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Judith, a irmã que Shakespeare nunca teve (por Beatriz Braga)

Não lembro da primeira vez em que ouvi o nome de Albert Einstein, porque, assim como uma grande lista de homens importantes, ele sempre esteve na minha vida. Recentemente, porém, ouvi pela primeira vez o nome de Mileva Einstein na série Genius, nova produção da Nat Geo. Ele, um aluno desregrado com ideias brilhantes. Ela, a única mulher do curso de matemática da Escola Politécnica de Zurique e uma das mentes mais inteligentes dali. Conheceram-se, engravidaram, casaram-se. Ela largou os estudos para ser mãe. Ele criou a Teoria da Relatividade. Entre os choros de bebê e as noites em claro, Mileva revisava e trabalhava nas ideias do marido. Apesar de muitos estudos históricos (há também os que refutam essa ideia) apontarem sua participação como muito necessária para a Teoria, seu nome apareceu como coautora na primeira versão e depois foi esquecido. “Você não precisa de um homem” diz o pai de Mileva na série. Ele sabia que não havia espaço no mundo para a cientista e a esposa. O que a ciência perdeu quando tiraram da garota sérvia a liberdade para criar e estudar? Infelizmente não sabemos. O caso se repete com Judith, a irmã de Shakespeare, que tinha o mesmo talento do dramaturgo. Enquanto o irmão frequentava a escola e conhecia a literatura, ela estava – desde do berço – aprendendo a ser noiva. Judith não teve tempo e oportunidade. Ao passo que a obra de Shakespeare se imortalizou no planeta, sua irmã morreu no anonimato. Só que Judith nunca existiu, foi criada pela escritora Virginia Woolf em Um teto todo seu, em 1929, um dos mais interessantes ensaios feministas do mundo. Ela queria explicar por que as bibliotecas estavam abarrotadas de escritores homens. Tolstói lutou em guerras, viveu entre os ciganos, amou livremente, sem censura, colhendo uma vasta experiência de vida que lhe serviu como inspiração para suas obras. Por sua vez, Jane Austen escreveu na sala de estar, escondendo seus escritos com um mata-borrão e omitindo sua ocupação de empregados e visitantes. “Ela nunca viajou. Nunca andou de ônibus em Londres ou almoçou sozinha”, diz Woolf. Apesar de toda falta de liberdade, a voz de Austen permanece viva. Mas não podemos negar que se ela tivesse “um teto todo seu” talvez tivesse produzido mais. E é possível imaginar que se Tolstói fosse obrigado a permanecer em casa, cuidando da família, isolado, Guerra e Paz poderia não ter existido. Se Shakespeare fosse mulher, provavelmente Macbeth seria um sonho frustrado em uma cozinha do século 16. A reflexão de Woolf ecoa em um cenário que a política, a culinária, a ciência e a literatura ainda são majoritariamente ocupadas por homens. No mundo em que as mulheres ainda abrem mão de muita liberdade ao se tornarem mães ou simplesmente por serem mulheres. Seja porque as empresas veem nossos úteros como uma ameaça ao lucro; seja porque a sociedade ainda exclui a mãe do seu seio produtivo. A carreira da mulher é abalada pela família, a do homem não. Enquanto não houver total liberdade intelectual para ambos os sexos, não haverá igualdade. Genius repete as cenas históricas às quais estamos acostumados: professores brancos ensinando para homens iguais a eles. As mulheres são quase sempre as irmãs, esposas e filhas. Assim era a regra. A série, no entanto, não se limita à ótica do Einstein que conhecemos e mostra também a versão da Einstein anônima, uma exceção da época. Através do acordo de divórcio do casal, Mileva acabou recebendo o dinheiro do Prêmio Nobel do marido. Uma recompensa de consolação ou uma retratação, quem sabe? O mundo está bem melhor do que foi um dia. Mas ainda há muito o que se fazer e, para isso, histórias como a de Mileva devem ser lembradas. Para Woolf, Judith vive. Ela está em todas as mulheres “esperando uma oportunidade de andar em carne e osso”. *Beatriz Braga é jornalista e empresária (biabbraga@gmail.com). Ela escreve semanalmente a coluna Maria pensa assim para o site da Revista Algomais

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Cinco palestras que você vai gostar de assistir (por Beatriz Braga)

Hoje comecei o dia ouvindo, mais uma vez, a palestra de Shonda Rimes, produtora de séries de TV como Grey´s Anatomy e How to get away with murder, no TED (www.ted.com). Ela conta sobre o acordo que fez consigo mesma de, por um ano, dizer “sim” para todas as situações que a assustavam. “Para qualquer coisa que me deixasse nervosa, e me tirasse da minha zona de conforto, eu me forcei a dizer sim”. As consequências foram incríveis. Sempre quando ouso me desanimar diante de um começo de semana, vou atrás desses vídeos para resgatar o gás. O TED nunca me decepciona. Por isso, sempre deixo algumas das suas palestras baixadas no celular e, volta e meia, escuto essas vozes poderosas. Assim o dia ganha mais força. E eu também. Aqui seguem seis dicas de palestras inspiradoras de homens e mulheres que têm muito a dizer. Está sem tempo? Faz como eu e aproveita o momento a caminho do trabalho ou de algum compromisso para se inspirar também. Tenho certeza que você vai gostar. 1) Shonda Rimes – Meu ano de dizer sim para tudo “Todas as cores pareciam ser uma só, e eu não estava mais me divertindo. E era a minha vida. Era tudo o que eu fazia. Eu era o zumbido, e o zumbido era eu. Então, o que fazer quando aquilo que você faz, o trabalho que você adora, passa a ter gosto de poeira?” 2) Ziauddin Yousafzai - Minha filha, Malala O pai da garota paquistanesa que levou um tiro por se “atrever” ir à escola (e virou ícone da luta contra misoginia) é uma prova de como precisamos prestar atenção na maneira que criamos nossos filhos. “As pessoas me perguntam o que há de especial na minha orientação que deixou Malala tão corajosa, destemida e segura. E eu digo: "Não me perguntem o que eu fiz. Perguntem-me o que eu não fiz. Eu não cortei suas asas, foi só isso". 3) Roxane Gay - Confissões de uma feminista ruim A autora do livro ‘Má feminista’ faz uma linda palestra na qual reflete sobre rótulos e sai em defesa das imperfeições. “Eu preferiria ser uma feminista ruim a não ser feminista de jeito nenhum. Isso é verdadeiro por muitas razões, mas, principalmente, digo isso porque no passado, minha voz foi roubada de mim e o feminismo me ajudou a consegui-la de volta” 4) Jimmy Carter - Por que eu acredito que os maus-tratos às mulheres sejam a principal violação aos direitos humanos O ex-presidente estadunidense fala sobre o perigo da interpretação dos homens sobre religião, violência contra mulher e a importância de darmos vozes às mulheres anônimas espalhadas pelo mundo. “O homem mediano realmente não se importa. Mesmo que digam: "Sou contra discriminação contra meninas e mulheres", eles desfrutam uma posição privilegiada. Eu diria que a melhor coisa que poderíamos fazer hoje é que as mulheres das nações poderosas como esta, que têm influência e liberdade para falar e agir, precisam assumir a responsabilidade para elas mesmas e serem contundentes na exigência do fim da discriminação racial contra meninas e mulheres no mundo todo”. 5) Halla Tómasdóttir: É hora das mulheres se candidatarem à presidência Nesse talk inspirador, a empresária fala sobre sua candidatura à presidência da Islândia, considerado o melhor lugar do mundo para ser mulher, e a importância de dar exemplo às novas gerações. “Foi a jornada da minha vida. Foi incrível. A jornada começou com 20 candidatos em potencial. Reduziu-se a 9 qualificados, e por fim, quatro: três homens e eu. Mas esse não é o fim do drama, ainda”.   *Beatriz Braga é jornalista e empresária (biabbraga@gmail.com). Ela escreve semanalmente a coluna Maria pensa assim para o site da Revista Algomais

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“Tem mulher que gosta” (por Beatriz Braga)

Certa vez, um amigo propôs o seguinte argumento sobre o machismo cotidiano: “Tem mulher que gosta quando um cara a chama de gostosa na rua”. Ele mesmo tinha uma amiga que dizia sentir-se elogiada diante dessas coisas que eu chamava de assédio. Desanimei-me diante daquele argumento “infalível”. Eu não poderia levantar a bandeira do assédio, uma vez que nem todas as mulheres pensam como eu. Como explicar o que ser mulher há 27 anos me ensinou sobre mulheres? “Ninguém nasce mulher, torna-se mulher”. Simone de Beauvoir queria dizer, com essa frase, que a condição do gênero feminino no mundo não é completamente determinada por fatores biológicos. Aprendemos o que é ser mulher através do que nos é passado ao longo da vida. Não poderia concordar mais. Aprendemos a ser mulher quando, ainda novas, entendemos o sentido do “incômodo”. É a sensação de que há algo errado com o riso, com a fala ou tato de um homem, seja amigo, chefe, parente, médico. Quando pensamos nas reações que nossas roupas provocam. Quando abaixamos nossas cabeças nas ruas, nas praças, nos postos de gasolina, na escola, no trabalho. Quando nos calamos ou nos preparamos para ouvir em segredo. Ser mulher é ter muitas histórias ao seu redor. O estupro revelado dolorosamente a um grupo de amigas, o corpo marcado pela agressão, o tapa na cara do namorado ciumento. Ser mulher também é aprender a ser metade medo. Aprendemos a nos rodear de preconceitos, vergonhas, sequelas e silêncios. Aprendemos que ser mulher é não poder falar demais, beber demais, dançar demais. Ser mulher é, tantas vezes, precisar ser menos. Aprendemos quando começamos, menores de idade, a entender os olhares ao nosso redor. Notamos que homens muitos mais velhos repetem um olhar que, em algum momento, identificamos como desejo e que nos acompanhará ao longo da vida. Assim como vamos aprendendo que ser mulher é também desconstrução, coragem, força, resiliência. É ir além do prato que prepararam para nós nesse mundo, até agora, governado por homens. Desde pequenas, o mundo relaciona o nosso valor ao nosso corpo e muitas vezes acreditamos nisso. Somos um reflexo do julgamento dos homens sobre nós. E assim saímos nas ruas e entendemos o “gostosa” como elogio. Afinal, não é para isso que estamos aqui? Ser um objeto à disposição da chancela de um olhar masculino? Não julgarei a mulher que diz que um “gostosa” desconhecido a faz sentir-se bem. Ela foi criada para isso. Toda atitude que invade o espaço de uma pessoa, sua privacidade, correndo o risco de lhe impor medo, vergonha ou desconforto é abuso, violação, assédio. As cantadas inconvenientes são a ponta do iceberg. Tenho amigas que gritam nas ruas, devolvem as agressões com olhares agressivos, com foras ou simplesmente com um “boa tarde” retórico. Eu ainda não cheguei lá. Quando passo por um grupo de homens, instintivamente desvio o olhar, me finjo de surda e abaixo a cabeça. Tenho medo. E cada vez que isso acontece penso no hábito desses homens que aprenderam desde sempre a me desrespeitar. E aí penso no meu hábito de me calar diante deles. Aprendi a fazê-lo ao entender, lá atrás, o que ser mulher nesse mundo significa. Hábitos são poderosos. Por isso devemos questioná-los por nós e por todos aqueles que, mesmo que hoje não compreendam o peso de uma invasão, serão pais e mães de meninos e meninas que herdarão seus hábitos e passarão adiante. Vamos, juntos, mudar de escola. E bora combinar: mulher gosta mesmo é de respeito. As artes usadas na coluna foram publicadas pela campanha Chega de Fiu Fiu da Think Olga, que mapeia o assédio no País e mostra que a maioria das mulheres brasileiras não aprova as cantadas nas ruas. Aproveito para divulgar a palestra “Cantada não é elogio” da idealizadora desse projeto, Juliana de Faria: *Beatriz Braga é jornalista e empresária (biabbraga@gmail.com). Ela escreve semanalmente a coluna Maria pensa assim para o site da Revista Algomais *As ilustrações dessa postagem são da campanha Chega de fiu fiu (http://thinkolga.com/chega-de-fiu-fiu/)

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Mulher-Maravilha e o mundo dos homens (por Beatriz Braga)

“Você é mais forte do que acredita. Você é mais poderosa do que imagina”, diz a treinadora da Mulher-Maravilha no novo filme da DC Comics. Na trama, mulheres vivem reclusas em uma ilha e a heroína é destinada a acabar com a guerra no “mundo dos homens”. É a primeira vez que a personagem ganha um filme desde a criação do seu quadrinho em 1941. Na ilha de Themyscira, mulheres massacram invasores e acham homens desnecessários para o prazer. Quando vai ao mundo “real”, Diana (alter ego da protagonista) é coberta com roupas sufocantes para não despertar desejos, é assediada nas ruas e constantemente subestimada por ser mulher. Diana é autoconfiante. Aprendeu a ser ao ver as mulheres ao seu redor lutando, sendo líderes e comandando uma nação. Quando ouve que é preciso achar o “cara certo” para salvar o mundo, prontamente (e ironicamente) responde que ela “é o cara”. Ter autoestima é complicado quando crescemos ouvindo que mulher é o “sexo-frágil”. Um estudo conduzido na University College London mostrou que, apesar de não haver diferença de gênero quando se trata de inteligência, homens tendem a se perceberem mais inteligentes do que são e mulheres fazem o contrário ao redor do mundo. Elas subestimam suas habilidades, enquanto eles as inflam e ambos veem, erroneamente, seus pais, filhos e avôs como mais inteligentes que suas filhas, mães e avós. Mulheres se enxergam menos. Se acham feias, menos úteis e menos competentes, mesmo quando a verdade é o oposto. Eu vejo esse estudo dar as caras diariamente. Como fazer o contrário quando somos bunda e peitos antes de sermos mente? Onde “mulherzinha” é fraqueza e “ser homem” é bravura? O especialista em gestão indiano Raj Sisodia tem ecoado no mundo ao falar sobre a “liderança Shatki”, um equilíbrio de energias femininas e masculinas dentro das empresas. O nome homenageia a entidade indiana que é metade homem (Shiva) e metade mulher (Shatki). Na tradição indiana, todos os seres possuem as duas energias dentro de si, mas o mundo patriarcal desvaloriza as femininas (listadas como poder criativo, sabedoria e prosperidade) e valoriza as masculinas (como coragem, foco e agressão). Para Raj, as organizações do século 21 precisarão unir as duas energias, seja dentro das pessoas - permitindo os homens despertarem a energia feminina, por exemplo - e na empresa, com mais mulheres no topo. Não venho dizer que um mundo governado por mulheres seria o ideal. Unir as duas forças é o único caminho para empresas mais prósperas e um mundo mais equilibrado. Mulheres e homens. Gays, trans, cis, negros, índios, orientais, ocidentais, brancos... “Cada um está vivendo sua batalha” diz, no filme, o soldado que queria ser ator, mas “não tinha a cor certa”. Imagine só, se a batalha de um fosse sempre a batalha de todos. Uma humanidade que abarca todas as lutas não nos cansaria individualmente em falar apenas para quem nos entende. Mulher-Maravilha não é um filme isento de sexismos. Nossa heroína ainda salva o mundo seminua, para começar. Mas é o primeiro longa de quadrinhos dirigido por uma mulher, Patty Jenkins, que bateu recordes de bilheteria e limpou a barra da DC após os seus últimos fracassos. Além disso é, sim, uma visão feminina sobre o que é ser mulher “no mundo dos homens”. As protagonistas da minha infância não eram chamadas de heroínas. Eram princesas adormecidas, presas nos castelos, com vestidos pomposos demais para salvar o dia. Suas maiores ambições eram encontrar o príncipe. Enquanto eles se tornavam heróis, minhas princesas se enfeitavam e eram invejadas por irmãs mais feias, mais gordas e menos loiras. Eram sereias à espera de quem lhe desse pernas para andar. Não é à toa que passamos a vida ouvindo “já pode casar” quando fazemos algo bom. Agora podemos trocar para “já pode arrumar um emprego”, que tal? As luzes acenderam, olhei para o lado e vi minhas amigas. Mulheres-maravilha da vida real que haviam me alertado que precisamos dizer umas às outras que somos fortes e belas. Porque o mundo muitas vezes nos diz o contrário. Pensei na minha mãe, amazona-mor, guerreira que não larga o osso. Pensei em Daniela e Mariana e no nosso trabalho no ensino médio quando, na ocasião, enforcamos barbies e questionamos as histórias que nos eram contadas na infância. Pensei em todas as amazonas que me cercam. Quis dizer para cada uma: “Você é mais forte do que acredita. Você é mais poderosa do que imagina”. Porque são. E se a Mulher-Maravilha é, hoje, quem engrossa esse coro, eu abraço a personagem com orgulho. Pensando bem nas mulheres da minha vida, elas bem que poderiam governar o mundo. *Beatriz Braga é jornalista e empresária (biabbraga@gmail.com). Ela escreve semanalmente a coluna Maria pensa assim para o site da Revista Algomais    

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Por que os médicos escrevem? Final (Por Paulo Caldas)

Antônio Carlos do Espírito Santo Minha motivação para escrever mudou ao longo da vida. Descobri muito cedo que meu lado psico era mais desenvolvido que o lado motor e que minhas tentativas de afirmação em meio aos colegas de escola eram bem-sucedidas no espaço do jornal mural do que no campo ou na quadra. Quando senti que a minha ‘panelinha’ de amigos próximos estava se desfazendo, ao final dos anos de ginásio, fui invadido por uma nostalgia adolescente e escrevi o meu primeiro livro, um manuscrito com ilustrações do autor. Até hoje lamento ter perdido o caderno onde narrei as aventuras que nunca vivemos em terras distantes, com as quais sempre sonhamos. Na faculdade, driblei os anos de chumbo participando das edições mimeografadas de um pasquim onde fazíamos piada de tudo e de todas algumas mais elaboradas, outras nem tanto. Depois, já professor e pesquisador, vieram os inevitáveis artigos científicos, os relatórios de consultoria e dois livros da especialidade que abracei como voto monástico de pobreza; a saúde pública. Paralelamente militava em grupos amadores de teatro, onde comecei o trabalho dramatúrgico, inicialmente voltado para o público adulto e, quando os filhos queixaram-se por não poder assistir as peças que o pai escrevia, me arrisquei a produzir textos para a infância e a juventude, alguns deles levados aos palcos do Recife. Para remediar as frustrações próprias daqueles que buscam organizar os inorganizáveis artistas amadores, rompi durante um tempo com o fazer teatral e me dediquei a transformar os textos em contos e, sabe Deus porquê, optei pelas peças para crianças. Hoje, aos 65 anos e com cinco livros de ficção dedicados a esse instigante segmento de leitores, tento dar um passo talvez maior que as pernas, que é a escrita de um romance. Amanhã, não sei qual será a minha motivação porque parafraseando Hipócrates, a quem tomamos como pai da Medicina, a arte é longa e a vida, curta. Wilson Freire Não acredito na correlação direta entre a pessoa ser médico(a) e ser escritor(a). Creio que o fato de existirem muitos desses profissionais exercendo esta outra atividade (de forma amadora ou profissional), não passa de probabilidade estatística. Assim, como estes, outras profissões também têm seus escritores relevantes ou anônimos no cenário das letras. Talvez o que exista seja uma mística pelo que a Medicina exerce no imaginário coletivo. Ela já é vista como algo quase divino entre os mortais. Quem não já escutou a frase: "Abaixo de Deus, só doutor ou a doutora?" Esse poder de, às vezes, o médico ou a médica ajudar um ente doente a reparar sua condição de são, o torne mais visível no seio das sociedades, por exercerem concomitantemente o ministério da escrita. (ou outra manifestação/expressão artística). A gênese da necessidade de se expressar através da Literatura antecede a escolha de uma profissão. Para mim, o que existe são escritores que se tornaram também médicos. Alguns muito bons e conhecidos. Outros, não. Selma Vasconcelos A Medicina é uma ciência do campo das humanidades. Apesar dos avanços tecnológicos de extremo valor, úteis para confirmar ou afastar a impressão diagnóstica percebida. A impressão ou hipótese diagnóstica é elaborada pelo médico com base na escuta, observação e no exame do paciente. O paciente torna-se assim o personagem de vivências pregressas, angústias, dúvidas e segredos que constituem um enredo a explicar a dor que traz consigo. A experiência de escutar, contar e recontar aproxima o médico do escritor, ou seja, de um contador ou intérprete de histórias que lhes são confiadas. Moacir Scliar, médico gaúcho, escritor e imortal da Academia Brasileira de Letras afirmava: “A Literatura e a Medicina são um território compartilhado”. Por outro lado, sabe-se que a Medicina é reconhecida, também como arte, uma vez que exige do médico uma capacidade sensorial perceptiva e refinada para vislumbrar os recônditos da alma humana. Tais argumentos, entre outros, podem explicar a quantidade de médicos que tem a escrita como atividade correlata. A condição humana em sua fragilidade nos comove, mobiliza e inquieta a ponto de sentirmos a necessidade imperiosa de dividir esta inquietação com o leitor e propiciar que este reflita sobre o mundo ao seu redor. Luiz Carlos Albuquerque Não vou parodiar Jânio com o "se fosse sólido comê-lo- ia" apesar de parecer que estamos novamente em tempo de mesóclises. Desde criança, eu era o cara que escrevia. Vizinho da biblioteca municipal, se eu não estivesse no campinho batendo bola, estaria entre os livros. No Colégio Salesiano, fiz mural, atas e o que precisasse. Na faculdade atualizei estatuto, fiz jornalzinho do diretório e, na posse de um presidente, escrevi os discursos tanto do que saía quanto do que assumia. Em Psiquiatria lê-se muito, me senti no meu elemento. Cedo cometi os primeiros pecados literários e tudo evoluiu naturalmente. Numa fase, gostava de procurar e ganhar concursos. A PCR promoveu o I Concurso Pernambucano de Textos de Humor, nos anos 80; ganhei o primeiro lugar. Pouco depois o governo do Estado lançou um Concurso Pernambucano de Poesia de Cordel – ganhei os dois primeiros lugares. O Bandepe fez concurso de Literatura, obtive o terceiro lugar em poesia. A Chesf fez Concurso de Causos – faturei o prêmio. Ganhei prêmio do Cremepe, em contos, do Sindicato dos Médicos de Pernambuco, ganhei prêmios de poesia dois anos seguidos – e um de fotografia. Em certa época fiz poesia de cordel "por encomenda" – para políticos, para a Chesf, para vinagre... Com "A Guerra dos Bichos", cordel para crianças, que é um álbum hoje editado pela Brinque Book (SP), já foi ultrapassada a marca dos 50.000 exemplares. A primeira edição foi para a Empetur, um cordel editado com esmero pela Nordestal, tendo ao lado de cada sextilha a ilustração correspondente em bico de pena, que eu fiz com o propósito de inventar o "cordel em quadrinhos"! E vieram "Na Força da Lua", contos, "Batra, o sapo", "As Aventuras de Urubill" e neste 2016 veio a segunda edição do "Eu, Singularíssima Pessoa", ensaio sobre a poesia e a psiquiatria de Augusto dos Anjos, com prefácio do saudoso mestre Othon Bastos. Ou seja, escrevo porque

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Circo: amor à primeira vista!

São histórias muito curiosas que as pessoas contam a respeito do encantamento que os atraem ao circo. Artistas e público têm sempre uma lembrança na mente e uma palavra na ponta da língua para quando o assunto surgir. E surge, sempre, no mais das vezes, com a seguinte pergunta: Como foi o seu primeiro contato com o circo? – Aí sim, toda uma memória emotiva floresce e a resposta surge: Foi amor à primeira vista! Se a resposta automática não é original, verdadeira certamente o é. Ultimamente temos ouvido muito essa afirmação, provocada pela morte do circense e ator Domingos Montagner, que muita gente se quer sabia que ele era um artista de circo. E o mais curioso é que quando essa informação lhes chegam, os olhos de muitos se arregalam e inevitavelmente exclamam: Tão bom ator, nem parecia ser de circo! – Bom, não vamos agora discorrer sobre isso e voltarmos ao tema inicial. Muitas das pessoas que conheço, de minha geração, tiveram os seus primeiros contatos com as artes cênicas através do circo. Isso considerando que a noitada de uma função no circo era composta por duas partes no mesmo programa: a primeira com os tradicionais números circenses, habilmente executados pelos malabaristas, contorcionistas, equilibristas, trapezistas, pirafogistas, mágicos, palhaços, etc.; na segunda parte, o espetáculo voltava-se ao teatro, com a encenação de um drama circense, onde os artistas das habilidades acima citadas tornavam-se atores. Ou seja, para muitos, tanto o contado com a linguagem do circo quanto com a do teatro, ocorrera embaixo de uma lona de circo, com uma dose de encantamento inesquecível. Por isso a resposta precedida de um longo suspiro: Foi amor à primeira vista! Vejamos então que essa relação estreita entre as linguagens de circo e teatro não vem de hoje. E cada dia que passa essa linha ténue que as separam fica mais invisível. São diretores de teatro encantando espetáculos de circo, são artistas de circo interpretando personagens em teatro, são companhias que só produzem espetáculos de circo-teatro, são atores de teatro se doando cada vez mais ao domínio das técnicas circenses, etc. Com essa integração e comunhão, é claro que crescem, artisticamente falando, todos esses artistas, sedo eles originalmente de circo ou de teatro. – Foi essa a escola e a vivência do artista de circo que também transitava por teatro, cinema e televisão Domingos Montagner, e isso esclarece por demais a sua competência como interprete, pois não? Hoje é muito comum encontramos companhias de circo-teatro ou circo-dança circulando pelo país com suas criações que tanto podem participar de eventos de circo, quanto de teatro, a exemplo dos festivais. As trupes contemporâneas de circo fazem na realidade um espetáculo de teatro popular, com expressões e técnicas circenses, como podemos conferir nos trabalhos produzidos em Recife por companhias como Animè; 2 Em Cena, Caravana Tapioca, etc. Neste final de semana essas tendências circenses poderão ser conferidas no Sítio da Trindade, em Casa Amarela, onde estar sendo realizada a 7ª Mostra de Circo do Recife, até o dia 25 (domingo), realizada pela Prefeitura do Recife, com apoio cultural do Ministério da Cultura, através da Funarte; do Governo da Paraíba, através da Funesc e do Governo de Pernambuco, através da Fundarpe. Aproveitamos para lembrar que às 17 horas do domingo 25, na programação da 7ª Mostra de Circo do Recife, será apresentado o espetáculo “Clownssicos – Uma nova velha história de amor”, com artistas de circo-teatro da capital paraibana. Para encerrar, fica a pergunta: Em que resultou o seu primeiro contato com o circo?

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As cervejas MADE IN PE (Por Rivaldo Neto)

Que o pernambucano é bairrista todo mundo sabe. Quem já não ouviu que foram os judeus do Recife que fundaram Nova York? Ou que o mar é um braço do rio Capibaribe? Partindo desse orgulho em ser de Pernambuco que alguns produtores de cervejas locais criaram o BebaLocal, um movimento que fortalece os produtores locais e estimula a cultura cervejeira no Estado. Uma oportunidade em conhecer algumas delas pode ser no estande montado na Fenearte com a participação de 7 cervejarias pernambucanas, são elas: Debron, Pat Lou, Ekäut, Duvália, Babylon, Estrada e Capunga. Experimentando alguns rótulos, tive uma impressão muito boa das cervejas aqui produzidas. Logo de entrada, a cervejaria Patt Lou, localizada em Vitória de Santo Antão, e que produz a Maracatu, uma IPA leve e refrescante com notas de maracujá e contendo 2 tipos de lúpulo e 6%vol. A 4All, cerveja de trigo, cítrica, suave e com dryhopping de Amarillo (lúpulo americano) e Galaxy (lúpulo neozelandês) dá um equilíbrio interessante a bebida. Uma outra cerveja presente no estande, a Babylon German Lager é leve com seus 5%Vol e com lúpulo alemão em sua composição. Da cervejaria Capunga Draft Beer, a APA (American Pale Ale) é uma cerveja leve, clara, suave, pequeno amargor e refrescante, bom para nosso clima. A Debron também presente e com uma novidade: a cervejaria, que já produz chopes Weizen, Pale Ale e Pilsner, agora recentemente lançou uma IPA. Experimentei o chope Debron Weizen tem boa textura, aromático e com boa carbonatação, com seu tom amarelo claro e levemente turva. Destaco três rótulos, a American IPA Route 66, da cervejaria Estrada, com seu amargor intenso, muito aromática amarelo escuro, e muito lupulada. Da cervejaria Duvália, para quem gosta de uma boa Stout é a pedida perfeita. Acertaram em cheio. Uma cerveja com uma espuma consistente, cremosa, bem ao estilo das inglesas com um aroma marcante de maltes torrados e com mel de engenho, dando com isso um toque marcante.   Albert Eckhout foi um desenhista holandês que participou da comitiva de Maurício de Nassau, quando Pernambuco estava sob domínio da Holanda, em 1637, e retratou os habitantes locais e assim foi dado o nome Ekäut a esta cervejaria pernambucana. A American IPA da Ekäut é uma cerveja com muito amargor, muito aromática, refrescante, notas florais, excelente retrogosto, que é a sensação que líquido deixa ao ser tomado. Contém o dois lúpulos, o Cascade (lúpulo americano) e o Magnum, que é alemão. A junção destes dois insumos dão uma excelente drinkability deixando a cerveja levemente picante e frutada.   E sabendo como nós pernambucanos somos, eu posso dizer com orgulho: cerveja feita em Pernambuco não vai demorar pra ser as melhores do mundo! Não duvidem! Aplicativo #BEBA LOCAL Para fortalecer ainda mais foi criado o aplicativo #BebaLocal, já disponínvel na Apple Store e no Google Play e também uma versão web (bebalocal.com), onde o foco é achar locais onde se bebe cervejas artesanais feitas aqui. Segundo Felipe Magalhães, idealizador do aplicativo e produtor da Babylon: “A ideia surgiu quando senti vontade de beber uma Capunga e senti dificuldade de achá-la onde estava sendo comercializada” afirmou.     *Rivaldo Neto é designer e cervejeiro gourmet nas horas vagas rivaldoneto@outlook.com

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