Apesar do preconceito, uso medicinal da Cannabis avança no País
*Por Rafael Dantas Eitor Araújo, hoje com 14 anos, era uma criança que não conseguia se socializar e nem dormir direito até os 7 anos. Autista não verbal, grau 3, ele acordava de hora em hora gritando à noite. Quando ele nasceu, sua mãe, Elisângela Araújo, teve de deixar o emprego de promotora de vendas para se dedicar exclusivamente ao cuidado do filho. Não era chamado para nenhuma festinha de crianças porque as famílias não sabiam como ele se comportaria. Até que ele teve acesso ao uso medicinal da cannabis. “Foi um divisor de águas na nossa vida”, contou a mãe. Não era a falta de acesso à escola que mais incomodava Elisângela mas a impossibilidade de o filho conviver com outras crianças, sair em família para um passeio ou mesmo para situações típicas do cotidiano. Sem rede de apoio, os dias dela e de Eitor eram muito difíceis. Mas a terapia certa transformou sua qualidade de vida. “Nunca me preocupei com o fato do meu filho ainda não ser alfabetizado, o que me deixava triste era ele não se permitir socializar. Hoje vamos ao cinema, ao shopping, ao mercado. É o meu companheiro. Nossa vida mudou 100% após o uso da cannabis”. Ela chegou ao óleo originado da erva após os medicamentos tradicionais deixarem vários efeitos colaterais a Eitor. Ele estava desenvolvendo compulsão alimentar, ficava a maior parte do tempo sonolento, se autoflagelava e se tornou cada vez mais agressivo. De tanto buscar alternativas para garantir maior qualidade de vida ao filho, Elisangela encontrou outra mãe que conhecia a cannabis, depois teve acesso a um médico prescritor. Participou da criação de associações junto com outros pacientes e até hoje ela segue na luta pela garantia da terapia ao filho. “Precisamos desmistificar, quebrar barreiras, enxergar a erva como um medicamento e não como droga. É preciso abrir a mente para ver essa possibilidade. Não é cura, mas a qualidade de vida que é fundamental. A condição de vida que meu filho tem hoje só com a cannabis consegui”, afirmou a mãe. Com a melhoria da condição de vida do filho, o preconceito contra o medicamento segue como um dos desafios com que ela tem que lidar. Como Eitor, cada vez mais brasileiros são beneficiados com as descobertas da ciência sobre a erva. O Brasil registrou 430 mil pessoas fazendo tratamentos com derivados da cannabis em 2023. Em apenas um ano, o salto foi de 130%, segundo o Anuário da Cannabis Medicinal, estudo produzido pela empresa Kaya Mind. Ao passo que os benefícios da planta vão sendo mais conhecidos pelos pacientes e pela classe médica, avança o número de prescrições e também a pressão para uma maior regulamentação da fabricação desses produtos em solo brasileiro. Ainda existe preconceito por uma parcela da população com a planta, mas é uma percepção cada vez menor. Embora 72% dos brasileiros sejam contrários à legalização da cannabis para uso geral, atualmente 76% é favorável ao seu uso medicinal. Os dados são de uma pesquisa recente do Instituto Datafolha. Entre os entrevistados, 67% declararam inclusive apoiar a legalização do cultivo da cannabis no Brasil com o propósito de produzir medicamentos. Dentre as diversas enfermidades que podem ser tratadas com medicamentos derivados da cannabis estão câncer, Alzheimer, Parkinson, epilepsia, fibromialgia e, até mesmo, doenças autoimunes. Há ainda portadores de HIV que são muito beneficiados com as terapias com cannabis. “Para pacientes que têm muitos enjoos, com depressão, ansiedade, a cannabis tem uma ação maravilhosa. Eles saem de processos de perda de peso, de vômitos, de anorexia, porque antes não conseguiam comer. Aumentam o apetite. Pacientes também com lúpus, asma, glaucoma, distrofia muscular, insônia, dores crônicas, espasmos musculares, artrite, convulsões, síndrome de Tourette, uma gama de situações”, afirmou o médico Wilson Freire, do Hospital Universitário Oswaldo Cruz da UPE. O médico explica que o carro-chefe das terapias com cannabis são as epilepsias refratárias, que já passaram por todo tipo de tratamento sem bons resultados. A procura é grande também por pacientes de dores crônicas, fibromialgia, com câncer (e dores intensas), insônia, entre outros. Na área odontológica, os cirurgiões-dentistas estabeleceram uma parceria de longa data com profissionais médicos que recomendam o uso desse fitofármaco. “A cannabis é fantástica também na odontologia, desde a prevenção de cáries, de gengivite e da síndrome da boca ardente, além das dores orofaciais que podem não ter origem odontológica”, declarou o professor da Unicap e da UFPE, Hélio Mororó. “Fomos acostumados a ver a maconha como uma droga ilícita e, por isso, muitos colegas ainda têm preconceitos por desconhecer o poder de cura da cannabis sativa, por seus princípios ativos”, completou. O posicionamento da opinião pública favorável e o aumento de publicações científicas sobre os usos da planta promoveram avanços na legislação brasileira em favor dessas terapias. Desde 2015, a Anvisa (Agência de Vigilância Sanitária) já autoriza a importação de produtos terapêuticos da cannabis, como óleos, pomadas e alguns medicamentos. O cultivo e a produção em solo nacional, porém, só têm ocorrido por meio de autorizações judiciais, solicitadas por associações criadas por pacientes e familiares com prescrição para o uso desses produtos. Apesar do progresso recente do acesso aos medicamentos, o Anuário da Cannabis Medicinal estima que 6,9 milhões de brasileiros poderiam ter benefícios ao utilizar essa terapêutica. O estudo apontou que 219 mil pacientes contam com autorização ativa na Anvisa para realizar a compra online dos produtos importados, 97 mil adquirem em farmácias e 114 mil junto às associações (organizações formadas por pacientes, familiares, profissionais da saúde e ativistas que se unem com o objetivo de promover o acesso seguro à cannabis para fins medicinais). Uma diferença significativa entre os produtos importados e os nacionais, que funcionam em geral com autorização judicial, é o preço. Os médicos falam em até 10 vezes a redução de valores quando a produção não depende de importação. O custo acaba excluindo muitos pacientes de terem melhores tratamentos ou impõe um peso nos cofres públicos. Várias decisões judiciais têm exigido que os sistemas de saúde custeiem essa
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