Arquivos Entrevistas - Página 2 de 28 - Revista Algomais - a revista de Pernambuco

Entrevistas

"As populações pobres são mais excluídas do verde urbano"

Maurício Ferreira, professor da USP, fala de estudos que comprovam os benefícios dos parques para a saúde dos moradores das cidades e para amenizar o calor. Destaca que pessoas mais vulneráveis têm menos acesso a esses espaços e explica a regra 3:30:300, que serve como um norteador para arborizar zonas urbanas. Pesquisas científicas realizadas em várias partes do mundo demonstram que as áreas verdes das cidades proporcionam muito mais do que ambientes de lazer. Elas são verdadeiros remédios naturais por estimularem as pessoas a praticarem atividades físicas, além de contribuírem para prevenir uma série de doença – de hipertensão à diabetes, mas também beneficia a saúde mental e auxilia na redução do estresse. Não por acaso, hospitais como o Albert Einstein, em São Paulo, tem investido em ambientes com vegetação, devido aos benefícios proporcionados às pessoas hospitalizadas. Espaços arborizados também amenizam o calor, um benefício nada desprezível nestes tempos de aquecimento global. “Uma árvore grande pode transferir, do solo para a atmosfera, entre 100 e 300 litros de água. Imagina uma praça, um parque inteiro, quantas toneladas de água não vão para a atmosfera?”, ressalta o biólogo e ecólogo Maurício Ferreira, professor da USP (Universidade de São Paulo). Nesta conversa com Cláudia Santos, ele ressalva que essas vantagens dificilmente são usufruídas pelas populações mais pobres, já que os espaços verdes se concentram em maior proporção nos bairros mais nobres. E, mesmo quando há áreas arborizadas próximas a esse segmento populacional, elas não são qualificadas, isto é, não são acessíveis no formato de parques ou praças. Maurício Ferreira afirma, porém, que várias cidades do mundo estão atentas à necessidade de espaços arborizados e explica nesta entrevista o conceito da regra 3:30:300, usada como norteador para as zonas verdes urbanas. Como estão as cidades brasileiras em relação às áreas verdes que dispõem? Temos um retrato bastante heterogêneo. São Paulo, por exemplo, é uma megacidade e quase metade dela é só áreas verdes, mas extremamente mal distribuídas. Há um grande maciço florestal na Zona Sul, algumas manchas grandes na Zona Norte, bem como na Zona Leste, onde fica o Parque do Carmo, mas é uma distribuição muito heterogênea. Outro exemplo é a cidade do Guarujá, que tem quase 67% de áreas verdes, duas áreas protegidas e está discutindo a criação de uma terceira área protegida. Esses instrumentos de conservação são muito importantes pois tornam a distribuição do verde urbano mais homogênea, trazendo benefícios para a saúde física e mental das pessoas que passam a usufruir desses espaços. Já Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, tem um perfil diferente, é uma cidade que acabou de fazer o plano diretor de arborização, tem bastante espaço verde, mas com uma estrutura de distribuição de baixa densidade nos bairros. Assim, de uma forma geral, as cidades são muito heterogêneas, e o grande problema das áreas verdes urbanas é a distribuição. As áreas historicamente mais ricas são avantajadas em termos de verde urbano em detrimento das áreas pobres. Quando as áreas pobres têm bastante verde urbano, como na Zona Sul de São Paulo, são áreas não qualificadas, e as pessoas normalmente não usufruem desses espaços porque não há uma infraestrutura mínima. É uma área verde não qualificada para visitação. Quais benefícios as áreas verdes proporcionam para as populações urbanas? Há uma relação evolutiva de proteção dos seres humanos com as árvores no que se refere ao abrigo saudável, frescor, sombra, amenização de temperaturas. Áreas verdes, por si só, trazem benefícios diretos e indiretos. Um dos benefícios indiretos está na capacidade de frescor do ambiente, pois as árvores conseguem transpirar água. Uma árvore grande pode transferir, do solo para a atmosfera, entre 100 e 300 litros de água. Imagina uma praça, um parque inteiro, quantas toneladas de água não vão para a atmosfera? Isso ajuda a manter menor a amplitude térmica, nas horas mais quentes do dia em relação às horas mais frias, trazendo benefícios, principalmente para idosos ou recém-nascidos, que são um público mais vulnerável a essas grandes variações de temperatura. Essa amenização térmica está associada a menores taxas de hospitalização. Já os benefícios diretos consistem na possibilidade de as pessoas usufruírem da sombra nos parques para atividades esportivas, religiosas, de espiritualidade, meditação, por exemplo. Vale ressaltar essa relação de proteção e bem-estar da espécie humana com as árvores. Alguns hospitais em São Paulo, como o Albert Einstein, apresentam benefícios nos indicadores de saúde de pacientes tratados em quartos com vistas para árvores, tanto que o hospital passou a utilizar quadros de árvores nos quartos. Além disso, foi inteiramente repaginado, dispõe de muito verde, tem um jardim lindíssimo no ambiente onde as pessoas transitam, o que traz uma sensação de bem-estar maior. Daí a importância dos espaços verdes nas cidades. Estamos falando de equipamentos urbanos que podem oferecer, diretamente, um espaço para a prática de esportes, evitando o sedentarismo e as doenças dele decorrentes ou, eventualmente, para restauração de estresse, restauração mental e, assim, a pessoa tem mais qualidade de vida e mais saúde. Em 2018, o SUS gastou R$ 3,5 bilhões no tratamento de doenças crônicas não transmissíveis, que são hipertensão, diabetes e obesidade. Se tivéssemos mais espaços verdes qualificados, isso poderia ser reduzido em até 15%. Enfim, é uma situação mais confortável democratizar o verde urbano para que ele possa oferecer o seu serviço ambiental à população. O senhor poderia detalhar a relação entre algumas doenças e a ausência de verde nas cidades? Existe a DPOC (Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica), que está muito associada à poluição, mas também é uma doença ligada ao tabagismo. Ou seja, não se pode culpar a poluição, principalmente se a pessoa é fumante ou mora em uma casa com outras pessoas que fumam. Mas também já há estudos mostrando que, nas cidades mais poluídas, a incidência dessa doença é alta em não fumantes. Além da poluição do ar, existe um estudo da cidade de São Paulo que mostra vários outros fatores, inclusive sociais. Segundo esse estudo, as pessoas que moram na Zona Leste, que é o lugar mais cinza

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Antonio Barbalho: "Não existe falta de dinheiro no mundo"

Num momento em que o Brasil amarga os efeitos das mudanças climáticas, o especialista em financiamento para empreendimentos sustentáveis e resilientes, Antonio Barbalho, garante haver recursos disponíveis para projetos verdes. Mas ressalta que faltam planos bem estruturados que considerem a mitigação de riscos. O engenheiro pernambucano Antonio Barbalho circulou o mundo desenvolvendo estratégias e mobilizando finan ciamento para empreendimentos sustentáveis e resilien tes. Após o início de carreira na Chesf (Companhia Hidro Elétrica do São Francisco), ele desenvolveu uma trajetória internacional passando pelo Deutsche Bank, no Reino Unido, seguindo para o Banco Mundial, a partir de 2009. Ele foi gerente e chefe global da Miga (Agência Multilateral de Garantia de Investimentos) para Energia e Indústrias Extrativas e, posteriormente, gerente de Práticas para Energia na América Latina e Região do Caribe. Com ampla experiência nos setores financeiro, energético, indústrias extrativas e serviços públicos, ele avalia oportunidades e alguns desafios para Pernambuco na agenda ESG. Nesta entrevista a Rafael Dantas, o engenheiro destaca que o verdadeiro desafio não é a falta de recursos, mas sim a ausência de projetos bem estruturados que considerem a mitigação de riscos. Ele argumenta que há dinheiro disponível tanto em bancos privados quanto em instituições internacionais, como o Banco Mundial, mas muitos projetos falham ao não abordar adequadamente os riscos envolvidos. Com sua vasta atuação em financiamentos de iniciativas sustentáveis em diversas partes do mundo, Barbalho enfatiza a importância de entender as regras do mercado e adaptar os projetos às condições locais, garantindo maior viabilidade e sucesso a longo prazo. No último encontro do projeto Pernambuco em Perspectiva foi menciona do que não falta dinheiro para iniciativas de preservação ao meio ambiente e empreendimentos sustentáveis. Qual o desafio de acessar esses recursos? Não existe falta de dinheiro no mundo. O que existe é o não entendimento de mitigação de riscos. Fala-se muito que o problema é não ter projeto. Mas não é só isso. Projetos existem, mas projetos estruturados e pensados, não. Não se pensa em risco. Mesmo dentro do sistema financeiro nacional existe dinheiro, mas existe também uma mentalidade de que só quem financia é o BNDES. Isso não é verdade. Os bancos privados também financiam, mas têm juros mais altos. Quando começamos a entender isso e jogamos com o que existe no mercado é possível chegar a bons resultados. Já fiz um projeto de recuperação pela Miga em uma floresta da Indonésia no ano de 2011. Isso tem chamado a atenção global agora, mas fizemos isso há mais de 10 anos. Então, isso não é novidade. O esforço é se adaptar às regras, sem quebrar nenhuma, no ambiente em que se vai buscar o recurso. O que pode funcionar é baseado nas ideias da instituição financiadora em consonância com o que existe na legislação brasileira. Descobrir os limites e os caminhos até onde a gente pode ir com o projeto. A gente não cruza nenhuma linha. A lei brasileira é extremamente prescritiva (no comportamento, mesmo em ambiente de mudança) e punitiva (não considerando medidas corretivas em primeiro plano). Dentro de financiamentos a projetos, a parte mais importante é se antecipar aos problemas, porque quando eles acontecem nem sempre há tempo para resolver. É preciso, inclusive, traçar pelo menos um ou dois caminhos de como sair dos possíveis problemas. Como foi essa experiência na Indonésia? A Indonésia tem umas 5 mil ilhas e sofre uma degradação de floresta muito séria. As três maiores florestas do mundo são a da Amazônia, do Congo, que eu também tenho trabalhos por lá, e da Indonésia. Então, um Fundo de Investimento que Hong Kong, liderado por um britânico e com doação do Governo da Noruega, queria auxiliar numa determinada área de uma das ilhas com o pagamento pelos serviços ambientais. Nem se chamava isso, mas que era basicamente uma exploração de atividades econômicas da floresta, completamente recuperada e sustentável. Então se pode pensar: “Ah, podemos produzir e comercializar um pouco de coco”. Mas isso não vai sustentar 500 famílias, e havia duas mil famílias. Existem possibilidades de extrair produtos químicos que possam ir para fabricação de cosméticos. Isso já melhora o projeto, mas não resolve. Existe a possibilidade de replantio de floresta com espécies nativas que vai sequestrar carbono e vai restabelecer dentro de 10 a 15 anos o habitat natural. Isso, por si só, também não resolve. Mas a combinação de todos resolve. O fundo que eles colocaram era pequeno com relação à necessidade. Mas, uma dessas estruturas que eu desenhei com eles foi utilizar esse fundo para garantir um bond, uma debênture, que foi lançada (um título de dívida que é emitido para levantar fundos) e o resultado disso, o dinheiro que for levantado, seria utilizado nesses projetos, detalhando a forma de pagamento de cada um, que garantia a maneira como essas famílias iriam sobreviver. A mudança desse fundo do financiamento direto para um fundo garantidor permitia transformar US$ 40 milhões em US$ 300 milhões. Isso resolveu o problema. Então, em vez de fazer um investimento direto, essa nova modelagem do projeto gerou uma receita recorrente para eles? Exatamente, porque ele garantiu uma segurança do investidor, caso acontecesse a falha de alguma coisa. Por que "e se" ocorrer um incêndio? O grande desafio de qualquer financiamento é o “e se”. Então se eu consigo estruturar, entender esses riscos e mitigá-los, o projeto se torna mais robusto. Se utilizar uma parcela desse investimento em estruturas diferenciadas, o seu fundo de pensão vai investir porque é garantido. E se der um incêndio? Continua com a garantia. E se não der? Será possível ter um retorno um pouco melhor. E se der crédito de carbono? Melhor ainda. Então, essa perspectiva é muito maior, muito mais holística que estou começando a advogar no Brasil. Eu desejo fazer essa ponte aqui, já que eu regressei a Pernambuco. Não é uma viagem ao Banco Mundial que vai resolver o problema. Isso é muito importante, pois mostra interesse do Estado em resolver o problema. Mas o que precisa acontecer antes é uma definição do

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"Não podemos tardar em fazer uma revolução ambiental nas cidades"

Diretor de Meio Ambiente Urbano do Ministério do Meio Ambiente, Maurício Guerra, fala sobre o programa Cidades Verdes Resilientes e dos desafios para implantá-lo. Ele defende o uso de tecnologias sustentáveis no processo de adaptação à crise do clima e a ideia de que a qualidade ambiental deve ser vista como um serviço público que atinja as pessoas mais vulneráveis. S egundo dados do ONU-Habitat, publicados em 2022, as áreas urbanas abrigam 55% da população global, percentual que chegará a 68% até 2050. Se fizermos um recorte para a América Latina e Caribe, esse número sobe para 81% e, segundo o IBGE, chega a 85% quando o foco é o Brasil. Com tamanha densidade populacional, as cidades, também de acordo com a Organização das Nações Unidas, já são responsáveis por cerca de 70% de todas as emissões de gases de efeito estufa. Para manter o aumento da temperatura global abaixo de 1.5 °C, a ONU estabeleceu a meta de até 2050 as cidades atingirem a neutralidade de carbono. Diante desse desafio, o Governo Federal lançou o programa Cidades Verdes Resilientes que compreende iniciativas tão amplas quanto a proteção das populações aos efeitos das mudanças climáticas, ampliação das áreas verdes urbanas, estímulos às soluções baseadas na natureza e à mobilidade ativa, entre outros pontos de atuação. Para falar sobre os desafios de colocar em prática esse ambicioso programa, Cláudia Santos conversou com o diretor de Meio Ambiente Urbano do Ministério do Meio Ambiente, Maurício Guerra. Ele esteve no Recife para participar do evento do Simaclim (Centro de Síntese em Mudanças Ambientais e Climáticas). Guerra destacou a necessidade de se ter uma articulação metropolitana para implantar essas ações. “Não tem outro caminho, a natureza e os problemas ambientais não estão restritos a barreiras geopolíticas, eles simplesmente se manifestam no ambiente”, adverte. Também elogiou o projeto Recife Cidade Parque, como um exemplo do que pode ser uma cidade verde resiliente e ressaltou a importância do papel da ciência e da participação das pessoas nessa transição. O que é o Programa Cidades Verdes Resilientes? É um programa que articula três grandes ministérios: o Ministério do Meio Ambiente, o Ministério das Cidades e o Ministério da Ciência e Tecnologia, cada um com o seu perfil de atuação. A ideia é estabelecer que a importância da resiliência consiste nos sistemas naturais das cidades. A primeira questão é proteger as populações, especialmente as mais vulneráveis, articulando serviços urbanos e infraestrutura atrelada ao meio ambiente, como elemento de resiliência, de ampliação de biodiversidade, trazendo qualidade ambiental e de vida para essas populações. Para isso, articulamos grandes temas, como o uso e ocupação sustentável do solo. Não adianta promover cidades desiguais onde as pessoas não têm acesso ao solo e esse acesso tem que ser sustentável. Então, é preciso convergir vários serviços urbanos próximos da população e que esses serviços tenham valor ambiental associado. A ideia é promover equidade e sustentabilidade à ocupação do solo. Outro tema desse programa são as áreas verdes e a arborização urbana. É importante compreender a estrutura verde da cidade e, assim, ampliar instrumentos de planejamento, criação de novas áreas verdes e identificação dessas áreas para expandir e potencializar a arborização e a conexão desses verdes, trazendo biodiversidade. Outro tema são soluções baseadas na natureza, que é associar a infraestrutura cinza às infraestruturas verde e a azul. A infraestrutura verde é compreender que as soluções devem estar articuladas à natureza, é ampliar a área de permeabilidade com verde, gerar áreas de contenção naturais, grandes praças, espaços que vão receber as águas em período de chuva. Já a infraestrutura azul são as águas, os nossos rios. Ou seja, é preciso planejar os espaços urbanos a partir das bacias hidrográficas, compreender como a malha hídrica se comporta para que possamos conviver com ela da melhor forma possível e não lutando contra as águas o tempo todo. Por isso as infraestruturas verde e azul têm que estar casadas nesse planejamento, melhorando nossas áreas verdes para trazer proteção e conservação da biodiversidade para os espaços urbanos. O outro tema desse programa é a tecnologia de baixo carbono, na perspectiva de neutralizar as emissões, promover construções mais sustentáveis, mais alinhadas ao verde e mais eficientes do ponto de vista energético. Outro viés é a mobilidade urbana sustentável, a mobilidade ativa, ou seja, calçadas e ciclovias articuladas ao verde da cidade, como parques lineares onde aumentam-se as áreas de caminhabilidade e de acesso da população a áreas verdes. Além disso, a ideia é investir em transportes urbanos cada vez mais sustentáveis e com energias renováveis para evitar a poluição e melhorar a qualidade de vida e o acesso da população a meios de transportes menos poluentes e mais adequados. E, por fim, o programa Cidades Verdes Resilientes trata da gestão dos resíduos sólidos orgânicos, associando o serviço de compostagem às atividades de cooperativas de catadores e de agricultura urbana, utilizando esses resíduos dentro da estrutura verde da cidade. Dessa forma, o programa conecta esses elementos para tornar as cidades sustentáveis, trazer o verde para o centro da transformação urbana, cuidando da equidade no acesso aos serviços urbanos sustentáveis à população. Diante de um programa com uma pauta tão vasta, quais desafios que vocês estão enfrentando para implantá-lo? São muitos desafios. Do ponto de vista técnico normativo, ainda há soluções baseadas na natureza que não estão devidamente enquadradas e precisam ser definidas. Um dos maiores desafios serão os aspectos de governança, ou seja, ampliar a relação interfederativa, articulando as capacidades dos municípios em desenvolver projetos sustentáveis. Por exemplo, hoje várias prefeituras investem em canalização dos seus rios, riachos e córregos. Essa é uma das piores alternativas. É preciso investir na renaturalização dos rios. Esse é um exemplo que a gente precisa articular os municípios para terem capacidade de pensar os projetos nesse novo cenário climático para nossa cidade. Há também a questão do financiamento, pois dispor de recursos significativos para mudar o cenário da cidade é um importante desafio. Vale reforçar que temos investimento, ao longo dos anos, em infraestruturas

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Sérgio Xavier: "Há indícios fortes e até provas de crimes nessas queimadas"

Coordenador executivo do Fórum Brasileiro de Mudança do Clima, Sérgio Xavier, compartilha do entendimento da ministra Marina Silva de que a propagação das queimadas no País teve o envolvimento do “terrorismo climático”. Ele defende um novo modelo econômico que respeite a natureza como solução para os eventos extremos. Com 40 anos de militância na área ambiental, Sérgio Xavier, coordenador executivo do Fórum Brasileiro de Mudança do Clima, afirma que, nessa luta, as vitórias são provisórias e as derrotas, muitas vezes, são para sempre. “Mas é preciso persistir”, ressalva, esperançoso. E é com esperança que propõe a união de governos, sociedade e setores empresariais em prol da mudança do modelo econômico para encontrar soluções para eventos extremos e tragédias como as queimadas que ardem em boa parte do País. O fórum é uma iniciativa do Governo Federal e visa justamente a promover a articulação entre órgãos e entidades públicas e privadas para construir a política climática no Brasil. Ele, porém, concorda com o entendimento da ministra Marina Silva de que a proporção que as queimadas tomaram este ano deve-se à ação criminosa. Mas, para comprovar que é possível preservar a natureza e gerar negócios e renda, Xavier – que já foi secretário do Meio Ambiente e Sustentabilidade de Pernambuco – fala, nesta conversa com Cláudia Santos, sobre projetos que têm essa visão, como o Lab Noronha. Instalado onde havia um lixão na ilha, o laboratório realiza pesquisas como a que estuda obtenção de energia a partir de resíduos orgânicos e de plantas nocivas que invadiram a floresta do arquipélago. Já no Laboratório da Caatinga, foi criado um fundo de crédito de carbono para remunerar pequenos proprietários que mantêm suas áreas preservadas. Há ainda um estudo que investiga possibilidade de usar os resíduos orgânicos das cidades e transportá-los para áreas que estão em processo de desertificação. “Trata-se de um conjunto de material, como casca de fruta, restos de comida, que enriquece o solo e é muito úmido”, explica Xavier com a esperança de que tais experiências sejam multiplicadas pelo País. Para começar a nossa conversa, gostaria que você explicasse o que é o Fórum Brasileiro de Mudança do Clima? O fórum é um instrumento para a construção da política climática no Brasil. Ele faz a ligação da sociedade civil com o Governo Federal, e estamos ampliando a sua atuação para que se conecte com os governos estaduais e municipais, porque o fórum é composto pelos setores acadêmico, empresarial, ONGs e os governos subnacionais. Estamos criando câmaras temáticas sobre assuntos relacionados com a mudança climática, compostas por todos esses setores e que fazem uma ligação direta com o Comitê Interministerial de Mudança do Clima que é o lugar do Governo Federal que tem uma visão transversal dessas políticas. O CIM é a sigla e compreende 22 ministérios, coordenado pela Casa Civil. É o lugar onde o fórum pode levar as propostas e ter um encaminhamento. O fórum é ligado diretamente ao presidente da República, na verdade, ele preside o fórum, eu sou o coordenador executivo. Como o Fórum tem atuado no tocante às queimadas? Ao que parece é uma ação orquestrada, fala-se até em infiltração de organizações criminosas. Há indícios fortes e até provas de crimes nessas queimadas. É uma confluência de problemas porque há uma seca grande no Brasil e quando se junta essa situação com o fogo é uma combinação explosiva. Agora, esse é um indicador de que o modelo econômico é degradador. Atividades que usam fogo para fazer algumas ações em áreas rurais não deveriam existir, o fogo já poderia ter sido substituído por outras tecnologias. Sabemos que o material orgânico, enriquece o solo, então não haveria necessidade de queimar esses materiais. Mas tudo indica que tem ali um terrorismo climático, como a ministra Marina Silva tem falado. Pessoas inescrupulosas estão incendiando lugares ou para causar tumulto, causar problemas para o Governo Federal por questões políticas, ideológicas ou por falta total de responsabilidade. Esse é um desafio da sociedade inteira, vemos os resultados desse problema na vida das pessoas, no campo e nas cidades, a fumaça está chegando em todos os lugares. A solução para isso é essa visão que o fórum tem de interligar todos os setores fazendo planos integrados de ação que envolvem prefeituras, governos estaduais, federal, diversos ministérios, a sociedade civil, as comunidades, a academia, o setor empresarial. E é nesse espaço das câmeras técnicas e dos laboratórios que estamos criando uma rede do fórum, onde a gente pode encontrar soluções mais consistentes envolvendo toda a sociedade. Mas é uma construção desafiadora, que está em processo ainda. Já se tem uma ideia do tamanho desse prejuízo? Estou há mais de 40 anos no ativismo ambiental, já estou calejado nesse desafio de estar sempre persistindo porque nessa área cada vitória é provisória, cada perda é para sempre. Quando você perde uma espécie, um ecossistema, uma floresta, isso é para sempre. Pode até recompor, mas não será como antes, a biodiversidade foi perdida. Agora, as vitórias são provisórias porque amanhã pode aparecer alguém que queira destruí-las. Hoje está havendo uma grande mobilização da sociedade e acho que a inteligência, a capacidade de articulação, a tecnologia e a ciência vão vencer esse desafio. O senhor mencionou querer agregar também os estados, e muitas das responsabilidades para combater as queimadas também estão na esfera estadual. Exato, na verdade, a responsabilidade é de toda a sociedade. O meio ambiente é um bem comum, interessa a todas as pessoas, não só de hoje mas, também, as próximas gerações. Interessa a todos os tipos de espécies que existem no planeta. Precisamos criar rapidamente a mudança dos paradigmas da atual economia que traz vantagens para quem desmata, queima e polui, porque faz crescer o PIB. Muitas vezes, guerras fazem o PIB crescer, geram negócios em diversos setores. Precisamos criar uma economia em que os modelos de negócios tenham um compromisso com a regeneração, note que eu não estou dizendo compensação ambiental. Qual a diferença? A diferença é que na compensação você desmata e planta

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"No universo digital das redes sociais a esquerda perde espaço"

Os resultados das pesquisas eleitorais são avaliados pelo economista e analista político Maurício Romão. Ele destaca a importância da comunicação eficaz nas redes sociais para conquistar os eleitores, mas adverte que o tempo de rádio e TV permanece tendo um peso relevante para a eleição de um candidato. Mesmo em tempos do protagonismo da internet, a propaganda política na mídia tradicional (rádio e TV) ainda é muito importante para auxiliar um candidato a ganhar a eleição. Mas saber se comunicar com os eleitores pelas redes sociais também é fundamental. A avaliação é do economista e analista político Maurício Romão que, nesta conversa com Cláudia Santos, analisa fenômenos digitais como Pablo Marçal e ressalta que a esquerda ainda não conseguiu desenvolver uma boa performance nesse universo. Em compensação, destaca que o prefeito João Campos tem o talento de mostrar as ações do seu mandato com “grande vivacidade nas redes sociais”. Mas, ressalva, que sua aprovação por mais de 80% dos recifenses deve-se também à escolha de seu secretariado e ao fato de priorizar áreas como habitação, infraestrutura e finanças. Romão analisa ainda o desempenho de candidatos em outras cidades pernambucanas, a ascensão da extrema direita no mundo e os motivos da queda na aprovação do Governo Lula, apesar do bom desempenho dos índices da macroeconomia no País. A que se deve a boa avaliação do prefeito João Campos, que tem mais de 80% de preferência do eleitorado? No meu trabalho com pesquisas, não tenho visto, numa cidade grande, principalmente numa capital, alguém com 88% de aprovação, como foi o caso de João Campos nesta última pesquisa. Em cidades pequenas, é possível encontrar uma aprovação dessa magnitude, mas numa capital, é muito difícil. No caso do prefeito do Recife, isso se deve, primeiramente, porque ele soube aproveitar o exercício do executivo e se comunicar muito bem com a sociedade. Ele mostrou o que estava fazendo com grande vivacidade nas redes sociais e soube escolher um secretariado integrando a questão política, referente aos apoios recebidos, com a parte técnica. Soube mapear as expertises dos seus auxiliares e colocou pessoas de alto nível, cada uma em seu devido lugar. Então, embora jovem, conseguiu mostrar uma experiência inaudita que foi a de escolher bem o seu pessoal, saber se comunicar e priorizar algumas ações. Quais seriam algumas dessas prioridades que ele acertou? As áreas que mais se destacaram foram habitação, infraestrutura e finanças. João Campos conseguiu controlar as finanças de tal sorte que seus investimentos fossem canalizados para aqueles programas que ele tinha percebido como os mais relevantes para sua gestão. A área de finanças, me pareceu muito bem controlada, bem gerida numa cidade complexa, estruturalmente difícil, com desigualdades sociais, inclusive numa época de dificuldades como a pandemia. Outras iniciativas relevantes são referentes à infraestrutura, habitação e lazer. Na Tamarineira, por exemplo, havia aquele hospital antigo, sem nenhuma utilização, em que se questionava se não deveria servir a outro propósito. O prefeito, com determinação, convenceu a sociedade de que aquilo poderia ser um equipamento social de muita utilidade, como está sendo agora com o parque. O secretariado foi importante para mostrar a situação da cidade do ponto de vista estético, mas também de inclusão social. O que as pesquisas vêm indicando sobre as disputas eleitorais nas principais cidades da Região Metropolitana e do interior do Estado? A disputa mais acirrada, com ligeira vantagem para o prefeito e com certas incógnitas de desdobramento é Caruaru. Lá, as pesquisas mostram um quadro de indefinição. Em Petrolina, me pareceu que a questão já está resolvida. Pode ser que haja mudança no percurso, mas Simão Durando, que é candidato à reeleição, é muito bem avaliado. Lá há uma oposição contundente mas, do ponto de vista das pesquisas, a distância numérica ainda está razoavelmente elevada entre a liderança de Simão e os outros candidatos. Em Olinda temos apenas três pesquisas, duas delas de antes das convenções, quando as candidaturas ainda não estavam definidas. A terceira, do Ipespe, mostra Mirella Almeida, a candidata do prefeito, na frente dos demais concorrentes, com Isabel Urquiza como vice-líder. De qualquer sorte, é preciso aguardar novos levantamentos para se ter uma ideia mais clara do quadro eleitoral na cidade. E em Jaboatão há um diferencial razoavelmente bom do prefeito Mano Medeiros em relação a Elias Gomes e Clarissa Tercio. Embora ela esteja aparecendo agora, com uma certa expressividade nos últimos levantamentos, o ambiente em Jaboatão também é de grande incógnita. Então, um mapeamento momentâneo dessas principais cidades mostra a reeleição do prefeito de Petrolina e que é preciso aguardar definição em Caruaru, Jaboatão e Olinda. O presidente Lula teve votação expressiva em Pernambuco. Ele ainda tem capacidade de influenciar o voto no Estado? Sim, porque Lula tem um histórico muito bonito do ponto de vista de uma pessoa simples, que se formou na vida e chegou a ser presidente pela terceira vez no País e é um líder inconteste. Mas, também, há uma corrente grande de antipetistas e antilulistas na sociedade. Então, muitas vezes, a influência se dá de forma menos acentuada, mas os candidatos, tanto das majoritárias, como das proporcionais procuram mostrar certa proximidade com Lula em função desse histórico, por ser um presidente da República, ser um líder. Mas ele recentemente está perpassando uma fase de dificuldades no trato da coisa pública. Há uma sensação de que as entregas que foram prometidas não estão sendo materializadas em consonância com o que se esperava. Isso cria um desalento, uma certa distância do eleitorado com ele. Tanto é que as pesquisas têm mostrado que a sociedade está muito dividida na sua aprovação e desaprovação. A que se deve essa divisão em torno da aprovação do Governo Lula? Isso se deve também ao colapso gradual do nosso modelo de representação e de governança. Há uma crise na democracia liberal em que foi se formando um fosso entre o representante e o representado. Isso torna o eleitor muito cético, desesperançoso com o que pode ser feito por ele, em particular, e pelas circunstâncias em que ele

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"A gente vai fazendo a diferença e o resultado foi essa nota 10"

Elma Moura, gestora da Escola Municipal Manoel Leandro Morais, única unidade pública de ensino de Pernambuco a alcançar 10 no Ideb, afirma que a estratégia de focar nos alunos com dificuldades de aprendizado, a participação da família na vida escolar dos estudantes e o apoio psicossocial levaram à conquista da nota máxima. S ituada na zona rural, no distrito Maravilha, a cerca de 36 quilômetros da sede do muni￾cípio de Custódia, no Sertão do Moxotó, a Escola Municipal Manoel Leandro Morais foi notícia na mídia, semanas atrás, em razão de um feito surpreendente: foi a única unidade pública de ensino de Pernambuco a conquistar nota 10 nos anos iniciais do fundamental no Ideb 2023 (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica). Somente outras 20 escolas públicas em todo o Brasil receberam a nota máxima desse que é o principal indicador de qualidade do ensino, criado pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), órgão do MEC (Ministério da Educação). Detalhe: todas as demais escolas também estão localizadas no Nordeste, nos Estados do Ceará e Alagoas. O indicador relaciona o desempenho dos estudantes em avaliações externas de larga escala com dados de fluxo escolar. Cláudia Santos conversou com Elma Moura, a gestora do colégio nota 10 de Custódia, para conhecer a estratégia de sucesso que fez a escola brilhar no Ideb. As diretrizes foram estabelecidas pelo governo municipal e têm como foco os alunos com dificuldade de aprendizado, o incentivo à participação da família na vida escolar do estudante e o apoio de uma equipe psicossocial aos problemas comportamentais da garotada apresentados em sala de aula. Os alunos também são incentivados com premiações, assim como os professores, já que os profissionais da escola de Custódia com melhor desempenho no Ideb recebem o décimo quarto salário. Elma também ressalta a continuidade dessa política pela gestão municipal, que não foi interrompida desde 2017. Reportagens veiculadas na mídia afirmam que um dos motivos do sucesso da Escola Municipal Manoel Leandro Morais no Ideb é o fato de vocês terem focado nas crianças que apresentam dificuldades de aprendizado. A senhora poderia detalhar como é feito esse processo? Realizamos planejamentos quinzenais com os professores, em que eles repassam para a coordenação pedagógica quais alunos apresentam um pouco mais de dificuldade. Temos vários profissionais de apoio à educação especial e, quando um deles está disponível, retira o aluno da sala de aula por um momento, sonda qual é sua dificuldade – se em matemática ou leitura, por exemplo – e faz com ele uma espécie de reforço escolar. Isto porque, aqui as famílias de baixa renda, às vezes, não têm condição de pagar o reforço em casa. Então, os professores também se desdobram fazendo atividades diferenciadas e orientamos a família a fazer essas atividades em casa para ajudar a criança. Que tipo de atividades diferenciadas são realizadas? A coordenadora pedagógica pesquisa várias atividades e questionários de acordo com os descritores que o aluno tem dificuldade e pede para que a criança realize essas atividades. Assim, as dificuldades encontradas vão sendo sanadas, pois o estudante vai se familiarizando com o assunto da disciplina. O município inteiro basicamente trabalha mais ou menos na mesma metodologia, no mesmo estilo, porque acompanhamos a Secretaria Municipal de Educação, que também nos dá todo suporte. Desde quando a escola utiliza essa metodologia de trabalho e como é o envolvimento dos professores? Houve resistência no início? Não houve resistência. Desde 2017, o prefeito Manuca de Zé do Povo (Emmanuel Fernandes de Freitas Gois) vem investindo nisso. Começou dando computadores para todos os professores e tablets para os alunos do integral. A Secretaria de Educação do município de Custódia tem um sistema próprio de avaliação. Ela é exclusiva da cidade e conta com uma empresa que dá consultoria a todos os supervisores e coordenadores. Eles realizam essas avaliações no início do semestre, seguem para o semestre seguinte sabendo em quais descritores os alunos mais tiveram dificuldade, e o planejamento é realizado em cima desses descritores. Para a escola do município com melhor desempenho no Ideb, a prefeitura concede o décimo quarto salário. Então todo professor abraçou a causa e disse, “vamos à luta, vamos ganhar”. Deu um entusiasmo muito grande aos professores, e eles não medem esforços. Estão sempre dispostos a ajudar, a montar projetos. Então, esse modelo de trabalho foi introduzido em 2017, quando as escolas do município de Custódia deram essa guinada e decidiram fazer diferente a educação. E esse trabalho vem dando certo. A Escola Manoel Leandro Morais, em 2018, foi destaque no Ideb. Em 2022, ela ganhou o prêmio destaque do Criança Alfabetizada (programa do Governo do Estado). A nossa escola vem se destacando e o que eu digo para nossos alunos e professores é que temos ainda um desafio bem maior, que é manter essa qualidade. Vocês também estimulam a família a participar da vida escolar do estudante. Como é feito esse incentivo à participação? A participação é justamente uma das peças desse processo. O diálogo entre as famílias é o carro-chefe da escola e de todo o município. Por isso, estamos sempre incentivando essa conversa e convidando a família a se fazer presente na escola. Quando identificamos a dificuldade do aluno, checamos também se os pais ou responsáveis têm uma estrutura para ajudar, pois, muitas vezes, não têm estudos e não conseguem auxiliar. Então, os alunos cujos responsáveis não podem, nós ajudamos aqui na escola. Já aqueles cujos responsáveis conseguem auxiliar, nós orientamos, damos suporte e indicamos as atividades a serem feitas em casa. Outra preocupação nossa é com a ausência dos estudantes na sala de aula. Nós nos esforçamos para não deixar o aluno faltar. Quando identificamos que determinada criança não está comparecendo às aulas, procuramos saber o motivo, realizamos uma busca ativa. A Secretaria de Educação tem uma iniciativa de busca ativa, mas nossa escola tem um projeto próprio nesse sentido, temos profissionais de monitoria e transportes escolares e hoje também temos um acesso muito grande pelo celular que a gente na mesma hora

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"A ocupação dos holandeses no Brasil gerou a profissionalização deles no tráfico de pessoas escravizadas"

Dirceu Marroquim, Historiador e curador da exposição "1654 – 370 Anos da Rendição dos Holandeses em Pernambuco: Reflexões Históricas e Contemporâneas" explica a mostra que está no Museu do Estado de Pernambuco que propõe um olhar a partir da atualidade para esse período da história que está no imaginário cotidiano do pernambucano. Quem for à exposição 1654 – 370 Anos da Rendição dos Holandeses em Pernambuco: Reflexões Históricas e Contemporâneas – que está no Museu do Estado de Pernambuco até o dia 6 de outubro – não deve esperar um simples mergulho no período das lutas contra os batavos. Mas uma interessante experiência sobre como esse passado permeia o cotidiano dos pernambucanos. Também conduz o visitante a refletir sobre diversos aspectos que levaram ao apagamento do protagonismo de negros e indígenas na memória sobre essa época, e sobre questões que povoam o imaginário da terra dos altos coqueiros: A Pátria nasceu após a Restauração? Se os holandeses permanecessem, Pernambuco estaria melhor? A reflexão é feita a partir da contraposição de um discurso hegemônico representado, em obras seculares, como as que mostram homens (em sua maioria brancos) nas lutas contra os invasores, e artistas contemporâneos como Nathê Ferreira, que traz um grande painel destacando uma mulher nega que mata um leão por dia, que tem o provocativo título: Qual é a sua batalha? Cláudia Santos conversou com o historiador Dirceu Marroquim, curador da exposição juntamente com Maria Eduarda Marques e Helena Severo. Ele explica como a mostra foi montada e resgata informações pouco conhecidas como culto a Iansã no final do Século 18 que era uma celebração feita por escravizados no Monte Guararapes e que se perpetuou em territórios da população afrodescendente. Como é que surgiu a ideia dessa exposição? Ela surge da tentativa de olhar para uma data: os 370 anos da rendição dos holandeses. É uma história que permeia o imaginário da nossa população. Não é estranho você ver turistas na rua do Bom Jesus, por exemplo, e as pessoas dizerem para eles: essa é uma rua que é do tempo dos holandeses. Você encontra muitos vestígios dessa história na nossa vida cotidiana. Só que a gente não olha muito sobre os desdobramentos dessa memória ou de como ela foi construída. A exposição nasce com a tentativa de problematizar como foram construídos os discursos nacionalistas ou que se pretenderam tentar dar unidade a essa memória. O nosso ponto de partida é entender que essa é uma problemática presente e não sobre o passado. Apesar de o título da exposição ser 1654, ela não é uma exposição sobre o Século 17, mas sobre 2024. A nossa linha do tempo é de frente para trás, começa em 2024. A proposta dessa exposição foi tentar lançar muito mais perguntas do que oferecer respostas prontas, para que as pessoas saiam da exposição se perguntando: que história é essa? Lançando assim a boa dúvida. Procurando olhar para essa história colocando em dúvida essas batalhas, essa memória católica, que cai num certo discurso hegemônico. A pergunta que permeia a exposição – Qual é a sua batalha? – serve um pouco para ilustrar o intuito dela. Como é a exposição? Ela está dividida em quatro módulos. O primeiro deles trata sobre Presença, é basicamente uma tentativa de olhar para esses 24 anos de ocupação, entre 1630 e 1654. Só que a gente faz isso lançando mão de objetos e de reproduções que não remontem ao Século 17, mas que sejam olhares contemporâneos sobre esse passado. Na entrada da exposição tem uma reprodução feita por Marcelo Andrade, estudante de arquitetura da Unicap, que criou uma página chamada Mauritsstad Digital que foi fruto do trabalho de conclusão de curso dele. Ele reproduziu em 3D a Cidade Maurícia. Então, conseguimos dar uma dimensão material a essa cidade que a gente vê numa representação tão chapada. Em seguida, temos um setor de cartografia no qual vemos a cidade evoluindo, o tecido urbano que vai crescendo e ao mesmo tempo vemos as permanências, como a Praça da Independência, a Rua de São José, cujos traçados permanecem. Estamos falando dessas idas e vindas. Nesse módulo, inclusive, tem um quadro que é do parceiro Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano, que retrata Maurício de Nassau e um homem escravizado atrás dele. Ao mesmo tempo, em frente a esse quadro, temos a obra do artista plástico contemporâneo James Duarte, cujo nome é Cimento Nassau, mas ele mostra um Nassau meio zumbi, com a mão putrefata. Trata-se de uma denúncia para mostrar que esse homem, a quem se atribui como ilustrado, quase um renascentista, representa a economia do açúcar que utilizava mão de obra escravizada. O segundo módulo é chamado Restauração, em que abordamos as guerras pela recuperação de Pernambuco que começam em 1645 e terminam em 1654. Só que a forma de abordar também tem as suas idas e vindas temporárias. De um lado, trazemos representações do Século 18 das batalhas dos Guararapes e das Tabocas. Temos uma representação feita por Victor Meirelles, que ficou pronta em 1879 e foi encomenda imperial, de certo modo uma ode ao gentil da terra, ou seja, à população local. Quem está à frente é o brasileiro Vidal de Negreiros. Por outro lado, temos a batalha da Nathê, artista plástica urbana extraordinária, que fez um painel intitulado: Qual é Sua Batalha? Ela morou nos Montes Guararapes, tem experiência grande no território. Na sua obra, a representação de uma batalha cheia de homens lutando desaparece. Ela mostra uma mulher negra lutando contra um leão. Então, seja no Século 17, seja hoje ou daqui a 100 anos, essa é uma imagem que constrói sentido e que aproxima o passado do presente. No centro desse módulo da Restauração há quatro totens que são os restauradores pernambucanos, a tetralogia: Henrique Dias, Felipe Camarão, André Vidal Negreiros e João Fernandes Vieira. Mas no centro, a gente procurou trazer uma espécie de memória de soldados. Conseguimos rastrear nas crônicas de guerra o nome dos terços que eram as tropas desses restauradores. Esses nomes

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Entrevista com Gisela Abad: "Continuamos sendo o Leão do Norte"

Designer lança livro em que analisa como um animal que não pertence à fauna brasileira tornou-se símbolo da identidade pernambucana, como nas revoluções deflagradas no Século 19. Ao longo do tempo, ele também passou a estampar estandartes de maracatus, escudo de time de futebol e até logomarcas. Quem nasce nesse lindo rincão/Do Norte brasileiro em geral/É hospitaleiro de coração/E tem na luta uma bravura sem igual/Eu sinto orgulho em ouvir/O coração no transporte/Repetir: Eu sou de Pernambuco/ Leão do Norte. O trecho do frevo de bloco Eu Sou de Pernambuco, de autoria do “velho Raul Moraes” demonstra toda a potência simbólica contida na imagem do Leão do Norte para refletir a identidade dos pernambucanos. Destaque-se a “bravura sem igual”, demonstrada nos vários movimentos revolucionários. Presente nos brasões do Estado e do Recife, no escudo do Sport, nos estandartes dos maracatus, nas criações do artesão Nuca, a figura do leão, no entanto, sofreu, ao longo dos anos, mudanças, desde que passou a estampar marcas e produtos. É o que constata a designer Gisela Abad no seu livro Um Leão na Paisagem, que será lançado no sábado (31). “É engraçado, quando o leão vira marca, parece que foi domesticado. É hilário, em algumas delas, ele parece um cãozinho”, constata a designer. Mesmo sendo “domesticado” ao figurar em embalagens de produtos ou logomarca de empresas, o Leão do Norte, segundo Gisela , permanece como representação da identidade pernambucana, denotando coragem e ousadia. “No campo político, o pernambucano continua se representando como o Leão do Norte. Como Estado, a gente ainda se coloca e diz mesmo: “Eu sou Leão do Norte!”, assegura a designer. Como surgiu a ideia de pesquisar a simbologia do Leão do Norte? Em 2004, a Fundação Gilberto Freyre digitalizou um acervo de marcas e rótulos registrados pela Junta Comercial de Pernambuco do ano de 1876 até 1926. A 2Abad (sua empresa de design) criou a imagem para esse projeto e foi quando eu tive contato com essas marcas fenomenais, que representam quase um marco inaugural do design pernambucano. Então, quando eu entrei no mestrado em 2008, me lembrei desse acervo e resolvi me debruçar sobre ele. Quando cataloguei, vi que a maior parte das marcas eram representadas por animais e, entre esses animais, em primeiro lugar sobressaía o elefante e, em segundo lugar, o Leão do Norte. Eu analisei as marcas registradas, mas ao pesquisar em jornais, é possível encontrar farmácias, tinturarias, vassouras, bolachas, vários comércios e produtos que utilizam a figura do Leão do Norte e que não foram registradas. E aí me perguntei por que tanta marca de Leão do Norte, se nem é um animal da fauna brasileira? E por que o pernambucano é conhecido como Leão do Norte? Bom, sabemos que, geograficamente Pernambuco fazia parte da região Norte e depois passou a ser Nordeste. A leitura também pode ser feita a partir do brasão de Duarte Coelho, mas outras províncias também tinham brasões e isso não as fez ser golfinho do Sudeste, por exemplo. Só o fato de estar no brasão de Duarte Coelho não é suficiente, é apenas um fator que começa no que eu chamo da paisagem semiótica. Então, que coisa tão forte é essa em termos de signo que passa a representar os pernambucanos ou Pernambuco e que salta para as marcas? E quando ela salta, como se comporta? Quando desenhamos os vetores do nosso Leão do Norte, percebemos que ele é insurreto, corajoso, bravio, ele não se curva. E esse brasão de Duarte Coelho já existia desde que ele veio de Portugal? Não. Ele só recebe o brasão em 1545, perto de falecer. Ele não era uma figura de nobreza, a mulher dele, dona Brites, era. Inclusive ela acabou se tornando nossa governadora porque ele voltou para Portugal e ela ficou aqui. Ela era um Leão do Norte, ficou sendo governadora por mui- to tempo com o brasão do leão. Também havia outros tipos de leão. Certamente, o leão de Judá tem um papel nessa identificação do pernambucano como Leão do Norte, mas não encontra- mos desenhos dele em lugar nenhum por causa da perseguição aos judeus. Também havia o brasão da família de Nassau, que é o da Casa de Orange, que tem três leões. Além desses, também tem o Leão Coroado, personagem da Revolução de 1817, que tinha uma careca redondinha – como uma coroa – mas não havia ilustração, quadro ou representação dele. Não existe sequer uma descrição física do Leão Coroado, só se sabe que ele tinha essa tonsura na cabeça. Existe também o leão de São Jerônimo que, no sincretismo com a África, é Xangô, um orixá muito forte. E São Jerônimo é aquele santo, reza a lenda, que, no século 3 depois de Cristo, tirou uma farpa da pata de um leão, que ficou domesticado. O leão também é bastante representado no Maracatu, não é? O Maracatu, na verdade, começa como nação, depois vira uma manifestação de grupo, de dança, de festa carnavalesca, e você encontra uma quantidade enorme de maracatus representados por leões: tem Leão Mimoso, Leão Formoso e o Maracatu Leão Coroado, que é um dos mais antigos. Algo curioso que descobri recentemente é que há muitas figuras de leões na região de Carpina pois, antes de ter este nome, entre as décadas de 30 e 40 do século passado, Carpina se chamava Floresta dos Leões. Por que o Leão do Norte virou rótulo? Como se deu esse processo dele enquanto marca? Fala-se muito da união dos brasileiros com portugueses, mas há alguns pontos históricos em que essa relação desanda e, no Século 19, foi bem grave, porque enfrentávamos um grande declínio econômico, já existia a separação entre Brasil e Portugal e não nos sentíamos confortáveis com os portugueses tomando conta do nosso mercado. Assim, a denominação de Leão do Norte era usada para o filho da terra ou para a própria terra, Pernambuco. Então, ao colocar o nome Leão do Norte numa padaria, o proprietário está dizendo: sou pernambucano, sou da terra.

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60 anos do Grupo JB: "Sempre fomos um grupo inquieto"

Grupo JB chega aos 60 anos e sua diretora executiva, Carolina Beltrão, conta a trajetória da empresa que começou com um pequeno engenho produtor de aguardente e hoje atua no mercado de etanol, açúcar, energia e CO2, tem cinco mil empregados e operações em Pernambuco e no Espírito Santo. Saber perceber as oportunidades do mercado para impulsionar os negócios tem sido uma estratégia de sucesso de muitas empresas. Ao completar 60 anos este mês, o Grupo JB foi uma das companhias do setor sucroenergético que direcionou os investimentos de acordo com as novas realidades que se apresentavam na economia brasileira e global. De um pequeno engenho que fabricava aguardente, a atuação do grupo expandiu-se para a produção de etanol, impulsionado pela política do Pro-Álcool dos anos 1980. Com a Crise do Apagão, no início dos anos 2000, os negócios expandem para a cogeração de energia elétrica a partir de biomassa de cana. Em seguida, as preocupações com as mudanças climáticas e a oportunidade de abastecer a indústria de alimentos e bebidas, levou o grupo a fornecer o dióxido de carbono puro grau alimentício, em vez de jogá-lo na atmosfera. Hoje o Grupo JB engloba três empresa: a Companhia Alcoolquímica Nacional, a Carbo Gás (ambas em Vitória de Santo Antão) e a Lasa Bioenergia (em Linhares, no Espírito Santo) e emprega cinco mil pessoas. Para saber mais sobre a trajetória da empresa nessas seis décadas, Cláudia Santos conversou com Carolina Beltrão, diretora executiva do Grupo JB. Ela também abordou alguns gargalos enfrentados pelo setor sucroenergético, como a infraestrutura dos portos e a escassez de mão de obra. Fale um pouco sobre a trajetória da empresa. Como ela começou? Começou em 1964, com meu avô. No último dia 16, comemoramos 60 anos. Começamos, como muitas usinas de Pernambuco começaram: um engenho pequenininho que fazia só aguardente. Um dos nossos primeiros clientes foi um o Engarrafamento Pitú porque nossa usina fica em Vitória de Santo Antão. Também vendíamos para outros engarrafamentos que havia por perto. Quando meu avô faleceu muito jovem, meu pai e meus tios tiveram que tomar conta do negócio. Eu sou a terceira geração, com cara de segunda geração, porque o grupo cresceu mesmo na mão do meu pai e dos meus tios. Em 1980, quando aconteceu o Pro-Álcool, enxergamos o tamanho da oportunidade que se abriu. Foi um boom no negócio, tanto que, em seis meses, construímos uma destilaria nova com recursos próprios. Consequentemente, entramos também pesado no comércio exterior, exportando e importando muito álcool. Trazíamos um tipo de álcool, reprocessava, mandava embora outro tipo. Fazíamos isso junto com outras usinas de Pernambuco e da Paraíba. Devido a essa movimentação com o comércio exterior, construímos, junto com esse grupo de usinas do Nordeste, um terminal de graneis líquidos na Paraíba que impulsionou nossas operações de importação e exportação de álcool. Mas hoje, graças a Deus, esse terminal tem tantos clientes que não é possível mais fazer esse movimento de exportação lá. Nessa época em que abrimos essa destilaria de álcool, com muita importação e exportação, conseguimos nos capitalizar bem. Sempre fomos um grupo inquieto, que não se acomodou e sempre de olho em possibilidades que pudessem levar a JB a um novo patamar. No início dos anos 2000, quando o Brasil enfrentou a Crise do Apagão, já gerávamos nossa própria energia, éramos autossuficientes. Então, montamos uma nova termoelétrica com biomassa, a primeira de Pernambuco, queimando o bagaço da cana para gerar energia. E, assim, surgiu outro negócio dentro do que já tínhamos. Em 1996, adquirimos a empresa Lasa Linhares Agroindustrial, no Espírito Santo, numa estratégia para garantir que tivéssemos produção de álcool durante o ano inteiro, já que as safras da região Nordeste e Sudeste acontecem em períodos distintos, sendo complementares. O passo seguinte foi uma nova ampliação das nossas atividades. Fizemos investimentos em aquisição de terras e processos agroindustriais para entrar na indústria alimentícia por meio da produção de açúcar a granel. Com o bagaço da cana, vocês geram energia para o consumo próprio e para o mercado? Nos anos 2000, conforme mencionei, instalamos a termoelétrica para consumir nossa própria energia e sobrar para colocar no mercado. Hoje, a gente vende muita energia diretamente para a Eletrobras, temos um contrato de alguns anos, por meio do Programa de Energias de Fontes Alternativas [Proinfa]. A operação é daqui de Pernambuco e tudo que sobra vai para o Proinfa, lá no Espírito Santo, no mercado livre. É importante ressaltar que, na crise energética de 2001, quando o governo brasileiro conscientizou a todos de que não poderíamos deixar nossa nação sem energia, surgiram várias fontes alternativas, e fizemos parte disso. Ajudamos o Brasil a passar por aquela confusão em que era preciso diminuir e controlar o uso de energia elétrica em casa e também nas empresas, muitas tiveram que desligar máquinas, parar a produção. Outra iniciativa importante foi a primeira fábrica de CO2, a Carbo Gás que instalamos em Pernambuco. O insumo, matéria-prima essencial em diversos segmentos fabris, é um subproduto dos processos das usinas, oriundo da fermentação do álcool. Vimos que, numa era de debate intenso sobre o aquecimento global, poderíamos reduzir significativamente nossas emissões diretas, reaproveitando o dióxido de carbono. Assim, ao invés de lançar esse gás na atmosfera, ele é vendido para as fábricas, como a Coca-Cola, que precisam de CO2 de grau alimentício, usado no refrigerante, na água com gás e na cerveja. Também abrimos uma fábrica desse gás no Espírito Santo. Assim, com uma usina em Pernambuco e uma destilaria no Espírito Santo, cujas safras são invertidas por causa das chuvas, é possível produzir o CO2 alimentício o ano todo. Como é a produção desse tipo de gás? Na produção do álcool, esse gás escapava para a atmosfera, hoje a gente capta, purifica, limpa, liquidifica e vende. Então é mais um tipo de negócio inserido na nossa empresa, é um lindo exemplo de economia circular. A gente planta e colhe todos os anos, e o CO2 que antes iria para a atmosfera é revertido para

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"Nossa proposta é aumentar em cerca de 9 mil hectares as áreas protegidas da Caatinga em Pernambuco"

Pedro Sena, Coordenador técnico do Cepan (Centro de Pesquisas Ambientais do Nordeste). fala sobre a iniciativa que vai criar seis novas unidades de conservação na Chapada do Araripe no Estado. A ideia é preservar até as áreas habitadas e capacitar moradores com atividades econômicas sustentáveis. Estudo realizado pela Fundação Holandesa IDH, com o apoio do Instituto WRI, identificou que há no mínimo meio milhão de hectares de Caatinga com potencial de restauração em três territórios: Sertão do Pajeú (PE), Cariri Ocidental (PB) e Sertão do Apodi (RN). Mas, de acordo com o Mapbiomas, apenas 9,1% está sob proteção de unidades de conservação. Diante da ameaça de desertificação do bioma frente às mudanças climáticas, várias instituições se unem para criar seis novas unidades de conservação (UCs) na Caatinga em Pernambuco. Isso representa mais nove mil hectares de áreas protegidas no bioma, e aumentaria de 28 para 34 o número de UCs existentes na região de Caatinga no Estado. Para tornar a proposta realidade, o Cepan (Centro de Pesquisas Ambientais do Nordeste), uma organização do terceiro setor, realiza uma série de estudos e conta com a parceria da Semas (Secretaria Estadual do Meio Ambiente e de Fernando de Noronha) da CPRH (Agência Estadual de Meio Ambiente), e com apoio do GEF Terrestre, gerido pelo Funbio (Fundo Brasileiro da Biodiversidade) e pelo Ministério do Meio Ambiente e da Mudança do Clima. Nesta entrevista concedida a Cláudia Santos, o coordenador Técnico do Cepan Pedro Sena detalha as ações para concretizar a instalação dessas unidades de conservação que incluem formas de conservar a Caatinga com presença dos moradores sertanejos que serão capacitados para exercerem atividades de gestão participativa dessas unidades. Para iniciar a nossa conversa, gostaria que você explicasse o que é o Cepan (Centro de Pesquisas Ambientais do Nordeste)? É uma instituição do terceiro setor especializada em soluções baseadas na natureza, no entendimento do capital natural e em políticas públicas. Criada há 24 anos, por um grupo de pesquisadores na UFPE, foi aumentando sua atuação até o momento em que desacoplou das pesquisas mas manteve essa raiz. Quanto às soluções baseadas na natureza, boa parte das ações do Cepan se concentra em restauração de florestas, plantio, recuperação de áreas degradadas e conservação. Hoje, atuamos no Brasil todo mas, basicamente, na Chapada do Araripe no Ceará, Pernambuco e Piauí. Temos muitos hectares de Mata Atlântica restaurados na Paraíba e de áreas indígenas no Espírito Santo. Também temos o projeto que abrange toda a região da Caatinga de Pernambuco, onde o que preservamos nesse bioma é adicionado à meta de conservação da Caatinga do Brasil. Em que consiste esse estudo sobre a restauração da Caatinga? Esse estudo não é de autoria do Cepan. É da fundação IDH junto com o Instituto WRI Brasil, que são parceiros nossos. Eles utilizam a metodologia Roam, idealizada pelo WRI, e o Cepan já a aplicou, em Pernambuco, em 2019. Nesse método, é feita uma avaliação multidisciplinar que envolve o mapeamento físico dos locais degradados, identificação de atores sociais, validação de números e diálogo com a sociedade em oficinas participativas. Então, visitam-se esses hectares avaliados como importantes para restauração, identificando formas de conservar e de restaurar, sobretudo, englobando as pessoas, pois a Caatinga é um sistema socioecológico, não há como desacoplar o ser humano desse bioma. Por isso, esse estudo promove a restauração ecológica: plantar árvores onde é necessário, colocando pessoas e animais nessa área a ser restaurada. Inclusive o bode, um animal que pode ser ruim para restauração do bioma, mas eles encontraram um jeito de incluí-lo. Além disso, usam-se sistemas agroflorestais que são meios de “ganhar dinheiro” com a floresta, deixando-a crescer de forma sustentável. A produção de mel é um exemplo. Hoje, há cerca de 10% da Caatinga no País protegida em unidades de conservação. Desses, apenas 2% são de proteção integral, uma categoria mais restritiva que garante que aquela floresta não vai ser derrubada, vai se manter ao longo da vida. Mas, essa porcentagem é muito pequena. Se essa situação se perpetuar, o que pode acontecer com o bioma? Se não aumentarem as áreas de conservação, não há como garantir a biodiversidade da Caatinga, que é única. Ela tem muitas espécies exclusivas, chamadas endêmicas, como certos tipos de peixes. Ou seja, há açudes, reservatórios de água, com peixes que só ocorrem na Caatinga. Se esses locais não forem protegidos, essas espécies podem se perder para sempre. Para além da biodiversidade, é preciso considerar também as pessoas. Se não conservarmos a Caatinga, que possui muitas áreas de serra, não teremos, por exemplo, a recarga hídrica, o reabastecimento dos lençóis freáticos tão importantes para quem vive na área e precisa de água. Além disso, há vários outros serviços ambientais, como o carbono que essas florestas retiram da atmosfera. Se essas áreas forem perdidas, haverá um débito nesse sentido. Assim, há muitas justificativas ecológicas e sociais para preservação desse bioma, inclusive a conexão psicológica e sentimental do povo sertanejo com a Caatinga. Por isso, ações de conservação são importantes. Nossa proposta é aumentar a conservação em cerca de nove mil hectares a mais de áreas protegidas da Caatinga em Pernambuco. E como essa proposta vem sendo colocada em prática? Quais instituições estão envolvidas? O Cepan é apenas o executor da proposta. Há outros atores: o Ministério do Meio Ambiente; a Semas (Secretaria de Meio Ambiente, Sustentabilidade e de Fernando de Noronha de Pernambuco); a CPRH (Agência Estadual de Meio Ambiente), que é o órgão que vai cuidar dessas áreas de conservação quando forem criadas; o Global Environment Facility, em português, Fundo Global para o Meio Ambiente, que envia recursos para o Fundo Brasileiro para a Biodiversidade que, por sua vez, repassa esses recursos para o terceiro setor. Essa é a cadeia de governança da nossa proposta, que começa pela etapa de divulgação e apresentação do projeto para a sociedade, tanto de forma ampla, quanto específica nas áreas que vamos criar. Nesta etapa, conversamos com as prefeituras e com as pessoas nos municípios em que as áreas estão localizadas. São

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