Arquivos Leonardo Dantas Silva - Página 3 de 7 - Revista Algomais - a revista de Pernambuco

Leonardo Dantas Silva

Afogados e seus porquês...

No Recife, a denominação da primitiva povoação dos Afogados é originária do Rio dos Afogados, afluente do Capibaribe, aonde, em 17 de fevereiro de 1531, sete marinheiros da expedição de Martin Afonso de Souza vieram a perecer em suas águas. O Rio dos Afogados, assim como outros afluentes do Capibaribe e do Beberibe, já aparece com a sua designação no Diário de Navegação de Pero Lopes de Souza (1532), e em mapa existente no Roteiro de todos os sinais etc., de Luís Teixeira (c. 1582-85), no qual, pela primeira vez, é assinalada, num documento cartográfico, essa primitiva povoação do Recife, distante uma légua da Vila de Olinda e de seus arredores. Cruzando a Ponte do Motocolombó, ingressamos em terras dos Afogados que ostenta, em sua praça central, um formidável cruzeiro esculpido em pedra, originário do Século 17, que fora ali fixado em 25 de novembro de 1868. O belo monumento, firmado em bonita peanha (pequeno pedestal onde se colocam imagem, estátua, cruz, busto etc.), foi transportado em procissão de penitência do primitivo Engenho Jiquiá (Século 16) para o Largo da Paz, quando das Santas Missões pregadas pelo capuchinho italiano Fidélis de Fognano. A praça é dominada pela Matriz de Nossa Senhora da Paz, originária de capela já existente em 1745. No ano de 1837, foi elevada à dignidade de matriz pela Lei Provincial nº 38, com o território de sua paróquia estendendo-se por toda a várzea do Capibaribe. A igreja passou por grandes obras em 1857, que conservaram sua estrutura primitiva bem como as imagens e alfaias, todas originárias do Século 18. No entanto, reformas realizadas em 1920 fizeram desaparecer todo o brilho do templo antigo que, em época recente, sofreu com o desabamento de sua nave central, restando de primitivo apenas seu austero frontispício. O termo dos Afogados só veio a ser incorporado ao Recife em dezembro de 1817, desmembrado de Olinda. De lá tinha início a estrada de rodagem para Vitória, inaugurada em 1836, com regular serviço de passageiros; daí a origem da Rua da Diligência, um pequeno beco existente à esquerda de quem cruza a ponte vindo da Rua Imperial. Até há pouco restava, em Afogados, na descida da ponte, o último dos nichos que outrora existiam nas ruas do Recife. Esse pequenino monumento, hoje transferido para o Largo da Paz, em frente ao cruzeiro, teve sua presença registrada pelo reverendo metodista Daniel Parrish Kidder, que aqui esteve em 1836: “Na extremidade oriental da ponte erguia-se o que Mr. Southey (referência ao historiador Robert Southey) chamaria de uma casa de ídolo. Suas dimensões não excediam a seis pés por quatro. Pela janela ou porta, quando aberta, o transeunte podia ver que continha uma pequena imagem, ricamente ornada, sobre um altar”. O bairro dos Afogados está ligado ao Centro do Recife pela Avenida Sul, com 2.500 metros, e pela Rua Imperial, com 2.300 metros, esta originária do “dique” construído ao tempo do conde João Maurício de Nassau (1637-1644) que servia de acesso ao forte holandês Príncipe Guilherme ali existente em área hoje ocupada pela antiga fábrica de Alimonda & Irmãos.

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Curiosidades da estátua do David de Michelangelo

Diz a lenda que Michelangelo Buonarronti (1475-1564), ao concluir a escultura do Moysés, hoje na igreja de São Pedro Advíncola, em Roma, batendo com um cinzel na testa de sua escultura exclamou: “Parla!” A mesma cena poderia ter se repetindo em 8 de setembro de 1504, quando da conclusão da mais famosa estátua do mundo: O David de Florença. Com seus 515 centímetros de altura e 200 centímetros de base, da qual o Instituto Ricardo Brennand possui uma réplica nos seus jardins, trata-se da mais famosa escultura daquele artista renascentista, feita sob encomenda para a cidade de Florença (Itália), retratando com todo realismo anatômico o herói bíblico minutos antes de enfrentar o gigante Golias (Samuel, 17.1). A obra original permaneceu em frente ao Palazzo Vecchio, na Piazza della Signoria, até o ano de 1873, quando veio a ser transferida para a Galleria dell’Accademia em Florença, onde pode ser admirada. A réplica do David de Michelangelo existente nos jardins do Instituto Ricardo Brennand (Recife) é obra dos estatuário Cervietti Franco & Cia., de Pietrasanta, cidade localizada na Toscana, nas proximidades de Carrara, aqui instalado no mês de janeiro de 2011. Recentemente a imprensa noticiou que a Universidade de Florença moldou a estátua original e a montou em uma Exposição nos Emirados Árabes, em Dubai. Os italianos, ao lado de um grupo sueco, usaram uma impressora 3D para imprimir a estátua. Pelo enorme tamanho, a peça foi dividida em 14 partes para ser montada em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, onde acontece uma grande exposição mundial até março de 2022. Confessa no site da Revista IstoÉ, a jornalista Keka Consiglio, artista plástica, jornalista e empresária do setor de comunicação, que “cerca de 25 milhões de pessoas poderão ver naquela exposição a réplica, feita com tecnologia de impressão 3D, usando o conceito de Digital Twins (gêmeo virtual idêntico ao original). Michelangelo demorou três anos de trabalho ininterrupto para esculpir David a partir do zero e, mesmo com a mais moderna tecnologia, a versão digital precisou de 120 dias para ser produzida mesmo tendo disponível o original para cópia. Realmente, impressionante”. Estudos recentes vêm algumas singularidades na escultura original do David de Michelangelo: Até os dias de hoje é difícil imaginar a ginástica necessária para transformar aquele enorme bloco maciço de mármore, em uma das esculturas mais belas do mundo. O David está nu e segura uma tipoia sobre o ombro esquerdo e uma pedra na mão direita. Seu olhar transmite emoção, sua pose é imponente e suas mãos parecem que acabaram de se movimentar. Está apoiado na perna direita, tem a perna esquerda levemente dobrada e sua mão direita acompanha seu corpo, ao cair na altura da coxa. Sua mão esquerda mostra um movimento e seu rosto é pensativo e enigmático, parecendo desafiar o adversário. Toda a anatomia de David exprime tensão e apreensão, mas também ousadia. Suas veias chamam a atenção por estarem dilatadas, sua testa está franzida e o olhar é agressivo e sereno simultaneamente. Os estudos continuam e hoje apresentam observações originárias das mais diversas fontes: Canhoto ou destro - A escultura sugere que David é canhoto, porque segura um estilingue com essa mão, mas seu corpo demonstra que ele é destro. Esse é um enigma talvez causado pelas limitações da peça de mármore antes de ser esculpida. Olhar defeituoso – Durantes séculos, quase ninguém percebeu a sutileza do olhar de David. Foram os especialistas da Universidade de Stanford que conseguiram mostrar com a ajuda de computadores que o olho esquerdo de David enxerga para a frente enquanto o olho direito está focado em algum ponto distante. Definitivamente, os americanos não entenderam que é justamente esse movimento que faz com que o olhar da escultura seja um dos mais enigmáticos e interessantes da história da arte. Além disso, dizem que o olhar propositalmente estava direcionado para Roma, longe dos conflitos políticos da época e que envolviam os Médicis (família que por séculos dominou a Cidade de Florença). Todas essas observações poderão ser por nós comprovadas numa visita ao Instituto Ricardo Brennand (Recife), onde nos aguarda a réplica em mármore de Carrara, confeccionada pelo estúdio de Franco Cervietti, também responsável por cinco outras cópias, existentes uma no Cemitério de Los Angeles; a segunda para Austrália; a terceira para o Museu de Taiwan; a quarta para uma fundação de arte de Taiwan e esta quinta cópia concluída em 2000 que teve como destino o Brasil. *Por Leonardo Dantas Silva

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No século do automóvel

Nos primeiros anos do Século 20, vivia-se em Pernambuco um período de relativa paz e progresso, particularmente no Recife, vendo o movimento das obras do seu porto, iniciadas em 29 de julho de 1909. As obras, orçadas em 54.242:838$000 e confiadas à companhia francesa Societé de Construction du Port de Pernambuco, arrastaram-se ao longo dos anos com sucessivas interrupções. O Porto do Recife que, em 1899, recebera 1.616 embarcações, num total de 1.200.650 toneladas e 9.748 passageiros, era o maior anseio da população, tendo a notícia da assinatura do contrato de construção, em 4 de agosto de 1908, sido motivo de grandes festas. A conclusão de suas obras, porém, só foi efetivada em 15 de abril de 1922, quando o Arlanza, transatlântico inglês de 14 mil toneladas, atracou no seu ancoradouro interno. As obras do Porto do Recife, fizeram passar o bairro portuário por uma grande reforma urbana: seculares prédios, testemunhas do crescimento do velho burgo desde os primeiros anos da colonização, alguns até da primeira metade do Século 16, foram demolidos cedendo lugar às novas avenidas e ruas do novo traçado. Com tais demolições também sumiram da paisagem em 1917, a igreja do Corpo Santo (Século 16), cujos primórdios datavam dos primeiros anos da colonização, e duas das primitivas portas da cidade, os arcos de Nossa Senhora da Conceição e de Santo Antônio, que se erguiam nas cabeceiras leste e oeste, respectivamente, da atual ponte Maurício de Nassau. A cidade tomava novos aspectos. Nas ruas já corriam automóveis; o primeiro fora trazido, em 1904, da Europa, pelo médico Otávio de Freitas, sendo de marca Renault, iluminado à luz de carbureto e com a alavanca de marcha do lado externo. Desde 1903, a partir 23 de março, o Recife estava ligado a Goiana por um carro ônibus que fazia o percurso com “pouco mais de oito horas”. Os carros de aluguel, precursores dos nossos táxis, só vieram a aparecer em 1919, sendo pertencentes às Garagens Ford e União. Com o automóvel nas ruas surgiram os atropelamentos, como aquele acontecido na Rua Barão da Vitória (hoje Rua Nova), em 7 de novembro de 1915, com o saldo de um morto e quatro feridos. A paisagem urbana foi-se modificando, com o desaparecimento dos bondes de tração animal, puxados por burros e que aqui circulavam desde 1870, substituídos por elétricos, cuja primeira linha foi inaugurada a 13 de maio de 1914, ligando a Praça Rio Branco à Maciel Pinheiro. Na verdade, o século 20 veio a ser conhecido como o “Século do Automóvel”. A invenção foi elitizada com o aparecimento de novos adeptos, inclusive o governador Dantas Barreto em 1911, mas logo popularizada com os primeiros veículos de aluguel, em 1920, de propriedade das garagens Ford e União. O usuário pagava o preço de dez mil réis na primeira hora, decrescendo proporcionalmente para sete mil réis para quarta meia hora. O taxímetro dos nossos dias é invenção dos anos 1950. As ruas começaram a se adaptar para receber a nova invenção. A mão única, já conhecida no Recife desde 1864 quando foi assim considerado o tráfego na ponte da Boa Vista, passou a ser uso frequente em várias de nossas estreitas ruas, onde não mais era permitido o trânsito dos carros de bois (1905), sendo demolidos os pequeninos prédios da Praça da Independência. Em 1974, numa consulta ao Departamento de Trânsito, recebi a informação que circulavam no Recife 82.486 veículos matriculados, sendo 5.870 táxis, 6.899 caminhões e 69.717 entre automóveis, ônibus e utilitários. Em 2012 o número de veículos matriculados na cidade do Recife era de 598.433, dos quais 378.540 são automóveis, seguindo-se de 78.029 de carga e 78.029 de passageiros e 114.399 motocicletas. *Leonardo Dantas Silva é jornalista e pesquisador

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Um passeio pelo Cemitério de Santo Amaro

A cidade do Recife sofreu grandes transformações na sua paisagem quando da administração de Francisco do Rego Barros (1802-1870), que veio a ser barão, visconde e finalmente Conde da Boa Vista. Formado em matemática pela Universidade de Paris, com apenas 35 anos de idade foi designado presidente da província de Pernambuco, ficando no cargo de 1837 a 1844, época em que o trouxe para o Recife o engenheiro francês Louis Léger Vauthier (1815-1901), responsável pela construção do Teatro de Santa Isabel (1850) e de importantes obras públicas. É dessa época a presença na equipe de obras públicas do Governo da Província do engenheiro José Mamede Alves Ferreira (1820-1865), bacharel em matemática pela Universidade de Coimbra, que além dos prédios da Casa de Detenção e do Ginásio Pernambucano foi responsável pelo projeto do Cemitério Público do Senhor Bom Jesus da Redenção, criado em 1841, pela Lei Provincial nº 91, tendo sido inaugurado em 1º de março de 1851. Trata-se de uma área plana, originalmente ocupando um terreno de 351,35 m de fundos por 320 m de largo, tendo ao centro uma elegante capela em estilo gótico, em forma de cruz grega, para onde convergem todas às alamedas de túmulos dando, assim, um formato estelar ao conjunto. Seria um ponto turístico do Recife, como acontece nas diversas cidades da Europa e mesmo das Américas, mas, infelizmente, não é de visitação habitual nem indicado por nenhum dos guias por nós consultados. Bem conservado pela atual administração municipal, o Cemitério de Santo Amaro, chama a atenção do visitante para o seu portão de entrada, trazendo na sua base a data de MDCCCLI (1851), confeccionado em ferro fundido pela firma A.C. Staar & Cia. (Fundição Aurora), a mesma responsável pelos portões do Cemitério dos Ingleses e da Ordem Terceira do Carmo do Recife. Aleias de palmeiras imperiais marcam a avenida principal, ladeada pelos primeiros túmulos do início da segunda metade do século 19, que conduz o visitante até a capela em estilo gótico, octogonal, situada ao centro do campo santo. Nas diversas alamedas do Cemitério de Santo Amaro, vamos encontrar singulares obras de arte de escultores diversos que estão a exibir o seu talento nos diversos túmulos alguns deles centenários. No ponto de confluência de suas ruas, encontramos uma singular capela gótica, a primeira do seu gênero em terras pernambucanas, projetada por José Mamede Alves Ferreira (1820-1865), mandada construir pela Câmara Municipal do Recife em 1853. “Trata-se de um monumento de puro estilo gótico de cruz grega, fechada por uma só abóbada, de uma belíssima e arrojada construção, e de grandeza proporcional ao fim a que é destinada, sem campanário e sem dependências”. Tem no seu centro uma imagem do Cristo Crucificado, em ferro, produto de fundição francesa, tendo na sua abóbada placas de mármore alusivas às diversas fases de sua construção, como as restaurações sofridas nos anos de 1899 e 1930: A Câmara Municipal do Recife a mandou fazer em 1853, ...1855, segundo o plano do engenheiro civil José Mamede Alves Ferreira; reaberta e melhorada na administração do Exmo. Dr. Esmeraldino Olympio de Torres Bandeira, prefeito do Município do Recife, em 16 de junho de 1899; restaurada na administração do Exmo. Sr. Dr. Francisco da Costa Maia, prefeito do Município, 1930. Relembrando a observação do escritor Rubem Franca (in Monumentos do Recife - Recife, 1977): O Cemitério encerra muito da cultura de um povo. Santo Amaro, aliás, ainda aguarda quem lhe faça um estudo completo, um levantamento dos sepulcros de pernambucanos famosos e populares. Um estudo dos seus monumentos funerários, que são, alguns verdadeiras obras de arte. Joaquim Nabuco e outros túmulos O mais suntuoso dos túmulos é dedicado ao Patrono da Raça Negra, o abolicionista Joaquim Aurélio Nabuco de Araújo (1849-1910), obra do escultor italiano Giovanni Nicolini; sendo  encarregado de montar em Pernambuco outro escultor, também italiano, Renato Baretta, em novembro de 1914. O conjunto escultórico retrata a Emancipação do Elemento Escravo, em 13 de maio de 1888, formado por um grupo de ex-cativos levando sobre suas cabeças o sarcófago simbólico do grande abolicionista. À frente do monumento, o busto de Joaquim Nabuco, em mármore, tendo ao seu lado uma figura de mulher (a história), que ornamenta de rosas o pedestal do busto, onde se lê: A Joaquim Aurélio Nabuco de Araújo. Nasceu a 19 de agosto de 1849. Faleceu a 17 de janeiro de 1910. Logo em frente ao mausoléu de Joaquim Nabuco, encontra-se o túmulo de José Mariano Carneiro da Cunha (1850-1912), também destacado líder do movimento abolicionista e de sua mulher Olegária (Olegarinha) Gama Carneiro da Cunha (1860 – 1898). Um busto em bronze do abolicionista e estátua de uma mulher chorando, conservando as inscrições: À José Mariano / o Povo / Pernambucano. / Olegária Gama Carneiro da Cunha, 16-9- 1860, 24-4- 1898. Outro belo túmulo do Cemitério de Santo Amaro, porém, pertence ao Barão e a Baronesa de Mecejana: Antônio Cândido Antunes de Oliveira e Colomba Ponce de Leão. “O túmulo é todo feito em mármore de Carrara com grande influência dos romanos, por causa do sentimento católico. O formato de tocha invertida é símbolo da morte e da expectativa de que essa luz se reacenda”, explica o escultor e responsável pela última restauração do túmulo, Jobson Figueiredo, realizada em 1999. Sobre seu mausoléu escreve o próprio Barão de Mecejana, em seu testamento, conservado no Instituto Arqueológico Histórico e Geográfico Pernambucano, ter sido o túmulo destinado, inicialmente, a sua filha e seu genro que faleceram de uma das epidemias que assolaram o Recife na segunda metade do século 19. A posição do barão e baronesa, em genuflexo, demonstra a atitude do casal durante a doença que vitimou o casal. Como bem observou o escritor Clarival do Prado Valadares, in Arte e Sociedade nos Cemitérios Brasileiros (1972), vale reparar também o detalhe das esculturas em mármore do barão e da baronesa, que reproduzem até a textura de uma veste rendada. Segundo estudo da pesquisadora Semira Adler Vainsencher, da Fundação Joaquim Nabuco: “Vários mausoléus imponentes podem ser encontrados, também, no

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Olinda, de onde se vê...

Com a sua paisagem tecida de sonho e claridade, impregnando pelas diversas tonalidades de verde, nas águas do seu mar, e de azul e outras cores no crepúsculo do seu céu, Olinda vem fascinando a todos que a conhecem desde os primórdios de sua colonização. A sua paisagem litorânea, povoada de jangadas e outros tipos de embarcações, foi uma sedução para esses viajantes ao longo dos séculos sendo hoje fonte de deleite e de paz para o visitante e mesmo os próprios olindenses. Para Joaquim Nabuco, esta paisagem tem seus fascínios quando vista do alto, de onde “o olhar não precisa mover-se para apanhar a totalidade do cenário que se prolonga à beira do mar, salpicado das velas brancas das jangadas, penas destacadas das grandes asas da coragem, do sacrifício e também da necessidade humanas!” Em passeio por Olinda e seus arredores, como cicerone do escritor português Ramalho Ortigão, em 1887, Joaquim Nabuco assim descreve a paisagem, quando vista do terraço da Sé de Olinda: O que faz a grande beleza deste nosso torrão pernambucano é em primeiro lugar o seu céu, que muda a cada instante, leve, puro, suave, onde as nuvens parecem ter asas, e que não é o mesmo em um minuto; é depois o nosso mar, verde, vibrátil e luminoso, as nossas areias tépidas e cobertas de relva, os nossos coqueiros, que vergam desde o soco até ao espanador de um brilho metálico e dourado, com que parecem ao longe sacudir as nuvens brancas, as jaqueiras e mangueiras cuja sombra rendada é um oásis de frescura e abundância... Em sua descrição, publicada no jornal O Paiz (Rio de Janeiro), em sua edição de 30 de novembro de 1887, Joaquim Nabuco, pinta, com a mão de um mestre, as belezas do seu torrão natal, utilizando-se das mais contagiantes cores de sua palheta. ... não é uma dessas vistas de altura, das quais o mar fica tão abaixo aos pés do espectador, que perde o movimento e a vida, parecendo uma tela diáfana estendida sobre o fundo vazio do ar, vistas em profundidade, que dão vertigem e nas quais a perspectiva é tão longínqua como se víssemos por um óculo virado. A vista de Olinda é outra; é uma vista em comprimento, em que os planos sucedem-se uns aos outros como o desenvolvimento da mesma sensação visual, em que desde Olinda até ao  Recife, e mais longe até o Cabo de Santo Agostinho, o olhar não precisa mover-se para apanhar a totalidade do cenário que se prolonga à beira do mar, salpicado das velas brancas das jangadas, penas destacadas das grandes asas da coragem, do sacrifício e também da necessidade humanas! O que mais impressionava o visitante e seu cicerone era a limpeza da cidade: “O que primeiro fere a vista [...] é a limpeza da cidade, a brancura de toda ela. Vê-se bem a cidade de um povo de rio, que vive n’água, como o pernambucano. É um reflexo da Holanda, que brilha aqui!”. Possuído do orgulho de ser pernambucano, enfatiza Joaquim Nabuco, com o seu poder de observador:  Para conhecer uma paisagem não basta vê-la, é preciso muito mais, é preciso que as duas almas, a do contemplador e a do lugar, cheguem a entender-se, quantas vezes elas nem mesmo se falam! Não é a todos que a natureza conta os seus segredos e inspira o seu amor, mas mesmo com os poucos de quem ela tem prazer em fazer pulsar o coração é preciso que eles se aproximem dela sem pressa de a deixar, com tempo para ouvi-la. Os viajantes nunca estão nessa disposição de espírito em que é possível estabelecer-se o magnetismo da paisagem sobre os sentidos, de fato sobre o coração. Felizmente Ramalho Ortigão é uma máquina fotográfica instantânea, que apanha num segundo o seu objetivo todo, e acontece que hoje as boas máquinas percebem e notam sombras na pele, que não se veem a olho nu, e que servem para conhecer a enfermidade latente. Ele não terá sentido os eflúvios desta nossa terra, os quais talvez seja preciso ser pernambucano para sentir e que podem não ter realidade e magia senão para nós mesmos, mas a impressão que lhe causou a nossa Veneza há-de render-nos uma pintura que durará como as gravuras holandesas do Século XVII. Por Leonardo Dantas Silva *Publicado originalmente em 16 de abril de 2018

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Os muitos frevos de um Carnaval

Denominado inicialmente de “marcha”, e posteriormente, de “marcha-carnavalesca-pernambucana” e por alguns compositores de “marcha-frevo”, a exemplo de Levino Ferreira e Edgard Moraes, o frevo como música tem, como já vimos, suas origens nos repertórios das bandas militares e civis existentes no Recife na segunda metade do século 19: O maxixe, o tango brasileiro, a quadrilha e, mais particularmente, o dobrado e a polca-marcha, combinaram-se, fundiram-se dando como resultado o frevo, ritmo popular ainda hoje em franca evolução rítmica e coreográfica. Esclarece o musicólogo Guerra Peixe, em artigo publicado no jornal A Gazeta (São Paulo), sob o título A música e os passos no frevo, edição de 26 de dezembro de 1959: “As marchas mais antigas que se conhecem eram cantadas, como ainda hoje ocorre, nos agrupamentos populares recifenses chamados blocos, nos quais participam alguns poucos instrumentos de sopro e de percussão, enquanto um enorme coro canta sob fundo harmônico de grande número de violões.” Nos anos de 1930, com a popularização do ritmo pelas gravações em disco e sua transmissão pelos programas do rádio, convencionou-se dividir o frevo em frevo-de-rua (quando puramente instrumental), frevo-canção (este derivado da ária, tem uma introdução orquestral e andamento melódico, típico dos frevos de rua) e o frevo-de-bloco. Este último executado por orquestra de madeiras e cordas (pau e cordas, como são popularmente conhecidas), é chamado pelos compositores mais tradicionais de marcha-de-bloco (Edgard Moraes, 1904-1973) sendo característica dos “Blocos Carnavalescos Mistos” do Recife. No Frevo-de-bloco está a melhor parte da poesia do Carnaval pernambucano, diante do misto da saudade e evocação que contém nas letras e nas melodias de grande parte de suas estrofes. Como Evocação (1957) de Nelson Ferreira (1902-1976): Felinto, Pedro Salgado, Guilherme, Fenelon, Cadê teus blocos famosos? Bloco das Flores, Andaluzas, Pirilampos, Apôis Fum! Dos carnavais saudosos?! A exemplo do frevo-de-bloco, o frevo-canção também possui uma letra que vem logo a seguir da introdução orquestral, geralmente com 16 compassos. Tão velho quanto o frevo-de-rua (frevo instrumental), o frevo-canção é responsável pela grande animação dos salões e das multidões que acompanham as agremiações carnavalescas e Freviocas durante os dias de Carnaval . Os motivos das suas letras são os mais diversos, inclusive a própria animação do frevo, como bem afirmam Luiz Bandeira e Ernani Séve: Êta frevo, bom danado! Êta povo, animado! Quando o frevo começa, parece que o mundo já vai se acabar Êh! Quem cai no passo não quer mais parar. O frevo-de-rua, muito embora presente em todos os salões durante os dias de Carnaval, foi feito inicialmente para ser executado a céu aberto. Na rua, como a sua denominação está a exigir. Sua base melódica é responsável pela coreografia do passo e pela movimentação das multidões não só do Recife, como de Olinda e ou outras cidades da região. O frevo vem conquistando fronteiras, tentando integrar-se ao movimento de Música Popular Brasileira, sendo composto até por não pernambucanos, como Caetano Veloso, Moraes Moreira, Gilberto Gil, Edu Lobo, Chico Buarque de Holanda, Maranhão, dentre outros, para não falar na lista interminável de compositores naturais ou radicados em Pernambuco que fizeram do Recife a Capital do Frevo. Falando sobre essa expansão, Capiba (Lourenço da Fonseca Barbosa), um dos mais premiados e bem-sucedidos compositores do Carnaval pernambucano, assim se expressa: “Vivemos uma época de vibração e comunicação, e, sendo assim, nada melhor que o frevo para aproximar nossos irmãos. O frevo é o ritmo comunicativo, que nasceu do povo, para o povo; e é por isso que ele está aproximando todos os brasileiros numa só onda, num só passo ao som do vibrante ritmo sincopado que nasceu em Pernambuco”. *Por Leonardo Dantas Silva - Publicado em 26/02/2019

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Caboclinhos: os guerreiros da jurema

Os Caboclinhos da Jurema, conjuntos de bailarinos, inspirados no culto da jurema, aparecem no Carnaval do Recife a partir de 1892. Esses agrupamentos, formados por duas fileiras de mulheres, seguidas depois do estandarte e de duas filas de homens a fazerem evoluções que lembram as danças de espada europeias, apresentando vistosos cocares e tangas, confeccionados com penas de ema, colares de contas e dentes de animais, empunhando machadinhas e preácas (conjunto de arco e flecha), dançando agitadamente ao som de um conjunto formado por uma flauta (inúbia), tarol, surdo e chocalhos (caracaxás), é algo inusitado dentro da paisagem carnavalesca da cidade. Ao contrário do que se propaga, a presença do culto indígena nas manifestações do Carnaval do Recife é mais recente do que se possa imaginar. O misticismo, combinado com o medo do desconhecido, está presente no inconsciente coletivo dos que fazem a grande festa e têm na pajelança a religião dos seus antepassados. Uma boa parte dos que integram as agremiações carnavalescas são seguidores do candomblé e da umbanda, havendo outros que cultuam a linha da jurema, o catimbó como é popularmente conhecida, em que os “senhores mestres” e os caboclos são invocados com a utilização de “pequenos apitos, do maracá, da jurema e do cachimbo”. Nos cultos indígenas, os chamados Ajunto de Jurema, ou simplesmente jurema, eram oferecidos pelos pajés e mestres do catimbó certa infusão extraída dos galhos e raízes da jurema-branca, sendo o costume registrado já no Século 18. Em pesquisa no Arquivo Nacional da Torre do Tombo (Lisboa), Cartório da Inquisição de Lisboa, encontrei o processo n.º 6238 em que figura como denunciado o capitão-mor dos Índios da Povoação de São Miguel dos Barreiros (Pernambuco), Francisco Pessoa, acusado da prática de feitiçaria pela utilização da jurema nos rituais de pajelança. Trata-se de um folguedo de existência recente entre nós, anunciado pelo Jornal do Recife, na edição de 28 de fevereiro de 1892; seguindo-se depois já com a denominação de Caboclinhos da Jurema, nas edições de 15 de fevereiro de 1901; 9 de fevereiro de 1902; 19 de fevereiro de 1903; só para citar estas. Em entrevista ao Diario de Pernambuco, edição de 25 de janeiro de 1997, José Severino dos Santos, o Zé Alfaiate (falecido em 2016, com 96 anos), confessava ao jornalista Jaques Cerqueira, ter fundado a sua tribo, a Sete Flechas, em 1969, em Maceió, transferindo a sua agremiação, em 1971, para o Recife, e que “caboclinhos e terreiros de umbanda são praticamente uma coisa só. Tudo tem caboclo no meio”. Segundo Manoel Ferreira de Lima, o Manuelzinho, presidente dos Carijós, a sua tribo desfilou pela primeira vez em 5 de março de 1897, tendo sido fundada no local então denominado “Fora de Portas”, nas proximidades do Forte do Brum. Segundo a tradição oral, o seu fundador, estivador Antônio da Costa, costumava nas sessões de jurema incorporar o caboclo Carijó: “Numa dessas manifestações espirituais, recebeu a ordem para fundar um grupo fantasiado de índio e brincar o Carnaval. Aí não pensou duas vezes: em pouco tempo seus caboclos estavam nas ruas do Recife, com penachos coloridos, arcos, flechas e lanças, dançando perré, ao som de tambores, pífanos, gaitas de taboca e ganzá”; na descrição do redator da matéria. Na verdade, os instrumentos seriam inúbia (uma espécie de flautim), tarol, surdo e caracaxás ou maracás. De uma dissidência na Tribo Carijós (1896) surgiu, no ano seguinte, a Tribo Canindés (1897).

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Seminário de Olinda e a República de 1817

Homem do século 16, bom cristão, temente à Deus, Duarte Coelho cedo preocupou-se com a fé do seu povo. Muito antes de sua partida para o Brasil, já contratara os serviços do Padre Mestre Pedro da Figueira, que viria a ser o primeiro vigário da igreja matriz do Salvador de Olinda, tendo este recebido o seu primeiro ordenado em 3 de junho de 1534; correspondente a um trimestre, 3$750, a razão de 15$000 ao ano. No âmbito da vila de Olinda foram logo construídas as igrejas de Nossa Senhora do Monte, já existente em 1537, a matriz do Salvador (1536) e a ermida de Nossa Senhora da Graça (1550), esta última erguida pelo próprio Duarte Coelho, sobre o outeiro mais alto da capital da Nova Lusitânia. Com a chegada dos jesuítas Manuel da Nóbrega e Antônio Pires à Olinda (1551), Duarte Coelho fez a doação da ermida de Nossa Senhora da Graça, com todas as terras ao seu redor, aos padres da Companhia de Jesus para que nela fosse fundado um colégio e iniciassem a catequização dos indígenas. Após diversos insucessos, conseguiram os jesuítas abrir o colégio de Olinda, que prestou seus bons serviços, embora não chegasse ao esplendor de outros colégios, nomeadamente o da Bahia. Pregaram missões populares na vila e pelos engenhos. Mas quanto aos índios pouco foi feito, apenas uma ou outra aldeia, durante todo Século 16 no máximo chegando a quatro, incluída a Paraíba, com pessoal muito limitado, não obstante ser a capitania mais povoada do Brasil. As atividades do Real Colégio de Olinda, construído parcialmente com subsídios da Coroa, pagos em açúcar que era comercializado pelos padres jesuítas, só vieram ter início em 1568, como escola elementar, acrescentando-se dois anos mais tarde o curso de latim. Em 1576, na presença do Bispo D. Antônio Barreiros, 3º Bispo do Brasil (1576-1600), foi instalado o curso de Teologia Moral, “em vista ao elevado número de clérigos. Nessa época chegou a contar 92 alunos, dos quais 32 no curso de humanidades e 70 no elementar. Entre seus reitores destacaram-se o padre Rodrigo de Freitas (1568-1572) e o padre Luís da Grã (1577-1589), este último o mais capaz e benemérito dos superiores jesuítas de Pernambuco. Fora das lições de casos, não houve no Colégio de Olinda outros estudos de grau superior, devendo os alunos que os quisessem continuar ir à Bahia ou ao Reino” (Arlindo Rubert, A Igreja no Brasil. v. I. Santa Maria (RS): 1981. p. 61 e 158. p. 251). A antiga ermida construída pelo primeiro donatário foi logo substituída por outra maior. Ainda no século 16, entre 1584 e 1592, os padres da Companhia de Jesus levantaram a igreja atual, de frontispício sóbrio, frontão triangular, cobertura em duas águas e nave única. A capela-mor é ladeada por duas capelas reentrantes, sendo o traçado do templo inspirado na arquitetura da igreja de São Roque de Lisboa, no Bairro Alto. Já nos primeiros anos, os padres da Companhia de Jesus também instalaram no local um Horto Botânico, a fim de aclimatar as primeiras mudas de plantas trazidas de outros continentes para o Brasil (coqueiros, bananeiras, etc.). *Por Leonardo Dantas, jornalista e historiador (Publicado em 08/04/2017)

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Há 160 anos o Recife recebia a visita de Dom Pedro II

Em 1859 era o Recife a mais importante capital das províncias do Norte do Brasil, possuindo um movimentado ancoradouro, o Teatro de Santa Isabel (1850), o Palácio do Governo (1841), um moderno Cemitério Público (1851), Gabinete Português de Leitura (1851), a Casa de Detenção (1856), o Ginásio Pernambucano (1855), a Faculdade de Direito (transferida de Olinda em 1853), iluminação à gás carbônico em suas ruas centrais (1859), com as obras da ferrovia Recife-São Francisco iniciadas, quando se anunciou a visita do Imperador Dom Pedro II e da Imperatriz Tereza Cristina. A notícia da visita foi trazida pelo vapor Milford Haven, que fez com que toda população ficasse à espera da armada imperial por todo o dia 21, segundo noticia o Diario de Pernambuco, de 22 de novembro de 1859: "Desde as cinco horas da madrugada, inúmeras famílias transportaram-se às ruas da Cadeia e do Colégio [Rua do Imperador e Praça 1817] por onde deveria passar o préstito imperial, os trabalhadores deixaram suas ocupações, os artistas largaram suas oficinas, os Corpos do Exército estiveram em seus quartéis, prontos ao primeiro sinal, o povo, enfim tendo ansiedade e prazer estampados nos semblantes, vagou de um a outro lado nas imediações do Cais de Desembarque e lugares e onde existem preparados iluminações e regozijos. – Ainda porém desta vez falharam os cálculos dos inventores de notícias.” A chegada do Imperador Dom Pedro II e da Imperatriz Tereza Cristina acontece no dia 22 de novembro de 1859, a bordo do navio Apa, sendo descrito com cores forte pelo Diario de Pernambuco do dia seguinte, com direito a registros do fotógrafo Augusto Stahl (Bérgamo, Itália 1828 – Alsácia, França 1877), que se encontrava no Recife documentando os trabalhos da Estrada de Ferro Recife – São Francisco. O noticiário da chegada ocupa toda primeira página do Diario de Pernambuco de 23 de novembro, ressaltando o noticiarista a exclamação do Imperador ao desembarcar: “Pernambuco é um céu aberto e, na realidade, a Veneza Americana, seduzia e encantava, pois, como mágica sereia estava deslumbrante de esplendores”. A visita do imperador e da imperatriz a Pernambuco é contada em noticiário diário pelo periódico fartamente ilustrado O Monitor das Famílias – Periódico de Instrução e Recreio – Série Extraordinária, cujo primeiro número circula na data de 2 de dezembro de 1859. A estada do casal se prolonga até 24 de dezembro de 1859, quando às cinco horas da manhã embarcam com destino ao Porto de Cabedelo, na Paraíba. Durante sua temporada em Pernambuco Dom Pedro II fez sucessivos passeios ao Recife (Arsenal de Marinha, Hospital [Pedro II], Asilo de Mendicância, Gasômetro, Arsenal de Guerra, Madalena, Remédios, Afogados, Saneamento, Hospital Militar, Caxangá, Açude do Prata, Apipucos, Monteiro, Beco do Quiabo, Poço da Panela, Igrejas de São Pedro, Pilar, São Francisco, do Carmo, Conceição dos Militares, Belém), bairros de Santo Antônio, São José e do Recife, Alfândega, Cemitério de Santo Amaro, Lazareto do Pina, Várzea, Montes Guararapes, Fundição Starr, Ginásio Provincial, Teatro Apolo), conforme se depreende das anotações do seu Diário. Organizado por Guilherme Auler, Recife: Arquivo Público, 1952. Em plena juventude, aos 34 anos, Dom Pedro II mostrou-se grande cavaleiro enfrentando cavalgadas pelo interior da província, onde teve oportunidade de conhecer Olinda, Igarassu, Bujari, Goiana, Tejucupapo, Itamaracá (onde foi conhecer a mangueira de Sancha), Vitória de Santo Antão, Tabocas, Escada, Jaboatão, Pirapama, Moreno, Rio Formoso, Tamandaré; aproveitando para conhecer as obras da Ferrovia Recife-São Francisco em suas oficinas no Cabo de Santo Agostinho e no Túnel do Pavão.

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As moças nuas do Capibaribe...

Capibaribe — Capiberibe Lá longe o Sertãozinho de Caxangá Banheiros de palha Um dia eu vi uma moça nuinha no banho Fiquei parado o coração batendo Ela se riu... Foi o meu primeiro alumbramento Manuel Bandeira. Ao adentrar-se na planície do Recife, o Rio Capibaribe, continua o seu caminho de viajante preguiçoso, sem qualquer pressa do chegar, dormitando pelos remanços e barreiros, entrando pelo canavial e açudes, em contato direto com engenhos de fogo morto e usinas de açúcar. Ingressa por entre as barreiras dos engenhos São João e São Cosmo, na Várzea, fazendo uma grande curva, cheia de meandros pelo Sertãozinho de Caxangá, onde provocou o primeiro alumbramento do poeta Manuel Bandeira e as observações do poeta João Cabral. Preguiçosamente, em longas curvas, ainda sem qualquer pressa, o “cão sem plumas” passa por Dois Irmãos, Apipucos – onde o sociólogo Gilberto Freyre produziu grande parte de sua obra –, seguindo em direção ao Monteiro, Barbalho, Bom Gosto, Caldeireiro e Poço da Panela, de onde tantas vezes transportou os escravos que buscavam a liberdade em barcaças de capim, cuidadosamente fretadas por José Mariano Carneiro da Cunha e tripuladas pelos destemidos “cupins”. Essas localidades, de Apipucos a Madalena, foram outrora destinadas aos “passadores de festas”, apreciadores dos “banhos medicinais”, frequentadores dos banheiros de palha, assim descritos por Louis François de Tollenare, em suas Notas Dominicais, escritas em 1817: "É nas margens do Capibaribe que cumpre ver famílias inteiras mergulhando no rio e nele passando parte do dia, abrigadas do sol sob pequenos telheiros de folhas de palmeira; cada casa tem o seu, perto do qual há um pequeno biombo de folhagem para se vestir e despir. As senhoras da classe mais elevada banham-se nuas, assim como as mulheres de cor e os homens. À aproximação de alguma canoa mergulham até o queixo, por decência; mas o véu é demasiado transparente! Vi neste banho a mãe amamentando o filho, a avó mergulhando ao lado dos netos, e as moças da casa, traquinando no meio dos seus negros, lançarem-se com presteza e atravessar o rio a nado. A posição do corpo requerida por este exercício não deixa ver a quem passa, nem o seio nem parte alguma da frente do corpo, de sorte que elas consideram o pudor resguardado; mas, há outras formas não menos sedutoras que o olhar pode contemplar à vontade. Confesso que fiquei tão surpreendido quanto encantado ao encontrar um dia, neste estado de náiades (figura mitológica) sem véus, as senhoritas N. filhas de um dos primeiros negociantes da praça... É raro encontrar margens mais risonhas do que as do Capibaribe, quando se sobe em canoa até o Povoado do Poço da Panela". O rio, na época dos nossos avós, não este que conhecemos e de que nos fala o poeta João Cabral ou seu “cão sem plumas” – [...] “o outro rio/ de aquoso pano sujo/ dos olhos de um cão” –, era o rio das águas límpidas, que permitia ver o fundo de areia branca, cercado de árvores, “cujos ramos superiores se encontravam ou estão ligados por cipós floridos, pendentes em guirlandas”, habitadas por “mil pássaros adornados de brilhantes plumagens”. Era o rio das capivaras, como bem deduz o próprio vocábulo, habitado por peixes das mais variadas espécies e moluscos diversos, em nada se parecendo ao rio que conhecemos e estamos a legar aos nossos netos.

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