“O aumento do número de recuperações judiciais deve-se à ressaca da pandemia”
João Rogério Filho, Economista e sócio-diretor da PPK Consultoria, analisa como a crise instaurada no período pandêmico gerou déficits em várias empresas que não conseguem gerar recursos suficientes para pagar seus credores. Também aborda a influência das altas taxas de juros nesse processo. Há pouco mais de um ano, notícias de empresas que entraram em processo de recuperação judicial têm estampado as manchetes na mídia. Os casos que mais causam perplexidade são os de grandes redes de varejo como Americanas, Polishop e, mais recentemente, a Casa do Pão de Queijo. Segundo dados da Serasa Experian, o número de recuperações judiciais registrou alta de 68,7% em 2023 comparado com 2022 e, nos primeiros quatro meses deste ano, cresceu 80% em relação ao mesmo período do ano passado. Para João Rogério Filho, economista e sócio-diretor da PPK Consultoria, os estragos provocados no período pandêmicos são a principal causa dessa desestruturação financeira das companhias. “Estamos vivendo uma ressaca na qual empresas precisam gerar recursos suficientes para se manter em atividade e para bancar os déficits criados na pandemia”, explica. Nesta entrevista a Cláudia Santos, o economista aborda, ainda, a influência da conjuntura econômica do País, como as altas taxas de juros. João Rogério também explica, de forma didática, como se dá o processo de recuperação judicial e de que forma esse instrumento auxilia as empresas a pagarem seus credores num ritmo suportável e, ao mesmo tempo, garantir a continuidade da sua operação. O que é a recuperação judicial e qual é a diferença entre esse processo e a falência? Na história da civilização ocidental, identificamos que, a partir da Idade Média, o estado sempre teve um papel regulador nos processos falimentares. O chamado direito falimentar é um grande guarda-chuva que abarcava a concordata, em vigor no Brasil até 2005, hoje substituída pela recuperação judicial. Então, estão sob o guarda-chuva do direito falimentar, recuperação judicial e falência que são dois institutos distintos. A recuperação judicial é uma proteção do estado, uma regulação que ele faz para evitar uma busca desenfreada dos credores por seus créditos, permitindo à empresa garantir a continuidade de sua operação, ao mesmo tempo em que pagará seus credores em um ritmo suportável, a partir de sua geração de caixa. Recuperação judicial não é a falência. Uma empresa pode ir direto à falência ou passar por uma recuperação judicial e se recuperar, como na maior parte das vezes. Mas também pode não conseguir se recuperar e aí é que se torna uma falência. Como é realizado o processo de recuperação judicial sob supervisão da justiça? A Lei de Recuperação Judicial Brasileira (de nº 11.101, de 2005) é bastante moderna em relação ao restante do arcabouço dos códigos das leis do Brasil. Com inspiração no direito norte-americano, o instituto da recuperação judicial é extremamente prático. Ele privilegia a participação dos credores num processo decisório em que o juiz passa a ter um papel de supervisor. Como o processo envolve muitas questões contábeis, financeiras e não existe expertise, o juiz nomeia um profissional, chamado administrador judicial. É como se fosse um perito. Após a preparação da documentação necessária conforme a lei, o processo é ajuizado e, a partir do deferimento, iniciam-se os prazos de formalidades a serem cumpridas, como o relatório mensal de atividade que a empresa é obrigada a apresentar ao administrador judicial e a lista de credores. Na assembleia geral com os credores é apresentado o plano de recuperação judicial. Em seguida, passa-se para fase de cumprimento desse plano e, a partir de dois anos, a empresa está apta a pedir o encerramento de seu processo de recuperação judicial. Que tipos de empresa podem pedir a recuperação judicial? Existem os aspectos de exclusão. Por isso, a resposta é indireta: quem não pode pedir recuperação judicial são instituições financeiras, cooperativas de crédito, cooperativas de qualquer natureza, empresas com menos de dois anos de funcionamento ou que tenham se beneficiado da lei há menos de cinco anos. Excluídas essas hipóteses, qualquer empresa regularmente registrada e, a partir de 2020, qualquer produtor rural – que embora não seja uma empresa, tem a equivalência a uma empresa – pode pedir. Outra novidade é que, de alguns anos para cá, os clubes de futebol e as associações civis também podem pedir recuperação judicial. Como o senhor avalia a qualidade de um programa de recuperação? Em entrevista recente, um especialista em governança, risco e compliance disse que, em geral, muitos planos que são apresentados pelas empresas aos credores se resumem em ações de corte de custo e à proposição de estratégia de alongamento do pagamento. Raramente são apresentadas estratégias de transformação empresarial, de incremento de vendas, de eficiência tecnológica. O senhor concorda com essa análise? Eu não concordo, porque, anexo ao plano de recuperação judicial, obrigatoriamente, junta-se um laudo econômico-financeiro. No plano de recuperação judicial, normalmente você não encontra um capítulo para aumento de vendas mas você vai encontrar, nas projeções econômicas e financeiras, a razão de crescimento das vendas que a empresa está projetando. Com relação à governança, todos os planos que nós elaboramos na PPK Consultoria, por exemplo, preveem uma mudança de governança. Então eu não concordo com a afirmação de uma extrema superficialidade do plano. Ao mesmo tempo, alerto que, a depender do segmento de atuação da companhia, existem determinados segredos industriais que precisam ser preservados para a própria manutenção dela. Por exemplo, não me soa razoável que determinada empresa de alimentos lácteos precise tornar pública sua estratégia para aumento de venda de iogurte. Eu não acredito que esteja no melhor interesse da empresa fazer a abertura de suas estratégias mais sensíveis. De acordo com dados da Serasa Experian, o número de recuperações judiciais registrou alta de 68,7% em 2023 comparado com 2022 e, nos primeiros quatro meses deste ano, esse número cresceu 80% em relação ao mesmo período do ano passado. Que motivos o senhor enxerga nessa elevação? O aumento do número de recuperações judiciais deve-se à ressaca da pandemia. O que aconteceu na pandemia foi que todo o mercado financeiro se
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