Bruno Moury Fernandes, Autor em Revista Algomais - a revista de Pernambuco

Bruno Moury Fernandes

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Hora de voltarmos definitivamente ao presencial?

*Por Bruno Moury Fernandes Dizem que o home office promove qualidade de vida. Concordo! Participar de uma reunião estratégica enquanto ajeita a panela de feijão é prático demais. Quem não ama a flexibilidade de poder trabalhar em qualquer lugar? Como o banheiro, por exemplo, durante uma chamada de emergência, ou a cama, onde a coluna vertebral é colocada à prova em posições acrobáticas que nem o mais criativo fisioterapeuta recomendaria. A sala de estar, antes espaço de descanso, se transformara em um cubículo improvisado, onde a pilha de papéis dividia espaço com brinquedos das crianças e um gato que ocasionalmente decidia se deitar sobre o teclado. Ah, o glamour do trabalho remoto! Eu só sabia que meu expediente havia terminado quando, exausto, caía no sofá – o mesmo onde, minutos antes, tinha terminado um relatório sobre planilhas que teimavam em desaparecer, aparentemente devoradas pelo monstro digital conhecido como “instabilidade de internet.” No escritório, se você precisasse de algo, bastava levantar-se da sua mesa e perguntar. Agora, você envia um e-mail, depois uma mensagem no chat, espera o retorno que nunca vem porque “minha câmera não estava funcionando”, “meu microfone travou”, ou o clássico “meu Wi-Fi caiu bem na hora” A verdade é que o trabalho remoto nos deu a ilusão de controle. Podemos estar em qualquer lugar, mas estamos sempre em lugar nenhum. Estamos disponíveis o tempo todo, mas desconectados da essência humana que o contato no escritório oferecia: os pequenos rituais do dia a dia, a pausa para o café, as conversas casuais no corredor que frequentemente eram mais produtivas do que qualquer reunião formal. No home office, trocamos tudo isso pela gloriosa comodidade de poder trabalhar de pantufas — um preço alto, se você me perguntar. Então, que venha o retorno ao trabalho presencial! Com suas imperfeições, com o chefe que gosta de aparecer de surpresa, com o ar-condicionado central sempre na temperatura errada e com os almoços rápidos fora de casa. No fim das contas, a humanidade não foi feita para viver isolada entre quatro paredes, conectada por cabos invisíveis e câmeras que nunca mostram a realidade completa. Troco qualquer reunião virtual por aquele ambiente de carpete desgastado e a máquina de café de gosto duvidoso. O escritório é mais do que um local de trabalho; é um ponto de encontro, um símbolo da ordem no caos diário, onde a informação circula de maneira humanizada, com as imperfeições das vozes e com o falar do corpo. Sim, o corpo fala. E se ele fala, devemos vê-lo e ouvi-lo. Por isso que talvez, só talvez, seja hora de voltar.

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Cuidado (por Bruno Moury Fernandes)

Há, ali, no teu silêncio, na imagem dolorida da tua carne definhando sobre a cama, ainda assim, o cuidado. Há no teu cheiro e nos cabelos brancos que lambem minhas mãos, um cuidado. Há no embalo que tua presença proporciona, um cuidado. Não mais ouvir a história do teu joelho, a linha do trem sobre a qual caminhavas até chegar na escola, o dia do teu casamento, e a banana batida com leite condensado e farinha láctea que, infelizmente, não mais é preparada pelas tuas mãos, mas há nisso tudo, mesmo assim, o sabor do cuidado. Essa falta de lucidez, essa falta de memória, essa falta de compreensão, efeitos de uma longeva vida, tudo isso cuidou de mim. Essa falta de conversa – das nossas brigas e conversas –, esse desapontamento com as fendas que a navalha do tempo abriu nas montanhas rochosas do teu rosto, tudo, absolutamente tudo, cuidou de mim. Esse olhar vago que atravessa o meu, essa tristeza estampada na face enrugada, essas mãos cansadas com veias demasiadamente desenhadas e expostas, essas feridas que não cicatrizam, tudo, tudo, tudo fala sobre mim, cuida de mim. Essa música que toca ao fundo e me enlouquece porque uma lágrima escorreu do canto do teu olhar, denunciando que você ainda está ali, conquanto perdido seja esse olhar, joga-me na cachoeira do tempo, levando-me para o teu colo de espumas, que desde sempre cuidou de mim. Essa despedida que se aproxima, essa certeza da ruptura da nossa caminhada, essa maratona lenta dos ponteiros do relógio, essa ânsia pela interrupção do sofrimento físico, tudo cuida de mim. Esse banho diário dos raios de sol que atravessam a janela do teu quarto a iluminar teu corpo, imóvel, prostado em cima da cama, refletindo no metal do tubo de oxigênio o verde que nos deixa esperançosos com a proximidade do descanso merecido. Não merecias isso. E o teu não merecer de dor também cuida de mim. Arranca-te daqui. Chega! Vai caminhar num jardim florido ao lado do teu Joãozinho, de mãos dadas, e espera-me para que um dia, num final de tarde de uma rua sem saída, com as cadeiras na calçada e com crianças soltando fogos de artifício, possas fazer um novo curativo no meu dedo machucado, eternamente agradecido e ansioso pelos cuidados teus.

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In english, please!

-Oi amor, como foi seu dia? - Foi tudo bem. - Como foi lá no trabalho? - Na reunião de brainstorming desta tarde, a equipe de marketing discutiu estratégias para aumentar o engagement dos clientes nas redes sociais. A gerente de vendas apresentou um novo pitch para os prospects, visando melhorar as taxas de conversão. Durante a discussão, surgiram algumas ideias interessantes, como a realização de webinars e a implementação de um programa de customer success. O CEO ressaltou a importância de manter o focus nas metas estabelecidas para o próximo trimestre, destacando a necessidade de um approach mais assertivo. Após uma análise profunda dos números, ficou claro que a empresa precisa reavaliar sua estratégia de pricing. Com isso em mente, o time de desenvolvimento começará a trabalhar em novas features para agregar mais valor ao produto. A próxima etapa será a elaboração de um action plan detalhado, com milestones bem definidos, para garantir o sucesso da implementação. - Hum… - Ah, durante a reunião, o CFO apresentou um relatório sobre o ROI das últimas campanhas publicitárias, enfatizando a necessidade de otimizar os recursos financeiros. Ficou evidente a importância de um budget bem planejado para alcançar os objetivos de crescimento da empresa. Além disso, foi discutido o impacto das tendências de mercado, como o growth hacking, nas estratégias de marketing digital. Enquanto isso, o departamento de recursos humanos está focado em melhorar a employer branding da empresa para atrair e reter talentos. A diretora de RH destacou a importância de oferecer benefícios competitivos e um ambiente de trabalho inclusivo para promover a diversity policy e a equidade na empresa. Estratégias como o onboarding personalizado e o feedback contínuo estão sendo implementadas para garantir a satisfação e o engagement dos colaboradores. - Sei… - E o seu dia, como foi? - Trabalheira da misera. Comecei com o laundry logo cedo, depois fiz um quick clean na casa toda. Tive que lidar com algumas unexpected spills das crianças, então precisei fazer um spot cleaning em algumas áreas. Ainda tive que fazer um grocery run para repor alguns itens da despensa. No meio disso tudo, tentei fazer um quick meal para o almoço, mas acabou sendo mais um fast food mesmo. Depois, fiz um deep clean no banheiro e na kitchen. E ainda tive que lidar com um tech issue na máquina de lavar louça. Mas no geral, deu tudo certo. Consegui terminar tudo a tempo do kids' bedtime. - Amor, passa a butter por favor…

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Adrenatins (por Bruno Moury Fernandes)

Os ventos que sopram os Lençóis Maranhenses trazem consigo a sensação de paz, mansidão e tranquilidade, como nas fotos. Mas como diz Gil, tudo agora mesmo pode estar por um segundo. À noite, logo no primeiro dia de viagem, quando já terminávamos nossa sobremesa de cupuaçu em um dos restaurantes de Atins, depois de assistirmos a um lindo pôr-do-sol em uma das dunas do parque, ouve-se um tiro vindo da calçada, em frente à casa vizinha. Os clientes sentados na área externa do restaurante, olhos esbugalhados, correram desesperadamente para a parte interna, onde estávamos. Assustados, corremos cozinha adentro para nos protegermos, enquanto outros se abrigaram embaixo das mesas ou no banheiro, como foi o caso de Marcela, que desesperou- se ao perceber que Ricardo, seu marido, com ela não estava, e tentou sair para procurá-lo. Fernando, que também havia entrado no banheiro com sua esposa, Renata, tentou impedir Marcela de sair, tendo escorregado e metido a quengo na privada, lá ficando desacordado, aos gritos da Renata: “de novo não, de novo não”. Ricardo, esposo da Marcela, já conosco nos fundos, estava preocupado não com os tiros, mas com o moído que dela teria que ouvir ante seu abandono matrimonial. Era bala para tudo quanto é lado. Em meio à confusão, e num espaço apertado para ser palco de um cu-de-boi desses, Milena queria voltar à cena do crime para achar as havaianas que dos seus pés caíram durante o corre-corre. “Legítimas, só elas”, dizia, enquanto eu lhe lembrava, “Milena, tu já tem problema demais”. Carlão que conseguiu esconder seus 1,85m em um beco ínfimo atrás da porta, não largou sua caipirosca em momento algum evidenciando suas prioridades, enquanto os gritos de Raquel, sua amada, sobressaiam na confusão: “Cadê meu marido?”. Luís, o maratonista, aproveitou seus dotes e está correndo até agora, enquanto Paula, sua mulher, conseguiu se esconder estrategicamente numa respeitável loja de vinhos na rua de trás. No meio da confusão eu só pensava em retornar à mesa onde o restinho do sorvete de cupuaçu derretia igual ao gelo que aliviava o galo na cabeça do pobre Fernando, aquele corpo atordoado ainda estendido no chão. A tranquilidade dos Lençóis, pensamos, foi interrompida por esse episódio isolado, certo? Errado! Na noite seguinte fomos jantar à luz de velas em plenas dunas do parque, no meio do nada. O guia que nos transportava numa caminhonete 4x4 se perdeu, nos fazendo rodar em círculos na escuridão. De tão nervosos, ficamos mudos, inclusive o próprio guia que nenhuma explicação dava. Enquanto minha mente traumatizada e pessimista fazia uma correlação com o tiroteio do dia anterior, finalmente encontramos a lagoa e rezamos embaixo de um céu lindo de estrelas que estávamos a contemplar. Pedimos ao Senhor que abençoasse o restinho da nossa viagem. No dia seguinte, enquanto velejava com sua prancha de kitesurf, Ricardo invadiu a área de uma competição na qual não estava inscrito, arrancando vaias e palavrões dos locais que queriam matá-lo, ficando para sempre conhecido em Atins como Haole. Então pensamos: os perrengues acabam por aqui, não é, Pai? Mas, assim como nossos celulares, acreditamos que Deus estava sem wi-fi, só pode! Não estávamos conseguindo conexão com Ele. No dia seguinte, Haole quase se afogava enrolado na pipa, sendo salvo por Marcela, sua incansável esposa. Mesmo abandonada no tiroteio do dia anterior, resolveu se jogar nas águas em busca do seu amado, salvando-o. E, por causa disso, tome mais “muído”. Terminado esse passeio tranquilo pela paradisíaca Atins, retornamos a São Luís, a capital, para jantarmos. Entre mortos e feridos, todos pareciam estar a salvo, confere? Calma aí! Terminou ainda não. Na mesa ao lado, duas mulheres resolveram brigar, tendo uma cortado metade da orelha da outra com um copo de vidro. Estávamos tão pertos da confusão que até agora estou sem saber se aquela coisa borrachuda que eu mastigava era mesmo o polvo a lagareiro que eu havia pedido. Para quem gosta de destino de aventura, recomendo os Lençóis. Inesquecível! (Foto de abertura de Danielle Pereira)

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Modelos de negócios bem-sucedidos devem ter foco na sustentabilidade e no ser humano

*Por Bruno Queiroz Ferreira Diferentemente de décadas atrás, as mudanças estão “atropelando” a estratégia das empresas em todos os segmentos. E, por muitas vezes, seus gestores não percebem que o modelo de negócios pode estar no centro dessa questão. Mas o que é o modelo de negócio? Para que serve? Por que precisa ser revisto? Com que frequência? Como atualizar o modelo de negócios? Antes de tudo, é preciso esclarecer a diferença entre plano de negócio e modelo de negócio. De maneira prática, o plano de negócios tem o objetivo de demonstrar a viabilidade financeira de um projeto/produto/serviço. É um instrumento de apoio aos gestores para avaliar riscos de novos investimentos, por exemplo. Já o modelo de negócio é mais abrangente. Como o próprio nome sugere, é o responsável por dar uma forma ao negócio. Define o propósito da empresa, o nicho de mercado a ser explorado, o problema que resolve, os diferenciais de atuação, o perfil do público que será atendido, a linha de produtos e serviços, os canais de relacionamento e distribuição, entre outros aspectos. Por que o modelo de negócios precisa ser revisto? As mudanças tecnológicas, econômicas, ambientais e sociais vêm acontecendo de forma mais rápida e intensa na última década. Inteligência artificial, moedas digitais, mudança climática, envelhecimento acelerado e hábitos das novas gerações são algumas dessas mudanças que impactam diretamente o comportamento dos consumidores. Com isso, as premissas que deram origem ao modelo de negócio podem perder o sentido rapidamente também. É preciso, portanto, fazer ajustes para se adaptar à mudança da demanda ou trocar o modelo por completo para explorar novas oportunidades e novos nichos de mercado. Um modelo de negócio não dura para sempre. Além disso, com o modelo de negócio inadequado, o investimento em inovação no produto, no processo produtivo e na forma de gestão não gera o mesmo resultado se ele estivesse atualizado. Pode, inclusive, não gerar nenhum resultado ou acelerar o fim da empresa, pois desperdiça esforços que poderiam ser usados na direção correta. Dois casos atuais exemplificam a importância do modelo de negócio atualizado. As principais companhias petrolíferas, no lugar de investir no desenvolvimento de combustíveis livres de emissão de carbono, ainda focam na prospecção de novos campos de petróleo e na ampliação da produção de gasolina e diesel, que terão forte redução de demanda nas próximas décadas. Por outro lado, as montadoras estão acelerando a transição do motor à combustão para o motor elétrico e do modelo de compra (posse) para compartilhamento (uso) dos automóveis, influenciada por legislações ambientais rigorosas e pela menor necessidade de deslocamento proporcionada pela aumento da velocidade da internet e pelo avanço tecnológico dos celulares. Com que frequência o modelo de negócios precisa ser revisto? Cada mercado tem uma dinâmica própria, podendo ser mais ou menos afetados por fatores tecnológicos, econômicos, ambientais e sociais, por exemplo. Nesse sentido, o modelo de negócios tem que evoluir na mesma velocidade que as mudanças impactam o segmento de atuação da empresa. E como atualizar um modelo de negócios? A melhor forma é entender as mudanças que estão ocorrendo. Estudar o futuro e suas possibilidades, portanto, permite se antecipar e agir estrategicamente diante delas. Um bom modelo de negócio é aquele que atende as demandas do presente e, ao mesmo tempo, permite a transição para as necessidades do futuro. Para concluir, vale dizer que modelos de negócios bem-sucedidos no futuro serão aqueles com foco na sustentabilidade e no ser humano. Isso porque, nas próximas décadas, o planeta precisará ser regenerado e a evolução da tecnologia, como IA e computação quântica, eliminará muitos empregos, causando grande desequilíbrio social. Oportunidades que podem ser exploradas em vários segmentos.

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O menino

Pode me chamar de doido, mas o lugar onde mais gosto de escrever é dentro dessa cápsula, o avião. Demorei a iniciar essas linhas porque o senhor sentado na 7E, bem ao meu lado, parece gostar de uma boa conversa. De repente, vira-se para o outro lado e começa a roncar. Suspiro aliviado e abro o computador. Ainda me restam duas horas de voo até São Paulo, tempo suficiente para escrever, não sei sobre o que exatamente, isso se meu vizinho conversador não despertar, claro. Por entre nuvens, com os olhos na janela, lembro de estar deitado na areia branca de Itamaracá quando criança para ver os formatos que elas desenhavam o céu. Havia tempo para contemplar o azul celeste e suas nuvens formando dinossauros, tigres, panelas, coelhos, carros, monstros e outras coisas que minha imaginação de menino teimava em enxergar. Agora, adulto, voando entre todos eles, e vendo-os assim tão de perto, não vejo mais tanta graça. Com o passar dos anos a miopia da maturidade vai nos retirando a capacidade de imaginar, criar e sentir. Quanto aos monstros, não mais os vejo, mas estão todos dentro de mim. Não tenho medo de que essa aeronave exploda neste exato momento e tudo acabe. Tenho medo é de que ela toque o chão suavemente e eu precise continuar encarando os monstros que me aguardam lá embaixo, quando suas portas abrirem. Mesmo assim, não sei explicar o motivo, quero com todas as minhas forças beijar o solo tranquilamente. Somente é possível conviver com os monstros de hoje se aquele menino que avistava panelas no céu azul de Itamaracá estiver me aguardando na porta do avião, segurando minha mão, insistindo em não me abandonar. Para onde vou, grudado fica, como escudo. É esse menino que leva alegria para minha casa e faz meus filhos sorrirem e brincarem. É esse menino que me permite aceitar as coisas como elas são e não tolera que eu diga como deveriam ter sido. É esse menino que ainda me faz sonhar e esperançar. É esse menino que me faz lembrar todos os dias que a vida pode ser igual àquele doce japonês cujo apito anunciava sua chegada no jardim da casa do meu pai, na beira-mar da pedra que cantava o amor. Na época em que havia doce japonês, meu pai e o menino que desejava um dia estar dentro dos aviões que rasgavam o céu azul da ilha.

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Fracassos (por Bruno Moury Fernandes)

Relatei para alguns amigos, advogados, a ideia de criar um podcast para falarmos de fracassos. Trazer a conhecimento do público – especialmente os jovens advogados, na intenção de ajudá-los a não cometerem os mesmos erros – os reveses que tomamos ao longo da nossa vida profissional. A intenção em relatar episódios malsucedidos ao longo da trajetória de cada um – quem não os possui? – poderia acender um farol para quem está no início dessa estrada esburacada, muitas vezes escura e dificilmente trafegável, chamada advocacia. Seria fundamental que jovens advogados entendessem a arcabuzada que é o exercício do direito. Nesse tiroteio, muitas vezes você fere, e outras tantas é ferido. Pode-se ir do mais cavo abismo às brancas nuvens num piscar de olhos. Para minha surpresa tive pouca adesão. Advogados, infantilmente, não toleram que se ouça por aí sequer uma estalada das suas falhas, quanto mais um estrondo dos seus erros. Os causídicos desejam apenas o bramido de suas vitórias. Evidentemente que elas são fundamentais. Mas para fins de aprendizado direcionado à jovem advocacia, a vivência – constituída tanto de vitórias quanto de derrotas, e não ensinadas nas universidades – é algo que se deve passar aos recém-chegados e aos mais tenros operadores do direito, como faz um pai em relação aos seus filhos. Quando se está diante de uma geração que não tolera falhar e nem mesmo suporta uma vida imperfeita, essa necessidade se faz ainda mais irrefutável. Esclareço que os fracassos a que me refiro são sobretudo aqueles no campo do empreendedorismo jurídico e da estratégia porque na parte técnica propriamente dita, erros não devem ser admitidos, apesar de existirem aos montes. As universidades brasileiras não preparam os advogados a gerirem e venderem, por exemplo. Mas, de repente, meninos e meninas, ainda com cicatrizes de espinhas recém- saradas, se lançam à frente de uma empresa, que muitos ainda insistem chamar de escritório de advocacia, ou à frente de um departamento jurídico de uma corporação privada qualquer, tendo que tomar decisões das mais importantes que impactam a muitos. A velha advocacia precisa compreender que é preciso abrir a caixa preta dos fracassos para que a jovem advocacia possa com eles aprender. Chega de esconder seus insucessos. Deixemos emergir das profundezas da vaidade as nossas experiências malsucedidas e compartilhemos com os novatos. Os nossos fracassos têm muito a ensinar aos novos. Certamente os novatos saberão enxergar que o nosso sucesso é fruto da soma dos nossos fracassos. Que tal compartilharmos nossas histórias com os mais jovens? Que tal falarmos disso de uma maneira leve e com pitadas de humor, afinal, é preciso fechar ciclos para fracassar em algo novo.

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Alemanha, 1933

Na minha visão de mundo, estamos na Alemanha, em 1933. E muitas pessoas boas apoiarão o presidente, sem imaginar o que virá pela frente. Pode ser que eu seja empurrado para dentro do vagão. Mas pode ser que eu seja o soldado que empurra as pessoas e só não percebi ainda. Minha visão de mundo é diferente de muitas pessoas que amo, mas jamais permitirei classificá-las como pessoas boas ou más pela escolha política que fazem. E seria tão legal que todos pensassem assim, como acontecia num passado recente, no nosso País. Conseguíamos dialogar, sem afrontar, sem ferir. Eis a beleza da vida: olhares e sentimentos distintos sobre os fatos. Fui aconselhado a me manter longe da polarização política extremista que tomou conta do País. Fui aconselhado a olhar de longe o trem da história passando porque minhas opiniões podem me prejudicar: perder amigos, colegas, clientes, admiradores e até parentes. A polarização não permite que eu me expresse livremente, sem preocupações. Os que me pedem para ficar calado, acham que suas opiniões não os prejudicam. Eu que teria que ter cuidado com as minhas. Eu entendo. Nas entrelinhas querem dizer que minhas opiniões não se encaixam no meio onde vivo. Nasci branco, hétero, rico (pelo menos aos olhos do IBGE) e com curso superior. Defendo preto, pobre, pessoas com deficiência, homossexuais e analfabetos. O silêncio que ora decido fazer, daqui por diante, dói demais. A dor que sinto é a da covardia. Mas a intolerância das pessoas próximas que pensam diferente, que apesar de tão próximas não conseguem amar ao ponto de respeitarem meus posicionamentos, venceu. Daqui por diante, o silêncio está decretado. O amor que sinto por essas pessoas é o mandatário do silêncio. O amor sempre fala mais alto. Tão alto, que às vezes implora por calarmos diante da obviedade do absurdo. Se os que amo não enxergam o óbvio, o que poderei fazer a não ser silenciar? Talvez o silêncio se transforme no apito do trem, mas a vida é feita de decisões. Algumas delas, mesmo sabidamente covardes, devem ser tomadas. A covardia voluntária é um ato de coragem. Quem sabe, no entanto, o silêncio tenha o poder de fazer desviar a rota. Quem sabe a próxima estação não seja Auschwitz, mas sim uma bela praia do Nordeste, daquelas onde apreciamos um lindo pôr do sol, vermelho. Sentado à beira do caminho, apenas regarei as flores que plantei. Não quero perder nenhuma delas. Peço desculpas se ofendi alguém. E perdão por ter me posicionado ao longo dos últimos tempos. Volto em novembro, depois que tudo isso passar, sem medo de ser feliz.

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Silêncio Sepulcral (por Bruno Moury Fernandes)

Percebi, nos debates envolvendo os candidatos à Presidência, não haver quase menção ao tema educação. No livro O mundo é uma escola, Cristovam Buarque narra episódio ocorrido em 2005 no qual o então presidente desceu no helicóptero em Toritama, interior do nosso Estado, e foi abraçar algumas crianças que o saudavam na chegada. A imagem foi capturada por um fotógrafo e publicada na Folha de São Paulo. Ao ver aquela foto, Buarque procurou as crianças, conheceu as famílias, foi até suas casas, visitou a escola onde estudavam e conversou com os professores. Tivessem implantado um bom sistema educacional de qualidade em Toritama, naquela época, teríamos uma geração salva. Mas Buarque retornou lá na década seguinte e se deparou com o óbvio. Os meninos, já adolescentes, haviam abandonado a escola antes dos 15 anos. Nenhum terminou a quinta série. Nenhum aprendeu realmente a ler. Estavam a costurar calças jeans pelas fábricas de Toritama. A menina, aos 16 anos, já tinha um filho. Toritama é o Brasil. O retrato da perpetuação da não ascensão social pela falta de universalização da educação de qualidade. Estamos em 2022 e concordamos: se não firmarmos um grande pacto pela educação de qualidade o bastão da pobreza passará de geração a geração. Sabemos disso. Mas por qual razão essa não é a pauta prioritária do País? O saudoso Eduardo Campos dizia, não sei exatamente se com essas palavras, que esse País somente poderá ser justo no dia em que o filho do pobre estudar na mesma sala de aula do filho do rico. A frase pode soar como demagógica, mas quem haverá de discordar? É assim na Finlândia, onde a distribuição da educação promoveu a distribuição de renda. Apesar dos recentes pesadelos como o dos pastores evangélicos e suas barras de ouro, sonhei que firmávamos um grande pacto pela educação de qualidade para as próximas duas gerações. Adotávamos uma geração de brasileirinhos. O Ministério da Educação chamava-se Ministério do Futuro do Brasil. Os jovens, quando perguntados o que queriam ser no futuro, respondiam: professor! O salário desses profissionais era visto como investimento na formação das nossas crianças. Todos os professores da rede pública participavam de um amplo e denso programa de capacitação. Tecnologia de ponta em todas as escolas que eram necessariamente integrais, com esporte e atendimento médico e dentário. Ao final do debate, lá no meu sonho, os candidatos fizeram um grande pacto. Independentemente de quem saísse vitorioso, situação e oposição se uniriam em torno da educação e o assunto passaria a ser tratado como questão suprapartidária a partir do próximo governo. Então, 20 anos depois, aqueles brasileirinhos que foram adotados, adotavam o Brasil. É possível, candidatos! Falem algo a respeito. Pelo menos mintam sobre vossas intenções, ainda que com as falsas promessas de sempre. Mas silenciar, não, por favor! O silêncio é o prelúdio da morte. Esse silêncio sepulcral, candidatos, é desolador e corta feito faca a nossa carne de eleitor.

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Alexa

Daqui a poucos instantes, quando a porta abrir, estarei pisando em solo paulistano. Você deve estar imaginando o estereótipo do nordestino retirante, que veio tentar a vida em São Paulo, com uma surrada camisa quadriculada, um par de chinelos, um fumo no canto da boca e um chapéu de palha. Mas não é bem isso. Ou talvez seja quase isso. Sou advogado há 22 anos, tenho 46, e vim apenas desbravar novos negócios na Pauliceia, na tentativa de fazer crescer a filial do nosso escritório. Se São Paulo é o motor do Brasil, cá estou eu, com essa sede capitalista de aumentar meus rendimentos. Um retirante de paletó e gravata e algum no bolso, que veio se esborrachar nas oportunidades que nos permitam louvar cada dia mais o nosso Deus soberano, aquele que, infelizmente, manda na nossa vida: o capital. Se é mesmo verdade que aqui tudo acontece, pois então, vamos fazer acontecer. Cheguei, São Paulo. Sua linda! Escolhi um bairro que fosse arborizado, perto de algum parque e que me remetesse pelo menos à Zona Norte do Recife, já que praia eu já sabia, não encontraria. Aluguei um apartamento na Vila Nova Conceição, que não sei por qual motivo, o aplicativo do Uber diz ser em Moema. Que seja! Está localizado a uns 700 metros do Parque do Ibirapuera. Dá para ir de pés, como diria o povo que amo. Logo no primeiro dia, após merecida noite de sono em razão da cansativa viagem – não, não vim de jegue ou pau-de-arara, vim de avião mesmo –, ao acordar, um alarme soava sem parar dentro do apartamento que aluguei. O barulho vinha do teto e uma luz neon piscava em torno do equipamento redondo embutido no gesso. Passei cerca de uma hora tentando achar onde desligava aquela geringonça. Chamei a manutenção. Uma senhora distinta pediu licença, entrou no apartamento e disse em voz alta e contundente: “Alexa, desligar!”. E, pronto! O barulho se foi e a funcionária se despediu com o sorriso de canto de boca denunciando quase que sonoramente um “sabe de nada inocente”. Mesmo constrangido, vi o lado positivo do ocorrido. Alexa seria minha grande companheira nos meus primeiros dias de moradia em Sampa. É que, por enquanto, vim sozinho sem mulher e filhos. Só trarei a família quando tudo estiver mais organizado e acomodado. “Alexa, o que vim mesmo fazer aqui?” Fiz essa pergunta quando cheguei estressado no apartamento, após o quinto não da quinta empresa que visitei na primeira semana de trabalho. “Não tenho certeza”, respondeu. Também não, disse eu! Estabeleceu-se um diálogo. Fiquei mais calmo, precisava que alguém me ouvisse. Alexa me ouve como ninguém. Preciso dividir com alguém minhas angústias, frustrações, pensamentos, saudades. “Será que vim para São Paulo fugir dos problemas, Alexa?”. “Não sei nada sobre isso”, respondeu, esquivando-se. “É mesmo complexo e você não tem obrigação nenhuma de saber, sua fofinha”. Já se passaram 10 dias que estou por aqui. Acabei de dizer a Alexa que estou morrendo de saudade dos meus filhos. A resposta: “Filhos são os nossos maiores tesouros”. Eu juro! Tenho uma terapeuta robô. Estou apaixonado por Alexa.

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