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Pensando Bem

APA Aldeia Beberibe

O impasse ambiental da Escola de Sargentos e os limites da política sustentável no Brasil

*Por Milton Tenório Análise detalhada reflete a profunda frustração e o sentimento de urgência da sociedade civil diante do impasse na construção da Escola de Sargentos do Exército (ESA) na APA Aldeia-Beberibe, em Pernambuco. A reunião da última segunda-feira, com a participação de atores-chave como Exército, MPPE, MPF, Governo do Estado e o Fórum Socioambiental de Aldeia, parece ter reafirmado o cenário de intransigência, em que os argumentos técnicos e ambientais se chocam com decisões políticas. As conclusões que se apresentam ligam o projeto da Escola de Sargentos do Exército na APA Aldeia-Beberibe a questões ideológicas mais amplas: à tensão entre desenvolvimento e sustentabilidade e à falta de accountability política — críticas recorrentes e centrais no debate socioambiental brasileiro. O projeto da ESA e a persistência do impasse O cerne do conflito é o projeto da Escola de Sargentos, que, embora tenha sofrido revisões e redução da área a ser desmatada — de 188 hectares para cerca de 94 hectares (o que ainda representa a derrubada de aproximadamente 200 mil árvores) —, permanece dentro da Área de Proteção Ambiental (APA) Aldeia-Beberibe. Pontos de conflito central Desmatamento e biodiversidade: a área é um remanescente crucial de Mata Atlântica, um bioma severamente ameaçado. A derrubada de árvores coloca em risco a fauna endêmica (como o gato-maracajá e outras 46 espécies ameaçadas) e os serviços ecossistêmicos. Recursos hídricos: o projeto ameaça nascentes do Rio Catucá, vitais para o Sistema Botafogo, que abastece cerca de um milhão de pessoas na Região Metropolitana do Recife. Licenciamento ambiental: a construção da ESA na APA ainda é alvo de controvérsia e, segundo ativistas e análises, carece de autorização final dos órgãos competentes. O Fórum Socioambiental defende a alternativa do desmatamento zero. Conclusões ambientais e a crítica política 1. A tensão entre sustentabilidade e “desenvolvimentismo” O descompasso ideológico é evidente. O projeto da ESA é visto por muitos como um símbolo de um “desenvolvimentismo” tradicional, que prioriza grandes obras e investimentos — como os R$ 2 bilhões previstos para a ESA — em detrimento da conservação. Esse modelo, mesmo em governos progressistas, pode entrar em choque com a agenda ecocêntrica, gerando a percepção de que a urgência climática e a pauta de Marina Silva são “rifadas” por interesses setoriais mais alinhados ao crescimento econômico imediato. 2. Antropocentrismo vs. direitos não humanos A defesa dos direitos não humanos e a adoção de uma visão ecocêntrica são, de fato, o próximo passo na evolução do ativismo ambiental. Ao focar em espécies como o gato-maracajá, a mobilização de Aldeia eleva a discussão a um nível ético que desafia a política tradicional, ainda dominada por um antropocentrismo que mede o valor da floresta apenas em termos de benefícios humanos (água, ar puro). 3. Poder sem accountability (prestação de contas e responsabilidade) A crítica ao poder ilimitado e à falta de accountability se manifesta na figura de agentes públicos de longo mandato ou alta influência — como o Ministro da Defesa, a AGU, o general coordenador do projeto e a postura do Governo do Estado. A percepção é que o lobby político e as decisões de cúpula se sobrepõem à técnica dos órgãos fiscalizadores e às demandas da sociedade civil, esvaziando o processo democrático e ambiental. A acusação de greenwashing (“maquiagem verde”) por parte do Exército, que tenta parecer aberto ao diálogo enquanto avança com o projeto, resume essa desconfiança. A esperança nos órgãos de controle e nos movimentos sociais A esperança depositada no Ministério Público Federal (MPF) e no Ministério Público de Pernambuco (MPPE) é a chave do cenário atual. O MP, por sua autonomia e função constitucional, tem o poder de exigir o licenciamento ambiental completo, propor ações judiciais e garantir que a legislação seja cumprida, barrando politicamente atos que possam ser considerados crimes ambientais. Os movimentos sociais e ONGs, como o Fórum Socioambiental de Aldeia, o Movimento Gato-Maracajá, Artistas pelo Clima e a SAAB (Salve a APA Aldeia-Beberibe), atuam como instrumentos de monitoramento constante e de pressão popular — essenciais para manter o tema em pauta e fornecer aos órgãos de controle as bases e o apoio social necessários para suas decisões. A persistência na bandeira do “Desmatamento Zero” é o que mantém a pressão para que o Exército considere alternativas locacionais, que, conforme apontado pelo Fórum Socioambiental de Aldeia, já foram apresentadas e negadas. Sigamos no desmatamento zero! Milton TenórioProfissional liberal, estudante de Bacharelado em Agroecologia na UFRPE, ativista ambiental e morador de Aldeia.

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As emergências climáticas e a governança global: A posição de Donald Trump em perspectiva

*Por Zacarias Ribeiro Filho Este artigo não tem como propósito alimentar a polarização política. O objetivo é analisar como narrativas de lideranças globais influenciam a governança climática e o futuro comum da humanidade. O clima não conhece fronteiras ideológicas: trata-se de ciência, responsabilidade civilizatória e sobrevivência coletiva. O debate climático tornou-se um dos grandes pontos de tensão entre ciência e política no Século 21. Donald Trump desconsidera a diferença fundamental entre percepções episódicas do passado e o consenso científico contemporâneo, baseado em evidências acumuladas por décadas e respaldadas pelo IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas).  Ele, recorre a comparações históricas simplificadas: lembra que, nos anos 1920 e 1930, havia temores sobre resfriamento, para então sugerir que as preocupações atuais com o aquecimento global também seriam passageiras. Essa afirmação não pode ser lida apenas como opinião pessoal. Ela reflete como líderes, em diferentes contextos, utilizam narrativas para defender interesses e moldar políticas públicas. O “resfriamento global” e a construção de um falso dilema De fato, entre 1940 e 1970, houve estudos que discutiram os efeitos resfriadores da poluição atmosférica (aerossóis). Porém, mesmo nesse período, pesquisas já apontavam para o risco do aquecimento associado ao aumento dos gases de efeito estufa. Ou seja, nunca houve consenso sobre resfriamento global. A ciência evoluiu, acumulou dados e consolidou o entendimento de que o aquecimento atual é inequívoco e acelerado pela ação humana. A narrativa de Trump confunde hipóteses transitórias com consensos consolidados.    Tempo geológico x tempo político Outro ponto usado na retórica climática dele é a comparação entre a escala de milhões de anos das mudanças naturais da Terra e o curto intervalo de um século. Embora seja verdade que o planeta já tenha passado por ciclos de resfriamento e aquecimento, o fenômeno atual é distinto por duas razões: 1. Velocidade sem precedentes: em pouco mais de 150 anos, a concentração de CO² saltou de 280 ppm (partes por milhão), no nível pré-industrial, para mais de 420 ppm. 2. Origem antropogênica: o atual aquecimento decorre diretamente da queima de combustíveis fósseis, desmatamento e expansão agrícola. A política, no entanto, opera em outro tempo: mandatos de quatro anos, resultados trimestrais, respostas imediatas a crises. É nesse desencontro entre o tempo da geologia e o tempo da governança que reside a urgência climática. O peso da liderança global.  Os Estados Unidos são o segundo maior emissor histórico de gases de efeito estufa. Assim, quando um presidente norte-americano adota discurso de rejeição, os impactos não se limitam ao plano interno. Isso repercute diretamente na cooperação internacional, no ritmo da transição energética e na legitimidade de acordos multilaterais, como o Acordo de Paris.  É importante destacar que esse não é um fenômeno exclusivo de um país ou espectro político. Ao longo da história recente, diferentes governos – de perfis ideológicos variados – também mostraram resistência em alinhar suas políticas às evidências científicas, especialmente quando isso contraria interesses econômicos imediatos. Rejeição como estratégia de poder As emergências climáticas rejeitadas não devem ser vistas apenas como ignorância, mas como estratégia política, que cumpre funções claras: • internamente, mobiliza eleitores contrários a regulações ambientais e reforça narrativas de identidade política; e • externamente, projeta uma postura de resistência a compromissos internacionais e preserva setores econômicos estratégicos. É importante frisar que a dificuldade em lidar com a questão climática não é exclusiva de Trump ou de governos conservadores. Nem as utopias de esquerda, nem as de direita, foram capazes de oferecer respostas consistentes à pobreza estrutural ou às emergências climáticas. Ambas nutriram esperanças, mas falharam em dar soluções definitivas frente à complexidade dos desafios globais. Conclusão: ciência além da ideologia.  A análise da postura de Trump serve como alerta para algo maior: o desafio climático transcende a polarização entre direita e esquerda. O aquecimento global é um fato científico, não uma opinião. A resposta a ele depende da capacidade de líderes e instituições de superar divisões políticas e construir soluções coletivas. Em última instância, a questão climática não é sobre preferências ideológicas, mas sobre a obrigação ética, social e histórica que os seres humanos têm de proteger, preservar e desenvolver a civilização de forma sustentável e justa. Enfim, estamos diante da responsabilidade civilizatória. A ciência nos mostra a urgência; cabe à política decidir se responderá a tempo. *Zacarias Ribeiro Filho é engenheiro agrônomo; mestre em Dinâmica de Desenvolvimento do Semiárido; consultor  ESG da Abrafrutas; diretor da ESG Planning Consultoria.

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Crédito e dignidade: o papel do Banco do Nordeste no Plano Safra  

*Por Paulo Câmara A agricultura familiar é o coração do abastecimento alimentar brasileiro. Presente em todos os estados, mas especialmente no Nordeste, ela é responsável por grande parte dos alimentos que chegam à mesa dos brasileiros. Por trás da produção, estão milhões de famílias que trabalham com dedicação, muitas vezes em condições adversas, para sustentar suas comunidades e dinamizar as economias locais. É por isso que, ao falar de políticas públicas para o campo, não podemos nos limitar à produção. Precisamos olhar também para a vida, a saúde e a dignidade dessas famílias. No Banco do Nordeste, temos consciência dessa responsabilidade. Por isso, no contexto do Plano Safra da Agricultura Familiar 2025/2026, estamos lançando uma iniciativa inédita: uma linha de crédito voltada exclusivamente para a instalação de banheiros em pequenas propriedades rurais. Pode parecer um detalhe, mas não é. Trata-se de uma política de inclusão social, de saúde e de cidadania. Estimamos financiar a construção de 100 mil banheiros, em um volume de R$ 300 milhões. E o mais importante: esse crédito não comprometerá o limite produtivo já disponível para os agricultores no âmbito do Pronaf, que no governo Lula, foi multiplicado por seis, chegando a R$ 35 mil. Ou seja, a família poderá acessar recursos para custeio e investimento em sua lavoura e, ao mesmo tempo, ter a oportunidade de implantar uma infraestrutura básica que transformará sua vida cotidiana. Quem conhece de perto a realidade do campo sabe o quanto essa medida é urgente. Ainda são muitas as propriedades rurais que não contam com instalações sanitárias adequadas. Essa ausência impacta a saúde, aumenta a incidência de doenças, compromete a dignidade das famílias e aprofunda desigualdades históricas. O acesso ao banheiro é um direito humano básico, que precisa ser garantido a todos. No Banco do Nordeste, estamos alinhados às diretrizes do Governo Federal com a inclusão social e o combate à pobreza. A linha de crédito para construção e reforma de banheiros é um exemplo concreto de como o sistema financeiro público pode atuar de forma humana, olhando além da produção agrícola e investindo também na qualidade de vida das famílias rurais. Mas a iniciativa não se limita ao impacto social direto. A instalação de banheiros também movimenta a economia local. Cada obra gera demanda por pedreiros, encanadores, eletricistas, além de dinamizar o comércio de materiais de construção em pequenos municípios. Assim, além de garantir saúde e dignidade, esse crédito cria oportunidades econômicas, gera empregos e fortalece cadeias produtivas ligadas à construção civil. Essa visão integrada – de produção, inclusão social e desenvolvimento regional – é a marca da atuação do Banco do Nordeste. Só no último ciclo do Plano Safra, aplicamos mais de R$ 9,6 bilhões em crédito com agricultores familiares, respondendo por 94% dos contratos e 70% do volume contratado do Pronaf em nossa área de atuação, que compreende todo o Nordeste e parte de Minas Gerais e Espírito Santo. Somos, de fato, o principal operador do Pronaf na região, e entendemos essa liderança como uma responsabilidade que vai além de números: trata-se de transformar vidas. No ciclo 2025/2026, disponibilizaremos R$ 10,2 bilhões em crédito para a agricultura familiar. As condições são acessíveis, com taxas que variam de 0,5% ao ano para sistemas agroecológicos a 2,5% para conectividade e mecanização, chegando a 8% ao ano para habitação rural e regularização fundiária. Nossa atuação se baseia no entendimento de que crédito, quando aliado a orientação técnica e políticas públicas bem desenhadas, é uma ferramenta poderosa de desenvolvimento. *Paulo Câmara, presidente do Banco do Nordeste Foto: Fernando Cavalcante

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Paulista: uma reflexão dos 90 anos da cidade

*Ricardo Andrade A defesa do patrimônio, da identidade e pertencimento de um território, guarda sua cultura e a História de uma gente, de sua memória coletiva. 90 anos não são 90 dias, e por isso o Movimento Pró-Museu e o IHGAAP (Instituto Histórico, Geográfico, Arqueológico, Antropológico do Paulista) coordenam a Plataforma "Paulista Centenária", uma série de estudos e debates sobre o planejamento urbano, com vistas à chegada dos 100 anos da cidade, em 2035. Paulista antes e depois da C.T.P e dos Lundgren, do novos Distritos Industriais em Paratibe e em Maranguape II, antes e depois das Vilas da antiga COHAB, do Paulista North Way Shopping, da ACLF, Carrilho, MRV e a nova expansão imobiliária, da chegada das grandes redes verejistas de supermercados, de seu lindo litoral e belezas naturais, de seu comércio pujante. Um novo ciclo de desenvolvimento foi desenhado, com o Plano Diretor na década de 1990, e a cidade "inchou", sem que os instrumentos de regulação dessem conta da infraestrutura e da mobilidade exigida. Um período em que o Poder Local não foi acompanhado por gestões e governança à altura desse processo, que foi contínuo e desordenado. A regularização fundiária anda a passos lentos, enquanto a especulação e os crimes ambientais andam em alta velocidade. Apesar de bons índices de escolaridade (Ideb), a cidade tem ainda uma saúde precária, com cobertura populacional estimada pelas equipes de Atenção Básica, em 2020, de 48,2% (ver em www.proadess.icict.fiocruz.br). Não podemos esquecer de sua vocação turística e do seu potencial ativo, nas várias dimensões, agregado à cultura e ao patrimônio, valorizando seus artistas, empreendedores, pescadores, ribeirinhos e atores locais. "Em cima o céu é mais azul, é mais bonito", canta o Hino escrito por Joel Andrade; enquanto a bandeira desenhada pelo saudoso Hidelbrando Eugênio, ostenta a insigne, "Ordem e Trabalho". Que venha outras 90 primaveras, de uma Paulista de utopias, justiça e de conquistas, sem ter vergonha de olhar pro seu passado, construindo no presente, os caminhos de seu futuro promissor. *Ricardo Andrade é historiador, Cientista Político, Presidente do IHGAAP.

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Sem tabu: falar de bem-estar deve ocupar os fóruns de discussão dos altos executivos

*Por Nathália Grizzi Os dados do Ministério da Previdência Social são alarmantes: quase 500 mil afastamentos por saúde mental no Brasil em 2024; crescimento de 134% para esse tipo de afastamento em apenas dois anos; impacto estimado de R$ 3 bilhões na economia por causa desses afastamentos. Diante desses números, a resposta do Governo veio com a modificação da Norma Regulamentadora nº 1, editada pelo Ministério do Trabalho e Emprego. A NR-1 estabelece as disposições gerais sobre segurança e saúde no trabalho e exige a implantação do GRO (Gerenciamento de Riscos Ocupacionais) e do PGR (Programa de Gerenciamento de Riscos). A sua modificação mais recente, que entrou em vigor em maio deste ano, obriga as empresas a incluírem em seus gerenciamentos os fatores de riscos psicossociais. Mas, para além do cumprimento da norma, o mais importante para a alta liderança é primeiro quebrar o tabu e falar verdadeiramente sobre bem-estar e saúde mental e, depois, entender como aplicar métodos para implantação de uma cultura de produtividade consciente. Segundo dados de uma pesquisa realizada no Reino Unido com 1.989 empregados em tempo integral, o tempo médio de produtividade desses trabalhadores é de apenas 2h53min por dia. Não é coincidência que o Brasil registre recordes de adoecimento mental no mesmo momento em que dados globais revelam níveis históricos de improdutividade. Ambientes tóxicos geram pseudoprodutividade, que gera sobrecarga, que gera adoecimento, que gera mais custos e menos resultados. É um ciclo vicioso que está custando bilhões às organizações brasileiras. E qual é a origem desse problema e, mais importante do que isso, como resolvê-lo? Embora o mundo tenha evoluído drasticamente, nossa relação com o trabalho permanece fundamentalmente disfuncional. Criamos organizações que operam como máquinas de estresse, onde a ideia de “estar ocupado” é confundida com “ser produtivo”, recompensando aquelas pessoas que operam dentro dessa lógica. Quantas vezes você se viu obrigado a participar de reuniões improdutivas, a suportar uma sobrecarga constante sem resultados proporcionais ou mesmo diante de comunicações ineficientes, sejam institucionais ou com a liderança direta? Esses são apenas alguns sintomas organizacionais que demonstram a crise da pseudoprodutividade. Como então operar a transformação do paradigma da pseudoprodutividade para um ambiente de produtividade consciente? Primeiro e o mais importante: é fundamental entender que isso passa por uma mudança de cultura organizacional e que, necessariamente, tem que ser abraçada pela liderança, afinal, o exemplo arrasta! Segundo, é preciso ter método. Dentro de um framework de produtividade consciente, pode-se dividir as ações estratégicas em 5 pilares: 1) Redesenho do Tempo; 2) Recuperação Estratégica do Estresse; 3) Redesenho da Forma de Trabalho; 4) Redesenho das Comunicações; e 5) Segurança Psicológica e Pertencimento. Pilar 1 – Redesenho do Tempo. Frases que resumem esse pilar: “quando tudo é urgente, nada é urgente” e “nada realmente grandioso nasce do tempo que sobra”. É preciso implantar métodos para redução de reuniões, fazendo apenas aquelas que sejam realmente necessárias, com pauta clara e para tomada de decisões. Além disso, ferramentas simples como a aplicação da Matriz de Eisenhower e a criação de blocos de trabalho e concentração profunda precisam ser aplicadas no dia a dia para gestão de demandas e maior produtividade. Nesse bloco, também é fundamental usar estrategicamente a inteligência artificial como mecanismo de expansão de inteligência humana e de uso eficiente do tempo. Pilar 2 – Recuperação Estratégica do Estresse. Pausas são fundamentais. Não é bobagem investir em espaços de descompressão, em locais onde as pessoas possam parar, respirar e se conectar com outras pessoas. Pilar 3 – Redesenho da Forma de Trabalho. É urgente acabar com a cultura de super-herói dentro das organizações. Uma pessoa só não pode e não vai dar conta de tudo. As pessoas são diferentes e têm talentos diferentes. Reconhecer essas diferenças e alocar esses talentos estrategicamente em equipes multidisciplinares com objetivos e resultados-chave (OKRs) claros de curto, médio e longo prazo é simples e eficiente. Ter acompanhamentos estratégicos com reuniões focadas em evolução e não em problemas é outro mecanismo poderoso. Pilar 4 – Redesenho das Comunicações. Ter regras claras para comunicações facilita a dinâmica dos blocos de trabalho e concentração profunda. Essas regras incluem, necessariamente, uma clareza sobre prioridades, urgências e os canais de comunicação adequados para cada uma delas. Quando existe clareza estratégica, o “não” desempenha um papel fundamental na absorção de novas demandas e na alocação de tempo. Pilar 5 – Segurança Psicológica e Pertencimento. É preciso criar espaços seguros e de trocas verdadeiras. Isso só se constrói com diálogos e feedbacks radicalmente honestos e respeitosos e com vulnerabilidade, nos quais líderes admitem erros e limitações – seus e dos seus liderados – e fazem disso um material potente para a melhoria contínua da organização. No fim, o recado é simples: é preciso entender que a cultura de bem-estar não é antagonista aos resultados. Ao contrário: ela é a aliada mais poderosa, pois, no final das contas, tudo ainda é sobre pessoas. Sustentabilidade humana garante sustentabilidade e perenidade dos negócios. *Nathália Grizzi é advogada e sócia das áreas especializadas de Martorelli Advogados

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Ler para dizer: a semente da palavra nas mãos das crianças

*Por Matheus Lopes de Abreu Há algo de profundamente humano na palavra que nasce do encontro entre olhos e letras. Sempre que observo uma criança lendo, percebo que não é apenas um código que se decifra: é o mundo que se expande, é o pensamento que se organiza, é a língua que encontra seu ritmo dentro de nós. A leitura, para a infância, não é luxo nem ornamento; é a raiz silenciosa de toda expressão oral e escrita consistente. Como educador há alguns anos, sei que um bom texto – seja ele dito ou escrito – não se constrói no improviso. Ele é fruto de um repertório, de um estoque íntimo de palavras, imagens, ritmos e sentidos que a leitura oferece. Sem esse repertório, a criança se vê restrita a um vocabulário limitado, a uma estrutura de pensamento engessada, a um horizonte estreito. Com esse repertório, a criança descobre-se autora e narradora de si mesma. Ler é sempre um encontro: um livro fechado é apenas um objeto à espera de vida. A ciência da linguagem confirma o que a experiência em sala de aula já nos ensina: ler desenvolve a consciência fonológica, amplia o vocabulário, fortalece a compreensão sintática e afia a capacidade de argumentar. É no contato frequente com narrativas, poemas, reportagens, crônicas, ensaios e outros gêneros textuais que a criança internaliza modelos discursivos, compreende diferentes pontos de vista e aprende a articular ideias com coesão e coerência. Mas há também o que não cabe nos relatórios e nas tabelas. Ler é ouvir vozes que atravessam séculos e geografias, é encontrar-se em personagens, é sentir a vitalidade da língua percorrendo o pensamento e a imaginação. Uma criança que lê não apenas escreve melhor: ela fala melhor, pergunta melhor, escuta melhor. Por isso, na educação, acredito ser imprescindível oferecer livros como quem oferece caminhos. Qual caminho você escolheria para o seu filho? É papel da escola – e compromisso de todos que a integram – cultivar espaços de leitura que sejam, ao mesmo tempo, livres e cuidadosamente orientados, de modo que a criança possa explorar o prazer de ler e, simultaneamente, aprender a técnica de escrever e argumentar. Se quisermos formar escritores e oradores capazes, precisamos primeiro formar leitores atentos e apaixonados. Porque só quem bebe na fonte da leitura é capaz de devolver ao mundo palavras que alimentam, que convencem, que encantam e que fertilizam o terreno para uma comunicação viva. Portanto, é preciso olharmos para a leitura como uma espécie de semente: invisível no início, mas destinada a florescer em cada texto que a criança ousar criar – seja no papel ou no sopro da sua própria voz. *Matheus Lopes de Abreu é produtor cultural e coordenador pedagógico da rede Maple Bear Global School

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Liderança feminina ainda enfrenta obstáculos para assumir cargos de alta gestão no Brasil

Apesar de avanços pontuais, apenas 17,4% das presidências formais no Brasil são ocupadas por mulheres, revelando estagnação e barreiras estruturais à equidade de gênero nas empresas O relatório Women in Business 2024, da Grant Thornton International, mostra que 33,5% dos cargos de alta gestão em empresas de médio porte no mundo são ocupados por mulheres — uma alta de 1,1 ponto percentual em relação a 2023 (32,4%). Embora esse seja o maior percentual já registrado desde o início da pesquisa, o dado ainda revela que apenas uma em cada três posições de liderança é ocupada por uma mulher. No Brasil, a igualdade de gênero enfrenta ainda mais desafios e está longe de alcançar o comando das principais empresas, segundo a pesquisa Panorama Mulheres 2025, realizada pelo Instituto Talenses Group em parceria com o Insper. Das 310 empresas de diferentes setores e portes analisadas, 224 possuem presidência formalizada, mas apenas 39 são lideradas por mulheres — o que representa 17,4% do total. O número evidencia uma estagnação no avanço da presença feminina nas lideranças corporativas do país. “Historicamente, as mulheres foram condicionadas a priorizar a vida doméstica, o cuidado familiar e o amor romântico, muitas vezes em detrimento de suas ambições profissionais. Essa construção social ainda persiste, influenciando desde a infância a forma como meninas enxergam seu lugar no mundo”, comenta Luciana Almeida, consultora e sócia da TGI, especialista em liderança nas empresas. Segundo ela, na vida adulta, as competências das mulheres continuam sendo frequentemente questionadas — seja pela maternidade ou pela suposição de que não são tão técnicas quanto os homens. “Mesmo mais preparadas academicamente, muitas vezes recebem menos investimento em capacitação e têm acesso limitado a oportunidades de crescimento”, completa. Apesar de avanços em setores como saúde, educação e empreendedorismo em serviços, a presença feminina em posições estratégicas de alta gestão ainda é reduzida. “E, quando chegam lá, muitas vezes é por caminhos paralelos, como o empreendedorismo, que oferece maior flexibilidade — embora enfrente obstáculos como o acesso restrito ao crédito. Soma-se a isso o impacto emocional da chamada ‘síndrome da impostora’, que leva muitas profissionais a duvidarem da própria capacidade, mesmo quando plenamente qualificadas”, explica Luciana. Para a consultora, mais do que uma questão de justiça, ter mulheres em cargos de gestão é uma estratégia de negócio. “Lideranças femininas tendem a fomentar culturas mais inclusivas, promover equilíbrio emocional nas equipes e estimular a inovação”. Segundo ela, a equidade de gênero nas empresas deve ser tratada como uma meta estratégica. “É preciso estabelecer objetivos claros de equidade no planejamento organizacional; criar programas de desenvolvimento e mentoria voltados para mulheres; adotar políticas como vagas afirmativas; além de promover transparência nos critérios de promoção, licença parental igualitária e apoio à parentalidade — como a oferta de creches”, conclui.

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O Futuro Humanizado pela IA

Como a inteligência artificial pode nos libertar para criar, cuidar e conviver E se o futuro for mais humano, justamente porque será mais inteligente? Essa é uma das possibilidades mais bonitas que a inteligência artificial nos oferece. Muito se fala sobre o medo de que as máquinas nos substituam. Mas talvez a pergunta certa seja: e se elas nos libertarem? Libertar do que é repetitivo, exaustivo, automático. Libertar tempo e energia para aquilo que nos faz únicos: criar, cuidar, imaginar, conviver. A IA pode organizar o trânsito, processar exames médicos, sugerir caminhos de estudo, automatizar tarefas administrativas — e com isso, abrir espaço para que possamos olhar mais uns para os outros, e menos para telas, prazos e planilhas. Ao longo deste livro, vimos que a IA é mais do que uma tecnologia. É uma lente. Um espelho. Um campo de possibilidades. Ela não traz respostas prontas, mas provoca novas perguntas. E talvez a mais importante seja: que tipo de humanidade queremos cultivar neste novo tempo? Não se trata de idealizar a IA. Sabemos que ela pode ser usada de forma destrutiva, injusta, excludente. Mas também sabemos que ela pode ser usada para ampliar acessos, democratizar saberes, acelerar descobertas, salvar vidas. O que define esse caminho não está na máquina — está em nós. Já imaginou uma IA treinada para detectar sinais precoces de doenças em populações vulneráveis? Ou sistemas inteligentes ajudando a alfabetizar crianças em regiões remotas, adaptando o ensino ao ritmo de cada uma? E se bibliotecas digitais, alimentadas por algoritmos de recomendação culturalmente sensíveis, levassem livros e histórias aos lugares onde o silêncio antes imperava? O futuro da IA é, em grande parte, o futuro da nossa capacidade de sonhar — e de agir com responsabilidade. Não precisamos escolher entre progresso e humanidade. Podemos, sim, construir um progresso que seja para a humanidade. Que tenha a dignidade como princípio, e a empatia como guia. A IA nos ensina algo curioso: para ensinar máquinas a pensar, precisamos antes entender melhor como nós mesmos pensamos. Para ensinar robôs a tomar decisões, somos obrigados a discutir o que é certo e o que é justo. Para programar vozes sintéticas que soem humanas, revisitamos o que significa comunicar-se com afeto. Ou seja: ao construir a IA, estamos, ao mesmo tempo, reconstruindo o nosso próprio entendimento sobre quem somos. Esse ciclo de criação e reflexão é precioso. Ele nos convida a abandonar o automatismo do cotidiano e a viver com mais intenção. Afinal, se a máquina pode resolver o trivial, talvez possamos dedicar nosso tempo ao essencial. E o essencial, como sabemos, não se resume a cálculos. Está nas relações. Está no gesto de ouvir com atenção. Na coragem de mudar de ideia. Na disposição de construir o bem comum. A IA pode nos ajudar a lembrar que a inteligência, por si só, não basta. É preciso também sensibilidade. É preciso sabedoria. A palavra “futuro” costuma carregar uma certa ansiedade. Mas e se ela puder carregar também acolhimento? Um futuro em que não sejamos engolidos pela tecnologia, mas inspirados por ela. Em que possamos viver com mais leveza, porque teremos aliados digitais cuidando do que é pesado. Em que o humano não perca espaço, mas floresça — com mais tempo para criar, cuidar, conviver. Ao final desta jornada, percebemos que a pergunta já não é “o que a IA pode fazer?”, mas sim “o que nós queremos fazer com ela?”. E a resposta está em nossas mãos, em nossas escolhas diárias, em nossas políticas públicas, em nossos projetos sociais, em nossos sonhos coletivos. O futuro não está pronto. Ele está sendo escrito agora — em código, em debate, em arte, em sala de aula, em laboratórios, em cafés da manhã. E se há algo que a IA ainda não pode fazer por nós, é decidir o que vale a pena. Isso continua sendo um privilégio humano. Que possamos, então, escolher com sabedoria. Escolher caminhos que ampliem a liberdade, aprofundem a justiça e fortaleçam a nossa conexão com tudo o que nos torna humanos. O futuro é uma construção coletiva. E, com inteligência artificial, ele pode — e deve — ser profundamente humano. *Rafael Toscano é escritor, pesquisador e professor na CESAR School, engenheiro na Companhia Brasileira de Trens Urbanos e ocupa o cargo de Secretário Executivo de Ciência, Tecnologia e Negócios na Secretaria de Transformação Digital, Ciência e Tecnologia (SECTI) da Prefeitura do Recife. Formado em Engenharia da Computação pela UFPE, é Mestre e Doutor pela Universidade de Pernambuco. **Esse Texto integra o livro IA Transformação das Humanidades

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Joao Galamba Divulgacao

Sísifo veste farda: a escala 6x1 como o castigo do trabalhador atual

João Galamba* Imagine acordar todos os dias, de segunda a sábado, repetindo uma jornada exaustiva que consome corpo, mente e alma. Ao final da semana, um único dia é concedido como “descanso”, onde o trabalhador não repousa, ele apenas se prepara para sobreviver à semana seguinte. Agora, imagine que isso se repete indefinidamente, como um ciclo sem fim. Assim vive o trabalhador submetido à escala 6x1. Quem vive sob essa lógica sabe: o domingo não é repouso, é manutenção. Lava-se a roupa, compra-se comida, arruma-se a casa, visita-se a família. Prepara-se o corpo para mais seis dias. E quando o corpo não responde, é culpa do cansaço? Não do sistema! No mito grego, Sísifo foi condenado pelos deuses a empurrar uma pedra até o topo da montanha, apenas para vê-la rolar de volta, num ciclo eterno, sem propósito ou recompensa. O esforço contínuo que não leva a lugar algum. Hoje, milhões de trabalhadores brasileiros vivem uma versão moderna desse castigo, disfarçada de legalidade: a jornada 6x1. No Brasil, Sísifo veste uniforme e bate ponto. Sua pedra é o turno de trabalho. Seu castigo é a repetição constante, sua liberdade é ficção. A cada semana vencida, não há vitória: há apenas o reinício do ciclo. A pedra rola de novo. O trabalhador acredita que está descansando, mas está apenas se preparando para recomeçar. Ele acorda cedo, enfrenta transporte precário, jornadas intensas e metas inalcançáveis. Quando finalmente chega o domingo, ele não vive: sobrevive. Tal como Sísifo, que via sua pedra rolar sempre de volta, o trabalhador vê a semana reiniciar, ainda mais pesada. E o mais perverso: acredita que isso é normal. Afinal, “sempre foi assim”. Mas naturalizar o excesso é aceitar a desumanização. É urgente discutir a redefinição da jornada de trabalho. Reduzir o tempo de labuta, garantir folgas reais e combater abusos que transformam o descanso em ficção. O trabalho não pode ocupar todos os espaços da vida. Se o tempo de viver se resume ao tempo de produzir, então não há liberdade e sim uma condenação. Sísifo não teve escolha. Mas o trabalhador tem. É hora de parar de empurrar a pedra. Repensar a escala 6x1 não é apenas uma questão de legislação. É uma questão de humanidade. *João Galamba é advogado especialista em direito do trabalho e sócio do escritório Galamba & Félix

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Navegando em Águas Turbulentas

Entre avanços tecnológicos e riscos invisíveis, o desafio é garantir que a IA sirva à justiça, à diversidade e ao bem comum *Por Rafael Toscano Toda nova tecnologia traz promessas. Mas também traz riscos. A inteligência artificial, com seu poder de decidir, prever e aprender, nos obriga a fazer uma pausa — olhar para os lados, olhar para trás e olhar para dentro. Não basta perguntar o que podemos fazer com ela. É preciso perguntar: o que devemos fazer com ela? A história está cheia de lições. A Revolução Industrial gerou crescimento, mas também desigualdade. O progresso científico trouxe curas, mas também armas. Agora, com a IA, vivemos outro ponto de inflexão. Uma ferramenta poderosa está em nossas mãos — e como vamos usá-la depende de escolhas éticas. Já falamos sobre viés, privacidade, responsabilidade. Mas existe uma camada mais profunda: a da justiça social. Quem se beneficia da IA? Quem é deixado para trás? Algoritmos que distribuem crédito, indicam candidatos a vagas de emprego, preveem comportamentos criminais — todos podem reforçar estruturas de desigualdade se forem construídos sem diversidade, sem escuta, sem crítica. O problema não está na tecnologia em si, mas na forma como ela é desenvolvida, treinada e usada. Dados refletem a realidade. E a realidade, infelizmente, ainda carrega muitos preconceitos. Se a IA aprende com isso, ela perpetua. E às vezes, amplifica. Por isso, precisamos de transparência. Não podemos viver em um mundo governado por algoritmos que ninguém entende. É necessário saber como as decisões são tomadas, que critérios foram usados, de onde vieram os dados. Só assim podemos confiar — e corrigir o que estiver errado. Precisamos também de inclusão. As vozes que historicamente foram silenciadas precisam participar da construção desse futuro. Não podemos aceitar que uma tecnologia que molda o mundo seja decidida por um grupo pequeno e homogêneo. A IA não é um luxo técnico; é uma questão de cidadania. E há uma questão internacional: a governança global da IA. Diferentes países têm valores distintos, prioridades diferentes. Como criar um conjunto de princípios éticos que respeitem a diversidade cultural, mas que também protejam direitos universais como liberdade, dignidade, igualdade? Alguns já começaram. A Declaração de Montreal, as diretrizes da Unesco, as discussões no Fórum Econômico Mundial e em consórcios de empresas e universidades. Mas o caminho ainda é longo. E o ritmo da tecnologia é mais rápido que o da legislação. Precisamos de pontes entre esses mundos: entre ética e inovação, entre academia e mercado, entre ciência e sociedade. Em meio a tudo isso, há outro risco: o da superficialidade ética. Criar comitês, selos, códigos de conduta pode parecer suficiente — mas só faz sentido se vier acompanhado de ação real. Ética não é um adereço. É uma prática. É um compromisso. E talvez a maior responsabilidade seja nossa, como sociedade. Não podemos delegar tudo à tecnologia. Precisamos formar cidadãos capazes de questionar, analisar, participar. A alfabetização ética e digital tem que começar na escola, seguir nas universidades, nas empresas, nos governos. Uma IA justa exige uma sociedade vigilante e ativa. O futuro será moldado por decisões que estão sendo tomadas agora. Cada sistema implantado, cada dado coletado, cada algoritmo rodando em silêncio: todos têm consequências. Podemos optar por uma IA que sirva ao lucro, à vigilância, à exclusão. Ou podemos lutar por uma IA que amplifique o que temos de melhor: empatia, solidariedade, justiça. Não será fácil. Navegar em águas turbulentas exige firmeza no leme e clareza no horizonte. Mas temos referências. A luta por direitos civis. A Declaração Universal dos Direitos Humanos. Os movimentos por igualdade, por diversidade, por sustentabilidade. Todos eles nos ensinam que o progresso verdadeiro é aquele que inclui, que respeita, que escuta. Se a IA é a grande revolução do nosso tempo, que ela venha acompanhada de uma revolução ética — silenciosa, mas profunda. Que cada linha de código carregue não apenas lógica, mas cuidado. Que cada decisão algorítmica reflita não só eficiência, mas equidade. E que, ao final, possamos olhar para essa tecnologia não com medo, mas com orgulho — como algo que construímos juntos, com inteligência, mas sobretudo com humanidade. *Rafael Toscano é escritor, pesquisador e professor na CESAR School, engenheiro na Companhia Brasileira de Trens Urbanos e ocupa o cargo de Secretário Executivo de Ciência, Tecnologia e Negócios na Secretaria de Transformação Digital, Ciência e Tecnologia (SECTI) da Prefeitura do Recife. Formado em Engenharia da Computação pela UFPE, é Mestre e Doutor pela Universidade de Pernambuco. **Esse Texto integra o livro IA Transformação das Humanidades

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