Artigos – Página: 15 – Revista Algomais – a revista de Pernambuco

Artigos

Seis podcasts que você precisa começar a ouvir

*Por Beatriz Braga Ouvir. Precisamos urgentemente abrir os nossos ouvidos. Ouvir quem está do lado, ouvir quem está distante. Ouvir mulheres, ler mulheres, assistir mulheres. Isso, claro, se quisermos evoluir como humanidade. Uma ótima ideia do mundo moderno foi a invenção do podcast (arquivo digital de áudio transmitido através da internet sem necessariamente uma frequência fixa de episódios). Esse tentáculo do rádio tem ganho cada vez mais atenção dxs produtorxs de mídia, isso inclui centenas de mulheres à frente de programas muito interessantes. Eu sou fiel adepta ao mundo do podcast e não saio de casa sem meu fone. De repente, o caminho até o trabalho ou o exercício na academia tornam-se viagens às águas até então não navegadas individualmente. Também continuo uma fiel amadora do mundo analógico e sigo fascinada pelo tradicional rádio nosso de todo dia. O podcast, pois, une o que o rádio tem de fascinante (a atenção às palavras, à discussão e à conversa entre humanos) com o que o avanço tecnológico trouxe de bom (praticidade, diversidade e democratização de conteúdo). As hashtags #mulherespodcasters e #opodcastédelas são um caminho eficiente para descobrir projetos legais protagonizados por vozes femininas. Se você ainda não começou, por que não hoje? Ouça mulheres. Escute diálogos sobre diferentes experiências da sua. Essa é a nossa maior contribuição para um mundo mais bacana. As opções de programas bons (e gratuitos) são infinitas, mas como acho que cardápios grandes atrapalham mais do que ajudam, selecionei os poucos e bons que me acompanham. Compartilho, aqui, minha lista de podcasts queridinhos. Preencher os tempos ociosos do meu dia ouvindo o que outras mulheres têm a dizer foi uma das melhores coisas que fiz nos últimos tempos. Estão preparadxs para uma lista super interessante? 1. Mamilos | B9 Jornalismo de peito aberto, cabeça fria e personagens bem escolhidos. Conversa boa, bem humorada e inteligente, sobre temas que mudam a cada edição: arte, política, sexo, masculinidade, maternidade, aborto e por aí vai. Meu podcast preferido (sou “mamileira” fiel), apresentado por Juliana Wallauer e Cris Bartis, é ótimo para se atualizar dos assuntos do momento. Polêmicas e tabus são bem-vindos e tratados com respeito. Todo mundo deveria ouvir Mamilos! Saiba mais: www.b9.com.br/podcasts/mamilos/ 2. Feito Por Elas | Anticast Eis a proposta: assistir, toda semana, um filme de uma diretora mulher durante um ano. Topa? O desafio#52FilmsbyWomen (52 Filmes por Mulheres) foi lançado pela organização Women in Film (www.womeninfilm.org), projeto que nasceu para alavancar um universo muitas vezes deixado de lado por falta de oportunidade e preconceito. Foi de olho neste desafio que o podcast Feito Por Elas surgiu. Cada edição apresenta uma mesa redonda de mulheres que já tinham alguma experiência anterior em crítica de cinema (Angelica Hellish, Isabel Wittmann, Samantha Brasil, Camila Vieira, Stephania Amaral e Michelle Henriques). Quinzenalmente, uma diretora é escolhida e três filmes diferentes de sua carreira são analisados. A ideia do projeto é enriquecer o debate em torno de produções assinadas por mulheres e dar mais visibilidade às cineastas que fizeram ou continuam fazendo trabalhos importantes ao redor do mundo. Saiba mais: www.anticast.com.br/2016/08/feitoporelas 3) Baseado em Fatos Surreais Para ouvir depois de um dia pesado e dar risada ou se confortar com esses episódios leves de geralmente algo em torno de 20 minutos. A ideia aqui é dar vozes às histórias anônimas de outras mulheres contadas na primeira pessoa. A cada episódio, uma história enviada por ouvintes é interpretada por uma das apresentadoras em uma conversa aberta com outras parceiras. Tudo isso com empatia, sensibilidade e bom-humor. Claro que rola uma dramatizada e uns pontos a mais nos contos, mas tá tudo certo, a gente gosta mesmo de emoção. As histórias giram em tornos de fatos “surreais” que acontecem na vida de pessoas comuns, envolvendo amizade, sexo, trabalho, família e o que mais couber no roteiro cotidiano de gente como a gente. O projeto é mantido por Marcela Ponce de Leon e Sheylli Caleffi, sempre com convidadas para interpretar e reagir aos causos da vida alheia. Saiba mais: www.bfsurreais.com.br 4) Talvez Seja Isso Um convite às profundezas do “ser mulher”. Nesse podcast, mulheres se reúnem para conversar e analisar a obra clássica “Mulheres que correm com os lobos” de Clarissa Pinkola Estés. O livro é um caminho sem volta para transformação pessoal (para as leitoras interessadas, claro). Assim como a felicidade, toda transformação é mais real se compartilhada. O podcast é um espaço seguro para ouvir sobre os ensinamentos desse livro fantástico. A cada edição, um capítulo entra na berlinda. Eu ainda não terminei o livro, mas quando acabo um capítulo, vou lá e ouço essa conversa entre mulheres, que apesar de não conhecê-las, sinto como se fossem minhas amigas dialogando na mesa de bar – e tem melhor cenário para sair renovada? Não necessariamente é preciso ler o livro para entender as reflexões, mas acho que o combo (leitura + discussão) é a maneira mais legal de aproveitar essa viagem ao centro de nós mesmas. Aos mais distraídos, pode soar como besteira. Às mais dispostas, soa como poder. Saiba mais: www.talvezsejaisso.com 5) About Race | Reni Eddo Loge As duas últimas dicas são podcasts em inglês (uma ótima opção para quem quiser, de quebra, treinar o ouvido para esta língua estrangeira). No site do programa, inclusive, encontramos os episódios transcritos para serem lidos. É muito bom escancarar os ouvidos e saber o que se está falando ao redor do mundo também. About Race é o podcast da jornalista britânica Reni Eddo Loge, autora do livro bestseller “Why I’m No Longer Talking to White People About Race” (Porque eu não falo mais com pessoas brancas sobre racismo, em tradução livre), do qual tenho lido críticas maravilhosas e tem alavancado a carreira da escritora pelo mundo. No programa, pautas interessantíssimas, muitas vezes polêmicas e sempre bons convidados. O tema central é racismo e a autora, enquanto feminista com foco interseccional, tem muito a dizer. Encontrei esse podcast por acaso pela internet e virei fã. Em uma das últimas edições, “The Big Question” (a

Seis podcasts que você precisa começar a ouvir Read More »

O mundo está chato ou você que perdeu a graça? (por Beatriz Braga)

*Por Beatriz Braga Minha fantasia de como é ser um homem…”, conta a comediante americana Chelsea Peretti, irônica, no show One of The Greats, “…é acordar todo dia, abrir os olhos e pensar ‘eu sou incrível!’”, completa exaltada, fazendo a plateia rir. Depois segue imitando os colegas de trabalho enquanto falam sobre suas conquistas sexuais com garotas. A prática de stand-up comedy sempre foi um terreno majoritariamente masculino. Cada vez mais, no entanto, mulheres sobem ao palco para provar que também são engraçadas. É uma mulher, inclusive, que vem sendo aplaudida por levar o mercado humorístico a um novo e inédito nível. “A nova grande voz da comédia”, foi assim que o The New York Times chamou o especial Nannette da australiana Hannah Gadsby lançado no Netflix em junho. “Transformador”, “revolucionário” e “catártico” foram outras alcunhas que recebeu dos mais reconhecidos portais de notícias. No esquete, Hannah começa fazendo piadas comuns das suas performances, como o relato sobre uma conversa constrangedora com sua avó. “Eu percebi que esqueci de contar para ela que sou lésbica” e relembra como a matriarca ainda tinha esperança do ‘Mr. Right’ (o cara ideal) aparecer na vida da neta. Esse show, porém, não é qualquer um. Hannah explica ao público a construção do “engraçado”. Em toda sua carreira, valeu-se da autodepreciação para fazer rir, pois foi assim que aprendeu a lidar com os aspectos de si mesma que não eram aceitos. “Você entende o que autodepreciação significa para alguém que já vive à margem? Não é humildade. É humilhação”. Hannah dá um soco no estômago e nos conduz por 70 minutos variantes entre riso, drama, choque e emoção. A australiana amplia as fronteiras do stand-up. Com um microfone e um palco vazio, faz uma obra de arte. A reação das críticas e do público sugere que a velha comédia, pejorativa e ofensiva, tem uma forte concorrente. O futuro, quem sabe, será mais interessante. “O mundo está chato”, lamentam por aí os nostálgicos – em sua maioria, brancos e héteros. Temos, agora, uma geração de pessoas que se considera vítima do politicamente correto. Senhores, o mundo não está chato. Talvez, lentamente, os alvos estejam mudando e quem não era incomodado passou a ser. Apontar quem tem “andar de viado” ou pele negra não será mais engraçado. Aquele que abusa é que se tornará o ridicularizado. A pesquisadora Djamila Ribeiro relatou em sua coluna na Carta Capital que, quando adolescente, era costume passar por grupos de meninos na rua e ouvir piadinhas por ser negra, fato que ela viu se repetir com sua filha. “Rir de mim porque sou distraída ou desastrada é uma coisa, por que raios deveria rir da minha pele ou do meu cabelo como se isso fosse um defeito?”, indaga. Hannah lembra do caso da estagiária de Bill Clinton, Monica Lewinsky, que virou chacota mundial por seu affair com o então presidente estadunidense em 1998. “Talvez se os comediantes tivessem feito seu trabalho certo e feito piada do homem que abusou do seu poder, agora tivéssemos uma mulher com experiência adequada na Casa Branca. Em vez disso temos um homem que admite ter assediado sexualmente jovens vulneráveis simplesmente porque podia”, diz em referência à ex-candidata à presidência dos EUA, Hillary Clinton, e Trump, atual mandatário do país. Entre o poderoso show de Hannah e as lamentações de quem está cansado do politicamente correto, eu lembro de um colega que disse em uma mesa de bar: “meu melhor amigo é gay e tenho certeza de que ele não se importa que eu o chame de viado e fale coisas como viadagem”. Em resposta ao argumento, o sujeito da frase, presente na mesa, explicou didaticamente que ninguém gosta de ser referido com um apelido pejorativo. “Aceitamos porque você também acaba aprendendo que é o viadinho da escola”. A piada só chega depois que o ódio, a vergonha e o preconceito fizeram seu trabalho bem feito. Ela é o símbolo da naturalização da discriminação. Hannah fez a plateia rir da anedota da avó para introduzir o que antes era indizível: ela não esquecera de sair do armário como costumava brincar. Ela fizera de propósito, pois uma parte dela ainda tem vergonha de ser quem é. Talvez estejamos caminhando para o mundo onde Bill Clinton não passa mais incólume. Bill Cosby, Harvey Weinstein e outros não têm tido a mesma sorte depois das denúncias de assédio. O comediante Louis CK, que usava da sua autoridade para se masturbar na frente de mulheres, teve sua carreira arruinada ao ser desmascarado. Enquanto isso, Hannah Gadsby – mulher lésbica no auge dos seus 40 anos – é ovacionada ao dizer à plateia lotada do Sydney Opera House que não vai mais desfazer tensões com piadas. “Tensão é o que os ‘não normais’ carregam o tempo inteiro”, diz. “Os normais” precisam lidar com a merda no ventilador que eles próprios criaram. A tensão é responsabilidade de quem ensina às crianças a se odiarem simplesmente por serem quem são. Hannah foi criada na Tasmânia, estado australiano onde homossexualidade era crime até 1997. Aprenda com aquela que foi espancada na rua, estuprada mais de uma vez e humilhada durante toda a vida por ser a “mulher errada”. E que afirma que não há nada mais poderoso do que uma mulher destruída que foi reconstruída. E quem vai discordar? O show de Gadsby foi classificado pelo The Hollywood Reporter como “uma sensação do sucesso boca a boca” porque não apenas a mídia está falando sobre isso, mas as pessoas estão compartilhando eufóricas na internet. A humorista diz que esse show foi sua despedida da comédia. Mas será que a comédia vai deixá-la ir embora? O que dizer dos que classificam as críticas às piadas de mau gosto como censura? Pode fazer piada, mas não se pode reclamar dela? Aos donos da liberdade de expressão que, diante de tantos consertos a fazer no mundo, escolhem essa causa para lutar, eu diria: não foi o mundo que perdeu a graça. É você que está ultrapassado.

O mundo está chato ou você que perdeu a graça? (por Beatriz Braga) Read More »

Crônica do amor barato

*Por Beatriz Braga Cada dia vejo mais mulheres querendo desistir do amor. De relacionamento abusivo a outro amor meia boca, é comum ir perdendo o gás. O que salva em tempos difíceis são os exemplos bons e saudáveis resistentes ao tempo. Peço licença, pois, para uma crônica sobre o grande amor que eu conheço. Na casa dos meus pais, os sons do casamento estão em todos os lugares. Os interruptores que ascendem e desligam como os dias que chegam e vão; os chinelos acusando a vida pela casa; o barulho dos garfos que batem um no outro enquanto são lavados e anunciam que o domingo, enfim, acabou; a música do final do filme na sala de estar. Quando era adolescente, tinha um pé atrás em relação ao conceito de casamento. Considerava a rotina o contrário da liberdade e achava que a estabilidade emocional tiraria o direito – tão delicioso – de um pouco de solidão pessoal. Mas, volta e meia, tudo mudava diante de pequenas situações (pequenas?) que testemunhava da rotina dos meu pais. Eles estão quase chegando aos 40 anos de casados. Hoje se apaixonaram de novo. Ninguém viu, apenas eu e o vento. Amor é vento leve, intruso, ambiente e incolor. Um dia comum, televisão ligada, jornal na mesa, ela e Fernando Pessoa no sofá, ele com seu futebol e TV. Eis que surge o prefácio: uma conversa trivial. Ele começa a falar sobre uma queda homérica em uma pelada quando era jovem. “E como foi?” Pergunta minha mãe, com um tom empolgado só dela. De repente, vieram os gestos, os risos, o interesse, a exaltação. Chamou-me a atenção a forma como se olhavam. Riram, brincaram, lembraram. Não é fácil enxergar alguém que enche seu campo visual tantas horas por dia, quase a vida toda. Mas havia, ali, sintonia. A retina não criava obstáculos. Eles, de fato, se olhavam. O amor apareceu dizendo que é rotina, dia-a-dia, algo ao qual a paixão não sobrevive. Paixão é avassaladora, traduzível, forte. Amor é sutil, imprevisível, terno. O ar da sala se encheu de energia positiva. Aos olhares que se cruzavam do amor barato e cumplicidade, havia o meu, de admiração e estranhamento. Como assim, depois de quase quatro décadas, ainda há histórias a serem contadas? Tanta atenção a ser dada? O amor se recicla, se renova e emancipa nos momentos banais. Meus pais se apaixonam de novo várias vezes e nem notam. A ideia de convenção estagnada que tempera o casamento se desvanece. Existe, ainda, a grande sacada do matrimônio para quem ainda está disposto a se enxergar: o amor que brota da rotina. – Bem vindos amigos da Rede Globo… Dizia certa voz desmancha-prazeres do lado esquerdo do cômodo. Ele voltou ao seu esporte. Ela às suas poesias. Eu fiquei, de longe, observando. – Pai, como é mesmo aquela história daquela queda?

Crônica do amor barato Read More »

Como não ser machista – versão Copa do Mundo

*Por Beatriz Braga Alguns brasileiros acharam bonito constranger uma mulher russa ao fazê-la engrossar o coro sobre a sua “boceta rosa” sem saber o que aquilo significava. Os homens acabaram com suas carinhas estampadas em anúncio repelente de “macho escroto”. Há, no entanto, quem chame de apenas uma brincadeira infantil. Precisamos conversar sobre o que o vídeo (e as reações a ele) realmente significa. Para isso, quatro das expressões que ouvi relacionadas aos comentários sobre a repercussão: 1. “Eles estavam só brincando”. Sabe quando somos crianças, ouvimos uma brincadeira machista e repetimos por aí? Ou quando aprendemos nas novelas que homens não podem “ver um rabo de saia” e que só pensam em sexo? Ou quando nos ensinam que “mulheres que servem para casar” são quietinhas? Você lembra quantas vezes já ouviu que uma mulher bêbada estava “pedindo” para que algo ruim acontecesse? E que o tamanho da saia define a decência de quem a usa? Nós crescemos ouvindo na mídia, nas brincadeiras e no dia-a-dia: homens são impulsivos e predadores. Mulheres são a caça a ser desfrutada. O homem conquista. A mulher disputa sua atenção. Vamos combinar: machismo fode todo mundo. Homens também são vítimas, mulheres também são algozes. Mas nós todos estamos inseridos na chamada Cultura do Estupro, a lógica que torna a violência contra a mulher uma coisa normal (isso não é ponto de vista, é um fato: www.relogiosdaviolencia.com.br) O que nos levou a números tão alarmantes foi a naturalização do comportamento machista. Começa na piadinha, no comentário que escutamos e levamos para escola, na propaganda que compara mulher a cerveja, no assobio “inocente” na rua, quando dizemos que a mulher drogada estava fácil e aquele short era de “rapariga”. A violência contra mulher é um fenômeno social. Por isso é tão comum e tão difícil de ser combatida. A cultura do estupro está em todo canto, inclusive na piada que fala da cor da boceta de uma mulher sem ela entender nada. Não se engane. Todos esses movimentos tantas vezes “sutis” lembram ao homem constantemente que ele tem poder sobre a mulher. E diz à mulher toda hora que ela é inferior. A brincadeira machista é a ponta do iceberg que culmina no cara que bate na mulher ou no tio que abusa do corpo da sobrinha. É um reflexo do que acontece todo dia e não viraliza. É parte da mesma lógica na qual 33 homens se sentem no direito de estuprar uma garota ao mesmo tempo e gravar para mostrar a outros homens. A brincadeira é a marca de uma sociedade que faz de todo homem um potencial opressor e de toda mulher um alvo. 2) “Ela estava se divertindo”. O argumento não se aplica ao caso, pois a mulher não sabia do que se tratava a risadagem. Mas digamos que ela achasse graça. Ou no caso da mulher entrevistada que não viu problema. Ou na mulher que diz adorar ser chamada de gostosa na rua. Sempre vão existir mulheres a reproduzir atitudes machistas. Mas isso não muda o fato de que o machismo ocorreu. Quantas vezes ainda me pegarei reproduzindo atitudes sexistas, racistas e preconceituosas. Mas o feminismo me ensina a refletir sobre elas. Uma mulher defender uma atitude machista não legitima o ato. Até porque ela não se beneficiará em nada daquilo. O homem é beneficiado na escala de poder. A mulher continua saindo na rua a evitar becos escuros com medo do sexo oposto, enquanto o homem branco, hétero e classe média continua no topo da pirâmide. Vivemos em sociedade. Toda vez que uma mulher é assediada afeta a todas mulheres. Quando vejo uma companheira reclamar do “mimimi” feminista, penso que tenho que lutar em dobro em nome dela. O homem que traz esse argumento vai ter que torcer, em dobro, para que ela não acorde. Porque quando acordar, meu querido, será uma revolução. 3) “Eles são uns meninos”. Quando uma menina de 13 anos é assediada, dizem que ela tem corpo de mulher, que provocou, que a roupa que usava não era de criança. Quando um homem assedia, ele é menino, não sabia o que estava fazendo, deixa pra lá. Se a mulher bebe, ela pediu por aquilo. Se o cara está bêbado, aquele não era o seu verdadeiro “eu” agindo no momento. Nossos hormônios nos fazem histéricas, loucas. Para o homem, sua biologia lhe serve de desculpa. Talvez, a passos lentos e de formiguinha, chegou a hora dos homens começarem a serem responsabilizados. Os poderosos de Hollywood estão caindo. Os brasileiros do vídeo poderão ser punidos. Não tem menino ali. Só vejo adultos vacinados. Em nenhuma de suas respostas, no entanto, eles admitem o erro. Enquanto não aprendem na conversa, vão entender na marra. 4) “Tem que ter cuidado com a internet”. Que tal trocarmos a frase “tem que ter cuidado com o que postar na rede” por “tem que ter cuidado com o que faz”?. A culpa não é da internet, não é nossa por estarmos problematizando uma “brincadeira de mal gosto”. Não é das mulheres mal amadas que adorariam atenção de homens. A culpa é de quem não está prestando atenção. Aproveito para sugerir outra substituição. Vamos trocar “e se fosse sua filha?” para “e se fosse um ser humano?”. Vamos esquecer a lógica dos nossos representantes políticos que chegam no palanque e creditam o voto às suas famílias. Não merecemos respeito por sermos filha ou alguma coisa de algum homem. Somos seres vivos e isso basta. Pois bem, é isso que pedimos: diante de uma mulher, enxerguem um ser humano e não apenas uma boceta rosa.…… Tive a oportunidade de conversar com uma russa uma vez. Ela havia se mudado para a Espanha porque disse não aguentar os homens do seu país. “Vim para Barcelona encontrar amor”, confessou. A Rússia é um lugar altamente machista e repressor. Lembro de ter dito que a situação no Brasil também não é legal. “Somos um dos países que mais mata mulher no mundo”. No final do papo, desejei

Como não ser machista – versão Copa do Mundo Read More »

O que aprendi com Balzac

*Por Beatriz Braga Em agosto começo a minha volta ao redor do sol rumo a Balzac. Vai ser o meu último ano na casa dos vinte. Achei simbólico ler A mulher de trinta anos do escritor que, com esse livro, cunhou o termo “balzaquiana”, referente às mulheres que completam três décadas de vida. A história da protagonista Júlia gira em torno da infelicidade no seu casamento em uma época – século 19 – que se esperava da mulher ser mãe e esposa, apenas. O livro é considerado um marco por levar em conta as angústias da mulher burguesa já casada, considerada “velha”, enquanto seu marido da mesma idade era um jovem promissor. Deixei o livro na estante aliviada por não me reconhecer em Júlia. Apesar de entendê-la e levar em conta os séculos entre nós. Eu não sei bem o que os meninos da minha escola faziam aos 11 anos, mas com certeza algo a ver com bola e desenho animado. Acho que nem sonhavam com uma brincadeira comum do lado de cá: um jogo de sorte que dizia com qual idade iríamos casar e ter uma família. Lembro do momento no qual soube que casaria aos 24 e teria 4 filhos antes dos 30. O próximo passo era descobrir a primeira letra do nome do meu futuro marido. Se eu dissesse à mini Beatriz que, quase balzaquiana, eu ainda não casei e nem engravidei, ela imaginaria que algo deu errado. Se eu tivesse a oportunidade de compartilhar meus sonhos e ambições com Júlia de Balzac, no entanto, acho que ela teria certo orgulho. A personagem, por sua vez, não tinha com quem conversar. Ela morreu incompreendida com a sensação de que sempre lhe faltou algo na vida. Eu sempre tive muitas mulheres ao meu redor. Vejo minhas melhores amigas: algumas casadas, outras com filhos, outras nem pensar, algumas no caminho. No entanto, nada disso nos define. Somos, sim, a versão mais velha da criança para a qual era vital prever o calendário maternal. Mas tivemos sorte. Tivemos privilégios. Tivemos o feminismo que há alguns anos nos encontrou. Não vou dizer que não estamos em crise. Chegar aos trinta ainda é um momento de reflexão. Mas o que vejo? Vejo mães batalhando para que o mundo não limite seus espaços por conta da maternidade. Vejo mulheres largando as profissões que escolheram aos 18 anos e descobrindo novos talentos, agora mesmo, aos 30. Vejo-as mudando de cidade, de país, de vida. Vejo-as independentes. Vejo cicatrizes de um mundo machista e racista. Mas as vejo também se reconstruindo e se reinventando. Redescobrindo suas sexualidades. Vejo amigas empreendendo, estudando, arrasando em ambientes de trabalho muitas vezes dominados por homens. Vejo-as colocar muita paixão em uma causa, um trabalho ou um hobbie. E ainda me ensinam sobre estrelas, espiritualidade e terapia. Ouço minhas amigas reclamando dos assédios e das portas fechadas por serem mulheres. E depois vejo-as conquistando mais espaços. Vejo amigas realizadas com seus trabalhos e outras lutando por isso. Vejo-as morando sós, viajando sozinhas, exigindo respeito e igualdade nos relacionamentos. Nossas vidas não são perfeitas, claro. Nossas questões giram em torno de muitas coisas, nosso status de relacionamento é apenas uma parte do todo. Isso não é o que nos completa. Mais importante: não estamos velhas. Estamos apenas no meio do caminho. Olho mais à frente e vejo minha mãe que vai comemorar, em breve, mais três décadas depois de Balzac. Vivendo, quem sabe, a melhor época da sua vida. Jogadora de basquete e com a alma cada vez mais jovem. Ao lado dela, minhas tias fortalezas, cajazeiras, me fazem não ter medo da velhice. Penso nos meus trinta anos e tenho muitos planos. Posso dizer, com certeza, que a melhor parte deles veio da convivência com as mulheres com as quais nasci e as que adotei na vida. Vejo Balzac empoeirando na estante e fico grata porque os privilégios me distanciaram de Júlia. Hoje tenho sede de justiça de lutar por um mundo para que todas as mulheres possam ter essa sorte. E por sorte chamo essa cena corriqueira: a mesa de bar com as amigas onde tudo é possível. Ganhar o mundo, casar, ficar sozinha, reinventar-se, abandonar os planos dos últimos dez anos, perder-se e encontrar-se ali em mulheres que também servem como espelhos. Nem sempre será fácil essa (e as próximas) voltas ao redor do sol. Mas, com muita sorte, será sempre em boa companhia. *Beatriz Braga é empresária e jornalista **Para acessar o site de Libby Vander Ploeg clique aqui. (Link: https://www.libbyvanderploeg.com)

O que aprendi com Balzac Read More »

Há feminismo no casamento real?

*Por Beatriz Braga As princesas da minha infância não tinham voz. Ora dormiam em sono eterno, ora presas numa torre, ora mudas pela maldição da bruxa. Todas à espera dos príncipes que tinham o poder de devolver-lhes a fala e a vida. Antes da família real entrar em cena, Meghan Markle era ativista, fazendo parte de organizações internacionais como a UN Women. Casou-se com o Príncipe Harry e a pergunta agora é se há vida feminista após o Castelo de Windsor. Meghan abriu mão da carreira como atriz e apagou sua presença na internet – redes sociais e seu blog The Tig, onde escrevia sobre estilo, viagens e afins. Resta o site da família britânica, na qual ela se proclama orgulhosamente feminista. O movimento reivindica que a participação de homens e mulheres seja igual na sociedade. Quando uma mulher abre mão de sua independência econômica, social e artística porque a família do cara exige uma anulação do que ela construiu até então, a luta perde um ponto. No entanto, é preciso diferenciar a estrutura macro do movimento das escolhas individuais de cada mulher. Meghan fez um caminho consciente até o altar. Lutamos, sobretudo, pelo respeito. De puta à princesa, lugar de mulher é onde ela quiser.Confesso, porém, que se retirada a pompa do conto de fadas; se fosse Recife e não Windsor; se fosse minha amiga e não a colega de Oprah e Clonney a abandonar coisas que aparentemente as faziam feliz em decorrência de um casamento; eu organizaria uma intervenção. Mas é o Royal Wedding, Elton John vai cantar, a Globo está transmitindo na TV aberta e o mundo, chorando de emoção.A verdade é que cada era tem a princesa que merece. Ariel, Rapunzel e Bela Adormecida não se encaixam na nova geração. O mundo mudou. E assim mudará, mesmo que timidamente, as grandes estruturas patriarcais que conhecemos. Agora temos a princesa que consegue dialogar com o público que passou o sábado suspirando: afrodescendente, divorciada e (ex) atriz e advogada da equidade de gênero. Se Meghan poderá e fará o esforço necessário para ir além disso – a duquesa amada pelos milleniuns que mordenizará a imagem da monarquia – ainda é incerto. Enquanto acena discretamente ao público e senta graciosamente conforme a etiqueta das mulheres da realeza, quem sabe conseguirá usar a poderosa plataforma da qual agora faz parte para ecoar sua posição política. Se “princesa” e feminista são duas qualidades contraditórias, cabe a sua conduta enquanto duquesa de Sussex revelar. Ao passo que o movimento feminista aumentou seu poder de alcance, suas pautas deixaram de ser exclusividade das mulheres que lutam e vivem de acordo com toda a cartilha do feminismo. O movimento estará, também, em versões mais fracionadas e tímidas de homens, mulheres, famílias e membros da realeza. E isso é uma boa notícia. É importante que os tentáculos do feminismo cheguem até onde nem passavam perto, mesmo que muitas vezes pareça uma afronta às “feministas raiz”. São os reflexos de sua repercussão. Cabe a cada indivíduo mostrar que não é apenas um surfista na nova onda do momento. Se for para ter contos de fadas que seja como alguém como ela a entrar na família da rainha Elizabeth II que, há pouco mais de 60 anos, foi contra ao casamento da irmã com um homem divorciado. Apesar de Harry ser um controverso cidadão (tendo aparecido fantasiado de nazista por aí), ele herdou certa dose de coragem de sua mãe, Lady Di, conhecida por quebrar padrões e casos amorosos polêmicos. Da última vez que alguém da família real britânica quis casar-se com uma americana divorciada – o tio de Harry, Eduardo VIII, em 1936 – foi obrigado a abdicar do reinado em nome da sua relação com Wallis Warfield. Sobre as tradições casamenteiras, é possível dizer que somos tão antiquados quanto o Palácio de Buckingham.Olhe em volta. Ainda temos rapazes “pedindo a mão” de suas namoradas aos pais delas; esses últimos, por sua vez, ainda entregam suas filhas no altar ao próximo homem (dono?) da sua vida; ainda jogamos buquês e brincamos o quão desesperadas as solteiras estão para pegá-los. Após a festa, o papel doméstico ainda recai sobre mulher. A gravidez ainda é uma forma de prisão feminina. Há uma passagem tão natural por esses caminhos que seguimos sem refletir, nos julgando muito distantes de Windsor. Meghan, aparentemente, esteve consciente do que estava abrindo mão. E nós, por aqui, o quão cientes somos das nossas escolhas? Dentro dos nossos relacionamentos, conseguimos ser feministas “o suficiente”? Temos o apoio necessário para isso? Ou fechamos os olhos diante de contos de fadas impossíveis? Que bom seria se o feminismo – mesmo que discretamente, para começar – chegasse às nossas vidas tão reais e abandonássemos os protocolos sem sentido que herdamos. Para que, enfim, o movimento signifique muito mais que o retrato de uma nova princesa super agradável. Que ele possa alcançar sua expressão máxima de poder: o momento que nos tornamos responsáveis – nós mesmas e não algum aparente príncipe – pelo resgate das nossas vozes tantas vezes esquecidas no dia-a-dia das nossas vidas plebeias. *Beatriz Braga é jornalista e empresária

Há feminismo no casamento real? Read More »

Tombos amorosos e o poder da amizade

*Por Beatriz Braga Há dez anos, em uma aula de francês, aprendi que a tradução para “se apaixonar” é “tomber amoureux”, sendo “tomber” o mais próximo possível do bom e velho ‘tombar’ em português. Amar é, pois, segundo o país mais romântico do mundo, um inevitável tombo. As personagens das séries que indico aqui provavelmente concordam com os franceses. A primeira é Midge, protagonista de The Marvelous Mrs Maisel (A Maravilhosa Senhora Maisel, em português, disponível na Amazon Prime Video) e Frankie e Grace, personagens centrais da produção da Netflix cujo título leva seus nomes. Midge é uma dona de casa na Nova York de 1958. Jovem, submissa e vive para o marido e filhos. Até que sofre uma desilusão amorosa e acaba se descobrindo uma talentosa comediante. A série narra sua jornada até o palco, onde usa seu papel de esposa de forma irônica e divertida. A premiada Mrs Maisel – da mesma criadora de Gilmore Girls – é a melhor dica que você vai receber nos últimos tempos. Frankie e Grace recentemente estreou sua quarta temporada. Jane Fonda e Lily Tomlin interpretam duas septuagenárias cujos maridos se revelam um par romântico e juntas vão se reerguendo. As duas séries trazem épocas emblemáticas na vida das mulheres comuns. A primeira vive os quase trinta, quando já é “obrigatório” se ter uma vida amorosa bem resolvida. O divórcio é um fracasso para Midge. Ela vive a época retratada por Betty Friedan, num dos livros precursores do movimento feminista –  A mística feminina – no qual relata o descontentamento das mulheres brancas e classe média dos anos 1950, que se descobriam infelizes dentro dos seus casamentos. As mulheres atuais podem se conectar com as angústias de Midge, afinal, o machismo não ficou preso ao passado. Já Frankie e Grace estão na idade não permitida. Envelhecer é um pecado num mundo antirrugas. Nada é bem-vindo: surpresas, amores, sexo, prazer e independência. E aqui estão elas fazendo vibradores desenhados especialmente para idosas. O que os dois roteiros têm em comum é a reinvenção após o tombo. Somos ensinadas a esperar de um relacionamento mais do que ele pode nos dar. Dizem, quando pequenas, que somos metades incompletas, panelas destampadas a procura da tampa perfeita. O outro se torna, então, nossa completude. Deve ser algo construído nas narrativas da nossa infância, quando as mocinhas e princesas tinham no centro das suas histórias a grande ambição de encontrar um amor. Enquanto o seu par lutava, corria atrás de dragões e vencia lutas impossíveis, ela esperava o seu final feliz ser conquistado por outra pessoa. O encontro era o fim e nunca o começo. Era ali, mocinha e mocinho, com os créditos subindo na tela, que a felicidade congelada simulava eternidade. E o depois? O que acontece quando o relacionamento se desgasta, falha ou não nos faz tão feliz como sonhávamos? Nos sentimos como a metade podre da laranja, muitas vezes incapazes de nos desfazer de um caso que já não dá mais certo. Lembro da linguagem amorosa francesa ao observar a rede feminina da qual faço parte. Das mulheres ao meu redor, as mais solitárias são aquelas que estão presas em relacionamentos tão desgastados e opressores que não sentem mais o peso do tombo. Como se o relacionamento fosse um contrato social com a garantia de um futuro bom, muitas vezes as promessas de “final feliz” se transformam em estagnação. O fim da busca da felicidade, do autoconhecimento, da liberdade, da independência e o pior de todos: o fim do amor próprio. Midge, Frankie e Grace são levadas ao recomeço. O outro delicioso ponto em comum das séries é que o combustível das protagonistas está em um elemento especial: a amizade com outra mulher. Enquanto a comediante em aspiração encontra força na parceria com uma funcionária de um bar de stand up comedy, Frankie e Grace tornam-se, uma para outra, a melhor das companhias. Dois novos casamentos que jamais significam o fim. A Maravilhosa Senhora Maisel e Frankie Gracie são daquelas séries que nos fazem sutilmente um carinho no coração. Nos sentimos bem ao ver a dupla de senhoras testando vibradores, dizendo não aos filhos e se libertando das pressões de uma juventude que já passou. Assim como quando assistimos Midge se descobrindo mais talentosa e inteligente que o marido, se permitindo rir da humilhação enquanto esposa traída, arrasando no palco e incomodando os machões. Deixemos que essas histórias sejam um incentivo para nós também. Sejamos velhas. Sejamos falhas. Sejamos desquitadas se for preciso. Tenhamos relacionamentos que signifiquem sempre parte do caminho e não o destino final. Tenhamos a audácia de querer mais da vida do que os planos que fizemos no passado. Tenhamos amigas-combustíveis. Tenhamos coragem de abandonar os nossos roteiros e inventar novos começos. A qualquer idade e status social. *Beatriz Braga é jornalista e empresária

Tombos amorosos e o poder da amizade Read More »

Eu não sou um homem fácil

*Por Beatriz Braga Você é homem e acorda num dia comum. Abre o guarda-roupa, põe uma calça justa o suficiente para apertar seus sacos. Hoje não é dia de vestir shorts, pois a sua perna “não está feita”. Vai ao trabalho e sua chefe – que fala de fluxo menstrual sem tabu – ignora seu trabalho e sugere troca de favores sexuais. Você é despedido por ser histérico. Sai em um encontro e a parceira reclama da perna peluda, diz que assim não dá pra ter tesão. Tudo que seu pai fala é sobre como você anda promíscuo e o relógio biológico está alarmando. O mundo está ao contrário e só você reparou. Essa é a trama de Eu não sou um homem fácil, primeira comédia francesa da Netflix. Damien sofre um acidente e acorda em um mundo onde os corpos masculinos são hipersexualizados. Mulheres são a maioria nos cargos de liderança e exercem profissões antes consideradas dignas de testosterona, como pintoras e açougueiras. Elas assobiam nas ruas, correm de peitos livres e dizem coisas como “do que você está reclamando? de ganhar presentes e mulheres carregando pesos para você?”. O filme é uma comédia francesa que acerta no tragicômico. O homem recém acordado era um machista mulherengo. Na sociedade às avessas, só aguenta as primeiras horas. No começo, acha graça das mulheres que fixam o olhar na sua bunda. Em pouco tempo, pede pra sair. Logo ele, macho alfa das arábias, torna-se “masculista” (respectivo para feminista no filme) e cheio de “mimimi”. Mulheres, vocês conhecem algum homem que aguentaria o tranco? O cara que estava noO cara que estava notopo da pirâmide, a pica das galáxias, de uma hora para outra, se encontra nafrente do espelho testando enchimento para bunda (porque rapidamente foiatingido pela pressão de ter um corpo perfeito, durinho e preenchido). O filme apela para os estereótipos. As mulheres da trama gostam de carros, futebol, arrotam e traem. Os homens são sentimentais e dependentes. Isso, no entanto, não me incomoda, porque também é uma provocação. Afinal, o mundo nos encaixa em fôrmas pré-definidas cada vez que abrimos os olhos. Dois pontos me chamaram a atenção no roteiro. O primeiro é a linguagem não verbal dos personagens. Falamos não apenas com palavras, mas nossa postura revela muito do que somos e do que achamos que merecemos ser. No filme, ao inverter os papéis, vemos mulheres mais eretas, de braços abertos, com pernas espaçadas e olhares indicando poder. A linguagem corporal implica que elas são os seres dominantes. Ao passo que vemos homens ineditamente se encolhendo, cruzando as pernas, curvando o tronco, olhando para baixo e ocupando menos lugar no sofá. O movimento que revela opressão, timidez e insegurança. As roupas que usamos estimulam essa dicotomia. Enquanto no mundo real os homens sambam em roupas confortáveis o suficiente para fazer o que quiserem com as pernas, mulheres se equilibram em saltos, saias, shorts e sutiens apertados. Além disso, estão sempre na trincheira sobre o que é vulgar, agradável, indecente e adequado. O ato dos homens abrirem as pernas no transporte público recebeu até nome: manspreading. Eles costumeiramente se expandem. As mulheres são ensinadas a se diminuírem. Na palestra “Sua linguagem corporal pode moldar quem você é”, a psicóloga americana Amy Cuddy fala sobre como a atenção às nossas posturas podem amenizar angústias. Ela cita as mulheres como mais propensas a se encolherem corporalmente, como consequência de uma sensação de inferioridade crônica. A dica dela é quase simples: moldar a linguagem corporal a nosso favor. Fingir que nos achamos poderosas até de fato convencermos a nós mesmas que somos. Mulheres, atenção: corpos erguidos, nariz pra cima e braços abertos para dizer ao mundo que sabemos do nosso valor. O outro ponto é uma lembrança. No filme, a sociedade – que tem como verdade inquestionável que Deus é uma mulher – acredita que a natureza concedeu o poder da gravidez ao sexo forte. Mulheres grávidas não são criaturas frágeis destinadas à reclusa de uma alcova, são seres ativos da sociedade. E não são mesmo? São quem aguenta a barra de gerar um ser e parir entre as suas pernas. Estejamos atentos para desmistificar a visão enraizada; afinal são elas que fazem o mundo girar; carregando no ventre a tarefa árdua de dar luz à Terra. Não vou mentir. Dá um certo prazer ver um homem branco e chauvinista ser ridicularizado porque suas angústias são consideradas exageros; ou no momento em que ele entende que assédio não é elogio, porque sentiu na pele o incômodo; e quando percebe que o problema do sexismo está em toda parte da sua vida, sem exceção. Mas a questão não é essa. Não queremos vingança. Não queremos corpos masculinos sendo tratados como objetos para o prazer feminino. Não queremos Magic Mike. Não temos inveja do papel que o homem ocupa na sociedade, nossa meta não é chegar ali. Queremos, sim, mulheres se sentindo confortáveis ao ocupar espaços. Queremos uma lista inquestionável de quereres, mas isso só será possível no meio termo de uma comunidade que reconhece e recusa suas vantagens imparciais. O filme fala de privilégios e da emergente necessidade de questionarmos as nossas posições. A lição é muito simples de entender e difícil demais para pôr em prática neste mundo piramidal: empatia. Colocar-se no lugar do outro. É assim que chegaremos ao equilíbrio. Quando eu, branca, imaginar a perspectiva do negro na rua ou no mercado de trabalho. Quando você, homem, imaginar-se acordando em um matriarcado. Calar-se diante do próximo. É pedir muito? Fica o questionamento: quem estará disposto a abrir mão do privilégio e ser ameaçado pelo desconhecido quando a contraproposta é “apenas” um mundo mais justo? Por Beatriz Braga

Eu não sou um homem fácil Read More »

Triste, louca ou má

*Por Beatriz Braga Quinta-feira passada eu estava em Belo Horizonte visitando meu irmão e fomos ao show da banda Francisco, El Hombre. Quinta-feira passada eu imergi. Afundei na multidão ao lado de desconhecidos e se você for hoje no Distrital – lugar do show – provavelmente uma parte de mim ainda está por lá. A noite estava ótima, até que ficou melhor quando a cantora da banda, Julia Strassacapa, cresceu no palco com a música Triste, louca ou má. O canto é uma alusão à expressão “sad, mad or bad” dada às mulheres que vivem sozinhas nos Estados Unidos como se, por conta disso, elas fossem uma dessas três coisas. A banda faz uma reflexão sobre as receitas de comportamento impostas às mulheres e um convite a se libertar desses nós. Júlia homenageou Marielle Franco, a vereadora “louca” assassinada covardemente nesses tempos difíceis do Brasil. Até agora, não sei explicar o que me fez chorar copiosamente quando o propósito da noite era apenas dançar até o chão. Não sei se foi porque, na minha frente, havia um grupo de quatro amigas que, assim como eu, estava curtindo o show despretensiosamente. Na hora da dita canção, foram levadas a se abraçarem. Percebi que também choravam e pude ouvir as suas declarações. ‘Eu te amo real, amiga, e isso é muito lindo”, disse uma. “Você é a pessoa mais linda que eu conheço”, declarou outra. E assim seguiram com as mãos entrelaçadas e ombros colados, dançando conforme a música. Não sei se chorei também porque estava lá com três homens importantes para mim. Meu irmão, um grande amigo e meu namorado. O primeiro, por ser gay, enquadrado entre “xs loucxs” de uma sociedade cujo dicionário social é todo errado. Sendo ele, também, um ser que contribui para a transformação do mundo em que vive. Os outros dois são dos poucos homens heteronormativos ao meu redor que estão abertos à importância do diálogo de gênero e sexo. Com eles, converso, aprendo, ensino, cresço. Não sei se chorei ainda mais porque, ao me dar conta que estava hipnotizada pela apresentação, olhei ao redor. Vi mais mulheres chorando, homens também emocionados, um público todinho prestando atenção no que aquela mulher de voz firme falava. O machismo afeta todo mundo em diversos graus e, quem sabe, Júlia estava impactando as pessoas em também diferentes níveis. O que será da vida senão uma multidão que dança em frente ao palco? Mulheres, homens, trans, negros, pardos, cis, brancos….vendo a vida ser cantada. Cada um com sua batalha, dançando conforme o ritmo que lhe é permitido. O que será do futuro se a gente não parar para ouvir o canto do outro que sofre mais do que a gente? Se a gente não entender que dar voz às letras que não são ouvidas é o único caminho para um mundo um pouco melhor? “O homem não te define. Sua casa não te define. Sua carne não te define. Você é seu próprio lar”, canta ela como um mantra. “Ela desatinou, desata os nós, vai viver só”, completa. Alguns dirão que é pauta batida, que todo mundo já entendeu, que tá bom de mimimi. Pois olho em volta e ainda vejo uma quantidade demasiada de nós. Nós em famílias, casamentos, amizades e nós com nós mesmas, com nossos corpos e nossos desejos. Somos todos, enfim, tantos nós. A música no caos da noite, não anunciada, é necessária porque nos traz tão para dentro que é possível olharmos para fora com clareza. Aliada à homenagem à Marielle, a mulher negra e lésbica que morreu na tentativa de desatar os nós de uma sociedade maluca. E a revigorante sensação de nos conectarmos àqueles que não sabemos o nome, mas que choram por motivos da mesma natureza que os nossos. A mulher da música foi viver só porque não quis a receita que a vida lhe impôs. Atenção: estar só não necessariamente quer dizer solidão. Seguir as receitas e padrões, no entanto, é a causa de muita solitude rodeada de gente igual. A companhia das boas decisões, dos caminhos trilhados com liberdade é, por outro lado, uma caminhada mais completa. Espero que para cada quatro amigas dispostas a se amarem, irmãos, namorados, relações e famílias exista sempre uma mulher que nem Júlia a cantar uma música como Triste, louca e má e um público igual ao de quinta-feira para que seja possível afundar-se e, de preferência, não emergir dali.

Triste, louca ou má Read More »

O poder da mulher que goza

*Por Beatriz Braga Somos viciados em sexo. Não apenas porque a indústria pornográfica movimenta muito dinheiro, mas porque o sexo está no epicentro das nossas vidas. Sexo vende moda, produtos, arte e nos define, em muitos momentos, enquanto indivíduos. Para um mundo tão obcecado pelo tema, somos bem ignorantes quando o assunto é o prazer feminino. Existe, por um lado, séculos de pesquisa científica dominada por homens. A noção de sexualidade que temos foi definida pela visão masculina do prazer e do sexo. Não é à toa que o clitóris ainda é muito ignorado e mal interpretado. O pai da psicanálise, Freud, por exemplo, foi um dos mais ferrenhos inimigos dessa exclusividade feminina. Por outro, a religião faz da sexualidade algo perverso que deve ser regrado. Através dela, aprendemos como, quando e com quais pessoas podemos dividir nossos desejos. O nome é um tabu, seu formato é misterioso, o cheiro é um problema e ao longo da história da humanidade “satisfazer uma mulher” é tido como algo tão difícil quanto correr uma maratona. Perseguida, piu-piu, xereca, procurada, dita-cuja, bacalhau, engole-espada, casa do caralho e siririca. A linguagem não mente. O que a mulher tem no meio das pernas ora é um asco, ora é um acessório, ora é um objeto não voador não identificado. No meio desse imbróglio de desconhecimento e culpa, vem Flaira Ferro. A artista pernambucana acaba de lançar o clipe divertido e importante “Coisa mais bonita”. A “coisa” é a famigerada masturbação feminina, cantada por Flaira de maneira desmistificada. “Não tem coisa mais bonita, nem coisa mais poderosa do que uma mulher que brilha, do que uma mulher que goza”, diz a música. O clipe é uma afronta. Primeiro, à visão patriarcal do corpo feminino, que deve ser discreto e misterioso. Sempre o “outro”, nunca o sujeito. Segundo, à educação galgada no “fecha a perna, menina”, que transforma a vulva em uma parte a ser silenciada. No vídeo, oito mulheres corajosas o suficiente para se expor em um mundo tão careta são filmadas no ato da masturbação (detalhe importante: nada foi fingido). Elas fazem um chamado ao autoconhecimento e, culminam, em sintonia, no orgasmo. O vídeo já passa de 120 mil visualizações no Youtube, chegou a ser retirado da plataforma por algumas horas e recebeu uma variedade críticas positivas e negativas. Enquanto o homem passa a vida brincando com o pênis, a mulher é ensinada a ter vergonha. Esse é um aspecto tão forte da nossa cultura que a labioplastia (cirurgia plástica da vagina) virou tendência nas mulheres que não gostam do aspecto de suas vulvas. O Brasil é o líder mundial no número de procedimentos do tipo, cujo visual mais procurado pelas pacientes é um clichê: batizado de “Barbie”, o objetivo é que os grandes lábios pareçam ao de uma boneca. Sexo trata-se de diversão para o homem; para a mulher, tantas vezes, significa dor. A sociedade não apenas nos priva do autoconhecimento, como também nos divide em duas categorias: a “feita pra casar” e a puta. A mulher que tem desejos, que fala sobre eles e que vai atrás deles é sempre a vadia. A que finge não tê-los é a mulher-modelo. A prostituição abraça essa mentalidade quando o homem recorre à profissional do sexo para não “manchar” a mulher “de respeito” com seus desejos. Isso é tão forte que, mesmo dentro da segurança – ou do que deveria ser – de um relacionamento, as mulheres ainda sofrem com o sexo. A psicóloga Sara McClelland, da Universidade de Michigan, descobriu que, ao questionar mulheres sobre suas vidas sexuais, elas mediam seus níveis de satisfação pelo fato do homem ter sido satisfeito ou não no ato. Quando perguntado aos homens, a grande maioria das respostas girava em torno de seu próprio gozo. Em A mulher de 30 anos, do escritor Balzac, a personagem Júlia definiu casamento como uma “prostituição legal”. Vez ou outra lembro dela, ao escutar histórias sobre o quanto sexo pode ser ruim para uma mulher, não importa o estado civil. Uma mulher dona da sua libido é uma ameaça ao patriarcado. Ela não depende do homem para sentir prazer e sabe que, ali embaixo, tem uma poderosa fonte de criatividade, impulso e vitalidade. Flaira canta o seu recado à parcela masculina que não quiser ficar para trás: “homem de verdade enxerga a beleza na mulher que é dona do próprio tesão”. De todas as histórias do Monólogos da Vagina, de Eve Ensler, lembro-me sempre da mulher de 72 anos que, quando finalmente encontrou seu clitóris, chorou. Não é à toa: ele tem 8 mil fibras nervosas, o dobro do pênis e é único órgão humano feito apenas para dar prazer. “Quem precisa de pistola quando se tem uma semiautomática?”, pergunta Natalie Angier em “Woman: an intimate geography”. Nós encaramos o sexo como mais importante para o homem do que para mulher. A verdade é que é apenas mais fácil para eles reivindicarem isso. Para nós, somos sempre muito jovens, muito velhas, muito comprometidas, muito solteiras. Sempre muito, muito ou muito.  Está aí a importância desse clipe, de Flaira e dessas outras mulheres emponderadas que transformam o proibido na coisa mais bonita. A revolução será feminina e ela vai ser – tal como essa música – poética, forte, irreverente, irresistível e enérgica. E a melhor parte:  será irreversível. Confira o clipe da pernambucana Flaira Ferro que aborda o tabu do orgasmo feminino: Animação que explica o clitóris

O poder da mulher que goza Read More »