Arquivos Entrevistas - Página 20 de 28 - Revista Algomais - a revista de Pernambuco

Entrevistas

“A realidade da Gripe Espanhola se repete com a politização da Covid-19.”

Uma pandemia se abate sobre o mundo causada por um vírus. No início, integrantes do Governo Federal fazem pouco caso da virulência da infecção, dizendo tratar-se de uma gripezinha benigna. Mas logo a doença se espalha pelo País e no planeta causando 50 milhões de mortes e colocando o sistema hospitalar em colapso. Surgem teorias da conspiração sobre a origem do maligno micro-organismo. Apesar dos cientistas alegarem não haver medicamento para combater a doença, várias pessoas acreditam em tratamentos sem nenhuma comprovação científica. Um resumo da situação da Covid-19 no Brasil? Nada disso, essa foi a realidade da Gripe Espanhola, que chegou pelos portos de cidades brasileiras, como o Recife, em 1918. Para entender melhor esse momento histórico e sua analogia com o momento atual, Cláudia Santos conversou com Alexandre Caetano da Silva, autor da dissertação de mestrado pela UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) Recife, uma cidade doente: a Gripe Espanhola no espaço urbano recifense (1918). Por que a pandemia da Gripe Espanhola teve este nome? A pandemia acontece durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). A imprensa dos países que participavam da guerra censurava as notícias sobre a doença. A Espanha não participou do conflito e sua imprensa noticiava livremente a pandemia que, por isso, ficou conhecida como Gripe Espanhola. Mas a sua origem, na verdade, é norte-americana. A epidemia tem início no campo de treinamento militar em Kansas, nos Estados Unidos. Esses militares participam da guerra em 1917 e espalham a doença na Europa e depois no mundo. Porém, assim como hoje há teorias da conspiração afirmando que o novo coronavírus surgiu de um laboratório chinês, na época da Gripe Espanhola, havia o boato de que os alemães, na guerra, engarrafaram o vírus e o jogaram nas praias brasileiras. Como ocorreu a entrada do vírus Influeza A H1N1 causador da gripe Brasil? Foi quando o paquete (embarcação) britânico Demerara que, vindo da Europa no início de setembro de 1918, atracou no Rio de Janeiro no dia 14 daquele mês, já com vários tripulantes enfermos. Essa é a primeira notícia da presença da Gripe Espanhola no Brasil. Como foi a atuação de Carlos Seidl, diretor geral da Saúde Pública (espécie de Ministério da Saúde à época), no combate e prevenção da pandemia no País? É verdade que ele se referiu à doença como “uma gripe de caráter benigno” e num primeiro momento se recusou a propor a quarentena? Inicialmente a Gripe Espanhola foi tratada de uma forma geral como uma gripezinha, mas com o aumento dos casos e a situação piorando com o crescimento constante do número de óbitos em todo o País, o Estado começou a tomar medidas como o isolamento social e o fechamento do comércio e outros estabelecimentos. Carlos Seidl sai da Direção em 1918 e quem assume é o médico e biólogo renomado Carlos Chagas. Você poderia fazer uma comparação entre a atuação dos jornais na época da Gripe Espanhola e as redes sociais na atual pandemia? A doença só existe quando as pessoas acreditam nela. Em 1918, a Gripe foi noticiada pelos jornais. Em Pernambuco, o Diario de Pernambuco representava a situação do governo de Manoel Borba e o jornal A Província representava a oposição, mas também havia outros. As notícias sobre a Gripe Espanhola eram dadas de uma forma mais direta e clara pelo jornal A Província, por representar a oposição ao governo. Só depois de alguns dias, em função da calamidade que o Estado passava, é que o Diario de Pernambuco começou a divulgar e aceitar a realidade que a Gripe colocava à sociedade. Hoje, com a Covid-19, a realidade se repete no que toca à questão da politização da doença, por meio das redes sociais e de instituições que desacreditam na pandemia. Dessa forma, colocam parte da sociedade em conflito, por acreditarem nas lideranças dessas instituições. Como a Gripe Espanhola assolou o Recife, qual o número de mortos e infectados, houve colapso do atendimento hospitalar? A Gripe Espanhola entra no Recife através do Porto da cidade. As primeiras notícias da doença foram de 25 de setembro de 1918, afirmando que ela chegou por intermédio do vapor Piauhy, vindo de Dacar (Senegal, África) com dois doentes abordo, no dia 24 de setembro. Não se tem um número exato de mortes provocadas pela Gripe Espanhola, mas de acordo com o relatório do diretor de Higiene do Estado Dr. Octávio de Freitas, no Recife morreram 2.500 pessoas. A cidade não possuía um instituto de medicina legal e nem uma estrutura de hospitais públicos. Existiam dois hospitais de referência no período, o Santa Águeda e o Pedro II. Houve, sim, um colapso no atendimento hospitalar, em que as farmácias serviram como ponto de ajuda aos infectados no combate à epidemia, oferecendo medicamentos, mas, na verdade, não havia um antídoto contra o vírus. Sem atendimento, as pessoas morriam nas ruas, as funerárias trabalhavam 24 horas por dia fabricando caixões. LEIA A ENTREVISTA COMPLETA NA EDIÇÃO 179.1 DA REVISTA ALGOMAIS: assine.algomais.com

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“Diante da falta de memória do povo, uma saída que podemos oferecer é o jornalismo e a literatura.”

“Um povo que não conhece a sua história está fadado a repeti-la”. A frase do filósofo Edmund Burke se encaixa bem com a falta de memória ou o desconhecimento dos brasileiros so bre fatos passados. Uma realidade perigosa que chega ao extremo de haver pes soas pedindo a volta da ditadura militar. Daí a importância de livros como Queridos Rivais, do jornalista Sérgio Montenegro. A obra aborda a União por Pernambuco, uma aliança entre PMDB e PFL ocorrida nos anos 90 que parecia impensável na época. Nesta entrevista a Cláudia Santos, Sérgio relembra esse período da política pernam bucana e do País, analisa as consequências dessa coligação e fala um pouco sobre a importância de revisitar a história. A aliança entre PMDB e PDS, que permitiu eleger, por via indireta, Tancredo Neves presidente da República, abriu ca minho para outras alianças como a União por Pernambuco? Com certeza, sim. Tancredo Neves, na época, era do PMDB, José Sarney havia presidido a Arena e, com a volta do pluripar tidarismo, migrou para o PDS. Aquela aliança só aconteceu por causa da rebeldia de alguns pedessistas – todos apoiadores do regime militar – que divergiram da candidatura de Paulo Maluf pelo partido. Entendiam que Maluf tinha a simpatia da caserna e poderia representar uma continuidade do regime, indeseja da naquele momento em que se negociava a redemocratização. Em princípio, eles defendiam que o partido lançasse a candida tura do ex-ministro Mário Andreazza, mas foram derrotados. Então, saíram do PDS e formaram a Frente Liberal, que não era partido ainda, para apoiar Tancredo Neves. A condição imposta ao PMDB para esse apoio foi a composição da chapa, com a indicação do vice: José Sarney. E assim foi feito o acordo. No mesmo ano da eleição de Tancredo/Sarney, que aconteceu em janeiro de 1985, houve a disputa para prefeitos de capitais. No Recife, havia uma disputa interna no PMDB entre dois deputados federais pela indicação como candidato: Jarbas Vasconcelos e Sérgio Murilo Santa Cruz, que se articulou com o PFL local – então já registrado como partido – formando uma espécie de reedição da aliança feita em torno de Tancredo, e conseguiu a indicação. Jarbas, então, saiu do PMDB para o PSB, numa manobra comandada por Miguel Arraes, que via no aliado um importante reforço no Recife para a sua própria candidatura a governador no ano seguinte. Jarbas venceu a eleição, ironicamente derrotando a aliança PMDB-PFL. Menos de 10 anos depois, ele mesmo articulava uma aliança com os pefelistas no Estado. Na sua opinião, quais as consequências que a aliança PMDB-PFL trouxe para Pernambuco? A principal delas foi a eleição – e reeleição – de Jarbas Vas concelos como governador, mantendo o comando do Estado por mais ou menos uma década, embora quando da negociação da aliança tenha havido falas mais otimistas de que aquele seria um projeto de poder para no mínimo 20 anos. A aliança também garantiu a eleição de Roberto Magalhães para a Prefeitura do Recife em 1996, e a vitória de vários prefeitos no Estado liga dos aos dois partidos, o que reforçou muito a gestão de Jarbas. Em termos administrativos, a aliança promoveu avanços em Pernambuco, como a duplicação da BR 232 – mesmo tendo que ser feita com dinheiro estadual, embora fosse uma rodovia fe deral – e ajudou a interiorizar vários vários investimentos que geraram  desenvolvimento nos municípios mais distantes. Também ajudou a estruturar o Complexo de Suape e melhorou a fruticultura no São Francisco, onde a família Coelho, de maioria pefelista, tinha e tem sua principal atividade econômica. Mas, no livro Queridos Rivais, contesto a justificativa dos idealizadores da aliança de que ela havia sido feita com a finalidade de desenvolver o Estado. Ela foi feita com um objetivo de derrotar Miguel Arraes e seu grupo político, adversário de Jarbas Vasconcelos e dos pefelistas, e tomar deles o comando do Estado. Jarbas tinha o projeto político de ser governador, mas seu partido estava enfraquecido em Pernambuco, principalmente no interior, depois da derrota sofrida em 1990, quando o PFL elegeu Joaquim Francisco governador, derrotando o próprio Jarbas. Mas em 1992, Jarbas deu a volta por cima e se elegeu prefeito do Recife com facilidade, já pensando na disputa pelo governo dois anos depois. O PMDB tinha um nome para 1994, o de Jarbas. Mas não tinha bases políticas suficientes. Já o PFL, dispunha dessas bases com folga, mas não tinha um candidato forte para enfrentar Arraes, candidatíssimo pelo PSB. A aliança era, então, uma dobradinha perfeita. Mas, quando as eleições para governador se aproximaram, as pesquisas indicavam que seria muito difícil vencer Arraes. Jarbas desistiu de disputar e apoiou Gustavo Krause, do PFL. Ele sabia que se sofresse uma derrota para Arraes em 94 não teria mais chances de chegar ao Governo do Estado. Bolsonaro se elegeu com um discurso de fazer “a nova política”, sem se aliar a partidos que faziam o que ele chamava de “velha política”. Mas acabou aliando-se ao Centrão. A política brasileira está fadada às alianças? Jair Bolsonaro era um deputado federal com sete mandatos quando foi candidato a presidente em 2018. Jamais poderia se apresentar como “novo”. Mas seus marqueteiros souberam explorar um sentimento de desilusão, sobretudo depois que o PT, apesar de dois governos bem-sucedidos e muito bem aprovados de Lula, passou a ser alvo de denúncias de corrupção. Bolsonaro, assumidamente de direita, soube explorar esse antagonismo, responsabilizando as esquerdas por tudo de ruim que acontecia no País, e prometendo mudar a vida das pessoas, com um discurso persecutório e excludente, que usava a polarização e o ódio político como combustível, aditivado ainda pelo uso de fake news. Em 2018, ele não tinha o apoio do Centrão, que preferia nomes menos radicais. A maioria do bloco ficou com o tucano Geraldo Alckmin, mas houve apoios ao banqueiro Henrique Meirelles, do PMDB, a Álvaro Dias, do Podemos, e até a João Amoêdo, do Partido Novo. Na época, confortável no seu favoritismo, Bolsonaro dizia que o Centrão era “o que há de pior

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"Uma previsão para que todos tenham se vacinados seria 1º semestre de 2022"

Quando as imagens da enfermeira Mônica Calazans recebendo a dose pioneira da vacina contra a Covid-19 espalharam-se pelas mídias do País, um sentimento de esperança invadiu os brasileiros. Mas algumas dúvidas começaram a surgir: o que significa uma eficácia do imunizante de 50%? Quem já foi contaminado pelo coronavírus deve se vacinar? E as grávidas? Quando poderemos deixar de usar máscaras e de adotar o distanciamento social? Para responder a essas indagações, Cláudia Santos conversou com o microbiologista Luiz Gustavo de Almeida, que é PhD em microbiologia pelo ICB-USP (Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo), diretor no Brasil do festival internacional de divulgação científica Pint of Science – Um Brinde à Ciência e coordenador dos projetos educacionais do Instituto Questão de Ciência. Existem muitas informações nas redes sociais alertando para a insegurança dessas vacinas. O que comprova a segurança desses imunizantes? Essas informações que circulam nas redes sociais, principalmente no WhatsApp, são para assustar a população, baseadas puramente em teorias conspiratórias. O papel do governo federal deveria ser garantir a segurança dessas vacinas, garantir que elas passaram por um processo extremamente criterioso para avaliação delas, como foi feito e como foi respaldado pelo aval da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Nossa agência regulatória não deixaria passar qualquer coisa que fosse fazer qualquer tipo de mal para a sociedade brasileira. Essas informações são baseadas muito em medos, em histórias antigas, como a de que vacinas causam autismo, que já foram duramente rechaçadas e desmentidas por diversas vezes. Mas isso tudo volta à tona com a facilidade dessa comunicação nas redes sociais. A comprovação da segurança desse imunizante já foi atestada. As primeiras reações adversas, que ocorrem logo nas primeiras horas, são acompanhadas quando acontecem. O que verificamos com a Coronavac são apenas aquelas mais comuns: dor no local da aplicação da vacina, um pouco de inchaço, um pouco de febre. Mas isso significa que seu sistema imunológico está funcionando, está combatendo o agente que é o vírus inativado dentro do seu corpo. Uma característica do sistema imunológico é aumentar a temperatura exatamente para reduzir a replicação do vírus. Então, toda essa segurança foi testada em mais de 10 mil voluntários aqui no Brasil e mais outros 10 mil na Turquia. Ela foi testada também na China. É uma vacina extremamente segura, porque também possui uma tecnologia que não é nova, usamos há 100 anos para produzir vacinas. Tudo isso, além do respaldo técnico de pessoas que dedicaram a vida inteira para estudar sobre vacinas, faz com que a gente acredite, sim, que é uma vacina extremamente segura. Nós não iríamos aprovar uma vacina que oferecesse maior risco que a pandemia já vem oferecendo. É uma vacina segura e, claro, vamos acompanhar essas pessoas que estão sendo vacinadas. Caso haja qualquer alerta de reação adversa, vamos observar se foi provocada pela vacina e esclarecer a população de uma forma muito clara. Importante a gente saber isso, porque se houver algum tipo de reação num grupo determinado de pessoas, é melhor não vacinar essas pessoas. Daí, a importância da vacinação coletiva porque vamos conseguir proteger, inclusive, essas pessoas que não podem tomar a vacina. Então, ela é segura para a população em geral e a enorme maioria da população deve tomar essa vacina. Qual o percentual da população que precisa ser vacinado para frear o avanço da pandemia no País? Tendo em vista as experiências recentes observadas em outros surtos, outras epidemias e até outras pandemias, vamos começar a ver os efeitos da diminuição de pessoas adoecendo e morrendo, a partir do momento em que 70% população for imunizada. Em relação à Coronavac, para atingirmos a tão sonhada imunidade de rebanho, vamos ter que vacinar 99% da população. Para fazer esse cálculo, levamos em conta a eficácia das vacinas e também a taxa de replicação base do vírus, ou seja, quanto que uma pessoa infectada pode, em média, infectar outras suscetíveis. Sabemos que no caso do coronavírus, uma pessoa infectada pode transmitir até para duas outras suscetíveis ao vírus. Então, esse é o número utilizado nesse cálculo junto com a eficácia da vacina. Depois de vacinada, a pessoa tem que manter as medidas de prevenção contra a Covid-19? Quando poderemos voltar a frequentar aglomerações? Sim, depois de vacinados temos que continuar fazendo o distanciamento social, usar máscaras e lavar as mãos. A vacina não é uma pílula mágica, de efeito imediato, em que, assim que você for vacinado terá uma proteção para não transmitir o vírus. Não, você vai, sim, ter um risco menor de ser contaminado e pegar a doença, mas você, ainda pode, sim, transmitir esse vírus para uma outra pessoa que ainda não foi imunizada. É muito importante deixar claro isso. Vamos diminuir a gravidade da doença, não é a transmissão neste primeiro momento que vamos evitar. Provavelmente, as vacinas podem ter essa capacidade, mas a ciência ainda não respondeu a essa pergunta. Vamos continuar monitorando os casos, continuar os estudos para ver se as vacinas são tão boas a ponto de neutralizar, inclusive, a transmissão do vírus. Poderemos voltar a frequentar aglomerações daqui a um ou dois anos, quando conseguirmos, realmente, observar que o número de casos e a gravidade deles estão diminuindo. Assim, a Covid-19 passará a ser uma gripinha, um resfriado comum que a gente consiga tratar em casa ou até num atendimento simples ambulatorial. É isso que a gente quer: que as pessoas não morram, e menos gente sendo internada com Covid-19 grave. Quem foi contaminado precisa se vacinar? Por quê? Quem já foi contaminado deve, sim, se vacinar. O que a gente pode fazer é remanejar essas pessoas que já foram contaminadas para, talvez, o fim da fila. Mas ninguém vai ficar monitorando, perguntando se você já foi vacinado ou não. Isso acontece porque as vacinas oferecem um treinamento muito melhor para o seu sistema imunológico do que quando você pega o vírus selvagem. O vírus que está na natureza não causa só a Covid-19, ele atrapalha todo o seu sistema

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Juliana Notari: “A arte tem que criar perguntas e reflexões.”

A imagem de uma grande vulva, em tom vermelho intenso, encravada no terreno do Parque Artístico Botânico da Usina de Arte foi um dos assuntos mais comentados nas redes sociais do País este mês e reverberou até na mídia internacional. A obra Diva, da artista plástica recifense Juliana Notari, causou controvérsia num amplo espectro ideológico de pessoas: desde conservadores, até militantes que lutam contra a transfobia, além do movimento negro. Nesta entrevista a Cláudia Santos, Juliana analisa essas críticas, defende a força da obra, que segundo ela vai além da representação de uma vulva, mas expõe as feridas que as mulheres e a natureza sofrem na sociedade patriarcal. A artista comenta também a sua trajetória e a sua concepção de que a arte deve provocar as pessoas a refletirem. Por que a obra Diva causa tantas controvérsias nas redes sociais, provenientes de pessoas da direita e da esquerda? Eu acho que é porque o que está colocado na obra é a representação de uma parte do corpo da mulher que, ao longo da história, nestes dois mil anos de patriarcado, sempre foi um tabu, sempre foi reprimida. A vulva é o lugar onde a mulher sente prazer, não tem uma função reprodutiva, como a vagina, o canal vaginal, onde passa o espermatozoide.A repressão começa pela linguagem, até o nome vulva foi deixado de ser falado, porque chamar uma vulva de vagina, é a mesma coisa que chamar pênis de uretra. Há um silenciamento do corpo da mulher, que vem ao longo dos séculos, e a mulher precisa ser vista como a recatada e do lar, a que está em casa, fazendo o trabalho da reprodução, cuidando dos filhos, que não tem o trabalho reconhecido. Grande parte desses ataques que, se partiram da direita, é proveniente de pessoas que pensam dessa forma. Eu sabia a todo momento que a obra iria provocar críticas, mas não dessa envergadura que foi. Mas antes de tudo, é preciso estabelecer que Diva não pode ser reduzida a uma vulva. Diva é uma grande ferida. Caso ela fosse apenas uma vulva, eu teria feito os grandes lábios, o clitóris. Essa dimensão traumática, expressa em sua forma de ferida aberta, é a mais importante para mim, fica mais agressiva esteticamente na minha obra. A obra não centra o discurso na questão genital, mas abre feridas históricas, coloniais, que estão para além das questões de gênero. Há também uma discussão e questionamentos das feminilidades, da violência contra os corpos, incluindo o da Terra, na nossa sociedade patriarcal e capitalista. As críticas da esquerda que foram em torno da questão racial e de classe social surgiram a partir de uma foto, postada por mim no Facebook e no Instagram, em que é mostrado o processo de construção da obra. Nela, eu, a artista, uma mulher branca, apareço em primeiro plano e os trabalhadores – na maioria negros – trabalham na obra ao fundo. A foto é um retrato da nossa sociedade brasileira. A arte não está apartada da sociedade, ela reflete a sociedade e a arte também é um lugar muito elitizado. Mesmo entendendo que, enquanto imagem, ela possa endossar o racismo estrutural que molda o Brasil desde sua colonização, ela  também denuncia as feridas coloniais que persistem e nos traumatizam até os dias atuais. Esses sintomas históricos não são causados apenas por mim, mas são responsabilidade de todos nós que deixamos essas feridas históricas inflamarem. Feridas como a escravidão, sexismo, o extermínio dos povos indígenas e a ditadura militar não foram tratadas e, por isso, o Brasil segue doente. Os trabalhadores da construção civil contratados pelo engenheiro para construir Diva são sintomas dessas feridas, são descendentes de escravizados negros, de indígenas, como a grande maioria dos trabalhadores urbanos e rurais do Brasil. Então, é uma questão estrutural. Como a gente sabe, os escravos não tiveram acesso à terra, à reparação, à educação, ou seja, não tiveram acesso à sociedade. Foram apartados; foram para as periferias, os subúrbios, as favelas. A outra crítica partiu de mulheres trans que acham que uma vulva reforça o binarismo, a ideia de que só existem dois sexos. Na verdade, não é nada disso, acho que existem várias sexualidades, vários femininos e que todo mundo pode falar. A questão é que elas também têm que ocupar espaço de fala, de colocar a arte delas nos espaços de arte. Aí, são necessárias políticas públicas de inclusão. A todo momento eu não quero anular, eu quero abranger e também quero defender meu direito de falar. Eu sou uma mulher que acha que eu posso falar de uma parte do meu corpo. Eu sou artista, eu sou livre para falar, isso não quer dizer que eu vou anular outras formas de viver a sexualidade, muito pelo contrário, acho que tem que ser multi. Você explicou que a obra busca questionar a relação entre a natureza e a cultura numa sociedade falocêntrica e antropocêntrica. Você poderia detalhar essa ideia? Falocêntrica é essa questão do patriarcado. Vivemos dois milênios de patriarcado, que é justamente essa questão de o homem ter o protagonismo, que ocupa o poder, de usar os corpos dos negros, das mulheres, dos indígenas, reprimindo-os para transformá-los em subalternos a esse poder. É, principalmente, o macho, hétero, branco, que é esse homem, símbolo desse patriarcado, que acha que está no topo do poder e se acha superior e que os outros, todos os diferentes, precisam ser seus serviçais. O sentido antropocêntrico está relacionado à espécie humana em geral (homens e mulheres), que se acha acima de todas as espécies, que tem o direito de desmatar, de matar os animais, de remover montanhas e “comer” a terra, por meio do extrativismo de que o consumismo necessita para poder mover a máquina. A espécie humana se acha o centro da Terra e está acabando com tudo. Então, essa separação, natureza e cultura, em que o homem que se coloca acima da natureza com sua cultura, é que faz com que o antropocentrismo seja uma praga que está nos levando

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“O funcionamento das plataformas digitais beneficia conteúdo falso antivacina.”

O número de brasileiros que afirmam querer se vacinar contra a Covid-19 caiu de 89% para 73%, ao mesmo tempo em que grupos antivacina cresceram 18% no Facebook. Preocupados com essa realidade, pesquisadores formaram a União Pro-Vacina, que tem monitorado esses grupos contrários aos imunizantes nas redes sociais e atuado no sentido de produzir informação baseada em evidências científicas sobre a importância da vacinação. Nesta entrevista a Cláudia Santos, João Henrique Rafael, idealizador da União Pro-Vacina e analista de comunicação do Instituto de Estudos Avançados da USP, Polo Ribeirão Preto (IEA-RP). Informa o perfil desses grupos, o papel das plataformas digitais na disseminação dos seus discursos, baseados em fake news, e quais as soluções para combater a desinformação que propagam. Esse projeto é realizado desde 2019, quando nem se imaginava que viveríamos uma pandemia. A atuação desses grupos antivacina ocorre já algum tempo? O projeto surgiu em novembro de 2019. No Instituto de Estudos Avançados da USP, monitoramos diversos temas e tentamos trazer soluções, principalmente relativas às políticas públicas. O que percebemos, já em 2019, é que os índices vacinais do Brasil vinham caindo desde 2016. O último ano em que as metas de vacinação foram atingidas foi 2015. Começamos a nos debruçar sobre o assunto e entender o porquê dessas quedas. Apesar de ser um problema multifacetado, muitas análises indicavam que a falta de comunicação sobre a importância das vacinas e o aumento do volume de desinformação eram algumas das causas. Percebemos que não havia nenhum grupo ou projeto que fazia esse monitoramento constante de grupos antivacina nas plataformas digitais. Então criamos a União Pró-Vacina para atuar nesses dois eixos: produzir informação baseada em evidências científicas sobre a importância da vacina, não só no contexto individual mas enquanto política pública de saúde, e para combater a desinformação. Qual a importância das redes sociais para a atuação desses grupos? Infelizmente, o movimento ou grupos contrários à vacinação existem desde quando a vacina começou. Não são uma novidade. Mas as plataformas digitais trouxeram muitos recursos para eles. Antes funcionavam quase como uma pequena seita, com poucos participantes, sem espaço no debate público – porque ninguém, em sã consciência, sedia espaço. As plataformas digitais têm o lado bom de dar voz às minorias, mas também começaram a dar voz a esse tipo de grupo antivacina. O mais antigo deles no Brasil completou seis anos em 2020. Eles souberam usar as plataformas para conseguir avançar com essa pauta baseada exclusiva e unicamente em mentiras, de cunho religioso e calcadas em teorias da conspiração. A forma como essas plataformas funcionam acabam beneficiando o conteúdo falso, que adota algumas estratégias que os conteúdos científico e jornalístico não utilizam. Por exemplo: a informação, geralmente vem com títulos chamativos que causam emoção, provocam medo e isso faz o usuário interagir com o conteúdo, porque é algo chocante. A partir do momento em que gera mais reações do usuário, a plataforma entende como sendo um conteúdo relevante e começa a impulsionar ainda mais essa informação. As plataformas foram fundamentais para dar espaço e recursos para esses grupos agirem. O modus operandi delas está diretamente relacionado ao crescimento desses grupos. Quem são as pessoas que atuam nesses grupos? Antes da pandemia, encontramos dois eixos principais: um ideológico, composto por pessoas que compraram esse discurso – exportado pelos EUA e países do Leste Europeu – de que a vacina faz parte de uma grande conspiração que visa a diminuir a população mundial. É algo parecido com uma seita. São dogmas, são pessoas com as quais você não consegue conversar porque tomam essas questões como verdades absolutas. Trata-se de um grupo pequeno mas que produz muito conteúdo. Nas nossas análises percebemos que 10% dos usuários desses grupos nas redes sociais produzem quase 80% do conteúdo. O problema, como eu disse, é que eles usam essas técnicas e vão atraindo pessoas que não são antivacina, mas têm dúvidas sobre o tema, querem saber mais e acabam encontrando essas informações falsas, até o ponto de se tornarem radicais e começarem a propagar também. Esse núcleo ideológico está baseado quase que totalmente no Facebook. O outro eixo é mais comercial e funciona mais no Youtube. São grupos que também dominam essas técnicas e normalmente divulgam conteúdo sensacionalista e falso não só sobre vacina, mas sobre qualquer tema. Como no Youtube a remuneração é muito fácil de conseguir, então, eles criam um canal e oferecem ao Youtube para veicular propaganda nele. Quanto mais visualização, mais dinheiro eles ganham. Isso facilita muito a remuneração da desinformação. Quando o tema vacinação está em alta, esses canais, que são genéricos, produzem um vídeo específico atacando as vacinas com a ideia de conseguir visualização e transformar isso em monetização. Um dia, eles publicam um conteúdo contra a vacina e, no outro, sobre o término do casamento do Lucas Lima. Não são grupos ideológicos, são apenas interesseiros, sem ética, que sabem utilizar a plataforma para ganhar dinheiro vendendo desinformação. Com a disseminação da Covid-19, ocorreu um fenômeno novo. A pandemia no Brasil foi muito politizada e partidarizada. Desde a questão de minimizar a doença, até mesmo acreditar que ela não existia, além de ataques contra as máscaras, contra o isolamento. Acreditávamos que em algum momento, quando se começasse a divulgar o avanço das pesquisas para a vacina da Covid-19, esse tema também seria politizado. E aí, nesse contexto, surgiu o eixo político. São grupos que normalmente divulgam conteúdos radicais e que começaram a atacar também a vacina para construir uma narrativa política. Eles se apresentam não contra a vacina, mas prioritariamente atacam a questão da obrigatoriedade da vacinação. Essa obrigatoriedade é um dos primeiros passos para diminuir a confiança da população nos imunizantes e empurrar outras pautas antivacina. Não sabemos se esse novo eixo irá perder força após a pandemia, mas ele aumentou muito o volume de informação falsa contra as vacinas. Que tipo de ação deve ser feita para enfrentar essa desinformação? Percebemos que em poucos meses a porcentagem da população que afirmava que tomaria a vacina contra a

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João Branco: “Tivemos que nos reinventar”

Nem mesmo a poderosa McDonald’s passou incólume na pandemia. No Brasil, a empresa chegou a amargar 39,1% de queda nas vendas em junho. Mas, com muita pesquisa, criatividade e uso de tecnologia, a Arcos Dorados (franqueadora da marca na América Latina e Caribe), está conseguindo reverter a situação. Nesta entrevista a Cláudia Santos, o CMO (diretor de marketing) do McDonald’s João Branco conta um pouco dessa trajetória. Branco já esteve à frente da gestão de marcas na P&G, coordenou o marketing da Ferrero no Brasil e na Argentina, está na diretoria de marketing do McDonald’s há quase seis anos, foi presidente da ABA – Associação Brasileira de Anunciantes – e está entre os 10 profissionais de marketing mais admirados no País, segundo a pesquisa Agency Scope. Ele conta um pouco, nesta entrevista, das estratégias utilizadas pela empresa para atingir seus consumidores em isolamento nas suas casas, ou que não querem se aglomerar em filas nos restaurantes. Com 2 milhões de pessoas atendidas por dia no Brasil, 1023 restaurantes (sendo 25 em Pernambuco), o McDonald’s, de acordo com Branco, está de olho nas mudanças de comportamento do consumidor não apenas no período da pandemia. Com as pessoas cada vez mais preocupadas com a saúde e a alimentação saudável, a gigante do fast food tem realizado mudanças nos seus cardápios e produtos para torná-los menos calóricos. De que forma a pandemia tem afetado o mercado de fast food em geral e qual o impacto que teve nas vendas e no faturamento do McDonald’s? Esse foi um ano desafiador para o setor de serviço rápido de alimentação como um todo e para o McDonald’s não foi diferente. Após 2019 ter sido o melhor ano da história da marca no Brasil – tanto em vendas, como participação de mercado e preferência de marca – 2020 se consolidou como o ano mais desafiador, pois tivemos que nos reinventar e rever 100% do nosso plano de marketing. Usamos muita criatividade e tecnologia para seguir surpreendendo os consumidores e oferecer uma experiência única, independentemente do local e da ocasião de consumo. Inovação, conveniência e personalização foram ingredientes fundamentais ao longo de todo o ano. No terceiro trimestre, por exemplo, apesar de uma queda de 26,2% nas vendas comparáveis em moeda constante, houve melhora consistente e progressiva durante o trimestre, partindo de menos 39,1% em junho para menos 14,5% em setembro, fechando o período com receitas de US$ 192,4 milhões. O resultado está ancorado nas bases sólidas da empresa no País, como uma marca forte e produtos desejados, uma experiência segura, inovadora e conveniente, além de uma gestão eficaz e focada em impactar positivamente a sociedade e o meio ambiente. Quais as mudanças que a empresa realizou para se adaptar a essa crise sanitária e econômica em termos de custos, investimentos e modificações nos espaços físicos dos restaurantes da rede? Qual a contribuição da digitalização nesse processo? Diante da pandemia, colocamos a saúde e a segurança de todos – clientes, colaboradores e parceiros – em primeiro lugar. Por isso, mesmo cientes de que a experiência no restaurante é insubstituível, não hesitamos em fechar os salões dos nossos restaurantes antes mesmo de ser um procedimento obrigatório. A partir desse momento, nós nos apoiamos em nossa estratégia denominada 3Ds – drive-thru, delivery e digital – para continuar atendendo os nossos consumidores. O segmento de drive-thru (460 unidades em todo o País – três vezes a quantidade do concorrente mais próximo) cresceu 52% em moeda constante em relação ao ano anterior, no terceiro trimestre de 2020. As vendas digitais (aplicativo, totens de autoatendimento etc) aumentaram de maneira significativa no terceiro trimestre de 2020 contra 2019, representando 46% das vendas totais do sistema no País. Já o delivery continuou se mostrando o grande propulsor de vendas no terceiro trimestre de 2020, crescendo cerca de 22% em comparação ao segundo trimestre de 2020, em moeda constante e, 147% em relação ao mesmo período do ano anterior. Ainda no segundo trimestre os segmentos de drive-thru e delivery, juntos, chegaram a gerar 80% das vendas da companhia. No início da pandemia, o McDonald’s modificou, em caráter temporário, os arcos de seu “M” dourado para simbolizar a mensagem: "separados por um momento para estarmos sempre juntos". Qual o efeito que teve no público? A imagem dos arcos separados foi criada para a comunicação do fechamento dos salões no Brasil (no mês de março) e para destacar a importância do distanciamento social naquele momento. Foi uma ação bem recebida pelo público brasileiro e, sem dúvida, contribuiu para a conscientização em relação ao cenário que vivíamos. Após essa comunicação, voltamos nossos esforços para entender ainda mais os novos hábitos de consumo dos nossos clientes e como poderíamos entregar as melhores soluções para eles, seja via drive-thru, delivery ou qualquer outro ponto de contato. Quais as mudanças observadas no consumidor durante a pandemia? Mais do que nunca, foi um ano para ouvir o cliente e entender os seus desejos, necessidades e anseios. Foram muitas iniciativas para estar cada vez mais próximo do consumidor, e para isso foram fundamentais a escuta ativa pelos mais diferentes canais de comunicação e a agilidade para fazer as adaptações necessárias na velocidade exigida. Se, antes, a ideia era apostar em lançamentos surpreendentes, com a pandemia as pessoas se voltaram para aquilo que é seguro e traz conforto. Entendemos isso com rapidez e colocamos os nossos sanduíches clássicos no centro da estratégia de marketing. As novidades, então, seguiram a lógica da memória afetiva. Em junho, lançamos a Casquinha em Casa, iniciativa que visava oferecer a sobremesa mais consumida pelos brasileiros no conforto e segurança do lar, em um momento em que todos estavam com saudade do McDonald’s. Já em setembro, apresentamos a edição limitada da embalagem do molho especial do Big Mac nas opções de 190g ou 23g para ser vendida separadamente. A promoção da Almofadeja, de novembro, teve o objetivo de oferecer um objeto que levasse para dentro da casa do consumidor – com toda comodidade – um pouco da experiência McDonald’s (a

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Geraldo Julio: “Tomamos decisões acertadas nos enfrentamentos às crises sanitárias.”

Nestes oito anos em que esteve à frente da Prefeitura do Recife, o prefeito Geraldo Julio teve que enfrentar um cenário de crise econômica, uma das mais profundas que o Brasil já atravessou. Também governou em meio a duas crises sanitárias: das arbovirores zika vírus – causadora de microcefalia em recém-nascidos – e chikungunya, além da pandemia da Covid-19, que vem causando prejuízos em todo o mundo. Nesta entrevista a Cláudia Santos, o prefeito comenta os momentos difíceis com os quais se confrontou nos seus dois mandatos e que, apesar dessa conjuntura desfavorável, conseguiu deixar uma série de realizações para a cidade. Geraldo Julio também analisa os desafios do seu sucessor João Campos. Qual foi seu momento mais difícil na Prefeitura do Recife? Quando se está diante da responsabilidade de ser prefeito do Recife, todo momento é desafiador. Nesse período de oito anos, passamos pela pior crise econômica da história do País, que desencadeou uma profunda crise social e forte instabilidade política. Some-se a isso duas crises sanitárias de caráter internacional, sendo uma delas uma pandemia sem precedentes para a geração atual, com a Covid-19, além do desafio das novas arboviroses com o zika vírus, causador da microcefalia em recém-nascidos, e a chikungunya. A cada um desses desafios, o Recife precisou dar uma resposta, seja para a questão do aumento da pobreza, com as ações do Chegando Junto, seja para o aumento da desigualdade também, com os Compaz, mas acredito que tomamos decisões especialmente acertadas nos enfrentamentos às crises sanitárias. Nas arboviroses, montamos um plano capaz de engajar toda a sociedade, que foi reconhecido pela OMS como referência global e, agora na Covid-19, montamos em tempo recorde uma rede com sete hospitais de campanha, equipada com mais de mil leitos, sendo mais de 300 deles de UTI, os quais fizeram com que o Recife pudesse atender a todas as pessoas que precisaram de atendimento. Aqui no Recife não houve cenas como vimos em outras cidades do Brasil e do mundo, a exemplo de falta de leitos, filas de ambulâncias, pessoas sem atendimento e igrejas sendo utilizadas como depósito de corpos. Garantir esse atendimento foi essencial e um marco para a cidade, sem dúvidas. Como foi comandar a cidade num contexto de recessão da economia nacional e, em seguida, a crise da Covid-19? Acredito que o mais importante a respeito do período turbulento que foram os últimos anos para o Brasil e para o mundo, é que o Recife soube enfrentá-lo com conquistas, avanços e muita capacidade de planejamento. Passamos pela maior crise econômica da história de maneira diferente de outras cidades e estados, que não conseguiram sequer fazer o pagamento dos seus servidores, com conquistas históricas para a população, como os Compaz, o Hospital da Mulher, o Hospital Veterinário, o crescimento no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) e a Via Mangue. E, mesmo em meio à pandemia, quando mais uma vez o Recife soube fazer o enfrentamento da crise e continuar garantindo investimentos para o futuro da cidade, estamos entregando mais de 1.500 obras, como encostas, escadarias, corrimãos, nova iluminação em LED, pavimentação de ruas e algumas grandes obras. Mesmo neste ano desafiador, entregamos o Hospital Eduardo Campos da Pessoa Idosa, a nova Conde da Boa Vista, o novo Geraldão e o restauro do Teatro do Parque. Isso tudo gerando cerca de 5 mil empregos diretos diante da crise provocada pela Covid-19. Qual o principal legado da sua administração? Tivemos muitos avanços em todas as áreas. Construímos dois hospitais e criamos os Compaz, o melhor programa de combate à desigualdade social do Brasil, entre tantos outros avanços e inovações, como o Parque Capibaribe, a Faixa Azul, a Via Mangue. Fizemos uma gestão olhando para as pessoas e com as pessoas. Mas, gostaria de destacar os avanços na área da educação, porque é pela educação que se constrói um futuro para quem mais precisa. O Recife foi a capital que mais cresceu no Ideb em todo o País nas duas últimas edições, ultrapassando a meta tanto nos anos finais como nos anos iniciais. A rede pública municipal do Recife é tricampeã brasileira de robótica com quatro participações em torneios internacionais. Atualmente, temos 70 mil alunos beneficiados pelo programa. Também tivemos uma preocupação com a educação especial, com um aumento de 80% no número de matrículas de alunos com deficiência, autismo e altas habilidades/superdotação. Entre os recursos dedicados especialmente aos alunos da educação especial, estão a Classe Hospitalar, a criação da Salas de Recursos Multifuncionais (SRM) e bilíngues para surdos, a distribuição de tablets para alunos com deficiência e o transporte escolar inclusivo, com veículos adaptados. Entregamos 21 novas creches, e oito novas escolas, além da requalificação de 27 unidades, todas dentro do padrão Escola do Futuro, no qual 99% da rede municipal está climatizada. Conseguimos também ampliar em 25% as vagas em educação infantil. A sua gestão foi responsável pela implantação do Parque Capibaribe que é um projeto de longo prazo. O senhor acredita que as próximas gestões darão continuidade à iniciativa? Acredito que sim, porque o Parque Capibaribe não é um projeto de governo, mas de cidade. Não foi construído dentro de um gabinete, por técnicos da Prefeitura, mas feito em parceria com a Universidade Federal de Pernambuco e participação da sociedade civil. Fomos para as ruas, ouvir as pessoas, fazer eventos de ativação no rio, espaços de discussão. Foi um projeto construído a muitas mãos e que é de toda a cidade. É um dos planos de futuro do Recife, que tenho a honra de ter iniciado em minha gestão, assim como também foram o Plano Recife 500 anos, o Plano Centro Cidadão e tantos outros. Iniciamos o projeto desde a sua concepção e colocamos em prática em dois espaços públicos que já estão fazendo o recifense viver a cidade de uma maneira diferente, da forma que ela foi pensada pelo Parque Capibaribe: o Jardim do Baobá e a Praça Otávio de Freitas, no Derby. Certamente, outros espaços serão abertos e o Recife vai ser reinventado a partir da sua

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Cida Pedrosa: “Até que enfim existe um olhar para a diversidade da literatura.”

Neste final de 2020, Cida Pedrosa recebeu dois importantes reconhecimentos: o dos eleitores, ao se eleger vereadora do Recife, pelo PCdoB, e da crítica literária. Sua obra Solo para vialejo, editada pela Cepe, recebeu dois prêmios Jabuti – o mais reverenciado do País – nas categorias poesia e livro do ano. Uma trajetória e tanto dessa sertaneja de Bodocó, de uma família de 15 filhos, alfabetizada pela mãe que nunca frequentou a escola. No processo de produção do livro, a poeta resgatou uma foto da Jazz Band União Bodocoense e, surpresa, descobriu que várias cidades do sertão contavam com suas bandas de jazz. Entre sons, lembranças e paisagens, o poema narra a viagem, uma migração invertida do mar para o sertão, a mesma que fizeram os indígenas que não queriam ser escravizados na colonização e pelos negros fugidos do cativeiro. Nesta entrevista a Cláudia Santos, Cida Pedrosa, que já esteve à frente da Secretaria da Mulher do Recife, fala do seu livro premiado, deste momento da literatura brasileira que tem destacado obras de mulheres, negros e indígenas, da discriminação de produções fora do eixo Rio-São Paulo taxadas como “regionais” e dos planos como vereadora e poeta. Solo para vialejo teve como ponto de partida o resgate da Jazz Band União Bodocoense. Conta um pouco dessa história. Como uma jazz band foi criada em pleno Sertão do Araripe e qual o tema do livro? Eu tinha ciência da existência da jazz band porque um amigo viu publicado num jornal de Petrolina essa foto (que consta na capa do livro). Eu sabia que Bodocó tinha uma banda de música, meu cunhado dizia que seu Miguel era o maestro, mas ninguém dizia que era um jazz band. Eu procurava essa foto há uns oito anos, já tinha conversado, com Miguelzinho, que é filho do maestro Miguel Roberto, e ele disse que a foto existia, mas a tiraram do álbum de fotografias da família. Quando eu estava saindo de Bodocó para o Crato, no meio da estrada, pegando a Serra do Araripe para a Serra do Cariri, tive uma forte iluminação e escrevi dez páginas desse poema. Na mesma viagem, fui pra Petrolina – porque eu e meu companheiro somos curadores de literatura e íamos contratar Virgílio, um poeta de Ouricuri que mora lá e o filho dele, Davi, que é neto de Raimundo Maciel, um dos músicos da Jazz band. E aí aconteceu uma coisa incrível: quando cheguei na casa dele e disse que procurava pela foto, ele falou: “eu tenho!”. Foi no computador e me deu a foto. Depois dessas dez páginas, o poema quis crescer muito e aí comecei a pesquisar quem eram os músicos. Descobri que não só tinha jazz band em Bodocó, mas Petrolina, Tuparetama, Serra Talhada também tinham, ou seja, após a Segunda Guerra Mundial, espalha-se o jazz no mundo, e no sertão começam a surgir as jazz bands. O poema é muito sobre a música, sobre o blues. Sou uma grande ouvidora de blues, inclusive, o primeiro título do livro, era Canto para Muddy Waters, que é um bluseiro que eu amo muito. Nessas dez primeiras páginas já mencionava a diáspora dos negros, porque eu já falava do algodão cultivado no sertão e de como a cultura do algodão tem a ver também com a cultura da música. É assim no blues nos Estados Unidos e é assim também no sertão, onde as pessoas cantam quando vão colher algodão, cantam benditos, aboiam, cantam canções. Aí eu comecei a tentar descobrir quem eram os músicos e eu só conseguia distinguir seu Miguel Roberto, que é saxofonista e maestro, Raimundo Maciel e Otacílio Rodrigues. E me invocou muito porque ninguém sabia quem eram os negros que tocavam banjo, ou seja, você tem o silenciamento daqueles que são negros. Isso tinha tudo a ver com a temática do livro, os negros e negras que iam no caminho dos índios e índias. Os índios foram se afastando do litoral na medida em que os portugueses queriam escravizá-los e os negros que foram escravizados, quando fugiam, partiam sertão abaixo. Esse livro é um caminho de volta do mar ao sertão, onde eu caminho com negros e indígenas e vou também descobrindo a mim mesma nessa volta. Ao mesmo tempo, vou falando dos músicos e dos artistas da minha cidade que na grande maioria são negros e são invisibilizados. Solo de vialejo é o livro de uma mulher sertaneja, que conta a sua história e conta memórias coletivas da sua cidade e das cidades que percorrem a BR- 232. É um livro que tenta entender a mim e tentando entender a mim, eu tento também entender o Brasil. Muitos escritores tornam-se conhecidos em todo o mundo por abordar a sua terra natal. Você, que é tão ligada a Pernambuco e ao Araripe, também concorda com Tolstoi que disse: “Cante a sua aldeia e serás universal”? Acredito que a aldeia é universal sim, porque a dor, a saudade, o mal, a beleza são temas universais que acontecem para uma mocinha de Bodocó ou para uma mocinha de Nova Iorque. Quando você tem a capacidade de tratar temas universais, mesmo que você coloque todo o seu arcabouço de cultura próprio, isso vai tocar pessoas em qualquer parte do mundo. Também tenho uma clareza muito grande de que existe uma forma opressora no que diz respeito à aldeia, porque é como se todas as vezes em que o Nordeste escreve, querem dizer que nós escrevemos literatura regional. Se alguém faz um romance ou poema sobre o que acontece na Avenida Paulista, isso não é regional, porque é como se o Brasil acontecesse a partir da Avenida Paulista ou de Ipanema. Agora, se eu falo de Bodocó, do Recife, é regional. Então, de que regionalismo estamos falando? Falamos do regionalismo da cultura opressora que há no Brasil e coloca a centralidade econômica e cultural no eixo Sul e Sudeste. E tudo que não for pensado e visto a partir daquele olhar, é regional. Em entrevista você declarou que Solo de

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Domitila Barros: “Sonho que meninas negras tenham acesso a oportunidades”

Após uma semana marcada pelas atividades do Dia da Consciência Negra e pela morte bestial de João Alberto no Carrefour, é alentador conhecer a trajetória de Domitila Barros. Moradora da Linha do Tiro, na periferia do Recife, Domitila cresceu em meio ao trabalho da mãe, Roberta, à frente da ONG CAMM (Centro de Atendimento a Meninas e Meninos), que oferece atividades de lazer e educação para os jovens da comunidade. Domitila era responsável pelas aulas de leitura, dança e arte, um trabalho pelo qual foi escolhida pela ONU como um dos jovens “sonhadores do milênio”, aos 15 anos. Formada em serviço social, com mestrado em políticas sociais pela Universidade de Berlim (Alemanha), Domitila tornou-se também modelo e criou uma marca de moda praia e biojoias cujas peças são feitas por mães solteiras da Linha do Tiro para quem é revertido o resultado das vendas. Sua mais recente conquista foi ter sido escolhida embaixadora mundial da Symrise Cosmetics Ingredients, companhia com sede na Alemanha, que produz matérias-primas utilizadas por empresas de beleza. São produtos naturais, produzidos por pequenos produtores rurais alemães. Com essa pegada ecológica, a Symrise viu em Domitila a identidade perfeita de uma embaixadora com características de diversidade, respeito ao meio ambiente e impacto social. Com sua beleza negra, a recifense estrela a campanha com posts para 80 mil seguidores no Instagram e com a imagem estampada em todas as ações de marketing na Europa e, em breve, nos Estados Unidos, Emirados Árabes, América Latina, Ásia e África. Nesta entrevista a Cláudia Santos, a modelo de 36 anos conta a sua história, fala de temas como sustentabilidade e negritude e de seus planos futuros. Como você saiu da Linha do Tiro para Berlim? Uma coisa que me marcou muito no contexto da minha história de vida foi o fato de ter nascido no CAMM, na Linha do Tiro, periferia do Recife. Quando penso nos caminhos e aventuras que a vida me proporcionou, lembro que nasci em condições humildes, mas cheia de amor. Amizade, lealdade, confiança, carinho, proteção e fé são fontes de força e motivação diária. Meus pais criaram o projeto CAMM que atende as crianças da comunidade da Linha do Tiro, além do Morro da Conceição, Alto José Bonifácio e adjacências, tudo isso antes do meu nascimento. Então, tudo o que sei e aprendi sobre a vida foi sempre dividido ali dentro, com os amigos, educadores, visitantes, professores e pesquisadores. Ainda na infância tive a oportunidade de acompanhar meus pais em uma visita à Europa. Eles viajaram como palestrantes sobre o trabalho com as crianças em situação de risco. Com essa experiência, foi despertado em mim esse espírito aventureiro de querer sempre ir a lugares desconhecidos e conhecer culturas novas. Esse desejo me levou a Berlim aos 21 anos para fazer o meu mestrado. Na época fui descoberta por um olheiro de uma série alemã chamada GZSZ. Fui convidada para um teste e daí surgiu a primeira oportunidade de trabalhar na TV alemã. A experiência foi incrível e, por um ano, trabalhei na série de horário nobre. O trabalho me rendeu outros frutos na carreira. Meu pai sempre quis que eu me formasse no Brasil antes de embarcar para o exterior. Para eles, a educação vem em primeiro lugar. Então, a oportunidade da bolsa de estudos para o mestrado foi o que me permitiu viver em Berlim. Sair da Linha do Tiro foi muito difícil porque eu sou uma pessoa muito família e a nossa família é muito unida. Mas, como ainda vim muito jovem, acho que a adaptação foi mais fácil. O que representou para você ser escolhida como um dos “sonhadores do milênio” pela ONU? Foi uma surpresa incrível e uma das coisas mais importantes na minha trajetória de vida. Isso me possibilitou várias oportunidades até hoje, coisa que eu jamais teria vivido se não tivesse sido escolhida naquela época. Com as pessoas que conheci mantenho contato até hoje. Elas vivem espalhadas pelo mundo e, mesmo depois de 20 anos, a nossa conexão só cresce a cada ano. O meu sonho ganhou um empurrão de autoestima e de ideias a serem focadas num âmbito mais universal do que local a partir daquele momento. Creio que isso foi um acontecimento marcante que vou levar pra sempre no meu coração e na memória. Como surgiu a ideia da marca She is from the Jungle? E como foi a apresentação da coleção na Semana de Moda de Berlim? Foi bem espontânea. Eu estava trabalhando como modelo na época e tinha acesso aos bastidores, o que me deu um entendimento e interesse de moda mais detalhado e do que significa essa indústria. Foi quando percebi que a indústria de moda polui mais que aviões e navios. É a segunda maior consumidora de água no mundo, como apontam os especialistas e os sindicatos do setor. A maioria dos itens de vestuário de grandes marcas tem produtos químicos perigosos, além da geração de lixo, etc. Pensei o seguinte: por que não juntar o prazer pelo trabalho como modelo à criação de uma marca com uma proposta mais ambiental, social e empoderada? Comecei, então, com a produção de 20 biquínis feitos manualmente por amigas na comunidade da Linha do Tiro. Trouxe as peças para a Europa e as clientes enlouqueceram. Vendi tudo rapidinho! Primeiro, vendi às amigas e depois pela internet. Depois do sucesso com os biquínis, surgiu a ideia das biojoias. Tudo sempre pensando na questão ambiental. Como é feita a comercialização das peças? As peças são feitas por mães solteiras da comunidade da Linha do Tiro. Essa foi uma maneira encontrada para gerar renda para essas mulheres, muitas vezes abandonadas pelos companheiros e que sustentam a casa sozinhas. Os produtos são comercializados pela internet e também em lojas de biojoias em Báli, na Indonésia, locais com os quais criei parceria para essas vendas. Tínhamos, até o inicio do ano, três lojas físicas parceiras em Berlim e uma em Los Angeles, porém fecharam as portas durante a pandemia. Somos uma marca de empreendedorismo social, o que

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“Há um engarrafamento de filmes que não vão conseguir estrear nos cinemas.”

Este ano foi de emoções nada convencionais para o cineasta pernambucano Camilo Cavalcante. Depois de levar três anos para concluir o longa-metragem King Kong en Asunción, ele viu sua obra ser a grande vencedora do Festival de Cinema de Gramado, um dos mais importantes do País. A premiação, realizada em meio à pandemia, teve uma plateia remota que aplaudiu os premiados em transmissão pela TV ou no computador. Além de ganhar o Kikito de melhor filme, conquistou o Prêmio do Júri de melhor longa, melhor trilha sonora (para Shaman Herrera, que dividiu a estatueta com Salloma Salomão, do filme Todos os Mortos) e melhor ator para Andrade Júnior. Detalhe: o artista faleceu em 2019. Com o respaldo dos Kikitos e de mais três prêmios conquistados no Labrff (Los Angeles, Brazilian Film Festival), Camilo parte agora para a batalha do lançamento da obra em 2021. O momento é difícil, já que a Covid-19 atrasou a estreia de várias produções, levando, segundo o cineasta, a um “engarrafamento ou engavetamento” de filmes. Nesta conversa com Cláudia Santos, ele comenta o impacto da Covid-19 na sétima arte, a dificuldade de sobrevivência dos que trabalham na cadeia produtiva do audiovisual, o crescimento do streaming e a volta do drive-in. Apesar dos obstáculos, Camilo fala dos planos para as próximas produções e afirma que a pandemia pode render roteiros futuros para o cinema. Qual o impacto que a pandemia está provocando no cinema brasileiro? A pandemia provocou realmente um grande impacto porque todas as produções, num primeiro momento, foram paralisadas, com isso também acabou havendo atraso em alguns editais e nas estreias nos cinemas. Já é difícil para o cinema autoral – o independente – conseguir espaço nos nas salas de exibição, conseguir vitrine e, agora, com a pandemia, muitos filmes que tiveram destaque em festivais, em mostras ao longo do ano passado e deste ano não conseguiram ser exibidos. Há um “engarrafamento ou engavetamento” de produções, que não vão conseguir estrear, pelo menos nos cinemas. Além disso, o prejuízo é imenso para os trabalhadores da indústria cinematográfica, da indústria audiovisual, porque, com essa paralisação, todo o setor travou e, portanto, ficou muito difícil a própria subsistência para os técnicos e para todo mundo que trabalha na área. Não é à toa que foram realizadas diversas vaquinhas, diversas cotas, para buscar auxílio, enquanto não chega efetivamente a Lei Aldir Blanc, que está a passos lentos. É uma lei emergencial que já deveria ter entrado em vigor. Mas, enfim, está começando agora a inscrição de projetos e eu espero que isso seja, pelo menos, uma saída para a subsistência de milhares de profissionais da área, enquanto as produções não são retomadas. Como vê a atuação da Ancine (Agência Nacional do Cinema) e da Secretaria de Cultura do Governo Federal? Desde o governo Temer, começou a haver um desmonte da cultura de uma forma geral no Brasil. Com o Governo Bolsonaro, então, foi extinto o Ministério da Cultura, que virou uma secretaria que não tem atuado, na verdade, de nenhuma maneira em prol da arte, nem dos artistas. É uma gestão apática. Na Ancine está havendo uma sabotagem, uma paralisação, que começou também no Governo Temer mas tem se agravado agora. Para piorar a situação, além da pandemia, mas mesmo antes dela, projetos que já foram aprovados há dois, três anos, ainda não tiveram seus recursos liberados por causa desse entrave na Ancine. Isso é uma calamidade para o setor, para as produtoras e, consequentemente, para toda a cadeia de realização de uma obra audiovisual. A Lei Aldir Blanc já vem sendo discutida há algum tempo, mas foi só agora que começou a ser implementada. Acho que é de suma importância porque é realmente emergencial a situação. O streaming foi uma solução possível para cineastas e o público? Essas plataformas já vinham se consolidando há algum tempo e acho que agora, com a pandemia, foi um momento de total consolidação mesmo, inclusive muitos festivais ao redor do mundo foram realizados por streaming, que foi a única solução possível para o público encontrar as obras e os cineastas poderem exibir seus filmes. Acredito que durante um bom tempo ainda vai se desenvolver cada vez mais, não só como como plataforma de veiculação, como já vem acontecendo mas, também, como plataforma de produção de filmes, de séries. Acho que a questão é: que abrangência isso terá? Que tipo de filmes que as plataformas se interessam em produzir ou coproduzir? Seria interessante que quanto mais abrangente fossem, melhor, tanto em forma, em regiões, em ideias, em conteúdos originais, que não ficassem bitoladas somente num certo tipo de eixo narrativo, mas que possam abranger narrativas realmente diversas. Mas, sem dúvida que o streaming é a hora e o momento das plataformas. King Kong en Asunción conquistou quatro Kikitos, entre eles o de Melhor Filme do 48º Festival de Cinema de Gramado. Lembro que na última entrevista que você concedeu para nós, em 2017, você falou sobre essa produção. Ela demorou três anos? Foi muito difícil a sua conclusão, a pandemia chegou a atrapalhar? Quando o filme será exibido? Pois é, o King Kong en Asunción foi um projeto muito cultivado, muito amadurecido, daí a demora, além do fato de a gente ter paralisado a produção por falta de recursos financeiros, aguardando a liberação de parcelas da Ancine. Mas foi muito importante esse tempo também para maturar a montagem. Foi um processo bem demorado e bem curtido. A pandemia atrapalhou um pouco porque a finalização de imagem foi feita em São Paulo e a gente precisou adiar a viagem por causa da pandemia. Foi muito importante a premiação em Gramado nesta edição histórica, que foi transmitida pelo Canal Brasil, e importante também para o ator Andrade Júnior, que faleceu no ano passado, e para toda a equipe. Afinal de contas, foi um projeto como você falou, que a gente demorou muito tempo pra fazer, em razão das próprias condições de ter sido filmado na Bolívia, no Paraguai, no Brasil, que envolve a equipe desses

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