Ler para dizer: a semente da palavra nas mãos das crianças
*Por Matheus Lopes de Abreu Há algo de profundamente humano na palavra que nasce do encontro entre olhos e letras. Sempre que observo uma criança lendo, percebo que não é apenas um código que se decifra: é o mundo que se expande, é o pensamento que se organiza, é a língua que aprende a respirar dentro de nós. A leitura, para a infância, não é luxo nem ornamento: é a raiz silenciosa de toda expressão oral e escrita consistente. Como educador há alguns anos, sei que um bom texto – seja ele dito ou escrito – não se constrói no improviso. Ele é fruto de um repertório, de um estoque íntimo de palavras, imagens, ritmos e sentidos que a leitura oferece. Sem esse repertório, a criança se vê restrita a um vocabulário pobre, a uma estrutura de pensamento limitada, a um horizonte estreito. Com ele, porém, descobre-se autora e narradora de si mesma. A literatura acontece a dois, um livro fechado é só um objeto. A ciência da linguagem confirma o que a experiência em sala de aula já nos ensina: ler desenvolve a consciência fonológica, amplia o vocabulário, fortalece a compreensão sintática e afia a capacidade de argumentar. É no contato frequente com narrativas, poemas, reportagens, crônicas, ensaios e outros gêneros textuais que a criança internaliza modelos discursivos, compreende diferentes pontos de vista e aprende a articular ideias com coesão e coerência. Mas há também o que não cabe nos relatórios e nas tabelas. Ler é ouvir vozes que atravessam séculos e geografias, é encontrar-se em personagens, é sentir o pulso da língua no corpo inteiro. Uma criança que lê não apenas escreve melhor: ela fala melhor, pergunta melhor, silencia melhor. Por isso, na educação, acredito ser imprescindível oferecer livros como quem oferece caminhos. Qual caminho você escolheria para o seu filho? É papel da escola – e compromisso de todos que a integram – cultivar espaços de leitura que sejam simultaneamente livres e orientados, onde a criança possa explorar o prazer de ler e, ao mesmo tempo, aprender a técnica de escrever e argumentar. Se quisermos formar escritores e oradores capazes, precisamos primeiro formar leitores atentos e apaixonados. Porque só quem bebe na fonte da leitura é capaz de devolver ao mundo palavras que alimentam, que convencem, que encantam e que fomentam um terreno prolífero para uma boa comunicação. Portanto, é preciso olharmos para a leitura como uma espécie de semente: invisível no início, mas destinada a florescer em cada texto que a criança ousar criar – seja no papel ou no sopro da sua própria voz. *Matheus Lopes de Abreu é produtor cultural e coordenador pedagógico da rede Maple Bear Global School
Ler para dizer: a semente da palavra nas mãos das crianças Read More »