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Rio Capibaribe em verso e na tela

Figura imponente em postais sobre o Recife, o Rio Capibaribe parece encarnar uma serpente que rasga e divide regiões em todos os sentidos. Testemunha ocular de quão desigual pode ser uma cidade, o rio cruza bairros ditos nobres e, seguindo o fluxo, desliza sob humildes palafitas. Imponência que, de longe, anuvia o que, de perto, faz arder nossas narinas: o odor acre de águas enfermas de poluição, contaminadas pela ação do homem de consciência e moral igualmente enfermas. Extremos que serviram de matéria prima a João Cabral de Melo Neto ao escrever o poema O Cão Sem Plumas, e, anos depois, inspiraram a cineasta Katia Mesel a produzir o curta-metragem Recife de Dentro pra Fora. O Cão Sem Plumas foi lançado em Barcelona, em 1950, antes da peça em versos, Morte e Vida Severina, trabalho mais conhecido do poeta, publicado cinco anos depois. O poema é dividido em quatro partes: a primeira e segunda recebem o título de Paisagem do Capibaribe. A terceira e quarta, Fábula do Capibaribe e Discurso do Capibaribe, respectivamente. Ainda que protagonista nos versos, o rio sempre tem sobre as margens a sombra do homem. A ligação rio-homem é intensa e íntima de tal maneira que os torna única essência, rio, homem, lama e pele. Recife de Dentro pra Fora estreou em 1997. Com trilha sonora de Geraldo Azevedo, passou por grandes festivais, ganhando prêmios como o de Melhor Documentário no Festival de Vitória, Melhor Fotografia em Gramado e o Prêmio Multishow de Melhor Trilha sonora no Festival de Brasília. É possível considerar o curta uma adaptação cinematográfica do poema de João Cabral, até porque, para ser classificada assim, a obra fílmica não precisa necessariamente ser fiel a cada estrofe do texto. O curta desvela, já no primeiro ato, detalhes da relação entre João Cabral e o Capibaribe, nas palavras do próprio poeta, que nasceu e viveu testemunha do correr das águas turvas e sujas do rio. Relação que, ouso dizer, não se deu por completa, pois, como revela, nunca se banhou naquelas águas. Protagonista de uma grande tragédia, o Capibaribe avança e atua para uma plateia que, por vezes, participa do espetáculo. Público que assume o arquétipo de antagonista ao lançar no rio o pior de si. Como fez João Cabral em O Cão Sem Plumas, Katia Mesel inverte o ponto de vista que agora é do rio e não do homem. O rio encara a cidade e geme de dor. O cão em decomposição boiando é metáfora perfeita para um rio que corre, porém sem vida.

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Das três letras do ESG, o S é a mais urgente

*Por Eduardo Fischer A indústria de fundos brasileira dedica 1% de seu patrimônio a ações de ESG. O dado é da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). Estamos muito longe do padrão global, que já está em 26%, com franca tendência de crescimento. De acordo com o último relatório da Climate Bonds Initiative (CBI), em termos globais, os títulos verdes continuam sendo os mais procurados, mas os títulos sociais alcançaram US$ 249 bilhões, um aumento de mais de 1022% em relação a 2019! O Brasil chegou a crescer em 2020, com 26 novos fundos focados em ESG, um salto em relação aos 19 que existiam em 2019. Mas nenhum desses lançamentos é voltado exclusivamente para o social. Mesmo com a crise provocada pela pandemia, nenhum fundo novo lançado no país no ano passado teve foco exclusivo em questões sociais. Quando encontro esse tipo de informação, penso: onde está o S do ESG? É claro que as questões ambientais e de governança são cruciais para qualquer organização. Em nações mais desenvolvidas como as da Europa e América do Norte, a busca por soluções ambientais é mais evidente e de fato deveria ser, mas em países em desenvolvimento, como é o Brasil, as questões sociais são uma prioridade. Nossa realidade não permite que o tema seja subvalorizado, muito pelo contrário. Em uma nação desigual como a nossa, a inclusão social deveria ser tratada como prioridade nacional. É assim que pensamos na MRV. Acreditamos também que não há forma mais eficaz de melhorar o S do ESG do que investindo em formação de crianças e adultos. Para nós, a educação é o melhor caminho. Por isso, estamos sempre promovendo ações de desenvolvimento social a partir do aprendizado. Mais do que ajudar pessoas, queremos oferecer um propósito a elas. Temos como meta oferecer oportunidades para que cada vez mais cidadãos sejam efetivamente integrados à sociedade. Assim, as pessoas, as famílias, as comunidades e o país crescem como um todo. Por isso a educação está no centro das ações do Instituto MRV, que surgiu em 2014 para reunir e organizar as ações que já realizávamos. O instituto recebe, anualmente, 1% do lucro líquido da MRV, o que correspondeu a R$ 6,5 milhões no último ano. Buscamos contribuir para o desenvolvimento sustentável da sociedade, inclusive apoiando a educação por meio do esporte, a educação por meio da cultura e a educação por meio de ações ambientais. Desenvolvemos, por meio do Instituto iungo, ações para estimular a formação de novos professores, essa carreira tão importante e, ainda assim, tão desvalorizada no Brasil. Sabemos do poder multiplicador da educação: cada vez que um colaborador nosso, que muitas vezes recebeu uma formação falha, tem aulas no início do expediente, ele leva essa inspiração para dentro de casa. É com ações assim que podemos transformar o S do ESG. * Eduardo Fischer é CEO da MRV, empresa do grupo MRV&CO, uma plataforma habitacional composta por marcas que oferecem a solução de moradia adequada para cada necessidade e momento de vida.

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Motoristas de aplicativos e as leis trabalhistas

*Por João Galamba, advogado trabalhista Existem alguns Projetos de Lei (PL) em tramitação no Senado Federal para a regulamentação dos milhares de trabalhadores que vivem as margens de toda e qualquer legislação. Destaco, nesta oportunidade, o PL nº 3055/2021, de iniciativa do Senador Acir Gurgacz (PDT-RO), que classifica o trabalho de motoristas de aplicativo como "trabalhador intermitente", trazendo para essa classe direitos já previsto na CLT, porém, com as peculiaridades da modalidade contratual (§ 3º do art. 443 da CLT). E, ainda, o PL nº 974/2021, de autoria do Senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), o qual expande direitos trabalhistas para trabalhadores de aplicativo, tal como o salário mínimo por hora; férias, com valor calculado com base na média da remuneração mensal dos últimos 12 meses, acrescida de um terço do valor da média; dentre outros. As discussões sobre esse tema, geralmente não dialogadas pela sociedade brasileira, que se rege sob a pífia que “pior é nada”, têm sido pauta em outros países (do chamado “primeiro mundo”). Recentemente na Holanda, a justiça daquele país reconheceu a relação de emprego entre a Uber e os trabalhadores, garantindo-lhes devidamente seus direitos. A lei holandesa impõe que há obrigatoriamente uma relação de emprego quando há a presença de três requisitos: trabalho pessoal, remuneração e subordinação (mera coincidência com a tão criticada CLT?). Essa não é a primeira decisão coletiva na Holanda. Em fevereiro deste ano, no Tribunal Recursal de Amsterdã, reconheceu, em ação do mesmo sindicato, o vínculo empregatício de entregadores em outra empresa, também da chamada (erroneamente) de “economia compartilhada”. Esta decisão corrobora com decisões das cortes superiores da Espanha, França, Alemanha e Suíça, todas entendendo pelo vínculo de emprego de trabalhadores em plataformas digitais, ante a ocorrência da subordinação contida no algoritmo de seus aplicativos. É importante incluirmos na legislação brasileira direitos aos motoristas de aplicativos, pois este posicionamento os projetará a um novo patamar de proteção aos trabalhadores, que vem sofrendo diuturnamente com o desrespeito das empresas que os contratam de forma mesquinha. Assim, faço minhas considerações finais com uma frase do personagem Zeca Chapéu Grande, que diz: “Esta terra que cresce mato, que cresce a caatinga, o buriti, o dendê, não é nada sem trabalho. Não vale nada. Pode valer até para essa gente que não trabalha. Que não abre uma cova, que não sabe semear e colher. Mas para gente como a gente a terra só tem valor se tem trabalho. Sem ele a terra não é nada”. VIEIRA JUNIOR, Itamar. Torto Arado. São Paulo: Todavia, 2019.

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Pandemia, insegurança alimentar e falta de planejamento reforçam importância das ONGs

Por Demorval dos Santos Filho, economista O Governo Federal anunciou a previsão de ampliar os pagamentos do auxílio emergencial até o próximo mês de outubro. Mas é sempre bom lembrar que o valor, mesmo os iniciais R$ 600, tem se mostrado insuficiente no cenário econômico da pandemia da Covid-19, que une perda acentuada de renda, desemprego e inflação. Quando analisei índices relativos a 2019 e 2020, observei impactos irrefutáveis da pandemia no bem estar socioeconômico das famílias, principalmente as mais pobres. Cruzei as sete variáveis apresentadas nesta tabela abaixo e, observemos, houve uma redução da capacidade das famílias em prover o seu sustento. Chamo atenção para o índice relacionado ao consumo das famílias, que demonstra queda vertiginosa no poder aquisitivo desses grupos. O percentual aponta quanto as famílias perderam com a chegada da pandemia (queda de 5,5% na comparação de 2020 com 2019) e que o auxílio emergencial não foi capaz de suprir a perda total ou parcial da renda atrelada à inflação do período. A inflação oficial em 2020 ficou em 4,52%, na comparação com o ano anterior, e continua em alta neste ano. A alta dos preços ainda vem paralela à taxa de desocupação que continua a subir, passando de 16,1% para 16,8% no País. Aqui em Pernambuco, houve uma redução 0,07% na taxa de informais, mas este não é um dado a ser comemorado uma vez que a taxa de trabalhadores formais teve uma redução de 1,8%, indicando que a redução entre informais não vem da recolocação desses trabalhadores em postos formais, mas que as pessoas estão desacreditadas e desistiram de gerar renda através do trabalho. Além disso, a perda do poder aquisitivo no país é clara. Segundo último cálculo divulgado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o salário mínimo necessário para suprir as necessidades asseguradas pela Constituição Federal seria de R$ 5.351,11, cinco vezes maior que o mínimo nominal, de R$ 1.100. Aí vemos o reforço na importância das instituições filantrópicas na sobrevivência das famílias. Aqui no interior, tenho acompanhado o trabalho da Giral, uma instituição que tem foco na educação, mas precisou formar uma frente para suprir a alimentação. Era muita fome e a medida era essencial. A equipe da Giral percebeu na comunidade de Glória do Goitá o que os números detectaram: a pandemia agravou o processo de empobrecimento das famílias, afetou o consumo e o acesso a alimentos e a outros itens básicos. Certo que o auxílio emergencial é uma estratégia do governo para reaquecer o mercado e prover a subsistência das famílias, mas até o momento, o país não alcançou resultados satisfatórios e a condução desse subsídio trouxe à tona a necessidade de refletir sobre planejamento. Afinal, um bom planejamento competitivo não leva em conta apenas ideais quantitativos estratégicos, operacionais e táticos, mas inclui variantes qualitativas, definindo como a ideia será executada. Não adianta criar instrumentos estratégicos de aumento no nível de renda (processos quantitativos) se os meios de fazer estes instrumentos funcionarem são ineficientes (processos qualitativos). Ou seja, não adianta liberar o dinheiro e ele não chegar ao bolso do beneficiário. Por qual motivo essa distribuição ficou restrita à Caixa Econômica? Umas das justificativas quantitativas para essas ideias está no cruzamento dos dados entre as variáveis rendimento domiciliar per capita versus distribuição do rendimento mensal real efetivo domiciliar per capita, conhecido como Índice de Gini. De 2019 para 2020, houve um aumento no nível de renda domiciliar por pessoa nos municípios pernambucanos. A média que era de R$ 855 em 2019 passou a R$ 954, representando um aumento percentual de aproximadamente 12% para o período analisado. Alerto, no entanto, que aumentar o nível de renda domiciliar e enfrentar problemas na distribuição desta renda não resolve o problema financeiro das famílias. A concentração de renda e a má distribuição dela são fatores negativos que contribuem diretamente para a redução do nível de consumo das famílias. Partindo deste princípio, faz-se necessária a verificação dos processos de distribuição de renda, como o pagamento do auxílio emergencial ser feito exclusivamente através da Caixa Econômica. *Demorval dos Santos Filho é economista

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Quais as repercussões do 9 de setembro?

*Por Amanda Ribeiro, especial para a Revista Algomais O feriado de sete de setembro, que marca a data histórica da Independência do Brasil, foi palco de manifestações contra e a favor do governo Bolsonaro em diversos estados do país, como Brasília, São Paulo, Pernambuco, Rio de Janeiro, Minas Gerais e o Pará. Durante a cerimônia do hasteamento da bandeira em homenagem à independência, o discurso de Jair Bolsonaro manteve o tom de oposição ao Supremo Tribunal Federal que se perpetuou durante todo o dia: "Nosso país não pode continuar refém de uma ou duas pessoas, não interessa onde elas estejam”, disse Bolsonaro, acrescentando que não admitiria que o jogassem para “fora das quatro linhas”. Mais tarde, durante a manifestação da Avenida Paulista, Jair Bolsonaro atacou Alexandre de Moraes, ministro do STF, chamando-o de “canalha” e defendendo que ele fosse “enquadrado”. Opostamente, os cidadãos contrários ao governo bolsonarista também protestaram no Sete de Setembro, ato que repetiram no dia 12, liderados pelo partido Movimento Brasil Livre (MBL). Algumas reações às falas antidemocráticas de Jair Bolsonaro O ministro Alexandre de Moraes, aparente alvo das falas de Jair Bolsonaro, é relator nos principais inquéritos ligados ao presidente, como o que investiga as Fake News e o vazamento do documento sigiloso da Polícia Federal sobre ataques ao TSE. Além disso, Alexandre de Moraes determinou busca e apreensão de apoiadores bolsonaristas, como o deputado Otoni de Paula (PSC) e o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB). Os ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso fizeram publicações sobre o Sete de Setembro em suas redes sociais. No twitter, Alexandre de Moraes falou que o Sete de Setembro apenas se fortalece com “respeito à Democracia", enquanto Luís Roberto Barroso reforçou que as eleições são auditáveis e as urnas eletrônicas são seguras. Posteriormente, de acordo com apuração reproduzida pela CNN Brasil, Luiz Fux, atual presidente do Supremo Tribunal Federal, reuniu-se por teleconferência com os demais ministros para falar sobre as manifestações e as falas de Jair Bolsonaro. Nota escrita por Michel Temer e a decepção bolsonarista Na tarde da quinta-feira, dia 9, Jair Bolsonaro publicou nota em que recuava em comparação aos seus discursos de Sete de Setembro, dizendo que as suas palavras haviam sido “no calor do momento”. A nota, que teria sido escrita com o auxílio do Michel Temer, foi feita após almoço de Jair Bolsonaro com o ex-presidente. Durante o encontro, o atual presidente do Brasil teria tido também uma conversa por telefone com Alexandre de Moraes. Jair Bolsonaro afirmou, na nota oficial, não ter intenção de “agredir quaisquer Poderes”, e que esteve sempre disposto a “manter diálogo permanente com os demais Poderes pela manutenção da harmonia e independência entre eles”. Após o aparente recuo, as reações dos apoiadores de Bolsonaro nas redes sociais foram bastante divididas. O pastor Silas Malafaia publicou em seu twitter que “continua aliado, mas não alienado”, acrescentando que “Bolsonaro pode colocar a nota que quiser, Alexandre de Moraes continua a ser um ditador da toga que rasgou a constituição”. Outros apoiadores, como o youtuber Allan dos Santos, publicou em seu twitter termos como “Game Over”, além de destacar que a nota do presidente foi “horrorosa e uma confissão de bravata”, mas que não deseja “ver o presidente fora do poder”. O influenciador bolsonarista Leandro Ruschel chegou a cogitar que, com a nota, Bolsonaro estaria “abrindo mão da candidatura à reeleição”. NOS GRUPOS DO WHATSAPP BOLSONARISTAS A decepção dos bolsonaristas com a nota oficial foi perceptível em grupos de Whatsapp que apoiam Jair Bolsonaro. Palavras de lamento se repetiram, e usuários entraram em debate sobre o real significado da ação do presidente: “Agitou o povo e não sustentou”, disse internauta, enquanto outro respondia que a atitude representava “Um banho de água fria no povo que foi pra rua terça [sic]”; apoiadores do presidente mencionaram que “todo mundo tá chamando ele de frouxo [sic]” e que a oposição estaria vibrando. Houveram palavras de arrependimento, como o usuário não identificado que afirmou: “E a gente que brigou com Deus e o mundo, discute em todo lugar, chamou a família toda pra receber isso, foi uma facada nas costas [sic]”, mas outros mantiveram-se apoiando o presidente, afirmando que “ele com certeza tem cartas nas mangas”. No mesmo grupo, alguns internautas decepcionados deixaram claro o que esperavam do dia Sete de Setembro: “O presidente tem que fazer alguma coisa ou será um ato de covardia com o povo” e “Tava todo mundo sonhando com o exército entrando e prendendo o supremo todo, e acorda com um pedido de desculpas [sic]”. Aos comentários decepcionados, muitos pediram calma e união, para não permitir que “o desgaste da luta” os separasse. Outros já haviam avisado que, se após o Sete de Setembro “não acontecesse nada” como “colocar os ministros em seus devidos lugares”, sairiam do grupo. O Índice de Popularidade Digital do presidente, disponibilizado pela consultoria Quaest, havia atingido 81,8 pontos durante as manifestações, mas baixou para 37,1 pontos após o dia 9 de setembro”.

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O professor e os alunos polegares

*Maurício Costa Romão Nos tempos atuais a velocidade de mudança tecnológica se está acelerando tão rapidamente que a maior parte das pessoas não consegue acompanhar e absorver essa evolução no ritmo em que se opera, criando-se, assim, um hiato entre a velocidade de mudança e a capacidade de adaptabilidade humana (Thomas Friedman, “Obrigado pelo atraso”). Na área educacional, por exemplo, essa “era das acelerações” está provocando grandes transformações, exigindo extraordinários esforços de adaptabilidade. A escola está deixando de ser o espaço físico exclusivo de ensino-aprendizagem (EA), dividindo-o agora com o espaço virtual, configurando um novo ambiente, híbrido, presencial e remoto. Neste processo de transformação, impulsionado pela pandemia, o modelo de EA está aos poucos se adequando, se reconfigurado, em particular no que tange à substituição do tradicional papel protagônico do professor, transmitindo conteúdos. O protagonismo agora se está transferindo para o discente, outrora ouvinte passivo dos ensinamentos professorais, que assume responsabilidades no caminho de construção do seu próprio conhecimento. No novo contexto em andamento, o professor não mais ensina, ele ajuda o aluno a aprender. É uma mudança e tanto, tornando a função do professor mais complexa: de transmissor de saberes para coordenador de metodologias ativas e orientador de trilhas educacionais escolhidas pelo educando, na linha de aprendizado cooperativo. E essa modalidade, do tipo “sala de aula invertida”, vai se deparar com novos hábitos de estudo dos alunos, que chegam cada vez mais jovens aos níveis educacionais avançados, vem mais conectados, trazendo repertório de aprendizagem digital e que querem uma nova educação. São os chamados “alunos polegares”, expressão cunhada por João Vianney (Hoper Educação) para designar o novo estudante pós disseminação do smartphone: aquele que ao invés de escrever com lápis e papel para anotar as aulas, ele o faz com os polegares e, se for o caso, fotografa o quadro quando lhe interessa. Esse letramento digital do aluno envolve mais desafios para o professor na comunicação docente/discente. O aluno polegar vive no mundo da instantaneidade, quer respostas em tempo real, exige mais do professor, quer que ele vá além do que já se encontra disponível na Internet, nos aplicativos. Para aumentar a capacidade da sociedade de se adaptar para, pelo menos, acompanhar o ritmo da evolução tecnológica, Friedman diz que o único caminho é o aprendizado contínuo das pessoas, otimizando o potencial da coletividade. Esse caminho é particularmente importante para o professor no novo contexto educacional: aprimorar continuamente suas habilidades e competências de sorte a não somente se conformar à adaptabilidade que o crescimento exponencial da tecnologia exige, mas, sobretudo, a desenvolver formas responsivas e criativas de interação com os novos alunos sendo forjados no mundo digital. ------------------------------------------------------------------------ Maurício Costa Romão é Ph.D. em economia pela Universidade de Illinois, nos Estados Unidos. (mauricio-romao@uol.com.br)

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Cenários em tempo da virtualização: mudanças eternas à vista!

*Por Noemia Resende Não faz muito tempo que todos estavam habituados aos estressantes engarrafamentos na ida e volta do trabalho, almoços de negócios, filas intermináveis para pegar filhos nas escolas, bancos operando sua capacidade máxima de atendimento presencial, e tantas outras esperas...—isso compreendido antes como normal, uma rotina vivenciada por milhões de brasileiros antes da pandemia e tudo mudou, completamente. Tem muita gente hoje pensando se de fato vale a pena comprar ou manter o veículo em casa, afinal o UBER e o preço da gasolina insistem nessas reflexões, assim como o período no engarrafamento perdido há estudos sobre elevação da produtividade em home office. O cenário não permite a tão sonhada previsibilidade e a pandemia trouxe justamente a certeza da instabilidade em todos os sentidos. As organizações precisaram prover de recursos, criatividade, remodelaram as práticas e soluções para atendimento às necessidades de seus clientes internos e externos. Por outro lado, os colaboradores canalizaram os esforços para corresponder às expectativas e exigências do momento. O mundo virtual fez moradia e promoveu uma mudança de comportamento. Não há pretensa intenção de julgar positivo ou negativo tais mudanças, mas sim de provocar reflexões sobre as nossas reais capacidades de entender o cenário na perspectiva de enxergar a necessidade de compreender as mudanças como fontes de aprendizagem e desenvolvimento humano. Dessa forma, reconhecemos que a pandemia acelerou o consumo por tecnologias, as escolas, os escritórios de advocacia, médicos e muitos outros profissionais providenciaram plataformas, recursos audiovisuais e cenários visuais para atender os seus clientes e, ocasionou holofotes sobre a transposição ou a substituição da presença física para o mundo digital. Quem imaginou algum dia consultar um dermatologista e enviar através de whats apps fotos e vídeos para análise e diagnóstico? As audiências de instrução e julgamento realizadas através de plataformas de videoconferências, não há como não pensar no futuro da carta precatória – assim, tudo foi virtualizando, inclusive as organizações públicas. Em paralelo, observamos muitas dificuldades em relação ao emprego e trabalho e a dificuldade para a inclusão e a certeza da obsolescência assustam muitos, afinal a urgência constante das demandas acabam estimulando a criação de soluções tecnológicas, novos formatos na prestação de serviço, assim como foi a necessidade de virtualizar. A virtualização do trabalho trouxe uma dinâmica na legislação trabalhista sob novos olhares do teletrabalho, bem como ampliou discussões sobre os fluxos de processos, acompanhamento das atividades, atendimento do cliente e a conscientização de incorporar a transformação digital. A transformação digital está mudando a realidade de muitas organizações e remodelando as suas práticas, como por exemplo, a gigante General Eletrics-GE, que começou utilizar a impressora 3D para fabricar peças de turbinas para aeronaves e conseguiu além de reduzir a necessidade de 855 peças para 12 peças, e o melhor de tudo, o baixo consumo de combustível pela consequência da redução de peso das referidas peças. A razão disso é porque a transformação digital não integra apenas a tecnologia, mas de constituir uma mudança de mentalidade, cultura, operacionalização das atividades que reverberem em entrega ao valor do cliente. Essa dinâmica converge a adaptabilidade e flexibilidade exigida pelo mundo denominado VUCA, um acrônimo que traduz a volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade. Com toda essa dinâmica é nítido o nível de disrupção do modus operandi do mercado, conscientizando a necessidade do aprendizado contínuo, desenvolvimento das competências atitudinais e flexibilidade cognitiva de modo a atender e entender o mercado e as relações sociais. A lógica dos grandes teóricos da economia é: quanto mais ofertantes no mercado maior tensão e mandatório as ações para o alcance do diferencial competitivo. Desta forma, os profissionais buscam por qualificação de qualidade e as organizações captam talentos com tais competências que o mercado exige. *Noemia Resende é coordenadora do Núcleo de Gestão e Negócios da Faculdade Nova Roma

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Democracia: sonho, sintonia e realidade (por Luiz José de França)

*Luiz José de França O Brasil é um Estado Democrático de Direito, vedando de forma absoluta qualquer emenda à Constituição que verse sobre a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes e os direitos e garantias individuais. Por conta disso, e é aqui que se situa toda uma polêmica, é dito que “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”, sendo este o princípio basilar da chamada “liberdade de expressão”. Mas e se este pensamento corrompe a Base do Estado Democrático? Seria possível assegurar uma liberdade de expressão que parte para a ameaça e a dispor contra a própria Democracia? Ao Supremo Tribunal Federal (STF) cabe a defesa da interpretação do que seria ordem democrática e, portanto, não há “crime de hermenêutica”, pegando carona no jurista e professor Lênio Luiz Streck, em coluna recente. O STF há tempos que atravessou o rubicão, no sentido de intervir para preservar os valores existentes na Constituição. A prisão do Presidente Nacional de um Partido Político, por exemplo, longe de ferir o Direito como querem alguns, reforça a defesa da própria Democracia. Apesar disso, existe o pressuposto de que as decisões recentes, que se fundamentaram em inquéritos originados pelo próprio STF, na defesa da Constituição Federal, sob os quais o Supremo tem a missão de preservar, seriam teratológicos, na medida em que o STF somente age por “provocação”, nos limites de sua competência. Nesse contexto, algumas perguntas precisam ser respondidas... Há Constituição sem Democracia? Não. Há Democracia sem regras? Não. As regras podem permitir “o vale tudo” de opiniões que se “armam” no tripé mídias sociais, estagnação de modelos econômicos e identidade de pautas que subjetivam e subvertem as instituições para servir a modelos de afronta aos valores acima apontados? Não. A defesa do regime democrático só é possível dentro de um ambiente de discussão e não de linchamento ou de apologia à violência, tendo como mote a destruição ou destituição de quem pensa diferente. Também não é razoável que o STF, por conta de ameaças ao sistema, torne-se um Poder Moderador, o que não existe na Constituição. Eis, portanto, a necessidade de uma ampla discussão na qual se domestique o nacionalismo xenófobo (crença num egocentrismo e teocentrismo cívico que elimina quem pensa diferente, lastreado em falsas premissas de uma leitura desfocada da análise da História) e se ajuste a economia, para que os setores marginalizados historicamente possam usufruir da riqueza produzida no país. Além disso, é necessário que se renove a Fé Cívica, que nada mais é do que a sintonia com o caminho democrático. A Palavra Fé vem do grego “FIDES”, que significa sintonia. A discussão entre “garantismo” e “ativismo”, na esfera do Judiciário, não pode se ater a um formalismo que sufoque o sistema democrático. Esta discussão é válida dentro de liberdades de pensamento e de expressão que tenham como premissas a própria convivência democrática e seus valores, nos limites da nossa Constituição. Ou há sintonia e crença na Democracia e se faz a sua defesa ou as palavras que incitam a apologia ao crime e a supressão da ordem constitucional serão o germe da destruição dos valores democráticos e da própria Constituição, sobrepondo-se à discussão essencial que é refundar a prática democrática e fazer com que o povo, ao invés de ser agente da própria morte do sistema, passe a ser – parafraseando o cientista político alemão Yascha Mounk – sujeito de sua própria transformação. Este é um caminho urgente. E o Judiciário vem cumprindo o seu papel. Com o apoio da sociedade brasileira, devemos buscar o fortalecimento do regime democrático, sob pena de cairmos no populismo e no autoritarismo. Venha de onde vier. ______________________________________________________________ *Luiz José de França é advogado e consultor tributário

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10 e outras razões contra o distritão

*Por Maurício Costa Romão A proposta de substituir o sistema proporcional brasileiro de voto pelo modelo majoritário “distritão” continua avançando na Câmara dos Deputados (no bojo da PEC 125/11), com riscos de ser aprovada. Tudo isso inobstante a advertência de especialistas e de organizações da sociedade civil (Manifesto sobre reforma partidário-eleitoral em curso no Congresso Nacional, maio 2021) de que tal mudança se constitui num tremendo retrocesso político-eleitoral, jogando por terra as mais importantes conquistas da reforma eleitoral de 2017. Ao fim e ao cabo a adoção imediata do distritão para o pleito de 2022, ainda mais como modelo transitório, visa a tão-somente socorrer parlamentares com dificuldades de reeleição por conta do fim das coligações proporcionais, e a dar sobrevida financeira a partidos sem musculatura de voto para atenderem à cláusula de barreira eleitoral. Depois, é cediço que o modelo sugerido, em que pese sua simplicidade (inteligibilidade) e o mérito de sempre respeitar a vontade do eleitor, elegendo os mais votados (a chamada “verdade eleitoral”), tem algumas características reprováveis. Primeira. Reduz o pluralismo político, já que com o mecanismo em questão o Parlamento deixa de refletir a proporcionalidade dos segmentos sociais; Segunda. As minorias perdem influência e reduzem sua participação na esfera legislativa, assim como grupos subrepresentados institucionalmente, como o das mulheres; Terceira. Os partidos são relegados a papel sem importância. A ênfase é toda centrada no indivíduo; Quarta. Aumenta a personalização da representação, sinalizada desde a campanha e salientada no exercício da atividade parlamentar; Quinta. Há supervalorização de pessoas famosas, prováveis campeãs de voto, em detrimento da qualidade da representação; Sexta. Existe competição acirrada entre candidatos do mesmo partido, lutando para figurarem nas primeiras colocações do pleito; Sétima. Há pouca ligação entre o parlamentar e sua base (ausência de accountability), pois o distrito é grande, plurinominal; Oitava. Há pouca renovação da representação (propicia chances de maior recall dos eleitos); Nona. Favorece a influência do poder econômico (o candidato precisa figurar entre os primeiros colocados); Décima. Os votos conferidos aos não eleitos são completamente descartados (wasted votes). Sobre este último aspecto, matéria recente de Bruno Boghossian e Ranier Bragon (Folha de S. Paulo, 19/06/2021) mostra, com base na eleição de 2018, que se o distritão for implantado para 2022 cerca de 70% dos votos válidos poderão ser descartados. Grosso modo, isso quer dizer que os votos de aproximadamente 69 milhões de eleitores dados aos seus preferidos não terão valor algum na próxima eleição. Visto sob outro ângulo, apenas 30% dos votos válidos (cerca de 29 milhões de votos) iriam para candidatos eleitos, o que significa que 30% dos eleitores seriam representados no Parlamento, ao passo que 70% não seriam. Esse descarte de votos é tóxico para a democracia: o descontentamento paulatino e crescente de grande parte do eleitorado devido à reiterada desconsideração de sua vontade nas urnas vai potencializando o alheamento eleitoral (um dos fatores de o Japão abandonar o distritão em 1993). O já abissal fosso entre representantes e representados aumentaria ainda mais. Da mesma forma são desconsiderados também os votos em excesso dos que se elegeram. Por exemplo, em Pernambuco os votos do primeiro colocado para deputado federal em 2018 (460.387 votos) têm o mesmo peso dos votos do último colocado entre os 25 eleitos (52.824 votos). Em São Paulo, na mesma eleição, o mais votado (1.843,7 milhão de votos) se equivale ao menos votado entre os 70 eleitos (69.256 de votos), etc. Vale salientar ainda que o modelo distritão pode gerar sub ou sobre-representação de algumas áreas ou regiões do grande distrito. De fato, em determinada eleição os mais votados podem estar concentrados em certas localidades do distrito (na região metropolitana, por exemplo), causando assimetria na representação. Troca de sistema eleitoral no mundo democrático contemporâneo é algo que se aventa de quando em vez, mas que ocorre raramente. Dada sua transcendência, deveria mobilizar o país, pois diz respeito a uma mudança estrutural no seu aparato institucional e é vista como veículo de consolidação de sua democracia. Envolve transparência, ampla discussão parlamentar, debates na sociedade e, se for o caso, concebida para implantação de forma programática e duradoura. A mudança esboçada atualmente, ao contrário, é feita de forma açodada, interna corporis, já para viger em 2022 e, pasme-se, como mecanismo transitório, para logo em seguida, em 2024, se implantar outro sistema, completamente diferente. O Brasil vai ser traumatizado com trocas radicais de sistemas de voto e conviver com três deles em um espaço temporal de três anos! Uma combinação de casuísmo com agressão ao bom senso e escárnio com a população. *Maurício Costa Romão é Ph.D. em economia pela Universidade de Illinois, nos Estados Unidos. mauricio-romao@uol.com.br

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'Cavalo de pau' nas compras de casa

*Por Por Raul Cantarelli Já ouviram o termo cavalo de pau? Quem é do NE pode se lembrar de uma banda de forró antiga ou ainda daquela manobra arriscada com o carro que, de verdade, nunca vi sentido algum a não ser em uma perseguição policial de filme. Mas, não vim aqui falar nem de um nem de outro. Usamos o termo 'cavalo de pau' quando algo dá uma virada muito grande, quando a direção muda e a aceleração dessa mudança é rápida e acima da média. E foi exatamente isso que aconteceu com varejo no mundo desde o início da pandemia. Todos já estamos cansados de ouvir sobre a hiper aceleração na digitalização das empresas e nas suas formas de fazer negócios durante esse período pandêmico. Mas, já temos tempo e estrada suficientes nesse já, não tão novo normal, para começar a avaliar os casos concretos e aprender com eles. Por isso hoje, aqui, vou me ater ao mundo dos varejos, atacados e atacarejos existentes nas nossas cidades, lugares esses, onde fazemos as compras recorrentes para nossas casas. Já sabíamos comprar, sushi, pizza, remédios e até cerveja, é verdade. Esses e vários outros produtos e serviços já estavam mais que consolidados de maneira ampla no mercado de delivery que nós, brasileiros, tanto amamos (representamos algo perto de 48% do volume de todo o serviço de delivery da América Latina, segundo a ABRASEL). Mas daí a receber uma feira completa em poucas horas na porta de casa, apesar de já ser uma tendência pré-pandemia, convenhamos que ainda era uma prática de poucos. Acontece que, de repente, adaptação virou regra e não opção e tanto os varejistas como os consumidores aprenderam rápido. Através dos apps de entrega ou com o serviço próprio, as empresas colocaram o pé no acelerador dos canais digitais e logísticos e deram um show de adaptabilidade, tanto as grandes como as médias e pequenas. Por isso, hoje é possível receber essa compra completa em poucas horas, com direito a escolher o canal para realizar o pedido (aplicativos de entrega, apps próprios, ecommerce, WhatsApp direto) e os dados mostram, através de ticket médio, que é isso que os consumidores estão fazendo. A maioria das compras não são de produtos isolados, são do enxoval inteiro, da feira completa. A guerra, antes nos outdoors e panfletos, passou oficialmente para o Google e Facebook e esse movimento traz mais competitividade e oportunidades para aqueles que fazem bem feito. E, para os que ainda insistem em não entrar no jogo eu deixo um recado: a festa começou, o bolo está servido e se você não está com o seu pedaço, abra o olho porque tem outra empresa comendo ele. *Raul Cantarelli é sócio-fundador da Jogga Digital (raul.cantarelli@jogga.com.br)

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