Entrevistas – Página: 2 – Revista Algomais – a revista de Pernambuco

Entrevistas

“No universo digital das redes sociais a esquerda perde espaço”

Os resultados das pesquisas eleitorais são avaliados pelo economista e analista político Maurício Romão. Ele destaca a importância da comunicação eficaz nas redes sociais para conquistar os eleitores, mas adverte que o tempo de rádio e TV permanece tendo um peso relevante para a eleição de um candidato. Mesmo em tempos do protagonismo da internet, a propaganda política na mídia tradicional (rádio e TV) ainda é muito importante para auxiliar um candidato a ganhar a eleição. Mas saber se comunicar com os eleitores pelas redes sociais também é fundamental. A avaliação é do economista e analista político Maurício Romão que, nesta conversa com Cláudia Santos, analisa fenômenos digitais como Pablo Marçal e ressalta que a esquerda ainda não conseguiu desenvolver uma boa performance nesse universo. Em compensação, destaca que o prefeito João Campos tem o talento de mostrar as ações do seu mandato com “grande vivacidade nas redes sociais”. Mas, ressalva, que sua aprovação por mais de 80% dos recifenses deve-se também à escolha de seu secretariado e ao fato de priorizar áreas como habitação, infraestrutura e finanças. Romão analisa ainda o desempenho de candidatos em outras cidades pernambucanas, a ascensão da extrema direita no mundo e os motivos da queda na aprovação do Governo Lula, apesar do bom desempenho dos índices da macroeconomia no País. A que se deve a boa avaliação do prefeito João Campos, que tem mais de 80% de preferência do eleitorado? No meu trabalho com pesquisas, não tenho visto, numa cidade grande, principalmente numa capital, alguém com 88% de aprovação, como foi o caso de João Campos nesta última pesquisa. Em cidades pequenas, é possível encontrar uma aprovação dessa magnitude, mas numa capital, é muito difícil. No caso do prefeito do Recife, isso se deve, primeiramente, porque ele soube aproveitar o exercício do executivo e se comunicar muito bem com a sociedade. Ele mostrou o que estava fazendo com grande vivacidade nas redes sociais e soube escolher um secretariado integrando a questão política, referente aos apoios recebidos, com a parte técnica. Soube mapear as expertises dos seus auxiliares e colocou pessoas de alto nível, cada uma em seu devido lugar. Então, embora jovem, conseguiu mostrar uma experiência inaudita que foi a de escolher bem o seu pessoal, saber se comunicar e priorizar algumas ações. Quais seriam algumas dessas prioridades que ele acertou? As áreas que mais se destacaram foram habitação, infraestrutura e finanças. João Campos conseguiu controlar as finanças de tal sorte que seus investimentos fossem canalizados para aqueles programas que ele tinha percebido como os mais relevantes para sua gestão. A área de finanças, me pareceu muito bem controlada, bem gerida numa cidade complexa, estruturalmente difícil, com desigualdades sociais, inclusive numa época de dificuldades como a pandemia. Outras iniciativas relevantes são referentes à infraestrutura, habitação e lazer. Na Tamarineira, por exemplo, havia aquele hospital antigo, sem nenhuma utilização, em que se questionava se não deveria servir a outro propósito. O prefeito, com determinação, convenceu a sociedade de que aquilo poderia ser um equipamento social de muita utilidade, como está sendo agora com o parque. O secretariado foi importante para mostrar a situação da cidade do ponto de vista estético, mas também de inclusão social. O que as pesquisas vêm indicando sobre as disputas eleitorais nas principais cidades da Região Metropolitana e do interior do Estado? A disputa mais acirrada, com ligeira vantagem para o prefeito e com certas incógnitas de desdobramento é Caruaru. Lá, as pesquisas mostram um quadro de indefinição. Em Petrolina, me pareceu que a questão já está resolvida. Pode ser que haja mudança no percurso, mas Simão Durando, que é candidato à reeleição, é muito bem avaliado. Lá há uma oposição contundente mas, do ponto de vista das pesquisas, a distância numérica ainda está razoavelmente elevada entre a liderança de Simão e os outros candidatos. Em Olinda temos apenas três pesquisas, duas delas de antes das convenções, quando as candidaturas ainda não estavam definidas. A terceira, do Ipespe, mostra Mirella Almeida, a candidata do prefeito, na frente dos demais concorrentes, com Isabel Urquiza como vice-líder. De qualquer sorte, é preciso aguardar novos levantamentos para se ter uma ideia mais clara do quadro eleitoral na cidade. E em Jaboatão há um diferencial razoavelmente bom do prefeito Mano Medeiros em relação a Elias Gomes e Clarissa Tercio. Embora ela esteja aparecendo agora, com uma certa expressividade nos últimos levantamentos, o ambiente em Jaboatão também é de grande incógnita. Então, um mapeamento momentâneo dessas principais cidades mostra a reeleição do prefeito de Petrolina e que é preciso aguardar definição em Caruaru, Jaboatão e Olinda. O presidente Lula teve votação expressiva em Pernambuco. Ele ainda tem capacidade de influenciar o voto no Estado? Sim, porque Lula tem um histórico muito bonito do ponto de vista de uma pessoa simples, que se formou na vida e chegou a ser presidente pela terceira vez no País e é um líder inconteste. Mas, também, há uma corrente grande de antipetistas e antilulistas na sociedade. Então, muitas vezes, a influência se dá de forma menos acentuada, mas os candidatos, tanto das majoritárias, como das proporcionais procuram mostrar certa proximidade com Lula em função desse histórico, por ser um presidente da República, ser um líder. Mas ele recentemente está perpassando uma fase de dificuldades no trato da coisa pública. Há uma sensação de que as entregas que foram prometidas não estão sendo materializadas em consonância com o que se esperava. Isso cria um desalento, uma certa distância do eleitorado com ele. Tanto é que as pesquisas têm mostrado que a sociedade está muito dividida na sua aprovação e desaprovação. A que se deve essa divisão em torno da aprovação do Governo Lula? Isso se deve também ao colapso gradual do nosso modelo de representação e de governança. Há uma crise na democracia liberal em que foi se formando um fosso entre o representante e o representado. Isso torna o eleitor muito cético, desesperançoso com o que pode ser feito por ele, em particular, e pelas circunstâncias em que ele

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“A gente vai fazendo a diferença e o resultado foi essa nota 10”

Elma Moura, gestora da Escola Municipal Manoel Leandro Morais, única unidade pública de ensino de Pernambuco a alcançar 10 no Ideb, afirma que a estratégia de focar nos alunos com dificuldades de aprendizado, a participação da família na vida escolar dos estudantes e o apoio psicossocial levaram à conquista da nota máxima. S ituada na zona rural, no distrito Maravilha, a cerca de 36 quilômetros da sede do muni￾cípio de Custódia, no Sertão do Moxotó, a Escola Municipal Manoel Leandro Morais foi notícia na mídia, semanas atrás, em razão de um feito surpreendente: foi a única unidade pública de ensino de Pernambuco a conquistar nota 10 nos anos iniciais do fundamental no Ideb 2023 (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica). Somente outras 20 escolas públicas em todo o Brasil receberam a nota máxima desse que é o principal indicador de qualidade do ensino, criado pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), órgão do MEC (Ministério da Educação). Detalhe: todas as demais escolas também estão localizadas no Nordeste, nos Estados do Ceará e Alagoas. O indicador relaciona o desempenho dos estudantes em avaliações externas de larga escala com dados de fluxo escolar. Cláudia Santos conversou com Elma Moura, a gestora do colégio nota 10 de Custódia, para conhecer a estratégia de sucesso que fez a escola brilhar no Ideb. As diretrizes foram estabelecidas pelo governo municipal e têm como foco os alunos com dificuldade de aprendizado, o incentivo à participação da família na vida escolar do estudante e o apoio de uma equipe psicossocial aos problemas comportamentais da garotada apresentados em sala de aula. Os alunos também são incentivados com premiações, assim como os professores, já que os profissionais da escola de Custódia com melhor desempenho no Ideb recebem o décimo quarto salário. Elma também ressalta a continuidade dessa política pela gestão municipal, que não foi interrompida desde 2017. Reportagens veiculadas na mídia afirmam que um dos motivos do sucesso da Escola Municipal Manoel Leandro Morais no Ideb é o fato de vocês terem focado nas crianças que apresentam dificuldades de aprendizado. A senhora poderia detalhar como é feito esse processo? Realizamos planejamentos quinzenais com os professores, em que eles repassam para a coordenação pedagógica quais alunos apresentam um pouco mais de dificuldade. Temos vários profissionais de apoio à educação especial e, quando um deles está disponível, retira o aluno da sala de aula por um momento, sonda qual é sua dificuldade – se em matemática ou leitura, por exemplo – e faz com ele uma espécie de reforço escolar. Isto porque, aqui as famílias de baixa renda, às vezes, não têm condição de pagar o reforço em casa. Então, os professores também se desdobram fazendo atividades diferenciadas e orientamos a família a fazer essas atividades em casa para ajudar a criança. Que tipo de atividades diferenciadas são realizadas? A coordenadora pedagógica pesquisa várias atividades e questionários de acordo com os descritores que o aluno tem dificuldade e pede para que a criança realize essas atividades. Assim, as dificuldades encontradas vão sendo sanadas, pois o estudante vai se familiarizando com o assunto da disciplina. O município inteiro basicamente trabalha mais ou menos na mesma metodologia, no mesmo estilo, porque acompanhamos a Secretaria Municipal de Educação, que também nos dá todo suporte. Desde quando a escola utiliza essa metodologia de trabalho e como é o envolvimento dos professores? Houve resistência no início? Não houve resistência. Desde 2017, o prefeito Manuca de Zé do Povo (Emmanuel Fernandes de Freitas Gois) vem investindo nisso. Começou dando computadores para todos os professores e tablets para os alunos do integral. A Secretaria de Educação do município de Custódia tem um sistema próprio de avaliação. Ela é exclusiva da cidade e conta com uma empresa que dá consultoria a todos os supervisores e coordenadores. Eles realizam essas avaliações no início do semestre, seguem para o semestre seguinte sabendo em quais descritores os alunos mais tiveram dificuldade, e o planejamento é realizado em cima desses descritores. Para a escola do município com melhor desempenho no Ideb, a prefeitura concede o décimo quarto salário. Então todo professor abraçou a causa e disse, “vamos à luta, vamos ganhar”. Deu um entusiasmo muito grande aos professores, e eles não medem esforços. Estão sempre dispostos a ajudar, a montar projetos. Então, esse modelo de trabalho foi introduzido em 2017, quando as escolas do município de Custódia deram essa guinada e decidiram fazer diferente a educação. E esse trabalho vem dando certo. A Escola Manoel Leandro Morais, em 2018, foi destaque no Ideb. Em 2022, ela ganhou o prêmio destaque do Criança Alfabetizada (programa do Governo do Estado). A nossa escola vem se destacando e o que eu digo para nossos alunos e professores é que temos ainda um desafio bem maior, que é manter essa qualidade. Vocês também estimulam a família a participar da vida escolar do estudante. Como é feito esse incentivo à participação? A participação é justamente uma das peças desse processo. O diálogo entre as famílias é o carro-chefe da escola e de todo o município. Por isso, estamos sempre incentivando essa conversa e convidando a família a se fazer presente na escola. Quando identificamos a dificuldade do aluno, checamos também se os pais ou responsáveis têm uma estrutura para ajudar, pois, muitas vezes, não têm estudos e não conseguem auxiliar. Então, os alunos cujos responsáveis não podem, nós ajudamos aqui na escola. Já aqueles cujos responsáveis conseguem auxiliar, nós orientamos, damos suporte e indicamos as atividades a serem feitas em casa. Outra preocupação nossa é com a ausência dos estudantes na sala de aula. Nós nos esforçamos para não deixar o aluno faltar. Quando identificamos que determinada criança não está comparecendo às aulas, procuramos saber o motivo, realizamos uma busca ativa. A Secretaria de Educação tem uma iniciativa de busca ativa, mas nossa escola tem um projeto próprio nesse sentido, temos profissionais de monitoria e transportes escolares e hoje também temos um acesso muito grande pelo celular que a gente na mesma hora

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“A ocupação dos holandeses no Brasil gerou a profissionalização deles no tráfico de pessoas escravizadas”

Dirceu Marroquim, Historiador e curador da exposição “1654 – 370 Anos da Rendição dos Holandeses em Pernambuco: Reflexões Históricas e Contemporâneas” explica a mostra que está no Museu do Estado de Pernambuco que propõe um olhar a partir da atualidade para esse período da história que está no imaginário cotidiano do pernambucano. Quem for à exposição 1654 – 370 Anos da Rendição dos Holandeses em Pernambuco: Reflexões Históricas e Contemporâneas – que está no Museu do Estado de Pernambuco até o dia 6 de outubro – não deve esperar um simples mergulho no período das lutas contra os batavos. Mas uma interessante experiência sobre como esse passado permeia o cotidiano dos pernambucanos. Também conduz o visitante a refletir sobre diversos aspectos que levaram ao apagamento do protagonismo de negros e indígenas na memória sobre essa época, e sobre questões que povoam o imaginário da terra dos altos coqueiros: A Pátria nasceu após a Restauração? Se os holandeses permanecessem, Pernambuco estaria melhor? A reflexão é feita a partir da contraposição de um discurso hegemônico representado, em obras seculares, como as que mostram homens (em sua maioria brancos) nas lutas contra os invasores, e artistas contemporâneos como Nathê Ferreira, que traz um grande painel destacando uma mulher nega que mata um leão por dia, que tem o provocativo título: Qual é a sua batalha? Cláudia Santos conversou com o historiador Dirceu Marroquim, curador da exposição juntamente com Maria Eduarda Marques e Helena Severo. Ele explica como a mostra foi montada e resgata informações pouco conhecidas como culto a Iansã no final do Século 18 que era uma celebração feita por escravizados no Monte Guararapes e que se perpetuou em territórios da população afrodescendente. Como é que surgiu a ideia dessa exposição? Ela surge da tentativa de olhar para uma data: os 370 anos da rendição dos holandeses. É uma história que permeia o imaginário da nossa população. Não é estranho você ver turistas na rua do Bom Jesus, por exemplo, e as pessoas dizerem para eles: essa é uma rua que é do tempo dos holandeses. Você encontra muitos vestígios dessa história na nossa vida cotidiana. Só que a gente não olha muito sobre os desdobramentos dessa memória ou de como ela foi construída. A exposição nasce com a tentativa de problematizar como foram construídos os discursos nacionalistas ou que se pretenderam tentar dar unidade a essa memória. O nosso ponto de partida é entender que essa é uma problemática presente e não sobre o passado. Apesar de o título da exposição ser 1654, ela não é uma exposição sobre o Século 17, mas sobre 2024. A nossa linha do tempo é de frente para trás, começa em 2024. A proposta dessa exposição foi tentar lançar muito mais perguntas do que oferecer respostas prontas, para que as pessoas saiam da exposição se perguntando: que história é essa? Lançando assim a boa dúvida. Procurando olhar para essa história colocando em dúvida essas batalhas, essa memória católica, que cai num certo discurso hegemônico. A pergunta que permeia a exposição – Qual é a sua batalha? – serve um pouco para ilustrar o intuito dela. Como é a exposição? Ela está dividida em quatro módulos. O primeiro deles trata sobre Presença, é basicamente uma tentativa de olhar para esses 24 anos de ocupação, entre 1630 e 1654. Só que a gente faz isso lançando mão de objetos e de reproduções que não remontem ao Século 17, mas que sejam olhares contemporâneos sobre esse passado. Na entrada da exposição tem uma reprodução feita por Marcelo Andrade, estudante de arquitetura da Unicap, que criou uma página chamada Mauritsstad Digital que foi fruto do trabalho de conclusão de curso dele. Ele reproduziu em 3D a Cidade Maurícia. Então, conseguimos dar uma dimensão material a essa cidade que a gente vê numa representação tão chapada. Em seguida, temos um setor de cartografia no qual vemos a cidade evoluindo, o tecido urbano que vai crescendo e ao mesmo tempo vemos as permanências, como a Praça da Independência, a Rua de São José, cujos traçados permanecem. Estamos falando dessas idas e vindas. Nesse módulo, inclusive, tem um quadro que é do parceiro Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano, que retrata Maurício de Nassau e um homem escravizado atrás dele. Ao mesmo tempo, em frente a esse quadro, temos a obra do artista plástico contemporâneo James Duarte, cujo nome é Cimento Nassau, mas ele mostra um Nassau meio zumbi, com a mão putrefata. Trata-se de uma denúncia para mostrar que esse homem, a quem se atribui como ilustrado, quase um renascentista, representa a economia do açúcar que utilizava mão de obra escravizada. O segundo módulo é chamado Restauração, em que abordamos as guerras pela recuperação de Pernambuco que começam em 1645 e terminam em 1654. Só que a forma de abordar também tem as suas idas e vindas temporárias. De um lado, trazemos representações do Século 18 das batalhas dos Guararapes e das Tabocas. Temos uma representação feita por Victor Meirelles, que ficou pronta em 1879 e foi encomenda imperial, de certo modo uma ode ao gentil da terra, ou seja, à população local. Quem está à frente é o brasileiro Vidal de Negreiros. Por outro lado, temos a batalha da Nathê, artista plástica urbana extraordinária, que fez um painel intitulado: Qual é Sua Batalha? Ela morou nos Montes Guararapes, tem experiência grande no território. Na sua obra, a representação de uma batalha cheia de homens lutando desaparece. Ela mostra uma mulher negra lutando contra um leão. Então, seja no Século 17, seja hoje ou daqui a 100 anos, essa é uma imagem que constrói sentido e que aproxima o passado do presente. No centro desse módulo da Restauração há quatro totens que são os restauradores pernambucanos, a tetralogia: Henrique Dias, Felipe Camarão, André Vidal Negreiros e João Fernandes Vieira. Mas no centro, a gente procurou trazer uma espécie de memória de soldados. Conseguimos rastrear nas crônicas de guerra o nome dos terços que eram as tropas desses restauradores. Esses nomes

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Entrevista com Gisela Abad: “Continuamos sendo o Leão do Norte”

Designer lança livro em que analisa como um animal que não pertence à fauna brasileira tornou-se símbolo da identidade pernambucana, como nas revoluções deflagradas no Século 19. Ao longo do tempo, ele também passou a estampar estandartes de maracatus, escudo de time de futebol e até logomarcas. Quem nasce nesse lindo rincão/Do Norte brasileiro em geral/É hospitaleiro de coração/E tem na luta uma bravura sem igual/Eu sinto orgulho em ouvir/O coração no transporte/Repetir: Eu sou de Pernambuco/ Leão do Norte. O trecho do frevo de bloco Eu Sou de Pernambuco, de autoria do “velho Raul Moraes” demonstra toda a potência simbólica contida na imagem do Leão do Norte para refletir a identidade dos pernambucanos. Destaque-se a “bravura sem igual”, demonstrada nos vários movimentos revolucionários. Presente nos brasões do Estado e do Recife, no escudo do Sport, nos estandartes dos maracatus, nas criações do artesão Nuca, a figura do leão, no entanto, sofreu, ao longo dos anos, mudanças, desde que passou a estampar marcas e produtos. É o que constata a designer Gisela Abad no seu livro Um Leão na Paisagem, que será lançado no sábado (31). “É engraçado, quando o leão vira marca, parece que foi domesticado. É hilário, em algumas delas, ele parece um cãozinho”, constata a designer. Mesmo sendo “domesticado” ao figurar em embalagens de produtos ou logomarca de empresas, o Leão do Norte, segundo Gisela , permanece como representação da identidade pernambucana, denotando coragem e ousadia. “No campo político, o pernambucano continua se representando como o Leão do Norte. Como Estado, a gente ainda se coloca e diz mesmo: “Eu sou Leão do Norte!”, assegura a designer. Como surgiu a ideia de pesquisar a simbologia do Leão do Norte? Em 2004, a Fundação Gilberto Freyre digitalizou um acervo de marcas e rótulos registrados pela Junta Comercial de Pernambuco do ano de 1876 até 1926. A 2Abad (sua empresa de design) criou a imagem para esse projeto e foi quando eu tive contato com essas marcas fenomenais, que representam quase um marco inaugural do design pernambucano. Então, quando eu entrei no mestrado em 2008, me lembrei desse acervo e resolvi me debruçar sobre ele. Quando cataloguei, vi que a maior parte das marcas eram representadas por animais e, entre esses animais, em primeiro lugar sobressaía o elefante e, em segundo lugar, o Leão do Norte. Eu analisei as marcas registradas, mas ao pesquisar em jornais, é possível encontrar farmácias, tinturarias, vassouras, bolachas, vários comércios e produtos que utilizam a figura do Leão do Norte e que não foram registradas. E aí me perguntei por que tanta marca de Leão do Norte, se nem é um animal da fauna brasileira? E por que o pernambucano é conhecido como Leão do Norte? Bom, sabemos que, geograficamente Pernambuco fazia parte da região Norte e depois passou a ser Nordeste. A leitura também pode ser feita a partir do brasão de Duarte Coelho, mas outras províncias também tinham brasões e isso não as fez ser golfinho do Sudeste, por exemplo. Só o fato de estar no brasão de Duarte Coelho não é suficiente, é apenas um fator que começa no que eu chamo da paisagem semiótica. Então, que coisa tão forte é essa em termos de signo que passa a representar os pernambucanos ou Pernambuco e que salta para as marcas? E quando ela salta, como se comporta? Quando desenhamos os vetores do nosso Leão do Norte, percebemos que ele é insurreto, corajoso, bravio, ele não se curva. E esse brasão de Duarte Coelho já existia desde que ele veio de Portugal? Não. Ele só recebe o brasão em 1545, perto de falecer. Ele não era uma figura de nobreza, a mulher dele, dona Brites, era. Inclusive ela acabou se tornando nossa governadora porque ele voltou para Portugal e ela ficou aqui. Ela era um Leão do Norte, ficou sendo governadora por mui- to tempo com o brasão do leão. Também havia outros tipos de leão. Certamente, o leão de Judá tem um papel nessa identificação do pernambucano como Leão do Norte, mas não encontra- mos desenhos dele em lugar nenhum por causa da perseguição aos judeus. Também havia o brasão da família de Nassau, que é o da Casa de Orange, que tem três leões. Além desses, também tem o Leão Coroado, personagem da Revolução de 1817, que tinha uma careca redondinha – como uma coroa – mas não havia ilustração, quadro ou representação dele. Não existe sequer uma descrição física do Leão Coroado, só se sabe que ele tinha essa tonsura na cabeça. Existe também o leão de São Jerônimo que, no sincretismo com a África, é Xangô, um orixá muito forte. E São Jerônimo é aquele santo, reza a lenda, que, no século 3 depois de Cristo, tirou uma farpa da pata de um leão, que ficou domesticado. O leão também é bastante representado no Maracatu, não é? O Maracatu, na verdade, começa como nação, depois vira uma manifestação de grupo, de dança, de festa carnavalesca, e você encontra uma quantidade enorme de maracatus representados por leões: tem Leão Mimoso, Leão Formoso e o Maracatu Leão Coroado, que é um dos mais antigos. Algo curioso que descobri recentemente é que há muitas figuras de leões na região de Carpina pois, antes de ter este nome, entre as décadas de 30 e 40 do século passado, Carpina se chamava Floresta dos Leões. Por que o Leão do Norte virou rótulo? Como se deu esse processo dele enquanto marca? Fala-se muito da união dos brasileiros com portugueses, mas há alguns pontos históricos em que essa relação desanda e, no Século 19, foi bem grave, porque enfrentávamos um grande declínio econômico, já existia a separação entre Brasil e Portugal e não nos sentíamos confortáveis com os portugueses tomando conta do nosso mercado. Assim, a denominação de Leão do Norte era usada para o filho da terra ou para a própria terra, Pernambuco. Então, ao colocar o nome Leão do Norte numa padaria, o proprietário está dizendo: sou pernambucano, sou da terra.

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60 anos do Grupo JB: “Sempre fomos um grupo inquieto”

Grupo JB chega aos 60 anos e sua diretora executiva, Carolina Beltrão, conta a trajetória da empresa que começou com um pequeno engenho produtor de aguardente e hoje atua no mercado de etanol, açúcar, energia e CO2, tem cinco mil empregados e operações em Pernambuco e no Espírito Santo. Saber perceber as oportunidades do mercado para impulsionar os negócios tem sido uma estratégia de sucesso de muitas empresas. Ao completar 60 anos este mês, o Grupo JB foi uma das companhias do setor sucroenergético que direcionou os investimentos de acordo com as novas realidades que se apresentavam na economia brasileira e global. De um pequeno engenho que fabricava aguardente, a atuação do grupo expandiu-se para a produção de etanol, impulsionado pela política do Pro-Álcool dos anos 1980. Com a Crise do Apagão, no início dos anos 2000, os negócios expandem para a cogeração de energia elétrica a partir de biomassa de cana. Em seguida, as preocupações com as mudanças climáticas e a oportunidade de abastecer a indústria de alimentos e bebidas, levou o grupo a fornecer o dióxido de carbono puro grau alimentício, em vez de jogá-lo na atmosfera. Hoje o Grupo JB engloba três empresa: a Companhia Alcoolquímica Nacional, a Carbo Gás (ambas em Vitória de Santo Antão) e a Lasa Bioenergia (em Linhares, no Espírito Santo) e emprega cinco mil pessoas. Para saber mais sobre a trajetória da empresa nessas seis décadas, Cláudia Santos conversou com Carolina Beltrão, diretora executiva do Grupo JB. Ela também abordou alguns gargalos enfrentados pelo setor sucroenergético, como a infraestrutura dos portos e a escassez de mão de obra. Fale um pouco sobre a trajetória da empresa. Como ela começou? Começou em 1964, com meu avô. No último dia 16, comemoramos 60 anos. Começamos, como muitas usinas de Pernambuco começaram: um engenho pequenininho que fazia só aguardente. Um dos nossos primeiros clientes foi um o Engarrafamento Pitú porque nossa usina fica em Vitória de Santo Antão. Também vendíamos para outros engarrafamentos que havia por perto. Quando meu avô faleceu muito jovem, meu pai e meus tios tiveram que tomar conta do negócio. Eu sou a terceira geração, com cara de segunda geração, porque o grupo cresceu mesmo na mão do meu pai e dos meus tios. Em 1980, quando aconteceu o Pro-Álcool, enxergamos o tamanho da oportunidade que se abriu. Foi um boom no negócio, tanto que, em seis meses, construímos uma destilaria nova com recursos próprios. Consequentemente, entramos também pesado no comércio exterior, exportando e importando muito álcool. Trazíamos um tipo de álcool, reprocessava, mandava embora outro tipo. Fazíamos isso junto com outras usinas de Pernambuco e da Paraíba. Devido a essa movimentação com o comércio exterior, construímos, junto com esse grupo de usinas do Nordeste, um terminal de graneis líquidos na Paraíba que impulsionou nossas operações de importação e exportação de álcool. Mas hoje, graças a Deus, esse terminal tem tantos clientes que não é possível mais fazer esse movimento de exportação lá. Nessa época em que abrimos essa destilaria de álcool, com muita importação e exportação, conseguimos nos capitalizar bem. Sempre fomos um grupo inquieto, que não se acomodou e sempre de olho em possibilidades que pudessem levar a JB a um novo patamar. No início dos anos 2000, quando o Brasil enfrentou a Crise do Apagão, já gerávamos nossa própria energia, éramos autossuficientes. Então, montamos uma nova termoelétrica com biomassa, a primeira de Pernambuco, queimando o bagaço da cana para gerar energia. E, assim, surgiu outro negócio dentro do que já tínhamos. Em 1996, adquirimos a empresa Lasa Linhares Agroindustrial, no Espírito Santo, numa estratégia para garantir que tivéssemos produção de álcool durante o ano inteiro, já que as safras da região Nordeste e Sudeste acontecem em períodos distintos, sendo complementares. O passo seguinte foi uma nova ampliação das nossas atividades. Fizemos investimentos em aquisição de terras e processos agroindustriais para entrar na indústria alimentícia por meio da produção de açúcar a granel. Com o bagaço da cana, vocês geram energia para o consumo próprio e para o mercado? Nos anos 2000, conforme mencionei, instalamos a termoelétrica para consumir nossa própria energia e sobrar para colocar no mercado. Hoje, a gente vende muita energia diretamente para a Eletrobras, temos um contrato de alguns anos, por meio do Programa de Energias de Fontes Alternativas [Proinfa]. A operação é daqui de Pernambuco e tudo que sobra vai para o Proinfa, lá no Espírito Santo, no mercado livre. É importante ressaltar que, na crise energética de 2001, quando o governo brasileiro conscientizou a todos de que não poderíamos deixar nossa nação sem energia, surgiram várias fontes alternativas, e fizemos parte disso. Ajudamos o Brasil a passar por aquela confusão em que era preciso diminuir e controlar o uso de energia elétrica em casa e também nas empresas, muitas tiveram que desligar máquinas, parar a produção. Outra iniciativa importante foi a primeira fábrica de CO2, a Carbo Gás que instalamos em Pernambuco. O insumo, matéria-prima essencial em diversos segmentos fabris, é um subproduto dos processos das usinas, oriundo da fermentação do álcool. Vimos que, numa era de debate intenso sobre o aquecimento global, poderíamos reduzir significativamente nossas emissões diretas, reaproveitando o dióxido de carbono. Assim, ao invés de lançar esse gás na atmosfera, ele é vendido para as fábricas, como a Coca-Cola, que precisam de CO2 de grau alimentício, usado no refrigerante, na água com gás e na cerveja. Também abrimos uma fábrica desse gás no Espírito Santo. Assim, com uma usina em Pernambuco e uma destilaria no Espírito Santo, cujas safras são invertidas por causa das chuvas, é possível produzir o CO2 alimentício o ano todo. Como é a produção desse tipo de gás? Na produção do álcool, esse gás escapava para a atmosfera, hoje a gente capta, purifica, limpa, liquidifica e vende. Então é mais um tipo de negócio inserido na nossa empresa, é um lindo exemplo de economia circular. A gente planta e colhe todos os anos, e o CO2 que antes iria para a atmosfera é revertido para

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“Nossa proposta é aumentar em cerca de 9 mil hectares as áreas protegidas da Caatinga em Pernambuco”

Pedro Sena, Coordenador técnico do Cepan (Centro de Pesquisas Ambientais do Nordeste). fala sobre a iniciativa que vai criar seis novas unidades de conservação na Chapada do Araripe no Estado. A ideia é preservar até as áreas habitadas e capacitar moradores com atividades econômicas sustentáveis. Estudo realizado pela Fundação Holandesa IDH, com o apoio do Instituto WRI, identificou que há no mínimo meio milhão de hectares de Caatinga com potencial de restauração em três territórios: Sertão do Pajeú (PE), Cariri Ocidental (PB) e Sertão do Apodi (RN). Mas, de acordo com o Mapbiomas, apenas 9,1% está sob proteção de unidades de conservação. Diante da ameaça de desertificação do bioma frente às mudanças climáticas, várias instituições se unem para criar seis novas unidades de conservação (UCs) na Caatinga em Pernambuco. Isso representa mais nove mil hectares de áreas protegidas no bioma, e aumentaria de 28 para 34 o número de UCs existentes na região de Caatinga no Estado. Para tornar a proposta realidade, o Cepan (Centro de Pesquisas Ambientais do Nordeste), uma organização do terceiro setor, realiza uma série de estudos e conta com a parceria da Semas (Secretaria Estadual do Meio Ambiente e de Fernando de Noronha) da CPRH (Agência Estadual de Meio Ambiente), e com apoio do GEF Terrestre, gerido pelo Funbio (Fundo Brasileiro da Biodiversidade) e pelo Ministério do Meio Ambiente e da Mudança do Clima. Nesta entrevista concedida a Cláudia Santos, o coordenador Técnico do Cepan Pedro Sena detalha as ações para concretizar a instalação dessas unidades de conservação que incluem formas de conservar a Caatinga com presença dos moradores sertanejos que serão capacitados para exercerem atividades de gestão participativa dessas unidades. Para iniciar a nossa conversa, gostaria que você explicasse o que é o Cepan (Centro de Pesquisas Ambientais do Nordeste)? É uma instituição do terceiro setor especializada em soluções baseadas na natureza, no entendimento do capital natural e em políticas públicas. Criada há 24 anos, por um grupo de pesquisadores na UFPE, foi aumentando sua atuação até o momento em que desacoplou das pesquisas mas manteve essa raiz. Quanto às soluções baseadas na natureza, boa parte das ações do Cepan se concentra em restauração de florestas, plantio, recuperação de áreas degradadas e conservação. Hoje, atuamos no Brasil todo mas, basicamente, na Chapada do Araripe no Ceará, Pernambuco e Piauí. Temos muitos hectares de Mata Atlântica restaurados na Paraíba e de áreas indígenas no Espírito Santo. Também temos o projeto que abrange toda a região da Caatinga de Pernambuco, onde o que preservamos nesse bioma é adicionado à meta de conservação da Caatinga do Brasil. Em que consiste esse estudo sobre a restauração da Caatinga? Esse estudo não é de autoria do Cepan. É da fundação IDH junto com o Instituto WRI Brasil, que são parceiros nossos. Eles utilizam a metodologia Roam, idealizada pelo WRI, e o Cepan já a aplicou, em Pernambuco, em 2019. Nesse método, é feita uma avaliação multidisciplinar que envolve o mapeamento físico dos locais degradados, identificação de atores sociais, validação de números e diálogo com a sociedade em oficinas participativas. Então, visitam-se esses hectares avaliados como importantes para restauração, identificando formas de conservar e de restaurar, sobretudo, englobando as pessoas, pois a Caatinga é um sistema socioecológico, não há como desacoplar o ser humano desse bioma. Por isso, esse estudo promove a restauração ecológica: plantar árvores onde é necessário, colocando pessoas e animais nessa área a ser restaurada. Inclusive o bode, um animal que pode ser ruim para restauração do bioma, mas eles encontraram um jeito de incluí-lo. Além disso, usam-se sistemas agroflorestais que são meios de “ganhar dinheiro” com a floresta, deixando-a crescer de forma sustentável. A produção de mel é um exemplo. Hoje, há cerca de 10% da Caatinga no País protegida em unidades de conservação. Desses, apenas 2% são de proteção integral, uma categoria mais restritiva que garante que aquela floresta não vai ser derrubada, vai se manter ao longo da vida. Mas, essa porcentagem é muito pequena. Se essa situação se perpetuar, o que pode acontecer com o bioma? Se não aumentarem as áreas de conservação, não há como garantir a biodiversidade da Caatinga, que é única. Ela tem muitas espécies exclusivas, chamadas endêmicas, como certos tipos de peixes. Ou seja, há açudes, reservatórios de água, com peixes que só ocorrem na Caatinga. Se esses locais não forem protegidos, essas espécies podem se perder para sempre. Para além da biodiversidade, é preciso considerar também as pessoas. Se não conservarmos a Caatinga, que possui muitas áreas de serra, não teremos, por exemplo, a recarga hídrica, o reabastecimento dos lençóis freáticos tão importantes para quem vive na área e precisa de água. Além disso, há vários outros serviços ambientais, como o carbono que essas florestas retiram da atmosfera. Se essas áreas forem perdidas, haverá um débito nesse sentido. Assim, há muitas justificativas ecológicas e sociais para preservação desse bioma, inclusive a conexão psicológica e sentimental do povo sertanejo com a Caatinga. Por isso, ações de conservação são importantes. Nossa proposta é aumentar a conservação em cerca de nove mil hectares a mais de áreas protegidas da Caatinga em Pernambuco. E como essa proposta vem sendo colocada em prática? Quais instituições estão envolvidas? O Cepan é apenas o executor da proposta. Há outros atores: o Ministério do Meio Ambiente; a Semas (Secretaria de Meio Ambiente, Sustentabilidade e de Fernando de Noronha de Pernambuco); a CPRH (Agência Estadual de Meio Ambiente), que é o órgão que vai cuidar dessas áreas de conservação quando forem criadas; o Global Environment Facility, em português, Fundo Global para o Meio Ambiente, que envia recursos para o Fundo Brasileiro para a Biodiversidade que, por sua vez, repassa esses recursos para o terceiro setor. Essa é a cadeia de governança da nossa proposta, que começa pela etapa de divulgação e apresentação do projeto para a sociedade, tanto de forma ampla, quanto específica nas áreas que vamos criar. Nesta etapa, conversamos com as prefeituras e com as pessoas nos municípios em que as áreas estão localizadas. São

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“Percebemos que o vidro plano é um produto em expansão de uso”

Henrique Lisboa, presidente da Vivix, conta a trajetória da empresa que está completando 10 anos e que é a única brasileira a atuar no mercado de vidros planos ao lado de gigantes multinacionais. Também aborda como o surgimento do home office e o aumento da temperatura influenciam na criação de novos produtos. A conjuntura econômica, social e ambiental dos últimos anos acabou por impactar a arquitetura de residências e de imóveis comerciais. Seja em razão do aumento da temperatura, provocado pelas mudanças climáticas, do surgimento do home office, popularizado na pandemia, ou da poluição sonora das grandes cidades, construtoras e moradores viram-se diante de novas necessidades ao compor seus ambientes. A fabricante pernambucana de vidros planos Vivix tem transformado essas demandas em oportunidades para expandir os negócios, a partir de inovações como a fabricação de produtos com controle térmico e acústico. Entretanto, há uma década, a empresa foi fundada pelo centenário Grupo Cornelio Brennand já na perspectiva de que o setor vidreiro usufruía da vantagem de ter um mercado em expansão. Um investimento que o tempo comprovou ter sido uma decisão acertada. Com 340 funcionários diretos e uma produção diária de 900 toneladas de vidros planos, a Vivix está completando 10 anos com participação próxima a 15% do mercado. O que não é pouca coisa, afinal é a única empresa brasileira competindo com gigantes internacionais no setor. Para conhecer a trajetória, as inovações e os projetos da Vivix, Cláudia Santos conversou com o presidente da empresa Henrique Lisboa. Ele também abordou como os percalços da conjuntura econômica, a exemplo dos juros altos, têm influenciado os negócios. A Vivix pertence ao grupo centenário Cornélio Brennand. Qual foi a oportunidade de mercado que levou à criação da empresa? Desde 2008, o Grupo Cornélio Brennand, presente há 106 anos na indústria de cimento, cerâmica e vidro para embalagem, vinha avaliando entrar nesse negócio. Olhávamos esse mercado ao mesmo tempo em que possuímos jazidas de minérios, que são ativos presentes na matéria-prima do vidro. Percebemos que o vidro plano, na construção civil, é um produto em expansão de uso. Do ponto de vista arquitetônico, pode ser usado tanto internamente quanto externamente. Ele dá nobreza e, na forma de espelho, que é um subproduto do vidro, amplia os ambientes. Como esses ambientes das cidades grandes estão ficando cada vez menores, há essa necessidade de dar a sensação de amplitude. Além disso, está acontecendo uma evolução na parte de fachadas dos edifícios, no Brasil e no mundo, para economizar mais energia e proporcionar mais interação com o meio ambiente, e o vidro traz essa possibilidade, de você poder enxergar o lado de fora. Assim, naquele momento em que estávamos analisando as oportunidades de mercado, especialmente entre os anos de 2010 e 2014, existia uma carência de oferta desse produto no Brasil. Inclusive, comparado a outros países, o uso do vidro plano aqui está bem abaixo. O grupo, que ao longo do tempo, investiu bastante em empresas como as que têm tecnologia ou que sejam intensivas em capital, como a indústria de vidro, viu que era um bom investimento. Havia uma oportunidade no mercado de produzir e vender um produto que estava, e ainda está, em expansão de uso. Quando se olha desse ponto de vista, por essas características que mencionamos, percebe- -se que esse produto, a longo prazo, vai expandir seu uso no mundo. Obviamente, existem as variações da economia. Os anos de 2014 e 2015, de PIB negativo, foram muito ruins, e esses momentos vão afetando todas as indústrias, inclusive a de construção civil e a indústria de vidros planos também. Atualmente, somos o único fabricante nacional nesse mercado. A Vivix é uma empresa pernambucana competindo com grandes multinacionais. Temos relevância no setor, estamos perto de 15% no mercado. Somos respeitados pelos clientes, pelo mercado, pela concorrência, isso é algo que conquistamos ao longo desses 10 anos de trajetória. Nessa trajetória quais tipos de vidro que a empresa passou a produzir? Como foi a evolução da produção e do atendimento às demandas do mercado? Como a característica dessa indústria é um alto forno que fica produzindo 365 dias por ano, não poderíamos começar a operar a fábrica sem ter mercado. Então, um ano e meio antes da operação iniciar, começamos revendendo produtos importados e, dessa forma, quando a fábrica fosse ligada, já teríamos clientes para escoar a produção. E assim foi feito. Quando iniciamos a operação, já havia aproximadamente 70% da produção encaminhada. Então, substituímos a importação pela produção, começando a fabricar o vidro incolor, normal. Uma curiosidade: no início, não é recomendável produzir vidro colorido num forno muito novo. Por isso, depois de um ano, produzimos o verde, o cinza, fomos fabricando as cores que são mais vendidas no mercado nacional e dando sequência ao aumento de portfólio. Passamos, então, a produzir o espelho, que é uma transformação do vidro por meio do banho de prata, e o vidro laminado, que se vê muito em edifícios comerciais do chão ao teto, conhecido também como vidro de segurança, porque, se sofrer uma batida, ele fica marcado, mas não é traspassado, pois tem uma proteção. Então, entramos nessas linhas de produtos um pouco mais avançados e, em 2018, começamos a produzir os vidros de controle solar, que são esses meio espelhados, também comuns em prédios comerciais, com um acabamento que impede ou dificulta a entrada de calor proporcionando melhor sensação térmica e economia de energia. Um ano depois, começamos a produzir vidros pintados, usados como revestimentos especialmente em cozinhas. Então, todos esses tipos de vidro mencionados correspondem a mais ou menos 95% do que é vendido de portfólio no mercado. A empresa está lançando o vidro acústico. Quais as características dessa tendência? A gente vem observando o mercado como um todo, trabalhando muito próximo dos arquitetos e das construtoras e percebemos que é crescente essa questão de melhorar as barreiras acústicas, principalmente pensando em pessoas que moram muito próximas a avenidas, casas de show, aeroportos, por exemplo. Segundo o gerente de mercado da Vivix, Luiz

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“Osman Lins dava sangue, suor e lágrimas por uma boa frase”

Angela Lins, filha do escritor pernambucano, conhecido por sua prosa inovadora, fala das comemorações do centenário dele e também da sua obra, considerada como uma das formadoras da ficção contemporânea brasileira. Ela também conta como era a relação do pai com a família e as suas incursões no audiovisual. Embora Lisbela e o Prisioneiro seja a obra mais conhecida de Osman Lins pelo grande público – muito em razão do sucesso da versão para o cinema –, o escritor pernambucano tem uma vasta produção literária que conquistou admiração e prestígio por sua escrita arrojada e sofisticada. Ganhador de vários prêmios e traduzido em diversos idiomas, Osman Lins desenvolveu uma prosa inovadora que, para muitos críticos, contribuiu para conceber a ficção contemporânea no Brasil, ao lado de Guimarães Rosa e Clarice Lispector. Como toda arte que ousa, suas criações, muitas vezes foram incompreendidas, como o romance Avalovara. Mas o experimentalismo poético do livro levou o argentino Julio Cortázar a dizer que se o tivesse escrito passaria 20 anos sem produzir outra obra. Esse filho de Vitória de Santo Antão, que faleceu em 1978 em decorrência de um câncer, faria 100 anos no último dia 5 de julho. Seu centenário tem sido comemorado em várias cidades e instituições e pode ser uma oportunidade para tornar Osman Lins – que ainda é pouco lido em seu Estado natal – mais conhecido do público-leitor. Cláudia Santos conversou com a filha do escritor Angela Lins sobre as comemorações, a relação que ele mantinha com a família e os desafios para conquistar uma sede no Recife para o Instituto Osman Lins. Também analisou a produção literária do pai e as criações para o teatro e a TV, como os roteiros para os episódios do programa Caso Especial, da Rede Globo, nos anos 1970. Como estão as comemorações do centenário de Osman Lins? A professora e pesquisadora Elizabeth Hazin, que é uma estudiosa da obra dele, elaborou um programa bem minucioso e interessante para um edital, mas recebi uma notícia muito chata de que a proposta não foi aprovada, embora tenham sido aprovadas outras duas que não abordavam a literatura. Então, uma coisa que eu não entendo é como uma pessoa pode preterir uma boa literatura? E não falo isso porque ele é meu pai, mas porque Osman Lins era uma pessoa que fazia questão de escrever muito bem, dava sangue, suor e lágrimas por uma boa frase e sempre gostava de incentivar a leitura. Além desse projeto, cujo edital não foi aprovado, há outras iniciativas dentro das comemorações dos 100 anos de Osman Lins? O professor Robson Teles, da Unicap, fez um programa de leitura para os meninos de escola pública do ensino fundamental, utilizando os livros de papai e de outros autores nacionais. Eu achei isso uma maravilha, perfeito. Papai ficaria feliz com essa iniciativa. Ainda dentro da celebração do centenário, o professor Robson promoveu um evento na Unicap. Também teve uma homenagem na Academia Pernambucana de Letras e outra na Academia de Letras de Paulista. Agora, no segundo semestre, terá uma programação em São Paulo e outra em Santa Catarina. Em Vitória de Santo Antão, onde ele nasceu, a prefeitura realizou um evento muito bom, muito emocionante, que eu gostei muito. O prefeito de Vitória, Paulo Roberto Arruda, que é o dono da Faculdade Osman Costa Lins, esteve em Dresden, na Alemanha, e recebeu um tratamento diferenciado quando descobriram que ele era da mesma terra de papai. Ele ficou tão grato que colocou o nome de papai na faculdade. E, em Vitória de Santo Antão, vai ter um instituto dedicado a ele. E como está o Instituto Cultural Osman Lins no Recife? O instituto não tem sede, só tem uma caixa postal no bairro de Casa Forte, que é um espaço coletivo. A gente aluga esse espaço e faz eventos lá, mas não é um local dedicado exclusivamente a Osman Lins. Há muitos documentos de papai, muita coisa do arquivo dele no IEB (Instituto de Estudos Brasileiros) lá da USP (Universidade de São Paulo) e na Fundação Casa de Rui Barbosa, no Rio de Janeiro. São mais de 5 mil itens. No Recife existe um acervo, mas está aqui no meu apartamento, não no instituto. Quais são as demandas do instituto? Precisamos de uma sede, mas não temos dinheiro. Com uma sede própria, poderíamos fazer oficinas, um teatro, alguma coisa que movimente a cidade, que reúna as pessoas, que cultive as letras. Mas, para conseguir uma sede é complicado. A gente poderia arranjar em regime de comodato. Mas eu já ouvi muitas promessas e, é como diz aquele ditado, “promessa só santo é quem atende”. Se eu fosse viver das promessas, estaria no melhor dos mundos. Já falei com alguns políticos. É chato dizer isso, não é? Agora, falando mais da personalidade dele, como era Osman Lins como pai? Era um pai maravilhoso porque tinha sensibilidade. Antes de falarmos, ele já percebia o que estávamos pretendendo. No começo ele era muito metódico, quando éramos crianças, fez uma lista determinando horários para a gente acordar, ir à escola, fazer tarefa, tomar banho, almoçar, brincar. Aí a gente fez uma rebelião e ele desistiu (risos). E ele também nos levava, todo fim de semana, para assistir a uma peça de teatro. O Recife já foi muito melhor nesse aspecto. Então, ele nos levava para o Teatro Santa Isabel, para o Trianon, o Moderno ou o Art Palácio e depois íamos para a sorveteria Gemba. Esse ritual se repetia porque ele passava a semana trabalhando, escrevendo, indo para o Banco do Brasil e o fim de semana era nosso. Além do teatro, ele nos levava para todos os programas diferentes que surgiam. A gente já visitou navios atracados no porto, fazíamos passeios de canoinha pelo rio, da Jaqueira até Dois Irmãos, para ver o pôr do sol. Ele também era muito compreensivo. Minhas duas irmãs mais velhas iam para a escola e eu ficava chorando porque queria aprender a ler, então ele me colocou para estudar

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Sérgio Vilanova: “Eu sei pintar alegria porque escutei muito frevo”

Artista plástico Sérgio Vilanova conta como a paixão por Olinda o inspirou a criar um universo fantástico povoado por figuras alegres e cheias de cor. Também fala dos planos de fazer um livro e de como acompanhar a banda de seu pai – o maestro José Alves – no Carnaval olindense influenciou a sua arte. Estar no ateliê/casa do artista plástico Sérgio Vilanova é sentir a atmosfera de Olinda. A começar pelo próprio imóvel, uma construção secular, na cor vinho, típica da Cidade Alta. Ao entrar na sala, o visitante logo recebe o impacto de seus diversos quadros (que tomam as paredes), cheios de cores, movimentos e ludicidade. É como se as figuras alegres e coloridas no estilo naïf estivessem num ambiente carnavalesco sob a vibração do som de uma orquestra de frevo. “Gilberto Gil disse ‘a Bahia me deu régua e compasso’, e eu acho que Olinda me deu as cores”, compara o artista. E não é para menos. Afinal, Sérgio, desde criança, quando morava na mesma casa da Rua do Amparo, não só observava pela janela a brincadeira dos foliões, como também acompanhava seu pai, o maestro José Alves, comandando uma banda de frevo, pelas ladeiras arrastando a multidão. Ele também exercia uma função importante: desenhava as partituras. Mas, se não seguiu a carreira paterna de músico, a vivência carnavalesca acabou por influenciar a inspiração da sua obra com imagens que esbanjam animação e festividade. Nesta entrevista a Cláudia Santos, o artista falou da sua trajetória que tomou impulso ao ser premiado no Salão de Arte do Museu do Estado. Ele participou de diversas exposições individuais e coletivas no Brasil e no exterior, como Laumeier Sculpture Park, em Saint Louis, nos Estados Unidos; Het Domein, Holanda; Cassino do Estoril, Portugal; e Museu Internacional de Art Naïf do Brasil. Apesar de viver da sua arte, Sérgio Vilanova lamentou as dificuldades para concretizar o projeto de realizar um livro sobre sua produção artística. Também conversou sobre seu processo criativo e a convivência com outros artistas em Olinda. Como você começou a se interessar pelas artes plásticas? Meu pai era músico no início dos anos 1970, e tinha uma orquestra de frevo. Isso foi, para mim, uma verdadeira escola de arte. Na música, eu fazia de tudo. Escrevi muitas partituras – eu que desenhava as partituras da banda, porque não tinha xerox – já veio daí o talento para desenhar. A banda, essa coisa gostosa do Carnaval, está entranhada na minha pintura e eu acho isso maravilhoso. Uma vez um amigo do meu pai disse para ele: “olha, Zé Alves, seu filho não vai ser teu sucessor na música, não”. Passou um tempo, meu pai comprou para mim uma paleta de cores e me perguntou: “é isso que você gosta?” E respondi que sim, e ele disse: “então, toma e segue”. Foi o maior presente para mim. E como foi sua trajetória? Você sempre viveu da arte? Depois que meu pai fechou a banda, em 1977, tentei fazer outras coisas para sobreviver. Trabalhei numa gráfica, cheguei a fazer a parte gráfica para agências de publicidade, mas não era minha praia. Minha praia mesmo era o desenho. A arte sempre foi a minha razão de ser. Quando tinha tempo livre, fazia uns rascunhos, e as pessoas gostavam, então, criei coragem e, em 1982, quando ainda havia salões de arte do Museu do Estado, coloquei uma pintura minha e fui premiado. Então decidi deixar a gráfica e virar artista. Aí eu fui caminhando, criando e, graças a Deus, fazendo exposições. Tenho trabalhos na Itália, na Holanda, em museus na América. Apareci em muitas matérias de jornal e programas de TV, por exemplo, Globo, Discovery, BBC. Hoje eu consigo viver da minha arte. Minha casa fica em Olinda, tem três andares, moro no segundo e no primeiro, exponho meu trabalho. Não sou um cara de tanto luxo, mas consigo me manter porque não estou fazendo clientes, estou fazendo amigos. E isso é melhor, pois um amigo te ajuda, se estou com um quadro exposto em casa, ele vai querer. Eu não perdi a essência do que eu sou. Tereza Costa Rego me dizia: “quando eu te conheci você estava amadurecendo e hoje você não perdeu sua essência”. Então é basicamente Olinda que inspira a sua arte? Olinda é meu referencial até hoje. Essa cidade me conquistou desde o dia que eu nasci. Gilberto Gil disse “a Bahia me deu régua e compasso”, e eu acho que Olinda me deu as cores. Estou sempre buscando algo novo dentro da natureza de Olinda, sempre buscando algo que remeta ao Carnaval. Desde quando acompanhava meu pai na banda, eu via passistas, a La Ursa, os Papangus e isso me dava um giro de cores. Quando estou triste eu saio, vejo uma mulher com roupas coloridas, eu digo “isso é a cor que eu quero”, volto para casa correndo e pinto. Sua pintura tem movimento, ludicidade e muitas cores vivas também. É um combo de cores e, justamente por isso, eu não sei pintar triste, eu não sei pintar deprimido. Uma vez Marianne Peretti (artista plástica vitralista, falecida em 2022 e que morou em Olinda) trouxe Oscar Niemayer aqui. Ele olhou, olhou, olhou e disse: “rapaz, gostei muito do seu trabalho, você é o poeta das cores”. Fiquei emocionado, só tinha visto o homem num livro de escola. E realmente é um colorido que eu busco no dia a dia da cidade, do cotidiano, das coisas simples, dos quintais com os pássaros, da simplicidade da Macuca, da felicidade dos moradores. Eu sei pintar alegria porque escutei muito frevo, vi muita gente se divertindo, com fantasias na cabeça feitas de papel machê, e isso me alegrava. É essa coisa que eu observo dentro do meu olhar. E você sempre foi autodidata? Nunca frequentou um curso de artes plásticas? Não. Mas não podemos afirmar que, em Olinda, a pessoa é autodidata, porque aqui há muitos artistas que nos ensinam um monte de coisa. De fato, você está em Olinda

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“O aumento do número de recuperações judiciais deve-se à ressaca da pandemia”

João Rogério Filho, Economista e sócio-diretor da PPK Consultoria, analisa como a crise instaurada no período pandêmico gerou déficits em várias empresas que não conseguem gerar recursos suficientes para pagar seus credores. Também aborda a influência das altas taxas de juros nesse processo. Há pouco mais de um ano, notícias de empresas que entra￾ram em processo de recuperação judicial têm estampado as manchetes na mídia. Os casos que mais causam perplexidade são os de grandes redes de varejo como Americanas, Polishop e, mais recentemente, a Casa do Pão de Queijo. Segundo dados da Serasa Experian, o número de recuperações judiciais registrou alta de 68,7% em 2023 comparado com 2022 e, nos primeiros quatro meses deste ano, cresceu 80% em relação ao mesmo período do ano passado. Para João Rogério Filho, economista e sócio-diretor da PPK Consultoria, os estragos provocados no período pandêmicos são a principal causa dessa desestruturação financeira das companhias. “Estamos vivendo uma ressaca na qual empresas precisam gerar recursos suficientes para se manter em atividade e para bancar os déficits criados na pandemia”, explica. Nesta entrevista a Cláudia Santos, o economista aborda, ainda, a influência da conjuntura econômica do País, como as altas taxas de juros. João Rogério também explica, de forma didática, como se dá o processo de recuperação judicial e de que forma esse instrumento auxilia as empresas a pagarem seus credores num ritmo suportável e, ao mesmo tempo, garantir a continuidade da sua operação. O que é a recuperação judicial e qual é a diferença entre esse processo e a falência? Na história da civilização ocidental, identificamos que, a partir da Idade Média, o estado sempre teve um papel regulador nos processos falimentares. O chamado direito falimentar é um grande guarda-chuva que abarcava a concordata, em vigor no Brasil até 2005, hoje substituída pela recuperação judicial. Então, estão sob o guarda-chuva do direito falimentar, recuperação judicial e falência que são dois institutos distintos. A recuperação judicial é uma proteção do estado, uma regulação que ele faz para evitar uma busca desenfreada dos credores por seus créditos, permitindo à empresa garantir a continuidade de sua operação, ao mesmo tempo em que pagará seus credores em um ritmo suportável, a partir de sua geração de caixa. Recuperação judicial não é a falência. Uma empresa pode ir direto à falência ou passar por uma recuperação judicial e se recuperar, como na maior parte das vezes. Mas também pode não conseguir se recuperar e aí é que se torna uma falência. Como é realizado o processo de recuperação judicial sob supervisão da justiça? A Lei de Recuperação Judicial Brasileira (de nº 11.101, de 2005) é bastante moderna em relação ao restante do arcabouço dos códigos das leis do Brasil. Com inspiração no direito norte-americano, o instituto da recuperação judicial é extremamente prático. Ele privilegia a participação dos credores num processo decisório em que o juiz passa a ter um papel de supervisor. Como o processo envolve muitas questões contábeis, financeiras e não existe expertise, o juiz nomeia um profissional, chamado administrador judicial. É como se fosse um perito. Após a preparação da documentação necessária conforme a lei, o processo é ajuizado e, a partir do deferimento, iniciam-se os prazos de formalidades a serem cumpridas, como o relatório mensal de atividade que a empresa é obrigada a apresentar ao administrador judicial e a lista de credores. Na assembleia geral com os credores é apresentado o plano de recuperação judicial. Em seguida, passa-se para fase de cumprimento desse plano e, a partir de dois anos, a empresa está apta a pedir o encerramento de seu processo de recuperação judicial. Que tipos de empresa podem pedir a recuperação judicial? Existem os aspectos de exclusão. Por isso, a resposta é indireta: quem não pode pedir recuperação judicial são instituições financeiras, cooperativas de crédito, cooperativas de qualquer natureza, empresas com menos de dois anos de funcionamento ou que tenham se beneficiado da lei há menos de cinco anos. Excluídas essas hipóteses, qualquer empresa regularmente registrada e, a partir de 2020, qualquer produtor rural – que embora não seja uma empresa, tem a equivalência a uma empresa – pode pedir. Outra novidade é que, de alguns anos para cá, os clubes de futebol e as associações civis também podem pedir recuperação judicial. Como o senhor avalia a qualidade de um programa de recuperação? Em entrevista recente, um especialista em governança, risco e compliance disse que, em geral, muitos planos que são apresentados pelas empresas aos credores se resumem em ações de corte de custo e à proposição de estratégia de alongamento do pagamento. Raramente são apresentadas estratégias de transformação empresarial, de incremento de vendas, de eficiência tecnológica. O senhor concorda com essa análise? Eu não concordo, porque, anexo ao plano de recuperação judicial, obrigatoriamente, junta-se um laudo econômico-financeiro. No plano de recuperação judicial, normalmente você não encontra um capítulo para aumento de vendas mas você vai encontrar, nas projeções econômicas e financeiras, a razão de crescimento das vendas que a empresa está projetando. Com relação à governança, todos os planos que nós elaboramos na PPK Consultoria, por exemplo, preveem uma mudança de governança. Então eu não concordo com a afirmação de uma extrema superficialidade do plano. Ao mesmo tempo, alerto que, a depender do segmento de atuação da companhia, existem determinados segredos industriais que precisam ser preservados para a própria manutenção dela. Por exemplo, não me soa razoável que determinada empresa de alimentos lácteos precise tornar pública sua estratégia para aumento de venda de iogurte. Eu não acredito que esteja no melhor interesse da empresa fazer a abertura de suas estratégias mais sensíveis. De acordo com dados da Serasa Experian, o número de recuperações judiciais registrou alta de 68,7% em 2023 comparado com 2022 e, nos primeiros quatro meses deste ano, esse número cresceu 80% em relação ao mesmo período do ano passado. Que motivos o senhor enxerga nessa elevação? O aumento do número de recuperações judiciais deve-se à ressaca da pandemia. O que aconteceu na pandemia foi que todo o mercado financeiro se

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