Assim como Josué de Castro, autor de Geografia da Fome, José Graziano da Silva atuou na FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação) onde, da mesma forma que o médico pernambucano, contribuiu com seu conhecimento para ajudar a reduzir a insegurança alimentar no mundo. Infelizmente, a realidade do Brasil hoje está muito similar à de 76 anos atrás, quando Castro lançou sua obra clássica. Cláudia Santos conversou sobre essa situação com Graziano, que foi também ministro, ex-ministro Extraordinário de Segurança Alimentar e Combate à Fome do Governo Lula e idealizador do Fome Zero, programa que retirou o Brasil do mapa da fome. Ele analisou porque retornamos a essa crise humanitária e apontou as soluções urgentes que podem “e devem” ser implantadas por prefeitos e governadores. Também alertou que será fundamental implantar um programa para educar a população a comer alimentos saudáveis e garantir a ela o acesso a esses produtos. Afinal, assim como pensava Josué de Castro, Graziano afirma que não é a falta de alimentos nem mesmo a pandemia que provocam a fome, mas a falta de dinheiro dos brasileiros, agravada com a crise da Covid-19. O que mostram os dados mais recentes sobre a fome no Brasil? Vamos falar de segurança alimentar, que é o conceito que se utiliza para medir a fome. Segurança alimentar é quando uma pessoa tem acesso à quantidade de alimentos necessária para ter uma vida saudável, são as famosas três refeições diárias: café da manhã, almoço e jantar, a que se referia tanto o presidente Lula. Os dados de insegurança alimentar no Brasil seguem a escala chamada Ebia (Escala Brasileira de Insegurança Alimentar) que classifica a insegurança alimentar grave, quando a pessoa deixou de comer pelo menos um dia, no período da entrevista da avaliação (pesquisa). Segurança alimentar moderada é quando ela sacrificou a quantidade dos alimentos, deixou de fazer, por exemplo, uma das três refeições ou comeu menos do que achava que era necessário para a sua sobrevivência. Insegurança alimentar leve é quando a pessoa, por falta de dinheiro, sacrifica a qualidade dos alimentos, deixa de comer carne, por exemplo, e passa a comer salsicha ou mesmo abole as frutas, verduras, legumes e passa a comer só macarrão, farinhas, produtos energéticos. Os dados da última pesquisa da Rede Penssan (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar), para dezembro 2020, mostram uma insegurança alimentar grave atingindo 9% da população brasileira e uma insegurança alimentar moderada atingindo 11,5%. Somadas as duas, resulta em mais de 20%. Ou seja, uma de cada cinco pessoas entrevistadas disse que passou fome no período da avaliação. Dados da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) contabilizaram um número um pouco maior que isso, aproximadamente 24%, o que significa que um de cada quatro brasileiros passava fome em dezembro de 2020. Constatou-se também que praticamente 35% dos brasileiros sofriam de insegurança alimentar leve, ou seja, sacrificavam a qualidade dos alimentos consumidos porque não podiam pagar pelos alimentos de boa qualidade, como produtos frescos, frutas, verduras e legumes e carnes. Isso dá um total de 55% da população brasileira em insegurança alimentar. É a primeira vez na história do Brasil que temos a maioria população brasileira sofrendo insegurança alimentar, como se pode ver na série que começa em 2004 (gráfico da página 14). Chegamos a ter em 2013, às vésperas de o Brasil sair do mapa da fome, praticamente 80% da população brasileira com segurança alimentar. Esse número drasticamente cai para 45% em dezembro de 2020. Infelizmente não temos a pesquisa ainda para 2021. O único dado disponível é da Unicef que usa uma metodologia similar, não é exatamente a mesma, e que constatou que 17%, ou seja, cerca 27 milhões de brasileiros maiores de 18 anos deixaram de comer porque não havia dinheiro para comprar mais comida no domicílio. Essa pesquisa se refere ao mês de abril de 2021, quando já não havia Auxílio Emergencial. Como está a fome no Nordeste? A fome no Nordeste é muito pior. Dados da Rede Penssan mostram que a região tem 14% de pessoas com insegurança alimentar grave, 17% sacrificando a quantidade de comida (insegurança alimentar moderada), o que resulta num total de 31% com insegurança alimentar moderada ou grave, que é o indicador utilizado para medir a fome nos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, da Agenda 2030 (da ONU). Veja que outros 41% dos nordestinos sofrem insegurança alimentar leve. Então, nós temos um quadro realmente assustador. Apenas 28% dos nordestinos têm segurança alimentar, 31%, ou seja, praticamente um de cada três passa fome de alguma maneira ou deixa de comer de vez ou come menos do que devia, e 41% come mal. Ao se comprar a situação no Brasil e no Nordeste, há sempre uma proporção maior de pessoas passando fome na região, em todas as categorias, o que dá um valor de quase 72% da população nordestina com insegurança alimentar. São 17 milhões de pessoas ou mais em dezembro de 2020 passando fome na região contra aproximadamente 43 milhões no Brasil nesse período. Quais os fatores que levaram a esse recrudescimento da fome no País e qual o impacto que teve a pandemia? Vale a pena destacar que antes mesmo da pandemia, os dados do IBGE de 2018 apontam que o Brasil já havia voltado ao mapa da fome porque tínhamos 5,8% da população em insegurança alimentar grave. Nós consideramos que um país passa fome pelo critério da FAO, quando mais de 5% da população está nesse limiar. Então, não é a pandemia que causa a fome mas a pandemia, sim, agravou muito a situação no Brasil, porque a fome no País é um problema de falta de renda. Não faltam alimentos, falta dinheiro para comprar os alimentos. Com a pandemia, aumentou muito o nível de desemprego e a informalidade e o País deixou de crescer. Um país que não cresce, não gera empregos. Isso é agravado pelo baixo nível da remuneração daqueles que estão ocupados ou subocupados no setor informal. O salário mínimo