João e Maria (Por Joca Souza Leão)

Nas artes – na literatura, então, nem se fala – nada é bom porque é original ou inédito. Nem ruim porque houve uma versão anterior, como uma história que alguém, ou muitos até, já contaram.

História de cavaleiro andante, na Espanha do século XVII, não tinha nada de original. Original – e genial – era Cervantes. Original – e genial – era Shakespeare. Não a saga dos Montecchio e Capuleto. Esta, os italianos já contavam. Alguns séculos antes.

Pelo preâmbulo, até parece que não reconheço e louvo a originalidade. Mas não é nada disso. Reconheço e louvo, sim. Mas não só. Também – e sobretudo – reconheço e louvo os méritos do artista. Como constrói e desenvolve a narrativa. A obra, pois, é que é importante. É o que se há de julgar. Não o tema, mas a abordagem. Não o argumento, mas o texto.

Essas questões me ocorreram lendo Contos da era das canções, livro de Aluízio Falcão, em que ele conta a história de João e Maria, valsinha de Sivuca com letra de Chico Buarque.

Em 1947, ainda morando aqui, no Recife, Sivuca compôs uma melodia e a deu para o pernambucano Rui de Moraes e Silva (autor de Casaca de Couro, gravada por Jackson do Pandeiro) botar a letra. Rui deu tratos à bola, o título Amanhecendo, e a passou para a cantora Nadja Maria gravar. Nadja gravou, mas o disco não teve a menor repercussão.

Trinta anos depois, já famoso e morando no Rio, Sivuca encontra Chico Buarque num show. “Rapaz, se gostar dessa valsinha, bote a letra.” E entrega a Chico uma fita (cassete, que era a tecnologia da época).

No ano seguinte, arrumando as gavetas, Chico acha uma fita. Bota pra tocar. Quando ouve o solo da sanfona, pinta a ideia: um menino e uma menina brincando de cowboy. “Agora eu era herói / E o meu cavalo só falava inglês”. Nara Leão e o próprio Chico gravam. E o sucesso é retumbante.

Após um show aqui, no Santa Isabel, Chico recebe a visita de uma senhora no camarim, que bota um pequeno gravador pra tocar. Amanhecendo, gravada por ela. “Reconhece esta melodia?” Encabulado, Chico diz que a recebera de Sivuca. “Ele não me disse que já tinha sido gravada.”

Passado um tempo, Chico encontra Sivuca, narra o acontecido e diz brincando: “Pô, Sivuca, sacanagem! Você me deu uma música usada.”

Na Grécia Antiga, o que valia era a excelência. Não a originalidade. Diferentes autores, em diferentes épocas (ou na mesma), escreviam sobre os mesmos temas, mitos e personagens. Medeia teve várias versões, escritas antes e depois da de Eurípedes. Mas foi a de Eurípedes que ficou. E que inspira dramaturgos até hoje.

Assim, a valsinha de Sivuca também ganhou uma nova versão, uma nova letra. Genial. E foi a que ficou.

Agora eu era o rei
Era o bedel e era também juiz
E pela minha lei
A gente era obrigado a ser feliz

 

Por Joca Souza Leão

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