. Encontrei esse podcast por acaso pela internet e virei fã. Em uma das últimas edições, “The Big Question” (a

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O mundo está chato ou você que perdeu a graça? (por Beatriz Braga)

*Por Beatriz Braga Minha fantasia de como é ser um homem...”, conta a comediante americana Chelsea Peretti, irônica, no show One of The Greats, “...é acordar todo dia, abrir os olhos e pensar ‘eu sou incrível!’”, completa exaltada, fazendo a plateia rir. Depois segue imitando os colegas de trabalho enquanto falam sobre suas conquistas sexuais com garotas. A prática de stand-up comedy sempre foi um terreno majoritariamente masculino. Cada vez mais, no entanto, mulheres sobem ao palco para provar que também são engraçadas. É uma mulher, inclusive, que vem sendo aplaudida por levar o mercado humorístico a um novo e inédito nível. “A nova grande voz da comédia”, foi assim que o The New York Times chamou o especial Nannette da australiana Hannah Gadsby lançado no Netflix em junho. “Transformador”, “revolucionário” e “catártico” foram outras alcunhas que recebeu dos mais reconhecidos portais de notícias. No esquete, Hannah começa fazendo piadas comuns das suas performances, como o relato sobre uma conversa constrangedora com sua avó. “Eu percebi que esqueci de contar para ela que sou lésbica” e relembra como a matriarca ainda tinha esperança do ‘Mr. Right’ (o cara ideal) aparecer na vida da neta. Esse show, porém, não é qualquer um. Hannah explica ao público a construção do “engraçado”. Em toda sua carreira, valeu-se da autodepreciação para fazer rir, pois foi assim que aprendeu a lidar com os aspectos de si mesma que não eram aceitos. “Você entende o que autodepreciação significa para alguém que já vive à margem? Não é humildade. É humilhação”. Hannah dá um soco no estômago e nos conduz por 70 minutos variantes entre riso, drama, choque e emoção. A australiana amplia as fronteiras do stand-up. Com um microfone e um palco vazio, faz uma obra de arte. A reação das críticas e do público sugere que a velha comédia, pejorativa e ofensiva, tem uma forte concorrente. O futuro, quem sabe, será mais interessante. “O mundo está chato”, lamentam por aí os nostálgicos - em sua maioria, brancos e héteros. Temos, agora, uma geração de pessoas que se considera vítima do politicamente correto. Senhores, o mundo não está chato. Talvez, lentamente, os alvos estejam mudando e quem não era incomodado passou a ser. Apontar quem tem “andar de viado” ou pele negra não será mais engraçado. Aquele que abusa é que se tornará o ridicularizado. A pesquisadora Djamila Ribeiro relatou em sua coluna na Carta Capital que, quando adolescente, era costume passar por grupos de meninos na rua e ouvir piadinhas por ser negra, fato que ela viu se repetir com sua filha. “Rir de mim porque sou distraída ou desastrada é uma coisa, por que raios deveria rir da minha pele ou do meu cabelo como se isso fosse um defeito?”, indaga. Hannah lembra do caso da estagiária de Bill Clinton, Monica Lewinsky, que virou chacota mundial por seu affair com o então presidente estadunidense em 1998. “Talvez se os comediantes tivessem feito seu trabalho certo e feito piada do homem que abusou do seu poder, agora tivéssemos uma mulher com experiência adequada na Casa Branca. Em vez disso temos um homem que admite ter assediado sexualmente jovens vulneráveis simplesmente porque podia”, diz em referência à ex-candidata à presidência dos EUA, Hillary Clinton, e Trump, atual mandatário do país. Entre o poderoso show de Hannah e as lamentações de quem está cansado do politicamente correto, eu lembro de um colega que disse em uma mesa de bar: “meu melhor amigo é gay e tenho certeza de que ele não se importa que eu o chame de viado e fale coisas como viadagem”. Em resposta ao argumento, o sujeito da frase, presente na mesa, explicou didaticamente que ninguém gosta de ser referido com um apelido pejorativo. “Aceitamos porque você também acaba aprendendo que é o viadinho da escola”. A piada só chega depois que o ódio, a vergonha e o preconceito fizeram seu trabalho bem feito. Ela é o símbolo da naturalização da discriminação. Hannah fez a plateia rir da anedota da avó para introduzir o que antes era indizível: ela não esquecera de sair do armário como costumava brincar. Ela fizera de propósito, pois uma parte dela ainda tem vergonha de ser quem é. Talvez estejamos caminhando para o mundo onde Bill Clinton não passa mais incólume. Bill Cosby, Harvey Weinstein e outros não têm tido a mesma sorte depois das denúncias de assédio. O comediante Louis CK, que usava da sua autoridade para se masturbar na frente de mulheres, teve sua carreira arruinada ao ser desmascarado. Enquanto isso, Hannah Gadsby - mulher lésbica no auge dos seus 40 anos - é ovacionada ao dizer à plateia lotada do Sydney Opera House que não vai mais desfazer tensões com piadas. “Tensão é o que os ‘não normais’ carregam o tempo inteiro”, diz. “Os normais” precisam lidar com a merda no ventilador que eles próprios criaram. A tensão é responsabilidade de quem ensina às crianças a se odiarem simplesmente por serem quem são. Hannah foi criada na Tasmânia, estado australiano onde homossexualidade era crime até 1997. Aprenda com aquela que foi espancada na rua, estuprada mais de uma vez e humilhada durante toda a vida por ser a “mulher errada”. E que afirma que não há nada mais poderoso do que uma mulher destruída que foi reconstruída. E quem vai discordar? O show de Gadsby foi classificado pelo The Hollywood Reporter como “uma sensação do sucesso boca a boca” porque não apenas a mídia está falando sobre isso, mas as pessoas estão compartilhando eufóricas na internet. A humorista diz que esse show foi sua despedida da comédia. Mas será que a comédia vai deixá-la ir embora? O que dizer dos que classificam as críticas às piadas de mau gosto como censura? Pode fazer piada, mas não se pode reclamar dela? Aos donos da liberdade de expressão que, diante de tantos consertos a fazer no mundo, escolhem essa causa para lutar, eu diria: não foi o mundo que perdeu a graça. É você que está ultrapassado.

O mundo está chato ou você que perdeu a graça? (por Beatriz Braga) Read More »