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"Vamos Paulistar" no São João, mas sem artistas do Paulista", por Ricardo Andrade

O projeto "Vamos Paulistar" foi criado durante a gestão do prefeito Ademir Cunha em Paulista, Pernambuco, nos anos 90. O evento se tornou um símbolo cultural da cidade, especialmente durante as festas de São João, e chegou a ser um dos maiores eventos de São João de Pernambuco, com grande público e atrações como Wesley Safadão e Calcinha Preta. O nome "Paulistar" é um neologismo criado na época. A Banda Quinteto Violado, até gravou um jingle pra divulgar o slogan, que fez muito sucesso, tanto que, os Prefeitos posteriores continuaram com essa "chamada", nos eventos dos anos seguintes. No fim da década de 1980 o então vereador Maurílio Cavalcante(PMDB) conseguiu aprovar uma lei, que determinava que no mínimo, 50% das contratações nas festividades, fosse de artistas locais. Até hoje essa lei nunca foi respeitada, mas agora piorou. O problema é que a atual gestão, mesmo adotando o slogan "Vamos Paulistar", não colocou artistas locais na programação de São João deste ano. Daí as pessoas pelas ruas, estão questionando: como assim? "Vamos Paulistar", mas sem artistas de Paulista? Se a marca "Vamos Paulistar" traz um apelo de pertencimento e identidade local, como fazer isso sem referências e artistas do município do Paulista? O anúncio da Prefeitura, ao menos traz uma boa notícia, que é uma área de acessibilidade, mas quem deveria ter acessibilidade em primeiro lugar, são os artistas da cidade. Já não bastasse a descaracterização de nossas tradições juninas, até mesmo em grandes centros culturais (Caruaru, Campina Grande etc), com ritmos e artistas "alienígenas", produto da grande mídia e da indústria cultural, além do hiperfaturamento dos cachês, agora os artistas locais são excluídos de participar dos palcos do nosso São João. Que nossos gestores entendam, que os festejos juninos, não se reduz à palcos e atrações, à "pão e circo", mas representam o simbolismo e o universo de nossa memória afetiva/ coletiva, das genuínas tradições nordestinas. *Ricardo Andrade é Mestre em Gestão Pública, Historiador, músico, cantor/compositor.

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Educação e Aprendizado: A Revolução do Conhecimento com IA

Como a inteligência artificial está transformando o ensino, desafiando modelos tradicionais, levantando dilemas éticos e abrindo caminhos para uma educação mais inclusiva — ou mais desigual. *Por Rafael Toscano A inteligência artificial está mudando a maneira como aprendemos. E não se trata apenas de tecnologias novas em sala de aula, mas de uma transformação mais profunda: uma mudança na própria lógica do ensino. Em vez de um modelo único, centrado no professor como transmissor de conteúdo, começa a emergir um modelo adaptativo, centrado no aluno — um aprendizado sob medida, moldado por algoritmos que aprendem com o estudante. Sistemas de IA já conseguem identificar onde um aluno está com dificuldade, adaptar o conteúdo, mudar o ritmo e até sugerir novas abordagens de ensino. Essa personalização, que seria inviável para um único professor em uma sala cheia, torna-se possível com o apoio de plataformas inteligentes. O resultado? Um aprendizado mais eficiente, mais envolvente e mais respeitoso com as individualidades. Mas isso levanta uma pergunta importante: a quem pertence esse aprendizado? Quando a IA coleta dados sobre o desempenho dos alunos, seus hábitos de estudo, seus erros e acertos — como essas informações são usadas? A privacidade dos estudantes, especialmente de crianças e adolescentes, precisa ser tratada com o máximo cuidado. A promessa da personalização não pode se tornar uma ferramenta de vigilância. Além disso, há o risco de dependência tecnológica. Um aluno que só aprende com mediação algorítmica talvez tenha dificuldades em desenvolver habilidades que envolvem diálogo, escuta, improvisação — competências humanas que nascem do convívio. É fundamental lembrar que educar não é apenas transmitir informação, mas formar cidadãos, com senso crítico, empatia e capacidade de conviver com o diferente. A IA pode ser uma excelente aliada, desde que usada com responsabilidade. Pode corrigir automaticamente provas, gerar planos de aula, sugerir recursos pedagógicos e até simular experimentos complexos. Com isso, libera o professor para o que mais importa: o contato humano. O papel do educador, nesse novo cenário, não desaparece — ele se transforma. Ele deixa de ser apenas fonte de informação e passa a ser guia, curador, facilitador da aprendizagem. A IA também abre caminhos incríveis para a educação inclusiva. Alunos com deficiências visuais podem contar com softwares de leitura inteligente. Estudantes com dificuldades de aprendizagem podem ter conteúdos adaptados ao seu ritmo. E em comunidades remotas, tutores virtuais podem oferecer apoio que antes era impensável. A tecnologia, nesse contexto, é ponte — não barreira. Mas para que essas promessas se cumpram, é preciso enfrentar um problema estrutural: o acesso desigual à tecnologia. A revolução da IA na educação corre o risco de aprofundar desigualdades se apenas alguns puderem se beneficiar dela. É preciso garantir conectividade, equipamentos, formação de professores e políticas públicas que democratizem essas inovações. Outro ponto crítico é a formação ética dos próprios educadores. Professores precisam ser preparados não apenas para usar ferramentas de IA, mas para refletir sobre elas. Entender seus limites, seus impactos e seus potenciais. A alfabetização digital e ética passa a ser tão importante quanto ensinar matemática ou português. Há também um campo emergente e promissor: o uso da IA na pesquisa educacional. Com grandes volumes de dados, é possível entender melhor o que funciona no ensino, o que precisa ser melhorado, e como diferentes contextos influenciam o aprendizado. A IA pode nos ajudar a tomar decisões mais baseadas em evidências e menos em suposições. No entanto, é essencial manter o olhar humano. A empatia, a escuta ativa, o estímulo ao pensamento crítico — essas são qualidades que nenhuma IA, por mais avançada que seja, poderá replicar com a mesma intensidade. A educação, no fim das contas, é um encontro entre seres humanos. E é nesse encontro que o aprendizado mais profundo acontece. A inteligência artificial pode nos ajudar a ensinar melhor. Mas quem ensina a IA o que é importante ensinar? Quem define o que é essencial para o futuro de uma criança, de um jovem, de uma sociedade? Essas são perguntas que exigem mais do que programação. Exigem sabedoria, diálogo e compromisso com o humano. Por isso, a revolução do conhecimento que a IA traz não é apenas tecnológica. Ela é pedagógica. É filosófica. É política. E, acima de tudo, é uma oportunidade de reimaginar o papel da escola, do professor e do aluno no século XXI. *Rafael Toscano é escritor, pesquisador e professor na CESAR School, engenheiro na Companhia Brasileira de Trens Urbanos e ocupa o cargo de Secretário Executivo de Ciência, Tecnologia e Negócios na Secretaria de Transformação Digital, Ciência e Tecnologia (SECTI) da Prefeitura do Recife. Formado em Engenharia da Computação pela UFPE, é Mestre e Doutor pela Universidade de Pernambuco. **Esse Texto integra o livro IA Transformação das Humanidades

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Liderança feminina em tempos de cuidado: a hora das mulheres

*Por Luciana Almeida No mundo pós-pandemia, algo profundo mudou: o ato de cuidar passou a ocupar um lugar central nas discussões sociais, políticas e organizacionais. Essa transformação, longe de ser apenas simbólica, tem se refletido diretamente nas exigências do mundo do trabalho. O aumento expressivo dos índices de adoecimento mental e do afastamento por questões emocionais nas empresas brasileiras é apenas um dos muitos sinais de que o cuidado – com as pessoas, com os vínculos, com o ambiente – tornou-se uma necessidade estratégica. Foi diante desse cenário que a socióloga Débora Diniz afirmou: “Chegou a hora das mulheres.” Mas o que exatamente ela quis dizer com isso? Historicamente, às mulheres foi atribuído o papel social do cuidado. Desde muito cedo, meninas são educadas para assumir responsabilidades emocionais e práticas dentro da família: cuidar dos irmãos, da casa, dos idosos, dos sentimentos dos outros. Esse padrão se estende ao ambiente profissional onde, não raramente, as mulheres são associadas a funções de apoio, escuta, acolhimento, organização e articulação – habilidades muitas vezes invisibilizadas, mas essenciais para a saúde de qualquer ambiente de trabalho. Dados recentes reforçam essa realidade: entre meninas de 14 a 21 anos, 84% já assumem algum tipo de responsabilidade de cuidado dentro da família (dados da ONG Plan International Brasil, 2023). Essas experiências geram impactos profundos. Ao longo da vida, essas mulheres desenvolvem competências emocionais e sociais que hoje são cada vez mais valorizadas dentro das organizações: sensibilidade, empatia, flexibilidade, construção de vínculos. Pesquisas apontam que, comparadas aos homens, mulheres tendem a priorizar mais o coletivo e o bem-estar do outro, enquanto os homens são educados a pensar em performance individual e resolução racional de problemas. Essa diferenciação – ainda que atravessada por estereótipos de gênero – não pode ser ignorada quando falamos de inteligência emocional, uma das habilidades mais desejadas no mercado de trabalho contemporâneo. Hoje, falar em saúde mental nas empresas vai além de oferecer planos com psicólogos, gincanas corporativas ou ergonomia. Nada disso será eficaz se os relacionamentos dentro das equipes estiverem adoecidos. E é aqui que o cuidado – historicamente desprezado como “habilidade feminina” – se revela essencial para o futuro do trabalho. Saber cuidar passou a ser uma competência de liderança. E as mulheres, por sua trajetória e socialização, chegam neste momento com uma bagagem poderosa, forjada em desafios muitas vezes invisíveis. Reconhecer e valorizar essa presença feminina em cargos de liderança é mais do que uma questão de equidade de gênero: é uma resposta inteligente a um novo tempo, quando resultados e relações caminham juntos. Se antes cuidar era visto como algo secundário, hoje é, sem dúvida, estratégico. E talvez por isso, como disse Débora Diniz, esta seja mesmo a hora das mulheres. *Luciana Almeida é consultora e sócia da TGI

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Ética e Responsabilidade: IA com Consciência Social

Entre vieses, decisões autônomas e privacidade, a ética surge como eixo essencial para guiar o desenvolvimento da inteligência artificial rumo ao bem comum. *Por Rafael Toscano Se a inteligência artificial já está ajudando a compor músicas e corrigir provas, o que acontece quando ela começa a tomar decisões que afetam diretamente a vida das pessoas? Quem responde quando um carro autônomo sofre um acidente? Quem é o responsável por um algoritmo que comete injustiças? É nesse ponto que a ética entra na conversa — não como um detalhe, mas como o coração da questão. A IA não é neutra. Por trás de cada algoritmo, há escolhas humanas: que dados usar, que objetivos priorizar, o que ignorar. Essas decisões, ainda que técnicas, têm consequências morais. Quando um sistema de reconhecimento facial funciona bem para algumas pessoas e mal para outras, estamos diante de um problema ético — não apenas estatístico. Um exemplo emblemático são os algoritmos de recrutamento. Empresas começaram a usar IA para selecionar currículos com base em padrões aprendidos a partir de contratações anteriores. O resultado? A máquina aprendeu a reproduzir preconceitos existentes, excluindo perfis femininos ou de minorias com base em correlações injustas. A IA não “quis” ser injusta — mas aprendeu com o que os humanos fizeram. Esse fenômeno é conhecido como viés algorítmico, e aparece em áreas sensíveis como justiça criminal, concessão de crédito, diagnóstico médico e concessão de benefícios sociais. Em todos esses casos, a IA pode reforçar desigualdades se não for cuidadosamente projetada, testada e supervisionada. Outro dilema ético diz respeito à privacidade. Para funcionar bem, sistemas de IA precisam de dados — muitos dados. Isso significa coletar informações sobre nossas conversas, preferências, localização e hábitos. Até onde vai esse monitoramento? E quem controla esse fluxo de dados? Vivemos em uma era em que assistentes virtuais escutam o tempo todo, e câmeras com IA monitoram ruas, lojas e até nossos lares. Proteger a privacidade individual tornou-se uma das grandes batalhas éticas do nosso tempo. Além do viés e da privacidade, há ainda uma questão de responsabilidade. Quem responde quando um sistema comete um erro? O desenvolvedor? A empresa? O próprio sistema? Como exigir prestação de contas de uma máquina que, tecnicamente, não possui intenção ou culpa? Para resolver isso, especialistas propõem modelos de “IA auditável”, em que todas as decisões possam ser rastreadas e explicadas — algo essencial quando vidas estão em jogo. Essas preocupações se intensificam quando falamos sobre autonomia das máquinas. Imagine um drone militar com capacidade de identificar e atacar alvos por conta própria. Ou um sistema de IA que decide quem deve receber um transplante de órgão. Em que momento uma máquina cruza a linha entre ferramenta e agente moral? A possibilidade da chamada “superinteligência” — IAs que ultrapassem nossa capacidade de controle — não é apenas ficção científica. É um alerta ético sobre os limites que não podemos ignorar. Mas nem tudo são riscos. A ética também nos mostra caminhos de esperança. Ela nos convida a usar a IA para promover a justiça, corrigir desigualdades, garantir acessibilidade, diagnosticar doenças com mais precisão e ampliar o acesso ao conhecimento. O desafio é garantir que esses benefícios sejam distribuídos de forma justa, sem deixar comunidades vulneráveis de fora. E aqui entra o papel das humanidades. Filósofos, sociólogos, juristas e educadores precisam estar envolvidos no desenvolvimento da IA. Não basta deixar essas decisões nas mãos de engenheiros e programadores. É preciso construir pontes entre técnica e reflexão, entre inovação e valores. A ética não é um freio para o progresso. Ela é o volante. Sem ela, corremos o risco de acelerar rumo ao desconhecido sem saber para onde vamos — ou quem deixamos para trás. Com ela, podemos guiar a IA de forma mais consciente, mais justa e mais humana. Este artigo não busca oferecer respostas definitivas, mas levantar perguntas urgentes: que tipo de mundo queremos construir com a ajuda das máquinas? Que valores queremos codificar em nossos algoritmos? E, acima de tudo, como garantir que, ao criarmos máquinas inteligentes, não percamos a nossa própria inteligência moral? A ética na IA não é um luxo. É uma necessidade. E quanto mais cedo compreendermos isso, maiores serão as chances de usarmos essa poderosa tecnologia para o bem comum. *Rafael Toscano é escritor, pesquisador e professor na CESAR School (PE) e engenheiro na Companhia Brasileira de Trens Urbanos (DF). Atualmente, ocupa o cargo de Secretário Executivo de Ciência, Tecnologia e Negócios na Secretaria de Transformação Digital, Ciência e Tecnologia (SECTI) na Cidade do Recife e é Diretor de Admnistração, Finanças e Planejamento do Alumni CIn UFPE. Formado em Engenharia da Computação pela UFPE, é Mestre e Doutor pela Universidade de Pernambuco, MBA em Gestão de Negócios pela Fundação Dom Cabral (MG) e MBA em Economia pela USP (SP). É especialista em Direito Tributário pela Universidade de Ipatinga (MG) e Gerente de Projetos certificado pelo PMI desde 2014. **Esse Texto integra o livro IA Transformação das Humanidades LEIA TAMBÉM Criatividade Algorítmica: quando a máquina cria com a gente Filosofia e IA: A Mente por Trás da Máquina

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Criatividade Algorítmica: quando a máquina cria com a gente

A inteligência artificial como nova parceira na arte e na criação, desafiando nossos limites e redefinindo o que entendemos por criatividade. *Por Rafael Toscano Por muito tempo, a criatividade foi considerada um dom exclusivamente humano — algo que brota da alma, da experiência e da emoção. Pintar um quadro, compor uma sinfonia, escrever um poema: todas essas expressões pareciam exigir um tipo de sensibilidade que máquinas jamais alcançariam. Mas e se estivermos vivendo um momento em que essa ideia está sendo questionada? Com o avanço da inteligência artificial, surgiram algoritmos capazes de criar imagens, músicas, histórias e até peças de teatro. Eles não apenas repetem padrões; eles inovam. Pintam no estilo de Van Gogh, compõem no estilo de Beethoven e escrevem como Shakespeare. Mas o que isso significa? A máquina está, de fato, criando? Ou estamos apenas vendo reflexos de nossa própria criatividade? É aqui que o conceito de criatividade algorítmica entra em cena. Em vez de imaginar a IA como substituta do artista, podemos vê-la como parceira. Um pincel novo. Um instrumento que amplia nossas capacidades, desafia nossas ideias e abre novas portas para a imaginação. Quando usamos o Google Arts & Culture para transformar uma selfie em uma obra de arte barroca, não estamos apenas clicando em um botão. Estamos interagindo com um sistema que aprendeu, com milhões de obras humanas, a reinterpretar o belo. Esse tipo de colaboração acontece também na música. Compositores já usam IA para sugerir melodias, criar harmonias e até improvisar solos. AIVA, por exemplo, é uma inteligência artificial treinada com milhares de partituras. Ela pode compor trilhas sonoras completas, e muitos ouvintes sequer percebem que estão escutando algo criado por uma máquina. Nesse caso, quem é o artista? O algoritmo? O programador? Ou o humano que escolheu as notas certas? A literatura também entrou nessa dança. Modelos como o GPT (o mesmo que dá voz a esta conversa) são capazes de escrever contos, poemas e ensaios com fluidez impressionante. Eles aprendem com bilhões de palavras escritas por humanos, absorvendo estilos, estruturas narrativas e referências culturais. Ainda assim, falta-lhes algo essencial: intenção. Eles não têm desejo, nem propósito. Criam porque foram programados para isso, não porque têm algo a dizer. E isso nos leva a uma pergunta essencial: o que define a verdadeira criatividade? É a originalidade? A emoção? A intenção? Quando uma máquina cria, ela está expressando algo — ou apenas simulando expressão? Talvez a resposta não seja simples. Talvez a IA esteja nos forçando a expandir nossa definição de criatividade, incorporando novas formas de colaboração e inspiração. Mais do que substituir artistas, a IA está ajudando a criar experiências artísticas inéditas. Em instalações imersivas, algoritmos interagem com o público em tempo real, moldando luzes, sons e movimentos com base nas reações das pessoas. Em ambientes virtuais, espectadores tornam-se protagonistas, moldando narrativas com a ajuda de sistemas inteligentes. O palco da arte está se expandindo — e o público também. Mas essa revolução traz desafios. Quem assina a obra? Quem é o autor? Quando uma IA cria uma pintura vendida por milhares de dólares, como aconteceu com o retrato gerado por uma GAN (rede adversarial generativa), o que estamos comprando: a arte ou o conceito? O talento ou a tecnologia? Além disso, há o risco da homogeneização. Se todas as IAs forem treinadas com os mesmos dados, será que elas acabarão criando versões ligeiramente diferentes das mesmas ideias? Como garantir diversidade e autenticidade num cenário onde tudo pode ser replicado em segundos? Apesar desses dilemas, uma coisa é certa: estamos diante de uma nova era da criatividade. Uma era em que humanos e máquinas podem criar juntos — não como competidores, mas como parceiros. A IA, nesse contexto, não rouba a cena; ela amplia o palco. Ao final, talvez a pergunta mais importante não seja se a IA pode criar, mas sim como nós, humanos, escolhemos usar essa nova ferramenta criativa. O que queremos expressar com ela? Que histórias queremos contar? Que sentimentos queremos provocar? A criatividade algorítmica é um espelho — não de quem somos apenas como indivíduos, mas do que podemos ser como espécie quando unimos razão e sensibilidade, tecnologia e arte, máquina e humanidade. *Rafael Toscano é escritor, pesquisador e professor na CESAR School (PE) e engenheiro na Companhia Brasileira de Trens Urbanos (DF). Atualmente, ocupa o cargo de Secretário Executivo de Ciência, Tecnologia e Negócios na Secretaria de Transformação Digital, Ciência e Tecnologia (SECTI) na Cidade do Recife e é Diretor de Admnistração, Finanças e Planejamento do Alumni CIn UFPE. Formado em Engenharia da Computação pela UFPE, é Mestre e Doutor pela Universidade de Pernambuco, MBA em Gestão de Negócios pela Fundação Dom Cabral (MG) e MBA em Economia pela USP (SP). É especialista em Direito Tributário pela Universidade de Ipatinga (MG) e Gerente de Projetos certificado pelo PMI desde 2014. **Esse Texto integra o livro IA Transformação das Humanidades

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Filosofia e IA: A Mente por Trás da Máquina

Mais do que cálculos: como a inteligência artificial revive antigos debates sobre mente, ética e humanidade *Por Rafael Toscano A inteligência artificial pode parecer um fenômeno tecnológico recente, mas sua origem está profundamente entrelaçada com algo muito mais antigo: a filosofia. Antes dos algoritmos e da computação, já existiam perguntas — grandes, difíceis e essenciais — sobre a mente, o conhecimento, a ética e a própria existência. A IA, no fundo, é uma resposta prática a essas perguntas. Desde os tempos de Platão, quando ele falava sobre o que é real e o que é ilusão, até as reflexões de Descartes sobre a mente e o corpo, os filósofos vêm tentando entender como pensamos, sentimos e tomamos decisões. A IA é, de certo modo, uma tentativa de capturar esse processo em código. Hoje, quando construímos sistemas que aprendem, decidem e até criam, estamos, talvez sem perceber, reproduzindo discussões filosóficas milenares. Não é apenas uma questão de “como” fazer a tecnologia funcionar, mas de “por que” e “para quê” ela deve existir. A filosofia também nos lembra que a inteligência não é só cálculo e eficiência. Ela envolve valores, emoções, contextos. Quando se fala em “ensinar ética” para um carro autônomo ou um robô cuidador, estamos mergulhando em dilemas que desafiam até os pensadores mais experientes. Kierkegaard, Sartre e Camus — cada um à sua maneira — refletiram sobre liberdade, responsabilidade e escolhas difíceis. Os mesmos dilemas agora aparecem, traduzidos em linhas de código. Foi Alan Turing, nos anos 1950, quem lançou uma das primeiras sementes filosóficas modernas da IA ao propor a famosa pergunta: “As máquinas podem pensar?”. Com ela, ele deu origem ao Teste de Turing, um experimento mental em que uma máquina seria considerada inteligente se fosse capaz de manter uma conversa indistinguível de um ser humano. Mais do que um teste técnico, essa proposta nos leva a refletir sobre o que realmente significa “pensar”. É necessário ter consciência? Ou basta parecer que tem? Anos depois, John Searle trouxe um contraponto poderoso com o experimento do “Quarto Chinês”. Ele propôs imaginar uma pessoa dentro de uma sala, manipulando símbolos chineses com base em regras, sem entender nada do idioma. Para quem está de fora, ela parece falar chinês — mas será que entende? Searle queria mostrar que simular a compreensão não é o mesmo que compreender de fato. A IA pode agir como se entendesse, mas isso seria apenas uma ilusão de consciência? Essas reflexões apontam para uma distinção essencial: a diferença entre inteligência funcional e consciência. Podemos programar uma máquina para resolver problemas, escrever poemas ou tomar decisões — mas isso significa que ela tem uma mente? Ou apenas executa tarefas com base em padrões? É aí que percebemos: a IA não é apenas uma criação técnica. É um espelho. Ela nos obriga a revisitar nossas certezas sobre o que significa ser humano. Será que a consciência pode ser programada? Existe diferença entre inteligência e sabedoria? Uma máquina pode ter intenções? Quando colocamos essas questões no centro da conversa, percebemos que filosofia e IA não são áreas separadas. Elas são companheiras. A filosofia nos dá o mapa. A IA nos dá o caminho. E quem caminha somos nós. Mais do que uma reflexão teórica, este capítulo é um convite para relembrar que, no fundo, toda tecnologia que criamos reflete o que somos e o que queremos ser. A IA, com todas as suas possibilidades, é mais do que uma revolução digital — é uma continuação da busca filosófica por sentido, justiça, verdade e consciência. *Rafael Toscano é escritor, pesquisador e professor na CESAR School (PE) e engenheiro na Companhia Brasileira de Trens Urbanos (DF). Atualmente, ocupa o cargo de Secretário Executivo de Ciência, Tecnologia e Negócios na Secretaria de Transformação Digital, Ciência e Tecnologia (SECTI) na Cidade do Recife e é Diretor de Admnistração, Finanças e Planejamento do Alumni CIn UFPE. Formado em Engenharia da Computação pela UFPE, é Mestre e Doutor pela Universidade de Pernambuco, MBA em Gestão de Negócios pela Fundação Dom Cabral (MG) e MBA em Economia pela USP (SP). É especialista em Direito Tributário pela Universidade de Ipatinga (MG) e Gerente de Projetos certificado pelo PMI desde 2014. **Esse Texto integra o livro IA Transformação das Humanidades

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A Natureza e a gente, o Homo (autointitulado) sapiens: Geometrias, e não só funções, para uma vida melhor?

*Por Jones Albuquerque Ao observarmos a natureza e suas formas — galáxias, estrelas, copas de árvores, penas em um pássaro, escamas em um peixe, cardumes de peixes, caminhos descritos por um rio ou por pessoas em uma floresta, ondas e espumas no mar, campos magnéticos, descargas elétricas, partituras de músicas que se propagam secularmente entre nós, crescimento de células e tumores, sistemas nervosos, sistemas cardiovasculares, epidemiologia de doenças e tantos outros fenômenos descritos, por nós mesmos, inclusive — parece, mas parece mesmo, que a “homogeneidade” “ordenada” e “bem definida” que encontramos na vasta maioria das nossas tecnologias, ditas “viáveis” (repetíveis em escala, em termos de uso e funcionalidade – função) por nós mesmos, os Homo, autointitulados, sapiens, é completamente antagônica à da natureza. A qual parece rugosa, fractal, autossimilar, autodefinida, e até “desordenada”, também definida por nós mesmos. Seria esse nosso grande equívoco como “humanidade”? Acreditar, inocentemente, que nossas mais recentes (200 mil anos) tecnologias que, muitas vezes, mais parecem nos querer fazer diferente do resto da natureza do que nos fazer adaptados para a vivência e “sobre-vivência”, suplantam o que parece ser a forma natural, da natureza, do nosso planeta (4,6 bilhões anos, estimada) e, em nossa volta, no universo? Seria esse equívoco uma esquizofrenia sociocomportamental nossa, batizando-o com palavras, como  “sociedade", “educação” e até “ciência”?  Seria esse nosso equívoco mais que explicitado à nossa “humanidade” por fenômenos como pandemias, “mudanças” climáticas, e por tecnologias como computadores e suas inteligências “algorítmicas"? Estes últimos explicitam que o “trabalho” (repetir, à perfeição e à exaustão, tarefas bem definidas) parece estar com seu fim decretado em diversas “profissões". Pois, de tão “ordenado” e “homogeneizado”, tornaram-se passíveis de serem “copiados" até por uma máquina funcional? Mesmo os ditos “criativos”? Seria esse o fim da nossa Escola de Cursos Superiores até? O que restará à "Universidade" se a "Escola de Cursos Superiores" não estará mais nos campi? Seria esse o fim da ciência? Em 1995, já há três décadas, o então editor da Revista Scientific American, John Horgan, nos alertava, em seu livro O Fim da Ciência, como temos conduzido ciência. Pelo que parece, a liberdade exigida para descobertas em uma universidade está limitada pela necessidade formativa (pôr na fôrma) de uma “escola de cursos superiores profissionalizante” com “disciplinas”, "frequência obrigatória”, “certificados” e "boletins escolares” medindo “tarefas repetíveis funcionalmente à perfeição e à exaustão" e imersos em “grades” escolares. O que sugere, cada vez mais, o nosso “comportamento funcional induzido, bem-definido e recursivo”, desde criança. Não parece à toa que até máquinas nos substituam funcionalmente agora (Gödel e Turing – 1900's). Mas, como disse Poincaré (1800’s): “pequenas ações podem desencadear cenários inimagináveis".  Será que deveríamos resgatar mais Leibniz (1600's), citado por Darwin (1800's), e tantos outros e tentar buscar o Natura Non Facit Saltum do livro Origens das Espécies (significa "A natureza não dá saltos", as mudanças e os processos na natureza ocorrem de forma gradual e contínua, sem rupturas ou saltos abruptos) ? Mesmo que geometricamente inocente, como na natureza?

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Alta de juros

Impactos do Aumento da Taxa Selic na Economia Brasileira

*José Carlos Maia e Antônio Dourado O aumento da taxa Selic para 14,25%, com projeção de atingir 15% em 2025, tem provocado reflexos significativos na economia brasileira. Embora a elevação dos juros seja uma medida utilizada pelo Banco Central para conter a inflação, suas consequências vão muito além do controle dos preços, afetando o endividamento das famílias, a inadimplência das empresas e aprofundando a crise no crédito bancário. A alta da Selic reduz a demanda agregada ao encarecer o crédito e desestimular o consumo e os investimentos. Empresas enfrentam maiores custos de capital, comprometendo sua capacidade de expansão e geração de empregos. Além disso, consumidores, diante do crédito mais caro, limitam os gastos com bens duráveis, afetando setores como varejo, indústria e serviços. Esse cenário gera um efeito multiplicador, ampliando a desaceleração econômica e podendo levar o Brasil a uma recessão técnica em 2025. Outro ponto crítico é o aumento do custo da dívida pública. Com juros elevados, o governo precisa destinar uma parcela crescente do orçamento para o pagamento de serviços da dívida, reduzindo recursos para áreas essenciais como saúde e educação. A relação dívida/PIB tende a crescer, aumentando o risco de insolvência fiscal e prejudicando a confiança dos investidores no país. Segundo estudos da assessoria econômica do Congresso Nacional, as despesas obrigatórias poderão ultrapassar 100% da receita da União até 2027, inviabilizando a gestão fiscal. As famílias brasileiras também sofrem com a elevação da Selic. O custo do crédito mais alto aumenta a inadimplência, tornando inviável o pagamento de dívidas já existentes. Em novembro de 2024, 41,51% da população adulta estava inadimplente, um reflexo direto do aumento dos juros e da deterioração da renda disponível. Para as empresas, em especial as pequenas e médias, o cenário é igualmente desafiador, com dificuldades para renegociar dívidas e acessar crédito. Ademais, a falta de comunicação clara por parte do governo tem agravado o pessimismo em relação ao futuro econômico. A percepção de que as medidas adotadas visam apenas aumentar a arrecadação, sem resolver problemas estruturais, reduz a confiança dos agentes econômicos e aumenta a incerteza em relação ao crescimento do país. Diante desse quadro, é fundamental que o governo implemente políticas fiscais mais responsáveis e medidas que protejam os consumidores endividados. Propostas como a revisão contratual, a assessoria jurídica especializada e programas de educação financeira podem auxiliar famílias e empresas a enfrentarem os desafios impostos pela política monetária restritiva. Apenas com uma abordagem equilibrada entre controle da inflação e estímulo ao crescimento será possível reverter os impactos negativos do aumento da Selic e garantir a estabilidade econômica do Brasil. *José Carlos Maia é Economista e Antônio Dourado é advogado do escritório Portela Soluções Jurídicas.

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Nova regra da Anvisa, medicamento off-label e impactos nos contratos de saúde

*Por Olga Boumann Ferreira Cavalcanti Nos últimos anos, observa-se um crescimento significativo da judicialização das demandas relacionadas à saúde suplementar no Brasil. Esse aumento decorre, em grande parte, das negativas - muitas vezes consideradas infundadas - por parte das Operadoras de Planos de Saúde, quanto ao fornecimento de medicamentos, procedimentos ou tratamentos não previstos no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS ou sujeitos às Diretrizes de Utilização (DUT). Entre esses casos, destacam-se os medicamentos de uso ‘off-label’ (fora bula). O termo ‘off-label’ refere-se à utilização de medicamentos para finalidades distintas daquelas originalmente aprovadas em bula. Um exemplo simbólico são os medicamentos agonistas, popularmente conhecidos como “canetas emagrecedoras”, que foram desenvolvidos para o tratamento do diabetes, mas vêm sendo amplamente utilizados para o emagrecimento, especialmente por clínicas e indivíduos leigos, sem conhecimento técnico acerca de seus riscos e implicações. Em abril de 2025, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA)¹ aprovou medidas de controle mais rigorosas para a prescrição desses medicamentos, como a necessidade de receita médica para sua comercialização, assim como acontece com os antibióticos. Importa destacar, contudo, que a nova regulamentação não restringe o direito do profissional médico de prescrever medicamentos com finalidades terapêuticas diversas daquelas constantes da bula. A decisão da agência, que altera a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 471/2021, entrará em vigor 60 (sessenta) dias após sua publicação, ou seja, em meados de junho do corrente ano. Acrescenta-se que estudos realizados entre os anos de 2021 e 2024² demonstram que medicamentos agonistas, como a semaglutida (comercializada sob o nome Ozempic), por exemplo, apresentam eficácia relevante na indução da perda de peso em indivíduos que não são portadores de diabetes - enfermidade para a qual a medicação foi originalmente desenvolvida - mas, em contrapartida, possuem diversos efeitos adversos que vão desde náuseas, diarréia e vômitos a distúrbios pancreáticos, neoplasias pancreáticas, cegueira, retinopatia, hipoglicemia, taquiarritmias e arritmias. Afinal, não foram feitas para não-portadores de diabetes. Diante desse contexto, é importante refletir: quais são os impactos econômicos concretos para as Operadoras de Planos de Saúde ao serem obrigadas a custear essas medicações? É de bom alvitre trazer ao debate que a judicialização da saúde teve um aumento de 16% entre os anos de 2022 e 2023³, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Ademais, observa-se que muitos magistrados, diante da complexidade técnica das demandas em saúde suplementar, acabam por decidir com base exclusiva em laudos médicos apresentados pelas partes, os quais, na prática, acabam por adquirir um peso quase normativo. Diante desse panorama, alguns Tribunais de Justiça passaram, inclusive, a instituir câmaras especializadas para o processamento e julgamento de ações envolvendo a saúde suplementar, o que demonstra a complexidade e a relevância crescente do tema no Poder Judiciário. Tudo isso revela uma realidade inegável: para as Operadoras de Planos de Saúde, o momento atual representa um ambiente de constante instabilidade financeira. A cada nova mudança no setor — seja por decisões judiciais, novas regulações ou, como no caso dos medicamentos agonistas, pela omissão dos órgãos reguladores — os planos de saúde se veem obrigados a fazer verdadeiros malabarismos para equilibrar suas contas e evitar colapsos no sistema. A conta, como frequentemente ocorre, recai sobre os próprios beneficiários. Estes, diante do aumento das mensalidades, recorrem ao Judiciário pleiteando a revisão ou redução dos reajustes, muitas vezes obtendo decisões favoráveis com base em fatores diversos. Entretanto, em debate junto ao Comitê de Saúde de um dos Tribunais do país que aconteceu no começo do também mês de abril/25, a preocupação era justamente: e se os planos de saúde no Brasil forem extintos, como sequer existem em muitos países do mundo? É preciso reconhecer, enquanto beneficiária e operadora do Direito, que para toda decisão, seja ela judicial, administrativa ou legislativa, há sempre um impacto real na ponta do sistema: na sustentabilidade da saúde suplementar, na viabilidade dos contratos e, sobretudo, na própria dignidade do usuário. Tal constatação dialoga diretamente com o que dispõe o art. 20 da LINDB, que exige da atuação judicial, administrativa ou controladora a consideração das consequências práticas das decisões, em consonância com os fundamentos da Análise Econômica do Direito. Como destaca Carlos Ari Sundfeld, “a LINDB exige uma atuação institucional responsável, baseada em avaliação concreta de impactos e não apenas em ideologias normativas ou ativismos bem-intencionados, mas economicamente desastrosos”. O Superior Tribunal de Justiça tem aplicado a LINDB em decisões sobre regulação econômica, inclusive no setor de saúde suplementar no REsp 1.803.146/SP, rel. Min. Herman Benjamin, j. 28/05/2019: “É necessário que o Poder Judiciário considere os impactos regulatórios e econômicos de suas decisões, notadamente quando envolvem políticas públicas de saúde, para evitar desequilíbrios sistêmicos”. Assim, a discussão sobre o uso ‘off-label’ de medicamentos agonistas escancara a fragilidade do modelo atual, em que decisões clínicas, expectativas sociais, ausência de regulação clara e judicializações crescentes se entrelaçam num emaranhado de incertezas. A ANVISA, ao editar nova regulamentação, deu um passo importante, mas ainda tímido, diante da complexidade do tema. Enquanto isso, as Operadoras de Planos de Saúde caminham numa corda bamba, pressionadas por decisões judiciais que ampliam coberturas, por beneficiários que exigem respostas imediatas e por um sistema regulatório que, por vezes, demora a se posicionar.Nesse contexto, o Judiciário é convocado a exercer um papel de equilíbrio, não apenas garantindo direitos individuais, mas preservando a lógica coletiva e contratual do setor. Se os planos de saúde ruírem, como alertado no debate recente, o prejuízo será de todos. Afinal, ainda que imperfeita, a saúde suplementar cumpre um papel essencial na descompressão do sistema público de saúde. Cabe, portanto, a todos os atores (operadoras, órgãos reguladores, magistrados e usuários) atuar de forma responsável, técnica e sensível, buscando soluções que preservem tanto o direito à saúde quanto a sustentabilidade do setor, porque afinal de contas o verdadeiro equilíbrio está em compreender que o contrato não é apenas um instrumento jurídico, mas um pacto de confiança social. *Olga Boumann Ferreira Cavalcanti, advogada da área de saúde suplementar do escritório Urbano Vitalino Advogados ¹ AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA.

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Os 500 anos do Centro do Recife

*Por Sérgio Buarque ​​Final de tarde, o sol ainda iluminava a Avenida Guararapes, um boulevard arborizado e de largas calçadas e ciclovias, homens e mulheres circulando, entrando e saindo dos edifícios, muitos já sentados no Bar Savoy tomando chope e conversando sobre o aniversário do Recife. No dia seguinte, o Recife completará 500 anos, a capital mais antiga do Brasil. Às 18h, final de expediente, empresários e funcionários das empresas começam a descer dos belos edifícios e caminham pela calçada, alguns seguindo para seus apartamentos na própria avenida ou ruas próximas, outros pegando suas bicicletas, muitos encostando nos bares do Centro para o happy hour. Descem também os funcionários públicos das várias secretárias e órgãos do governo que ocupam edifícios do bairro que foram retrofitados.  Início da noite, muitos dos moradores saem de casa e circulam para fazer compras, tomar um café ou um drinque nas redondezas. Todo o bairro mostra uma grande vitalidade humana e econômica, num espaço público urbanizado, arborizado e muito bem iluminado, seguro e arejado. É uma quarta-feira como outra qualquer – exceto por ser véspera do aniversário dos 500 anos do Recife – nos bairros centrais habitados e com movimentação intensa de negociantes, visitantes, que buscam entretenimento ou compras, e turistas encantados com a qualidade urbana e com a riqueza do patrimônio histórico e cultural.  Na manhã seguinte, 12 de março de 2037, pouco antes das 9h, as ruas do Centro do Recife recomeçam a movimentação de pessoas, moradores saindo para o trabalho e milhares de funcionários e empresários chegando para as atividades profissionais. O movimento ainda era escasso, quando um carro elétrico desce da ponte Duarte Coelho e estaciona na Rua do Sul. Desceram do automóvel o prefeito do Recife, o presidente de Portugal e a princesa de Orange representando o rei Guilherme Alexandres dos Países Baixos na cerimônia dos 500 anos do Recife. Os três caminham pela avenida saudando as pessoas que circulam pelo Centro, o anfitrião mostrando os encantos da arquitetura e indicando os pontos de maior significado. “Aqui estão as principais secretarias do governo federal e estadual e uma universidade e algumas das principais empresas de tecnologia e economia criativa do Brasil”. Dobraram pela esquerda na Avenida Dantas Barreto, elegante e arborizada, seguindo para conhecer a Praça da República com as suas belas e elegantes edificações, e voltaram pela Rua do Imperador.  O prefeito mostrou com entusiasmo a Capela Dourada e iam descendo para a Praça da Independência quando a princesa, com grande entusiasmo, apontou para a placa diante do prédio da esquina da Rua Primeiro de Março: Memorial Marcgrave – Primeiro observatório astronômico da América do Sul. Durante a visita, a princesa suspirava e repetia: “Meu pai insistiu que eu deveria conhecer este memorial. Ele estudou história em Leiden e sabia tudo sobre esse observatório de Marcgrave”.  Contendo a animação da princesa, o prefeito destacou a importância da Praça da Independência e, depois, levou os visitantes a um bondinho que desceu a avenida Dantas Barreto até o Cais José Estelita, andaram pela praça admirando a Bacia do Pina e vendo por trás o Forte das Cinco Pontas, cheio de história dos dois povos. Pegaram o carro e foram almoçar no restaurante Leite para encanto do presidente português que terminou a refeição comendo um pastel de nata e tomando uma taça de vinho do Porto. Depois do almoço, caminharam sem pressa numa rota arborizada, passaram em frente à Casa da Cultura, admirando a bela arquitetura que serviu de prisão, atravessaram a ponte da Boa Vista e entraram na Rua da Imperatriz, a esta altura com uma grande movimentação de homens, mulheres e crianças entrando e saindo das lojas protegidos pela sombra das árvores.  O prefeito convidou os dois para descansar tomando um sorvete na Sorveteria Imperatriz, famosa pelos gelados de frutas tropicais, e depois caminharam pela rua movimentada por grandes artistas até a Praça Maciel Pinheiro. Na praça restaurada e com as edificações recuperadas e coloridas, os convidados ficaram encantados quando o prefeito comentou que ali tinha vivido uma comunidade de judeus asquenazes fugidos dos pogroms da Europa oriental no final do Século 19 e início do Século 20, e apontando para a casa da esquina, comentou: “Ali viveu Clarice Lispector, uma judia que fugiu da Ucrânia e foi uma das maiores escritoras brasileiras no século passado”. O prefeito deixou o bairro do Recife para o restante da tarde. Chegaram de carro ao Marco Zero. “O Recife nasceu aqui. Mas, como disse o grande pintor pernambucano Cícero Dias: Eu vi o mundo... ele começava no Recife”. Do Marco Zero, olhando para oeste, eles viram as avenidas Rio Branco, pedestrianizada, e a Avenida Marques de Olinda, arborizada e com amplas calçadas, vibrantes de pessoas circulando, alguns bares começando a abrir as portas. “Neste bairro, lembrou o prefeito, temos um dos maiores polos tecnológicos do Brasil com centenas de empresas de tecnologia da informação, produzindo software e games para clientes de todo o mundo”.  Eles desceram pela avenida Rio Branco e o orgulhoso prefeito indicou o caminho para a Rua do Bom Jesus – “considerada uma das mais belas do mundo” – que tinha sido chamada antes de Rua dos Judeus, “porque aqui, lembrou o prefeito, viveram os judeus sefarditas que fugiram da Inquisição de Portugal para viver livres no Recife holandês”. A Princesa abriu um sorriso de orgulho. Entraram na Sinagoga para uma visita rápida. Depois, passaram pela Praça do Arsenal, admirando a Torre Malakoff e descobrindo a história que vincula o seu nome a um monumento disputado numa batalha violenta na Guerra da Criméia no Século 19. Desceram pela praça e, já cansados, se sentaram para tomar o tradicional maltado do Recife, exclusivo da lanchonete que tem mais de 100 anos, a mistura de sorvete de baunilha e malte da semente do cacau. Voltaram a caminhar e, de vez em quando, o prefeito mostrava uma escultura de um poeta pernambucano e, em alguns, chegava a declamar alguns trechos de poemas. Finalmente, desceram até o Paço Alfândega, vendo as edificações da

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