Da lama e do caos: a sustentabilidade que vem dos manguezais
Com grande capacidade de armazenar e capturar carbono, berçário de muitas espécies e sustento de várias famílias, manguezais sofrem com o processo desordenado de urbanização. Mas surgem iniciativas para sua preservação. *Por Rafael Dantas Os manguezais vistos por Chico Science nos anos 90 seguem sendo o abrigo de uma rica fauna e flora, mas dividindo cada vez mais espaço com lixo, resíduos industriais e com o avanço dos extremos da cidade. A lama, os caranguejos e os homens anfíbios interagem no cenário do mangue. O ecossistema se mostrou, pelos estudos acadêmicos de pesquisadores brasileiros e americanos, fundamental para o armazenamento de carbono. Um “caos” para os olhos humanos, mas fundamental para o equilíbrio ambiental e social. Um estudo publicado pela revista científica Biology Letters, realizado em parceria por pesquisadores da Universidade Estadual do Oregon, Universidade Federal do Espírito Santo e da Universidade de São Paulo, revelou que um hectare de mangue no Nordeste armazena oito vezes mais carbono que a mesma área de caatinga. Na Amazônia, o ecossistema consegue dobrar a contribuição dada pelas florestas. Mas esse não é o único benefício oferecido pelos manguezais. O seu papel para o equilíbrio climático é muito significativo, segundo Mauro de Melo, que é professor da UFRPE (Universidade Federal Rural de Pernambuco) e pesquisador associado ao projeto Recife Cidade Parque. “Os manguezais são um dos maiores sequestradores de carbono do planeta. Os cientistas chamam essa característica de carbono azul. Essa capacidade de sequestrar carbono é crucial no contexto das mudanças climáticas, pois contribui para a mitigação do aquecimento global. A proteção e restauração desses ecossistemas são essenciais para manter essa função ecológica, ajudando a reduzir a concentração de CO₂ na atmosfera”. Além dessa contribuição no sequestro e estoque de carbono, o pesquisador Clemente Coelho Junior, do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade de Pernambuco, destaca entre os benefícios ofertados pelos manguezais a manutenção da biodiversidade marinha e costeira, a retenção de sedimentos e a proteção da linha de costa, por exemplo. “O manguezal é reconhecido por ser o berçário do oceano. Estima-se que cerca de 70% das espécies de organismos costeiros utilizam pelo menos uma fase da sua vida nesse ecossistema. São espécies de importância econômica que geram emprego, renda e garantem a segurança alimentar das comunidades tradicionais. As suas árvores têm grande capacidade de reter poluentes e absorver nutrientes oriundos de esgotos domésticos. Nas grandes cidades litorâneas, esse papel se destaca, dado o baixo índice de tratamentos de efluentes”, explicou o professor. No emaranhado de raízes e troncos, o professor conta que o ecossistema retém partículas trazidas pelas marés, evitando o assoreamento dos estuários e diminuindo a turbidez das águas que chegam no oceano. O docente destaca que o mangue atua como uma armadilha para resíduos lançados nos rios, como plástico, isopor e outros, que ficam aprisionados entre as raízes. Além disso, a própria vegetação diminui a energia das marés e serve como atenuadora do seu efeito erosivo. Um benefício e tanto, especialmente para o Recife, que é considerada a capital mais vulnerável à elevação do nível do mar. O SUSTENTO QUE VEM DO MANGUEZAL Em Pernambuco, os manguezais abrangem uma área de 17 mil hectares, aproximadamente 0,2% do território do Estado, segundo o Atlas dos Manguezais do Brasil (2018). A presença do ecossistema se espalha em regiões como na Reserva Extrativista Acaú-Goiana (na divisa com a Paraíba), nas ilhas de Itamaracá e de Itapessoca e em Maria Farinha. No Recife, os manguezais estendem-se pelos rios Capibaribe, Jordão, Pina, Beberibe e Tejipió. A publicação destaca ainda a bacia do rio Sirinhaém, com estuário com manguezais bem preservados. “Esse trecho do litoral de Pernambuco ainda guarda a prática da pesca artesanal em diversas comunidades localizadas às margens dos rios que convergem para o Atlântico”. Acerca da capital pernambucana, o Atlas afirma que a “história da ocupação da cidade do Recife é a história dos mocambos, escrita pela população pobre que só tem alternativa de moradia se invadir áreas naturais, tais como os manguezais”. Um cenário narrado décadas atrás por Josué de Castro. Apesar dos moradores e visitantes da cidade ainda visualizarem grandes manguezais, os aterros sucessivos, canalizações e a modificação dos cursos d’água para deixá-los retos no século passado foram responsáveis pelo desaparecimento de boa parte desse ecossistema. Além dos benefícios ambientais, é das lamas e do caos desse ecossistema que muitos pernambucanos tiram seu sustento e alimentam a rede gastronômica do Estado. Claudilene Gouveia, conhecida como Irmã Dal, 62 anos, passou mais de meio século entre as águas dos manguezais pernambucanos. Moradora de Barra de Sirinhaém, no litoral sul, ela aprendeu o ofício com a mãe, que era marisqueira. Hoje, já aposentada de outras atividades profissionais, ela segue indo para a pesca, onde tira a renda complementar da casa. Por causa da quantidade elevada de pescadores, marisqueiros e de outros trabalhadores do mangue na Barra de Sirinhaém, ela costuma alugar um carro para se deslocar até Paulista para procurar aratus. Um trabalho que ela faz de duas a três vezes por semana. “Gosto muito de trabalhar no mangue. Isso ajuda na minha renda financeira, toda semana tenho meu trocadinho na mão. Eu coleto, cozinho, quebro e entrego aratu para a revenda em feiras e praias”. Enquanto retira do mangue um complemento de renda, a Irmã Dal olha com preocupação o aumento dos resíduos e do esgoto derramado nas águas já escuras que compõem a paisagem desse quase invisível ecossistema. “Não desmatamos nada, nem deixamos o mangue quebrado. Mas a destruição dele, principalmente em Paulista, é horrível. É uma lixaria e um fedor, que ninguém consegue andar em algumas partes. Está muito perto das casas mais humildes da cidade também”, lamenta Claudilene. AS AMEAÇAS AOS MANGUEZAIS O depósito de esgotos urbanos e industriais e o avanço desordenado da cidade em direção aos manguezais, dois fenômenos observados pela marisqueira, estão entre os maiores vilões contra a preservação do ecossistema. Porém, eles não são os únicos. O próprio desmatamento e a pesca ilegal estão entre as ameaças. “Manguezais próximos a cidades sofrem pressões diversas,
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