Como identificar as soluções para combater a violência?
Em fevereiro, o País acompanhou o anúncio do primeiro decreto do novo presidente Jair Bolsonaro flexibilizando a posse de armas. Assistiu com perplexidade aos ataques no Estado do Ceará. E recentemente conheceu e discutiu o pacote anticrime apresentado pelo ministro Sérgio Moro. A segurança pública ganhou os holofotes do debate público mais do que em qualquer outro período da nossa recente democracia. E estamos ainda no primeiro trimestre do ano. Em Pernambuco o número de homicídios segue elevado, embora tenha havido uma redução de 23,2% em 2018. No Recife, que reduziu 24,1% no ano passado, em localidades marcadas historicamente pela baixa presença do poder público, a política de segurança municipal, ancorada no Compaz e inspirada na experiência de Medellín, também apresenta indicadores de redução da criminalidade. Conversamos com especialistas, representantes de movimentos sociais e agentes políticos para refletir sobre um tratamento para o câncer da violência que tomou conta do País. As receitas apresentadas contra essa doença contêm remédios muito mais sofisticados que a simples repressão que o Brasil adota há décadas. . . Os recifenses Rogério Leite, 23 anos, e Luciana de Lima, 25, há alguns anos estavam enquadrados no perfil de agressores e possíveis alvos do sistema de repressão policial. Quando ainda estavam saindo da adolescência foram encaminhados à delegacia. Ele, antes usuário de drogas, após conflito com um vizinho foi denunciado. Ela havia se envolvido numa briga com outra jovem de menor. Nesse momento eles foram fisgados pelo programa Trampolim, que tem por objetivo a recuperação de jovens em situação de risco. “Eu não trabalhava, eu não estudava. Só vivia na rua, usava drogas e brigava com a vizinhança. Nunca tive shopping, cinema, praia. Nada de lazer”, disse Rogério, que vive no bairro dos Torrões. “Minha adolescência era uma doideira. Não tinha juízo, nem paciência para ninguém. Era muito arengueira. Hoje sou totalmente diferente”, relatou Luciana, que mora no bairro de Joana Bezerra. A história dos dois tem mais semelhanças. Nascidos em famílias carentes, sem a presença do pai, não tinham boas oportunidades de lazer e estudos. Contexto comum de muitos jovens das periferias urbanas do Recife e do Brasil. Um pouco de atenção, algumas formações básicas, orientação e uma chance de entrar no mercado de trabalho. Pequenas medidas de amparo do poder público mudaram suas trajetórias. Hoje ambos trabalham no setor de serviços gerais, têm sua renda, autonomia e constituíram família. Mais que isso, eles têm sonhos. Antes tímidos ao falar do passado, hoje estão orgulhosos ao dizer que deixaram os velhos hábitos. “Com meu trabalho construí minha casa. Melhorou muito minha vida. Hoje quero dar o melhor para minhas filhas de 5 anos e de 2 anos”, afirma Luciana. “Quero ser um pai presente, dar ao meu filho o que não recebi. Tenho vários projetos, como fazer minha casa, pois ainda moro com minha sogra, e ajudar minha mãe no comércio dela”, revela Rogério. Os jovens que estavam enquadrados no perfil nem-nem (que nem trabalham, nem estudam) foram resgatados pela mão social do sistema de segurança urbana do Recife. Segundo os especialistas, as cidades que conseguiram reverter a escalada da violência são aquelas que adotaram simultaneamente a mão dura (atuação firme policial e da justiça, mas respeitando os direitos cidadãos) e a mão social (relativa à atuação intencional do Estado em prover serviços sociais, educação e cultura para prevenir a violência). A história deles, no entanto, ainda é uma exceção. Como também é uma exceção no País a existência de políticas consistentes de prevenção à criminalidade. . . Essa fórmula que trata ao mesmo tempo da repressão e da prevenção foi realizada com êxito em Medellín, na Colômbia. A cidade que chegou a ter 382 mortes violentas por 100 mil habitantes conseguiu reduzir para cerca de 20 mortes por 100 mil habitantes.“A reversão desse cenário veio de uma combinação de fatores. A política nacional de enfrentar com mais força os grupos guerrilheiros e paramilitares. A melhora do aparato da justiça e da atuação da polícia, com sistemas de câmeras de vigilância e com alta capacidade de resposta. Mas isso não seria suficiente se não tivesse, ao mesmo tempo, um grande projeto social, educativo e cultural. Aí está a chave desse êxito”, revela o ex-secretário de Desenvolvimento Social de Medellín, Jorge Melguizo. O braço de prevenção do enfrentamento à violência na Colômbia usou o conceito do urbanismo social. “Trata-se de uma intervenção territorial em zonas de alto índice de violência. O Estado investe em qualidade arquitetônica e urbanística em bairros menos favorecidos. Associado a isso, foram levadas atividades educacionais, culturais e esportivas", explica Tomas Alvim, cofundador do Arq.Futuro, uma plataforma de discussão sobre o futuro das cidades. Alvim ressalta não se tratar de uma simples entrega de equipamentos aos cidadãos. "Mas uma experiência que pressupõe também uma governança local, com a escuta e negociação muito forte com a população para definir como será a atuação do poder público no território”. Outro case mundialmente famoso foi o combate à violência em Nova Iorque. A cidade americana tinha o índice de 30,7 mortes por 100 mil pessoas na década de 1990. Esse índice caiu para 3,4 por 100 mil habitantes. Embora as realidades socioeconômicas e os números de homicídios da cidade norte-americana sejam diferentes das latino-americanas, o exemplo nova-iorquino vale a pena ser analisado. As ações mais conhecidas para a mudança desse cenário estão associadas ao fenômeno que ficou conhecido como "tolerância zero”, adotada pelo ex-prefeito Rudolph Giuliani, que fiscalizava de forma intensa pequenas violações da lei para coibir a ocorrência de crimes de maior gravidade. Mas não foi só isso. Especialistas apontam que houve um reforço no policiamento, uso de tecnologia no sistema de segurança e uma melhoria socioeconômica. “A diminuição da violência em Nova Iorque coincidiu também com um período de maior desenvolvimento econômico, investimentos públicos em políticas de inclusão social e uma requalificação urbana dos bairros pobres ao redor da cidade, que sofreram um processo de favelização nas décadas de 70 e 80. Essas mudanças urbanas foram mais importantes que a pura ideia da
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