Arquivos Colunistas - Página 287 de 290 - Revista Algomais - a revista de Pernambuco

Colunistas

O Brasil pós-impeachment (maio/2016)

O desafio do próximo governo é imenso. Tanto do ponto de vista da economia, quanto da política, quanto do restabelecimento da confiança cuja ausência impede os agentes econômicos de consumirem e de investirem, contribuindo decisivamente para o esfriamento da demanda e, em última análise, para a recessão que atormenta o País há pelo menos dois anos seguidos. Do ponto de vista da economia, uma condição indispensável para recolocação do País nos trilhos é a recuperação das contas públicas que passaram durante anos por uma desarrumação que se traduz nos dias que correm na inflação de dois dígitos, na recessão renitente e no desemprego recorde. Do ponto de vista da política, o desafio se traduz na montagem de um ministério e de uma maioria parlamentar os menos fisiológicos possíveis, capazes de formular e executar o ajuste fiscal conjuntural que permita destravar a economia e refazer o caminho da saída da recessão e da retomada do crescimento, ainda que em bases modestas. Um crescimento mais vigoroso só será possível com a realização das reformas e do ajuste fiscal estrutural que só o governo eleito em 2018 terá condições de fazer. Do ponto de vista da confiança, cujos indicadores apontam os níveis mais baixos da história, a retomada só ocorrerá se tanto a parte econômica quanto a política do desafio forem superadas. De um modo geral, pode-se dizer que o próximo governo será de transição e seu sucesso dependerá criticamente de dar certo logo no início. Não resistirá ao rame-rame tradicional da política brasileira. Se for mais do mesmo ou cai logo ou potencializará a nível inimaginável a incerteza e a desconfiança e cairá mais na frente. Se for bem sucedido, como precisamos, sua missão será arrumar a casa para entregar o governo minimamente organizado para o(a) próximo(a) presidente eleito em 2018. Curiosamente, nas especulações da imprensa sobre o novo ministério, nada menos do que 10 pernambucanos foram cogitados: Jarbas Vasconcelos, Romero Jucá, Mendonça Filho, Bruno Araújo, Raul Jungmann, Cristovam Buarque, Roberto Freire, Augusto Coutinho, Raul Henry, Fernando Coelho Filho. O que não deixa de ser uma evidência da nossa densidade política, muito necessária para o enfrentamento do cenário adverso que também nos aflige de forma muito intensa e do qual só vamos sair junto com o País.

O Brasil pós-impeachment (maio/2016) Read More »

Superpoderosas (maio/2016)

Você está a dez mil pés. Seu time do coração joga, neste exato momento, a final do campeonato. Você teve um estressante dia de trabalho, na capital federal. Além disso, acima das nuvens, nada de wi-fi, muito menos TV. Você imagina a cena da bola estufando a rede do goleiro adversário, mas logo se dá conta de quão inconfiável é o ataque rubro-negro. Seu assento é o da saída de emergência. Isso mesmo! Aquele que não reclina. Você lembra das palavras da aeromoça, minutos atrás, com instruções sobre como abrir a porta em caso de necessidade. Você pensa em abrir a porta, mesmo sem necessidade. Essa ideia idiota logo lhe abandona. Você não consegue dormir, então pega papel e caneta. Dana-se a escrever. Tenta organizar a agenda do que resta da semana. Você anota que domingo é dia de almoçar com a família. Lembra que é Dia das Mães. E por falar em mãe, você volta a sentir-se culpado por ter, na noite anterior, bisbilhotado aquela mensagem que chegou no celular da mãe dos seus filhos, oriunda daquele grupo de Whatsapp do qual ela não permite que você participe. Mas você pensa em logo agradecer a Deus por ter se atrevido a mexer e por ter se deparado com uma confraria ultrassecreta de mulheres que se intitulam “superpoderosas”. E pensa como é apropriado o nome desse grupo. Praticamente uma seita. E como em toda a seita, o que impera são ideologias e conceitos divergentes dos sistemas dominantes. Nessa confraria ultrassecreta homem não entra, mas você entrou rapidinho. Só uma olhadinha. Lá, somente mães. Tão somente mães de pessoas com autismo. Ali trocam ideias, dividem suas aflições, compartilham sentimentos, frustrações, conquistas. Vibram com a vitória da outra. Estimulam o progresso dos meninos. Divulgam novidades. Tanta mensagem linda, você pensa. De apoio, de amizade. E você lembra o quão raro é o ombro amigo nos dias de hoje. E você descobriu que foi ótimo ter entrado ali e ter dado aquela espiadinha. E descobriu que há tanta força nessas mulheres. Há tanto amor entrega e dedicação. Tanta cumplicidade, bem querer, companheirismo. E é tão bonitinho ver que elas se referem aos filhos como “anjos azuis”. E você lembra que não é somente o fato de todas elas serem mães de pessoas com autismo que as une. Não! Você se dá conta de que há uma energia a mover esse barco onde juntas estão: o amor de mãe. O desejo, talvez inconsciente, de mudar tudo em volta, a sociedade mesmo. O esforço mútuo, contínuo, na tentativa de alterar o curso nada natural do rio. Então você passa a perceber, ainda mais, que a luta diária não é só pelo desenvolvimento dos seus respectivos rebentos. É pela mudança de mentalidade nos outros também. E você pensa em mil maneiras de gritar ao mundo a admiração que possui por essas meninas, mulheres, mães. E você agradece a Deus por existirem Milenas, Danielas, Andréas, Sílvias, Julianas, Cândidas. E você deseja que elas se multipliquem mundo afora. Então você percebe que está emocionado e que está chorando um pouco alto para quem está trancando numa lata velha voadora. E o gordo simpático sentado ao seu lado já está com o braço estendido a oferecer-te um lenço. E a aeromoça, aquela mesma que instruiu sobre a porta, pergunta se você está passando bem. E você tem uma vontade incontrolável de perguntar se essa porta, caso abrisse, nos levaria a um mundo melhor. De mais tolerância, respeito, inclusão, acessibilidade, acolhimento. E ao aterrissar você liga para a mãe dos seus filhos para perguntar o placar do jogo. Com voz doce e suave, ela responde que seu arquirrival foi o vencedor. Então você diz que a ama, que a admira profundamente e que já está com saudade. E antes de desligar você houve ela dizer: “endoidou de vez”. E você sabe que, mais uma vez, ela tem razão. Feliz dia das mães às superpoderosas!

Superpoderosas (maio/2016) Read More »

Nossa Senhora da Penha, a joia das nossas igrejas (maio/2016)

Neste nosso Arruando pelo Recife, vamos através do bairro de São José, em busca da Praça do Mercado, buscando uma visita à Basílica de Nossa Senhora da Penha de França, uma das joias de nossa arquitetura religiosa, recentemente restaurada pelos frades capuchinhos, sob a direção do frei Luís de França Fernandes. Construída entre 1869 e 1882 pelos capuchinhos franceses, instalados naquele local desde o ano de 1656, quando ergueram seu primitivo hospício, o suntuoso templo desperta as atenções de todos que se dirigem ao bairro singular do Recife. Sendo a única igreja da capital pernambucana em estilo coríntio, a basílica foi construída em forma de cruz latina, obedecendo a projeto arquitetônico do frei Francesco de Vicenza, entre 1869 e 1882, guardando uma certa semelhança com a Basílica de Santa Maria Maior, de Roma. As portas principais são entalhadas em madeira, com cenas bíblicas, apresentando seu frontispício dez imagens de santos esculpidas em mármore em tamanho natural. O conjunto possui duas torres finas laterais (40 m de altura) que ladeiam uma torre central (zimbório) sobre o qual se encontra uma imagem de Nossa Senhora da Penha, em bronze dourado e tamanho natural, dominando todo conjunto. Trata-se do maior templo do Recife (65,70 m de comprimento por 28,40 m de largura), distribuído em três naves sustentadas por grossas colunas de mármore italiano, que exibem sob sua cúpula central, nos ângulos destacam-se entre as arcadas, preciosos afrescos, únicos existentes no Brasil, pintados pelo artista Murillo La Greca (1899-1985), representando os evangelistas Marcos, Mateus, Lucas e João. Murillo La Greca, nascido Vicente La Greca, nasceu na cidade pernambucana de Palmares, em 1899, tendo falecido no Recife, em 5 de julho de 1985. Começou suas lições de pintura no Colégio Salesiano do Recife, seguindo depois, aos 18 anos, para o Rio de Janeiro e finalmente Roma. Voltando ao Brasil em 1926, veio consagrar-se como grande artista, ao conquistar vários prêmios no Salão Oficial de Belas Artes (1927) e a dividir atelier com Cândido Portinari. Já casado com a artista Sílvia Decusati (1936), depois de uma temporada na Itália, volta ao Recife para pintar os afrescos da Basílica de Nossa Senhora da Penha, representando os quadros evangelistas (3 metros altura), trabalho que concluiu em 1946 com auxílio de sua mulher. Continuando a nossa visita à Basílica de Nossa Senhora da Penha, extasiados diante do colorido do seu interior; mais parecendo-se com um imenso cenário pintado diante dos nossos olhos do que mesmo uma obra de arquitetura. Destaque especial para o conjunto de colunas em mármore a separar as três naves do templo, as pinturas do teto, detalhes aplicados ao coro e aos dois púlpitos, colunatas e altar-mor, com a escultura da padroeiras rica em detalhes, centralizando às atenções juntamente com a urna do Santíssimo Sacramento e as capelas laterais. Nos altares laterais, destaca-se o de Santo Urbano com sua imagem relicário contendo ossos, dentes e sangue do mártir, trazida de Roma em 1793. Na Basílica da Penha, chama a nossa atenção o túmulo do 17º bispo de Olinda, frei Vital Maria Gonçalves de Oliveira, nascido em També (1844) e falecido em Paris (1878), figura central da Questão Religiosa. Cumprindo determinações do Vaticano, Dom Vital interditou algumas irmandades do Recife que mantinham maçons em seus quadros. A questão com a maçonaria tomou vulto e, por desobediência às ordens do imperador, veio ele a ser preso em 2 de janeiro de 1874. Condenado a quatro anos de trabalhos forçados pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 21 de setembro, é, porém, anistiado em 17 de setembro do ano seguinte. Seu mausoléu, projetado pelo arquiteto Giácomo Palumbo e esculpido por João Bereta de Carrara, foi inaugurado em 4 de julho de 1937. Trata-se de uma visita obrigatória para todos os que visitam a cidade do Recife, visto tratar-se de um dos mais belos templos católicos do território nacional.

Nossa Senhora da Penha, a joia das nossas igrejas (maio/2016) Read More »

Festivais: um aporte necessário (por Romildo Moreira)

Ao longo da história das artes cênicas no Brasil, com mais evidência nas linguagens de teatro e dança, os festivais têm contribuído de maneira impar com o desenvolvimento dessas linguagens, nas cidades onde eles acontecem, tanto por contribuir de mil maneiras com os artistas locais, quanto por elevar o nível intelectual do público que os assistem. Aos artistas, fica a solida troca de experiências com os participantes de um evento desta magnitude (seja pelo conhecimento que adquirem no contato com as obras, seja pela participação enriquecedora em oficinas, debates, palestras, etc.), e ao público, fica uma programação de lazer cultural de qualidade comprovada à sua disposição. E isso não é pouco! Uma das grandes questões da produção cênica nacional recai em dois eixos interligados que são: a vida útil de um espetáculo e a sua circulação após a temporada inaugural. – Com recursos cada vez mais escassos, grupos, companhias e artistas independentes preferem utilizá-los na criação de novos espetáculos, que jogar-se na melindrosa aventura de viajar país a fora sem a garantia de passagens e estadias independentes da arrecadação de bilheteria. Aventura de risco também é promover uma nova temporada na cidade de origem, sem contar com um patrocinador para garantir os custos de manter um espetáculo em cena. E assim, quando as condições não favorecem uma circulação, os espetáculos limitam a sua existência a primeira e única temporada. - É aqui que surgem, como “salva guarda” das produções país a fora, os cada vez mais oportunos Festivais de Teatro e Dança, favorecendo aos espetáculos contemplados o alongamento de suas existências, com o requinte de dialogar com outras plateias. E Pernambuco é bem servido de festivais, a exemplo do Festival de Inverno de Garanhuns e do Festival de Teatro do Agreste, em Caruaru, só para citar dois já notórios no calendário cultural pernambucano, entre tantos outros que possibilitam uma circulação de espetáculo, nacionais e estrangeiros, com grande teor artístico em nosso estado. Com relação ao Recife, o ano praticamente inicia com a realização do Festival Janeiro de Grandes Espetáculos, um dos mais antigos com seus vinte e dois anos ininterruptos de existência e resistência, tendo na sequência outros como o Festival de Dança do Recife e o Festival Recife do Teatro Nacional. Todos esses com vasta folha de bons serviços prestados ao movimento local das artes cênicas. E constantemente surgem novos como o TREMA! Festival de Teatro, que encontra-se em pleno exercício até o próximo dia 8 de maio (vide sugestões abaixo). Em sua 4ª edição, o TREMA! Tem um recorte bem específico no tipo de produção que agenda em sua grade, priorizando os espetáculos criados por Coletivos, em sua maioria, advindos de pesquisas aprofundadas nas temáticas abordadas, e que potencializam controvérsias, elevando o festival a uma categoria especial por não repetir formatos viciados nos eventos que são abarrotados de astros e estrelas. No TREMA!, quem brilha mais é o espetáculo, com reflexo nas mentes e corações da plateia, estendendo o assunto tratado em palco por muito tempo em bares, lares e demais espaços de encontros, após o fechar das cortinas, como ocorreu com a apresentação no Teatro de Santa Isabel do “Quem tem medo de travesti”. E isso, pela ótica da arte, é o melhor resultado que pode alcançar uma criação cênica. Que bom que vocês exixtem, Festivais! DICAS DE ESPETÁCULOS: “Conselho de Classe”, com a Cia. dos Atores (RJ) Local: Centro Cultural da Caixa, no Bairro do Recife. Dias: sexta, 06/05 e sábado, 07/05, às 20H. Preços: R$ 20,00 e R$ 10,00. Informações: 3425-1915 Festival TREMA! “Vento forte para água e sabão”, espetáculo para a infância e juventude com a Cia. Fiandeiros (PE). Local: Teatro Hermilo Borba Filho, no Bairro do Recife. Dias: Sábado, 07/05 e domingo, 08/05, às 16h. Preço único: R$ 5,00 Informações: 33553319 / 33553320 *Por Romildo Moreira - ator, autor e diretor de teatro

Festivais: um aporte necessário (por Romildo Moreira) Read More »

Teatro em tempos de crise (por Romildo Moreira)

“Ai a crise, ai a carestia!” – Vive dizendo o personagem Eurico, da peça O Santo e a Porca, do mestre da dramaturgia brasileira, Ariano Suassuna. Ariano escreveu esta comédia há 58 anos atrás. Mesmo considerando que “os tempos eram outros”, a frase hoje se põe atual, porque no teatro, uma crise se acaba para dar início a outra. Falo de crise econômica. Desta forma, não recordo ter vivenciado um período de fartura de patrocínio para as produções teatrais. Mas lembro dos canais de recursos que existiam para impulsionar montagens por todo o Brasil, através do Projeto Auxílio Montagem, expedido pelo Ministério da Cultura, em parceria com os governos estaduais. Isso nas décadas de 1970/1980. E lembro ainda os espaços bem equipados e conservados à nossa disposição, até pouco tempo atrás. Também nesta época era comum encontrar apoiadores (médios e pequenos empresários) para as montagens locais dos grupos mais notórios ou personalidades do teatro pernambucano, o que aliviava, mas não eliminava à crise financeira no teatro de então. – Com o advento das leis de incentivo, e com o passar do tempo, percebeu-se que “a crise” não passara com este moderno e democrático mecanismo de patrocínio, comparado o número dos que aprovam e conseguem executar seus projetos, com os que não conseguem o mesmo intento. E os apoios particulares de outrora, sumiram. Atualmente, quem se aventurou em busca de patrocínios em empresas privadas nos últimos 18 meses, Como é o caso do espetáculo Angelicus, sentiu de perto as intempéries do momento econômico do país, e recordou o chavão do Eurico de Ariano: Ai a crise, ai a carestia! Pois bem, em tempos de crise em todos os setores produtivos da sociedade, obviamente o artístico é o mais penalizado, e provavelmente entre às artes, o segmento cênico (teatro, dança, circo e ópera) seja o que mais sofre com a recessão. Fazer teatro é caro, visto que se trata de uma arte coletiva, que necessita de profissionais de vários setores para se concretizar uma montagem, que por sua vez necessita de público pagante para custear as despesas e, com crise, o público já escasso normalmente, reduz drasticamente a ida ao teatro. É aí que entra o papel do poder público, através dos seus órgãos de cultura, cumprir o que determina a Constituição Brasileira, no que se refere à cultura. – Porém, é corrente ouvir-se nos gabinetes de cultura, em todas as esferas, que: Com crise, não dá para reduzir gastos da saúde, da educação e da segurança... – O resto da frase, se sabe bem qual é. O bom senso advoga que, uma sociedade culturalmente elevada e intelectualmente evoluída, em geral, tem uma saúde mais equilibrada, um compromisso constante com a qualidade da educação (inclusive a doméstica) e, por conseguinte, uma segurança mais eficaz, visto que as agressões físicas e morais são reduzidas a casos perdidos. E sendo a arte, de modo geral, um instrumento de elevação cultural de uma sociedade, o teatro, em especial, alavanca o intelecto a níveis surpreendentes. Falo aqui de um teatro que vale a pena o poder público subsidiar, porque a pratica, hoje, dos espetáculos bancados pelo próprio mercado, não alcançam esse patamar de resultado, por opção. – Sendo este o quadro visível a olho nu, precisamos, com urgência, rediscutir o papel e a prática das leis de incentivo, assim como a função do Estado na produção cultural e, com diálogo franco, reconquistar outros mecanismos de incentivo público à produção artística, antes que a mediocridade seja um legado cultural para o nosso povo. No caso específico do Recife, é preciso correr contra o tempo já perdido, em busca de um futuro promissor, para que não figure em nossa história recente apenas lamentos como: fomos o terceiro polo de produção teatral do Brasil; tivemos um dos melhores festivais de teatro e de dança do país; fizemos a melhor montagem de Garcia Lorca fora da Espanha, reconhecido pelo governo espanhol, etc., etc. – Só para lembrar, hoje na capital pernambucana existe uma nova geração preparada para essa necessária retomada do crescimento artístico e intelectual da cidade, a exemplo do que ocorre com o cinema, aguardando as oportunidades surgirem. E essas oportunidades dependem do entendimento que os gestores públicos têm do significado da cultura pernambucana no cenário nacional e da cidade do Recife que é, por natureza, um celeiro de grandes artistas (do passado e do presente) que hoje, infelizmente, entoa a cantilena do texto de Ariano “Ai a crise, ai a carestia!”. Por Romildo Moreira - ator, autor e diretor de teatro

Teatro em tempos de crise (por Romildo Moreira) Read More »

Meu primeiro encontro com Florbela (abril/2016)

Lisboa, tarde fria de janeiro de 2014. Após alguns imperiais no Ramiro, seguimos a pé, sem destino, rumo às ruas do Chiado. Na companhia de dois amigos que, após poucos minutos de caminhada, cansados, sentaram num café para apreciar um charuto. Em frente, uma livraria. Deixei-os lá entregues ao prazer do tabaco e entrei ali, onde dentro de instantes - ela e eu - nos conheceríamos. Mexi e baguncei tudo o que via pela frente. Não havia orado pelo encontro. Nenhuma reza especial havia feito. Mas dei sorte. Ou seria destino? Bati o olho numa estante lá no fundo da livraria. Pareciam livros fora do circuito. Foi místico. Vi uma coisinha sem cor, meio bege, meio apagada, magrinha, sem graça, sem atrativo. Era ele, o livro. Era (d)ela: Florbela Espanca. Quando li seu nome na capa sabia que já tinha ouvido falar, mas não sabia quando, onde e como. Envergonha-me, hoje, isso. O fato é que não a conhecia, seja superficialmente, seja profundamente. Aquele era realmente nosso primeiro encontro. Danei-me a folhear. Sentei-me ao chão. Fiquei boquiaberto com o que lia. Estava golpeado. Não acreditava. O poder daquela poesia densa, amarga, triste, erótica e egocêntrica, nocauteou-me. Não conseguia parar de ler. Como uma mulher pode ter escrito tudo isso no início do século passado? Florbela me atingiu como um raio. Tudo o que escreveu fez com a alma. Emociona-me a cada encontro. Conheço sua obra há apenas dois anos. Ainda estou a conhecer, na verdade. Sua vida conturbada talvez tenha sido o motor de tanta crueldade nas palavras. Escrevia sem autopiedade. Numa sociedade patriarcal foi corajosa e à frente do seu tempo. Amo Florbela. Às vezes quero encontrá-la, beijá-la, abraçá-la. Nosso primeiro encontro foi inesquecível. Tenho pena, raiva, amor, curiosidade e tesão pela flor, que é bela, e que espanca minha alma com tanto sentimento. Farei uma visita ao seu túmulo este mês, na Vila Viçosa, Portugal, onde nasceu e foi enterrada. Eis uma das várias obras-primas da poetisa alentejana: Fanatismo Minh’alma, de sonhar-te, anda perdida. Meus olhos andam cegos de te ver. Não és sequer razão do meu viver Pois que tu és já toda a minha vida! Não vejo nada assim enlouquecida. Passo no mundo, meu Amor, a ler No misterioso livro do teu ser A mesma história tantas vezes lida!… “Tudo no mundo é frágil, tudo passa. Quando me dizem isto, toda a graça Duma boca divina fala em mim! E, olhos postos em ti, digo de rastros: “Ah! podem voar mundos, morrer astros, Que tu és como Deus: princípio e fim!…”

Meu primeiro encontro com Florbela (abril/2016) Read More »

Na capela da Jaqueira (abril/2016)

Se alguns templos pernambucanos se sobressaem pela importância de suas obras de arte, havendo outros que se destacam por sua história, a capelinha de Nossa Senhora da Conceição das Barreiras, na Jaqueira, tem, no seu passado, a marca do romantismo, com a triste história de Maria Theodora e Domingos José Martins. Neste nosso Arruando vamos até ao Sítio das Jaqueiras, na antiga Estrada de Ponte D’Uchoa, onde o capitão Henrique Martins, em 1766, iniciou a construção dessa capela em honra de Nossa Senhora da Conceição das Barreiras, como demonstram os ex-votos hoje existentes no Museu do Estado de Pernambuco. Herique Martins era um português, natural da vila de Oeiras, nas cercanias de Lisboa, onde foi batizado em 10 de agosto de 1704, sendo filho legítimo de Manoel Martins e Páscoa Duarte. Era seu pai um mestre sapateiro que trabalhou como caseiro do negociante Jacques Koster, que o mandou por várias vezes a Pernambuco no comércio de tecidos. Numa dessas viagens, Henrique Martins veio a casar com uma jovem do Recife, Ana Maria Clara, filha do capitão João Machado Gaio e de Ana Gomes de Barros. Passou a ser comerciante abastado no Recife, acionista da Companhia de Comércio de Pernambuco e Paraíba, com posto nas milícias e nas ordens portuguesas, onde era familiar do Santo Ofício e Oficial da Ordem de Cristo. Henrique Martins e sua mulher vieram demonstrar grande devoção à Virgem da Conceição. Sendo ele ligado a vários artistas em atividade em Pernambuco, particularmente pela sua atuação como “administrador das obras” da Igreja do Corpo Santo, no Bairro do Recife. Vários ex-votos do século 18, atualmente integrando o acervo do Museu do Estado de Pernambuco, estão a narrar fases de sua vida na qual ele implora pela intercessão da Virgem Maria em seu favor e até de um escravo que, caindo da Ponte d’Uchoa, fora salvo das águas do rio Capibaribe “em dias de agosto de 1770”. Na construção da Capela de Nossa Senhora da Conceição, no sítio das Jaqueiras, em Ponte d’ Uchoa, vê o professor Ayrton Carvalho o traço do mestre-pedreiro Francisco Nunes Soares, o mesmo que, segundo D. Clemente Maria da Silva Nigra, seria o responsável pelas obras de construção da fachada da Igreja do Mosteiro de São Bento de Olinda (1761-63), tendo também trabalhado na igreja de Nossa Senhora dos Prazeres dos Montes Guararapes (1785-86). Henrique Martins faleceu em agosto de 1782, estando com os seus negócios arruinados, registrando-se um alcance de 8:101$849, retirado da Bula da Santa Cruzada do Bispado de Pernambuco, da qual era ele tesoureiro-mor. Seus bens, dentre os quais o sítio da Conceição da Ponte d’Uchoa (Jaqueiras) e sua capela, foram a hasta pública e arrematados por Domingos Afonso Ferreira. Em 1816, eram senhores daquela propriedade o rico comerciante português Bento José da Costa e sua mulher Ana Maria Teodora, com atuação em várias irmandades do Recife, inclusive “administradores das obras” da Igreja do Corpo Santo (1801).Trata-se de uma das joias do barroco brasileiro. O templo tem o seu interior valorizado pelo trabalho de artistas, entalhadores e douradores, bem como por raros azulejos portugueses policromados, com cenas de caça, pesca e vida de José do Egito. No forro, painéis do século 18 retratam o casamento, a anunciação e a assunção de Nossa Senhora e os demais focalizam a padroeira, emblema da Virgem e motivos florais. O púlpito, em estilo rococó, apresenta, em sua face voltada para o solo, um grande sol em talhada dourada. Painéis a óleo sobre madeira representam São João Batista, São Felipe de Néri, Santo Henrique e “um fingimento de púlpito para representação de Santo Antônio pregando.” Na capela-mor, ornada com um gracioso altar rococó pintado de faiscado, azul, vermelho, branco e ouro, conserva-se a sepultura do coronel Bento José da Costa, “falecido em 10 de fevereiro de 1834 na idade de 75 anos a cuja memória dedicam este monumento sua saudosa esposa e seus 11 filhos”. Fora esse templo objeto de um Breve de indulgência, datado de Roma de 13 de novembro de 1781, no qual o papa Pio VI concede a todos os fiéis “que verdadeiramente arrependidos de suas culpas, confessando-se e comungando, visitarem a Capela de Nossa Senhora da Conceição das Barreiras... desde as primeiras vésperas do dia da festividade da mesma Senhora até o sol posto do mesmo dia e aí rogarem a Deus pela paz e concórdia etc.” Segundo José Antônio Gonsalves de Mello é esse o único documento conhecido, contemporâneo da data da construção dessa capela, com a denominação de Nossa Senhora da Conceição das Barreiras, em alusão ao trecho do rio Capibaribe, margeado por barreiras, onde está localizada. Saqueada em 1950, ocasião em que foram roubadas todas as portas e janelas internas e externas do andar superior, bem como os armários da sacristia, foi a Capela da Jaqueira restaurada pela diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, sob a direção do professor Ayrton Almeida Carvalho, com as suas obras conclusas em 1959. Os jardins que a circundam são de autoria do paisagista Roberto Burle-Marx, cujo projeto foi presenteado ao 1º Distrito da DPHAN e executado pela Prefeitura do Recife, na administração do prefeito José do Rego Maciel. Em 1976 foi novamente a Capela da Jaqueira objeto de furto, quando de lá foi retirada a imagem de sua padroeira, que, segundo alguns, passou a fazer parte de uma coleção particular do Rio de Janeiro. Nessa capelinha, que mais parece saída de um conto de fadas, Maria Theodora, filha do mesmo Bento José da Costa, casou, em 16 de março de 1817, com Domingos José Martins. Na mesma capela, veio Maria Theodora em oração pedir pela sorte do marido, preso na Bahia, por sua participação como chefe da Revolução Republicana de 6 de março de 1817. Condenado à morte, foi arcabuzado em 12 de junho do mesmo ano, juntamente com os mártires padre Miguelinho e o advogado José Luiz de Mendonça. Do cárcere, na véspera de sua execução, Domingos escreveu para a sua amada um soneto, depois impresso no Recife pela Tipografia

Na capela da Jaqueira (abril/2016) Read More »

O peso do Estado (abril/2016)

Em geral as discussões sobre o papel do Estado na economia estão contaminadas por fortes argumentos ideológicos. As polêmicas sobre Estado mínimo e/ou capitalismo de Estado são muito extensas na mídia e na literatura acadêmica. Não vou entrar nesse debate porque está dominado, na sua maior parte, por uma discussão ideologicamente obscurantista. O Estado tem que ser funcional, ou seja, tem que atender às demandas do cidadão por bens e serviços públicos de qualidade, pois, governos – os gerentes passageiros do Estado – são financiados com o dinheiro que pagamos de impostos. É factual também que, ao controlar grandes empresas, o Estado, através dos governos de plantão, possa utilizá-los para fins ilícitos, quer seja para apropriar privadamente recursos, quer seja para desviá-los para financiar partidos políticos. O escândalo da Petrobras é emblemático de como a desonestidade associada à má gestão é capaz de abalar profundamente a saúde financeira e a imagem de uma empresa que, no passado, foi orgulho dos brasileiros. É preciso regular e instituir boa governança corporativa nas estatais para reduzir os riscos de que esses problemas sejam recorrentes. Escritas tais considerações analisaremos agora o peso do Estado nas economias pernambucana e recifense medido, não pela sua contribuição ao PIB, mas pela presença no mercado de trabalho formal. Usaremos os dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) geradas pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) para os anos de 2004 e de 2014. Considerando o Estado como o conjunto do setor público, incluímos nesse universo as informações dos governos federal, estadual, municipal e das empresas estatais. Em 2014, a participação da massa salarial nominal recifense, entendida como a soma de todas as remunerações pagas pelo setor público na cidade, correspondia a 51,7% da massa salarial total. Ou seja, no Recife, mais da metade das remunerações formais, isto é, de pessoas empregadas com carteira de trabalho assinada, regidas, portanto, pela CLT, ou pertencentes ao regime do serviço publico nas diversas esferas de governo, está abrigada no setor público. Esse percentual já foi mais elevado 10 anos antes; em 2004 foi de 55,3%, tendo diminuído pela presença crescente do setor privado impulsionado pelo substantivo bloco de investimentos que aportou em Pernambuco, conduzindo a um maior dinamismo do mercado de trabalho recifense, que experimentou uma forte geração de empregos formais em paralelo a uma queda nas taxas de desemprego. Para o conjunto do Estado a participação é menor e também decrescente, evoluindo de 45,0%, em 2004, para 42,1% em 2014. O percentual da massa salarial recifense é maior do que no Estado de Pernambuco porque o município é sede regional de instituições federais (tribunais, por exemplo) com jurisdição maior do que o território pernambucano, sendo também a sede do Governo do Estado. Os dados, por conseguinte, são inequívocos ao revelarem uma forte presença do setor público no conjunto de remunerações do município, e embora menor, também, do Estado. Em tempo de inflação e crise fiscal, os funcionários públicos de todos os níveis de governo e de empresas estatais têm perdas reais de salário e não têm aumento nominal como, de resto todos os trabalhadores. Por outro lado, uma boa parte desses servidores é estável, ou seja, não podem ser demitidos a não ser por motivos graves e após inquérito administrativo ou judicial. Contrariamente ao setor privado, o ajuste não é feito pelo lado das demissões, mas apenas pelo da contenção da massa salarial nominal. Além disso, os salários dos trabalhadores do setor privado são mais flexíveis para baixo enquanto os do setor público são rígidos. O setor privado, quando não demite, negocia salários mais baixos ou recontrata com remuneração inferior. Isso não é possível no setor público a não ser para os não concursados detentores de cargos comissionados. A massa salarial nominal do setor público, contudo, não aumenta apenas por motivo de reajuste, pois possui a propriedade, protegida pela legislação, de apresentar um crescimento vegetativo devido à concessão de anuênios, bônus, promoções, etc. Assim, a manutenção ou baixo crescimento da massa salarial nominal do setor público funciona como mecanismo de sustentação da renda, minimizando o impacto da crise econômica sobre o nível de atividade local. Tem, portanto, uma característica anticíclica enquanto a massa salarial do setor privado cai com a recessão, sendo pró-cíclica. Argumento ainda que as remunerações do setor público respondem, em parte, pela alta e invariante desigualdade de renda no Recife, uma vez que os salários pagos pelo setor público não apenas são bem mais altos do que no setor privado, mas também crescem mais rapidamente. Analiso isso depois. Até breve.

O peso do Estado (abril/2016) Read More »

O bom humor

Voando entre Natal e o Recife, lendo a revista de bordo, deparei-me com uma reportagem sobre “os barbixas”, grupo de humoristas. Durante o texto o repórter explica que é difícil arrancar alguma resposta séria dos integrantes do grupo. Levam tudo na brincadeira e no bom humor. Nunca escrevi sobre isso, mas agora o faço: acredito no bom humor como estilo de vida. O pacto que fiz com o bom humor é irrevogável e irretratável. Pode acontecer o que for. E olhe que já aconteceu um lote de merda: AVC na minha madrinha (querida Fatinha), choque (e morte) do meu pai, autismo no meu filho, ligamento do joelho rompido, separação de casais queridos, liturgias cansativas dos ritos processuais no dia a dia da vida forense, seca no Sertão, trânsito caótico, contas pra pagar, etc. Nada disso é capaz de me tirar o bom humor, a alegria de viver. Claro que muitas coisas me entristecem, mas logo vejo o lado positivo em tudo e cuido de extrair da situação alguma coisinha engraçada. É o famoso “rir da própria desgraça”. Não, meu senhor, não é um texto de autoelogio. Não, minha senhora, não estou me “amostrando”, nem me exibindo. Muito menos ficando doido. Estou somente a relatar – porque acredito piamente nisso – que o bom humor cura, ameniza, ensina, empurra pra frente, alivia, engrandece. O sorriso é o alimento da alma. É o que nos faz seguir adiante. Nada forçado. Assim, natural mesmo. Tudo bem que em certas ocasiões posso beirar a tabacudice. Mas ser tabacudo tem lá seus encantos. Quando minha mãe iniciou um relacionamento após ficar viúva, bateu uma ciumeira danada. Coisa boba, de filho. Mas logo cuidei de brincar com as pessoas que, tentando tratar o assunto com seriedade, me diziam “você tem que entender, ela ficou viúva muito cedo”. Minha resposta era sempre ”você diz isso porque não estão comendo sua mãe, tão comendo é a minha”. Pronto! Logo todo mundo caía na risada e o papo sério se transformava em alto astral. Nem por isso deixei de sofrer os problemas que a vida me proporcionou. Mas o bom humor sempre me salvou de tudo e de todos. Lembro que um dia após a morte de painho, estávamos trancados no silêncio profundo do quarto de mãe. Eu, ela e Edmar, meu irmão. Em meio àquelas horas de silêncio fúnebre e no seio daquela tristeza imensa, arrisquei dizer que “dessa vez Deus botou sem cuspe e lambuzado na areia” (perdoem a heresia). E meu irmão emendou com um “tomamos no oiticica”. Assim, caímos na gargalhada, e depois choramos. Choramos muito. Até hoje a gente chora. Mas nunca deixamos de intercalar esses choros com muitas risadas. Doido, eu!? Sou nada! Eu sou é bem humorado. Só isso. Mas peço a Deus que pegue leve porque não sei até onde aguento. Tenho medo de ficar sisudo e amargurado. Se isso um dia ocorrer, peço que me enterrem vivo porque não suportarei ficar por aqui. Aliás, se eu perder a capacidade de rir de tudo é porque, na verdade, já estarei morto.

O bom humor Read More »

A esquecida rua do Imperador

Dentre as ruas que marcaram o centro do Recife, destaca-se a Rua do Imperador D. Pedro II, a primeira surgida na ilha entre os anos de 1606 e 1613, quando os frades franciscanos nela fizeram erguer o convento e uma igreja dedicada a Santo Antônio. Por ocasião da invasão holandesa, em 1630, foi o Convento de Santo Antônio cercado por muralhas e transformado no Forte Ernestus, uma fortificação retangular com quatro baluartes, dispondo de 19 canhões de diversos calibres. Nesta rua fixou residência o Conde João Maurício de Nassau-Siegen, que aqui chegou como governador do Brasil Holandês em 1637, ocupando uma casa então localizada na atual esquina da Rua Primeiro de Março. Nela o sábio Georg Marcgrave (1610-1648) instalou o primeiro observatório astronômico em terras das Américas e iniciou seus estudos sobre a fauna, flora e tipos humanos da região. Naquele local ele ergueu uma torre de observação em madeira, onde instalou o seu telescópio com o qual fez observações sobre o nosso céu e documentou o primeiro eclipse solar, ocorrido em 13 de novembro de 1640. No extremo norte da ilha, o Conde de Nassau fez erguer o Palácio das Torres (Friburgo) em 1642, rodeado por jardins, árvores frutíferas e dois grandes viveiros para criação de peixes, construindo assim um Jardim Zoobotânico destinado às experiências e estudos dos membros de sua comitiva de cientistas. O trajeto do caminho do palácio, margeado pelo Capibaribe, veio a ser aplainado e transformado em pista de esportes equestres (cavalhadas, corridas, etc.), sendo no seu extremo construído o templo religioso dos calvinistas franceses (1642). No final do século 17 foi criada a Ordem Terceira de São Francisco que iniciou a construção da monumental Capela Dourada dos Irmãos Noviços, construída entre 1695 e 1697, junto ao Convento Franciscano. Os Irmãos Terceiros de São Francisco, irmandade constituída pelos mais ricos comerciantes da então Vila de Santo Antônio do Recife (1709), logo iniciaram a construção do seu templo cujas obras se estenderam de 1702 a 1828. Em 1731 a primitiva Rua de São Francisco recebeu o prédio da Cadeia Pública (hoje ocupado pelo Arquivo Público Estadual) e, por conta dele, a denominação de Rua da Cadeia Nova, pois a primitiva prisão continuaria no bairro do Recife. O primitivo templo dos calvinistas passou a ser ocupado pelo Colégio dos Jesuítas (1686). Com a expulsão dos padres da Companhia de Jesus do Brasil (1757), o conjunto de prédios veio a ser ocupado pelo Palácio dos Governadores da Capitania, seguindo-se do Tribunal da Relação de Pernambuco e pela igreja do Divino Espírito Santo, esta a partir de 1855. No ano de 1859 o Recife recebe com grandes festas a Família Imperial Brasileira, que desfila em grande cortejo na então Rua do Colégio, naquele 22 de novembro. É nesta ocasião que o D. Pedro II, emocionado com a calorosa recepção quando do seu desembarque, haveria exclamado: “Pernambuco é um céu aberto...” A partir da visita da Família Imperial, a antiga Rua da Cadeia mudou seu nome para Rua do Imperador D. Pedro II. Com o centro religioso de devoção, com o Convento de Santo Antônio a receber, todas as terças-feiras, centenas de devotos, durante todo ano... Com suas calçadas largas a permitir a formação a um só tempo de dezenas de conglomerados de homens a falar de política, futebol, vida alheia, negócios e tanta coisa mais... Com os diversos centros administrativos no seu entorno, como o Palácio da Justiça, Fóruns Cível e Criminal, Secretaria da Fazenda, a secção regional da Ordem dos Advogados do Brasil, cartórios, repartições, redações de grandes jornais (Jornal do Commercio, 1919), instituições culturais (Gabinete Português de Leitura, 1850; Arquivo Público Estadual, 1945), bancos, escritórios de advocacia, casas comerciais, bares... Até recentemente, era a Rua do Imperador uma das mais movimentadas da cidade do Recife. A sua história, porém, se confunde com a própria história do Recife... As pedras do seu calçamento testemunharam o caminhar para a forca mártires das revoluções liberais, a exemplo de Agostinho Bezerra Cavalcanti e Frei Joaquim do Amor Divino Caneca (1825)... Foi da sacada de um dos seus sobrados que o então estudante da Faculdade de Direito do Recife (que funcionava no prédio do antigo Colégio dos Jesuítas), Antônio de Castro Alves (1847-1871), conclamava a Mocidade Acadêmica naquele seu Improviso, quando da questão Ambrósio Portugal (1867): Moços! A inépcia nos chamou de estúpidos! Moços! O crime nos cobriu de sangue! Vós os luzeiros do paí­s, erguei-vos! Perante a infâmia ninguém fica exangue Protesto santo se levanta agora, De mim, de vós, da multidão, do povo; Somos da classe da justiça e brio, Não há mais classe ante esse crime novo! Sim! mesmo em face, da nação, da pátria, Nós nos erguemos com soberba fé! A lei sustenta o popular direito, Nós sustentamos o direito em pé!

A esquecida rua do Imperador Read More »