O psiquiatra Amaury Cantilino explica como identificar quando a preocupação deixa de ser saudável e oferece caminhos para lidar com o problema A ansiedade faz parte da vida de todos, funcionando como um alerta natural diante de desafios e incertezas. Ela nos prepara para enfrentar situações difíceis, seja uma prova, uma apresentação ou um risco no dia a dia. No entanto, quando essa reação se torna constante, intensa e desproporcional, deixando de ajudar e começando a prejudicar, ela se transforma em um transtorno que merece atenção profissional. “É como se a mente ensaiasse catástrofes o tempo todo”, explica especialista, lembrando que preocupações excessivas e fora de controle deixam de ser ferramentas de planejamento e passam a ser fontes de exaustão emocional. Reconhecer os sinais é o primeiro passo para buscar ajuda e retomar o equilíbrio entre corpo e mente. A ansiedade é algo natural da vida de qualquer pessoa. Mas quando podemos considerar que ela atinge um nível que não é saudável? O que caracteriza um grau de ansiedade mais "doentio"? A ansiedade é uma emoção natural, parte do nosso equipamento biológico para lidar com ameaças e incertezas. Do ponto de vista evolutivo, ela foi fundamental para a sobrevivência da espécie: um pouco de apreensão antes de atravessar uma floresta escura ou enfrentar um predador aumentava as chances de escapar ileso. No dia a dia atual, essa mesma reação nos ajuda a estudar para uma prova, preparar uma apresentação ou evitar comportamentos de risco. No entanto, quando falamos em psiquiatria, consideramos que a ansiedade se torna “doentia” (ou “patológica”, no termo técnico) quando perde sua função adaptativa e começa a causar sofrimento intenso ou prejuízo significativo na vida da pessoa — seja no trabalho, nos relacionamentos ou no autocuidado. Os critérios diagnósticos envolvem não só a intensidade, mas também a frequência, a duração e a falta de proporcionalidade em relação à situação que a desencadeia. Algo relacionado a isso são as preocupações. As preocupações são ideias ou imagens mentais sobre algo que pode dar errado no futuro. Num grau saudável, elas nos ajudam a nos antecipar e nos preparar: se me preocupo com uma prova, estudo; se penso na possibilidade de chuva, levo um guarda-chuva. O problema surge quando as preocupações se tornam excessivas, repetitivas e difíceis de controlar, ocupando espaço mental que poderia estar dedicado a outras atividades mais úteis. É como se a mente ficasse “ensaiando catástrofes” o tempo todo, mesmo para situações improváveis ou fora do nosso controle. Nesse ponto, elas deixam de ser ferramentas de planejamento e passam a ser fontes de exaustão emocional. Em psiquiatria, observamos que, nos transtornos de ansiedade, as preocupações são mais intensas, mais prolongadas e mais difíceis de afastar — como se o cérebro tivesse dificuldade em encontrar o botão de “pausa” para o pensamento. Como lembra uma frase atribuída a Montaigne: “A minha vida foi cheia de desgraças terríveis, a maioria das quais nunca aconteceu.” É um lembrete poético de que, muitas vezes, sofremos mais nas preocupações que na realidade. O que chamamos de "crise de ansiedade" é um colapso que esse mal causa no nosso organismo? A “crise de ansiedade”, também conhecida como ataque de pânico, não é exatamente um colapso, mas uma reação súbita e intensa. É como se o corpo tivesse recebido um alarme falso de perigo extremo. Aciona-se um sistema antigo do corpo chamado “resposta de luta ou fuga”, que prepara o organismo para reagir a ameaças. Esse mecanismo envolve a liberação de hormônios como adrenalina e cortisol, que alteram temporariamente o funcionamento de praticamente todos os órgãos. Em segundos, o corpo entra em “modo de emergência”: o coração dispara, a respiração acelera, surgem tontura, tremores, suor frio e até a sensação de que algo terrível está para acontecer. É um incêndio emocional aceso sem chama visível. Embora a crise passe, ela é um sinal de que o sistema de alerta interno está hipersensível e merece atenção profissional. Que efeitos mentais e no restante do corpo que a ansiedade elevada pode provocar? Quando a ansiedade deixa de ser passageira e se mantém elevada por semanas ou meses, ela não se manifesta apenas em momentos de crise. É como uma maratona soturna, na qual o corpo corre o tempo todo sem linha de chegada. Esse estado contínuo desgasta a atenção, reduz a clareza mental e afeta a memória. No organismo, altera o equilíbrio hormonal, leva a dores musculares persistentes, distúrbios digestivos, alterações de pele e queda na qualidade do sono, contribuindo ainda para problemas como hipertensão, gastrite, dores crônicas, enfraquecimento da imunidade e até mudanças hormonais. Na mente, a ansiedade crônica interfere na concentração, na memória e na capacidade de tomar decisões. Pode aumentar a irritabilidade, a sensação de cansaço constante e favorecer o aparecimento de outros transtornos, como a depressão. Normalizamos a ansiedade? Pensando em soluções, quais os caminhos para enfrentarmos individualmente e coletivamente os males desse problema de saúde pública? Sim, como os sintomas podem surgir de maneira gradual com uma noite mal dormida aqui, uma tensão muscular ali, a pessoa e até quem convive com ela passam a encarar esses sinais como parte da personalidade ou do “jeito de ser”. Essa adaptação enganosa mascara o fato de que, por trás desses sintomas, pode haver um transtorno de ansiedade plenamente tratável. O risco é que, ao aceitar esses sinais como normais, atrasamos o diagnóstico e prolongamos o sofrimento. Reconhecer que a ansiedade não precisa ser constante é o primeiro passo para buscar ajuda e recuperar a qualidade de vida.No plano individual, o enfrentamento começa pelo autoconhecimento: perceber gatilhos, reconhecer limites e adotar hábitos que favoreçam o equilíbrio, como sono de qualidade, atividade física regular, momentos de lazer e técnicas de respiração ou meditação. A psicoterapia oferece ferramentas para lidar melhor com pensamentos e emoções, e, quando necessário, o tratamento medicamentoso pode ajudar a reequilibrar a química cerebral. No plano coletivo, é essencial garantir que a saúde mental seja prioridade nas políticas públicas, ampliando o acesso a serviços especializados como ambulatórios de psiquiatria e promovendo