"A produção de roupa como geradora de lixo sempre me incomodou"
Magna Coeli, fundadora da Refazenda conta como a empresa se tornou referência em moda sustentável, a ponto de ser reconhecida pela ONU, e explica o seu processo de fabricação que não produz sobras de tecido. Também fala da relação com o filho, Marcos, com quem trabalha, e das dificuldades de financiamento. Quando adolescente, Magna Coeli costumava usar as sobras dos tecidos que sua mãe, costureira, jogava no lixo. Com os retalhos, Magna fazia peças para ela vestir ou acessórios como bolsas. Tal habilidade e o incômodo pelo refugo da produção de roupas permaneceram até a idade adulta e a impulsionaram a fundar a Refazenda. Reconhecida com várias premiações por sua atuação sustentável, inclusive pela ONU (Organização das Nações Unidas), empresa do setor de moda foi pioneira ao produzir de acordo com padrões de economia circular. Assim como fazia na adolescência, na fábrica Magna não descarta retalhos no lixo: a produção é feita de forma a usar todo o tecido. A sustentabilidade social é outra marca da Refazenda, que faz parceria com cooperativas de rendeiras e bordadeiras de vários estados do Nordeste. Nesta entrevista a Cláudia Santos, Magna conta a trajetória da empresa, os desafios para gerir um negócio com preocupações ecológicas, as dificuldades em obter financiamentos e a relação com o filho Marcos Queiroz, que é diretor de Soluções da Refazenda. Como começou a Refazenda? Há 33 anos, eu tinha uma confecção com meu ex-marido e com a família dele. Quando resolvi criar a Refazenda, foi uma inquietação ecológica, romântica, exótica, que tinha todos esses nomes, menos sustentável ou economia circular. Era quase fazer um hobby. A produção de roupa como geradora de lixo sempre me incomodou, porque o lixo que mamãe fazia, enquanto costureira, me proporcionava fazer coisas para eu vestir, ou para fazer bolsas. Pensava nessa minha habilidade de transformar ao criar a Refazenda. Eu tinha um olhar muito bom para cor, sabia modelar. Então migrei da tradicional confecção de camisaria e fui fazer uma produção com princípios ecológicos. Daí o nome Refazenda. Gilberto Gil criou a música e me inspirou, como também foi um princípio para esse norte: transformar a fazenda em algo primoroso, mas de valor agregado. Venho de uma família de costureira e alfaiate e a minha grande revolta era o pouco valor agregado nas peças que meu pai e minha mãe faziam. Eu pensava: hei de fazer as pessoas respeitarem quem faz roupas como uma coisa muito digna, muito preciosa. Agora, tudo isso de maneira inconsciente. A empresa começou com uma fábrica ou uma loja? Primeiro foi um divórcio. Na hora da separação, eu poderia ter ido para um setor diferente, mas insisti nesse porque eu tinha o ideal de montar algo que fosse pioneiro. Os primeiros cinco anos foram de consolidação da marca e definição de perfil de produto. Era um ateliê, mas eu me sustentava financeiramente de forma bem austera. Depois, procurei o associativismo, para tentar crescer do ponto de vista da confecção e encontrar aliados com as pessoas que falassem a mesma língua. Foi uma busca inútil, porque o setor de confecção não conversa com o setor de ideias, de utopia. Ele é commodity, fabrica fardamento, roupa íntima e modinha e opta por volume, não por valor agregado. Passei a participar de missões empresariais, conhecer projetos fora até que um dos filhos começou a trabalhar na empresa para me ajudar financeiramente. Quem é ele? Marcos, o mais velho. Ele fazia publicidade e veio para me ajudar financeiramente porque tínhamos crescido um pouco mais, a empresa tornou-se mais complexa. Mas não encontrávamos um ponto de venda para o nosso produto que fosse autoexplicável, tínhamos que concorrer com produtos que não tinham a mesmas características. E aí tivemos que montar loja própria. Isso dá um trabalho danado, fabricar e montar loja própria é desafio para loucos. Chegamos a ter sete lojas, uma em São Paulo. Quando estávamos com quatro lojas, entrou o outro filho, André, que fazia administração, para ajudar na gestão. Também tenho a família desses aliados que trabalham e vieram comigo lá de trás que são tão família minha quanto a biológica. São pessoas que acreditam no projeto, que torcem e estão comigo até hoje. Esse foi um dos pilares que seguraram a empresa. Mas, veio a crise em 2013, a perda do capital foi muito grande, assim como a perda de fôlego para girar essa máquina com as dificuldades que o setor têxtil tem no Brasil, com taxação absurda e nenhum projeto ou diferencial para as empresas inovadoras. A loja de São Paulo ficou aberta até 2016, remando contra a maré porque o custo aéreo do frete aumentou. Tínhamos que trazer parte da matéria-prima de lá, fabricar aqui e levar de volta para lá. Além disso, um de nós três da família teria que morar lá e nenhum quis perder qualidade de vida. Resolvemos finalizar a atividade e investir no comércio eletrônico, que começou em 2012. De lá pra cá, trabalhamos de forma mais enxuta, mas com mais liquidez, porque chegamos a ter dívidas em banco. Tivemos que modificar a estrutura administrativa porque o crescimento não respondeu na ponta pelo varejo que estava trucidado pela taxação. Aí, André saiu da empresa para atuar na construção civil. Já Marcos se transformou num grande gestor e articulador de mídia nessas novas linguagens, coisa que eu estava defasada. Estamos fazendo parte do Instituto Capitalismo Consciente, que é nacional, temos o certificado B, ganhamos premiação na ONU pela prática da economia circular. Isso tudo graças a Marcos, que mostrou a nossa experiência como inédita e precisava ser divulgada. Esse reconhecimento tem sido revertido para a marca e para os negócios? Por um lado, é algo para consolidar e legitimar o produto que tem propósito, tem alcance, longevidade, é um produto com ética. Mas, em compensação, o pouco capital de giro que temos também atrofia porque à medida que somos falados e alcançamos níveis longínquos, não conseguimos acompanhar o escalonamento financeiro na mesma proporção. Quando procuramos outros cases que são semelhantes a nós, ou
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