Torcedoras mostram paixão pelos clubes e lutam contra machismo
Você sabia que o termo “torcedor” surgiu a partir da presença feminina nos campos e estádios de futebol? Pois bem, tudo aconteceu no início do Século 20, quando as mulheres frequentavam esses ambientes trajando luvas, vestidos e chapéus. Há quem defenda que o termo tenha sido criado por Coelho Neto, cronista e compositor do hino do Fluminense, na tentativa de nomear um coletivo de “fãs” por meio de uma alegoria que relacionasse sofrimento a uma palavra da língua brasileira que traduzisse o sentimento. Dizia-se que, algumas dessas precursoras, quando nervosas pelo decorrer da disputa e em função do calor, tiravam as luvas e começavam a torcê-las. A partir de então, passou-se a utilizar o termo para todas as pessoas que iam para o campo “torcer” por seus clubes. O fato é que a presença das mulheres na arquibancada teve papel decisivo no surgimento do que hoje conhecemos por torcida. O motivo de você, provavelmente, não conhecer essa história tem relação com anos de repressão e uma posição imposta às mulheres no esporte. Muito disso se deve ao Decreto-Lei nº 3.199 de abril de 1941, que estabeleceu que “às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza”. Em 1965, a lei foi regulamentada, e foram proibidos os esportes de contato para o sexo feminino. “Não é permitido a prática de lutas de qualquer natureza, futebol, futebol de salão, futebol de praia, polo aquático, polo, rugby, halterofilismo e baseball”. E – pasme! – essa proibição durou até 1983. Em contrapartida, nos últimos anos, elas vêm retomando seu papel de direito. No futebol, os números são expressivos. A última Copa do Mundo feminina teve o maior alcance midiático da história e registrou recordes de audiência na cobertura televisiva. Somente o jogo das oitavas de final, quando o Brasil enfrentou a França, teve 35 milhões de espectadores. Na torcida não é diferente, pesquisas como a do Ibope (2014) ou a da Pluri (2012), comprovam que as mulheres ou são a maioria, ou estão quase empatadas com os homens no número total dos torcedores pernambucanos. Mesmo antes dessa “primavera feminista” no futebol, o Decreto-Lei não chegou a diminuir a paixão feminina pelo esporte bretão. Teresa Ribeiro, consultora da TGI, ainda na infância foi incentivada a gostar do esporte e a praticar a disputa nas quatro linhas. “Meu pai fundou um time de futebol na cidade onde morávamos, no interior da Paraíba, chamado Flamengo em homenagem ao amor que ele sentia pelo time de Zico”, relembra. “Nessa época, ele estimulou a criação de uma ala feminina, que funcionava para entrar com os jogadores no campo e também com o time de futebol mirim”, continuou. “Eu era a ponta-esquerda desse time e tínhamos as partidas organizadas, os uniformes e, durante muito tempo, isso foi presente na minha vida como uma paixão mesmo, até hoje acompanho o esporte”, recorda a artilheira. O assunto tem sido objeto de estudo da publicitária, professora e pesquisadora Soraya Barreto Januário, autora do livro Mulheres no campo – O ethos da torcedora pernambucana. Em sua pesquisa, ela aponta que a retomada da relevância feminina atrás dos alambrados está relacionada à ascensão do feminismo. “Acredito que há uma relação direta entre as conquistas do movimento feminista e o aumento de mulheres participando do futebol, não só como torcedoras, mas como atletas, gestoras, técnicas, árbitras”. Soraya também faz parte do time das torcedoras apaixonadas e a ideia da pesquisa surgiu do seu amor ao esporte. “Desde muito pequena, gosto de futebol, joguei bola na escola, tenho o meu clube de coração, sou Sport. Fui mascote do time, sempre frequentei o campo, uma das minhas maiores referências, além do meu pai, é minha avó que também jogava na sua juventude e que acompanha, apaixonadamente, até hoje o Sport”, conta a pesquisadora. “E, aí, quis unir o meu objeto de trabalho, as questões de gênero na comunicação, com esse amor ao futebol”, justificou. “Meu objetivo era perceber como as mulheres chegavam ao futebol, já que temos um histórico de proibição”, destaca. Atualmente, as mulheres formam seus próprios movimentos de torcida para ocupar as arquibancadas dos clubes do Estado e lutar por representatividade e contra o machismo dentro e fora do gramado. A enfermeira Priscila Azevedo, 26 anos, participa, há três anos, do Movimento Coralinas, um coletivo formado por mulheres torcedoras do Santa Cruz e que vem agindo para mudar a realidade da torcida feminina do clube. “Atuamos dentro e fora do estádio. Construímos, por exemplo, uma caixinha coletiva nos banheiros femininos fornecendo papel higiênico e absorvente às torcedoras”, destaca. “Também adesivamos as portas dos banheiros com informes de que aquele espaço é nosso, porque homens invadiam para utilizá-los. Temos ainda uma pelada feminina que acontece toda quarta-feira no campo do Arruda”, esclarece a tricolor. Viviane Barros, estudante de 27 anos, entende que as torcidas femininas cumprem um papel maior do que apenas acompanhar os clubes. “Nós, do Elas e o Sport, nos reunimos para realizar ações sociais, como o projeto Amor além das Arquibancadas, uma campanha para ajudar uma creche e um asilo. Na nossa última ação recolhemos livros para doação ao Hospital do Câncer. Também trabalhamos com prevenção e cuidado ao câncer de mama e realizamos ações em parceira com outras torcidas, em nível estadual, regional e nacional, abordando temas sobre os direitos e a liberdade das mulheres tanto dentro quanto fora do estádio”, relata a rubro-negra. “Procuramos fazer essa rede de solidariedade, porque acreditamos que o futebol não é somente um lazer, vemos no esporte o poder de transformar a sociedade. Praticamos boas ações que transbordem a alegria de ser Sport Club do Recife para as outras áreas da vida”, defende. Mas nem tudo são flores no caminho das torcedoras pernambucanas. Ainda existem muitos desafios e obstáculos a serem ultrapassados no campo de futebol. A estudante Marcela de Oliveira, 18 anos, é fanática pelo Náutico e participa ativamente do coletivo de torcedoras Timbuzeiras. Mas, ela confessa não ser tarefa fácil ir ao estádio acompanhar seu clube do
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