As cores, os movimentos e a alegria da folia inspiram a literatura, as artes plásticas, o cinema e até a moda em Pernambuco. *Por Rafael Dantas Pernambuco é o berço de um ciclo carnavalesco que repercute muito além das suas fronteiras. O som e as danças do frevo, do maracatu, dos caboclinhos e de uma infinidade de outras manifestações culturais e brincantes movimentam milhões nos dias da folia. Porém, além dos festejos típicos do período, as cores e signos do Carnaval influenciam bastante as demais artes pernambucanas, como na literatura, no cinema e nas artes plásticas. “O Carnaval é uma celebração viva, latente, orgânica, que inspira e molda nossa forma de ver e compreender o mundo. Na literatura, por exemplo, temos muitos nomes que traduziram as nossas expressões culturais em verso e prosa”, afirma o historiador e professor da Universidade de Pernambuco, Mário Ribeiro dos Santos. A partir dessa percepção, ele destaca, por exemplo, que a força dessa festa se espraia pelo mundo das letras e na pintura, não apenas das canções carnavalescas e dos adereços e decorações que caracterizam as pessoas e as cidades na festa momesca. Ele enumera entre os grandes nomes que conseguiram costurar sua escrita com os ritmos e balanços da folia os escritores Solano Trindade, nascido no Bairro de São José, e Inaldete Pinheiro, natural do Rio Grande do Norte, mas radicada no Recife há mais de seis décadas. “Nas obras de Solano Trindade encontramos referências ao maracatu, ao samba, ao frevo, ao boi bumbá; a personagens como: Bastião, Mateus, Dama do Paço… Muitas são as referências que podemos encontrar nos seus poemas. Inaldete Pinheiro nos presenteia com abordagens empretecidas potentes, aproximando o leitor, por meio da literatura, de temas como racismo, identidade, ancestralidade, cultura afro-brasileira e resistência”. Os clássicos da literatura pernambucana também deixaram os passos da folia em seus escritos. Em distintas décadas e observando a festa por ângulos diferentes, os poetas e amantes do Carnaval registraram suas experiências e sentimentos pelos arlequins e pelas colombinas. Com mestrado em teoria da literatura, Taciana Ferreira Soares, explica que por estar entranhado culturalmente, o Carnaval acaba não sendo problematizado e é até percebido como algo inferior nos meios acadêmicos. Uma percepção que não impediu os grandes nomes das letras pernambucanas de reverenciar a maior festa popular do País. “Manuel Bandeira, Ascenso Ferreira e Carlos Pena Filho, grandes nomes da literatura brasileira e foliões, sublimemente utilizam o Carnaval como um vigoroso tema em suas produções, cada qual a seu modo”, destacou no artigo científico Espero Um Ano Inteiro Até Chegar Fevereiro: Representações do Carnaval Por Três Poetas Pernambucanos. Nomes mais contemporâneos da nossa literatura como Raimundo Carrero, Cícero Belmar, Marcelino Freire e Ney Anderson também dedicaram parte das suas obras às festividades carnavalescas. “Saudades do tumbança. Do papangu, do maracatu de lança. Saudades do Carnaval. Do fandango e da ciranda”, registrou Freire, em O Futuro Que Me Espera. A PINTURA COM AS MARCAS DA FOLIA Pernambuco também é uma terra de muitos destaques nas artes plásticas. De grandes nomes do modernismo aos potentes agentes das artes urbanas, a capital e o interior têm contribuições relevantes nessa área. No campo da pintura, Mário Ribeiro destaca gigantes como Tereza Costa Rêgo e José Cláudio. Ambos, por sinal, foram homenageados do Carnaval do Recife em 2010 e 2011, respectivamente. “Nesses dois anos, os traços, as paisagens, os personagens de Carnaval se misturavam com o cotidiano da cidade, além de retratar também as cores, fantasias e diversidade da festa. O Recife se vestiu com as obras desses artistas. Foi lindo. Uma forma de aproximar os foliões nativos e os turistas dessa produção artística. Foi pedagógico, vale salientar”. Apaixonada pelo Carnaval de Olinda, Tereza chegou a pintar o quadro Homem da Meia-Noite e Mulher do Dia. As cores da folia estiveram também nas telas de artistas como Cícero Dias e Lula Cardoso Ayres, entre outros. Dos clássicos aos contemporâneos, não é preciso entrar em nenhuma galeria para ver como as inspirações do Carnaval têm chegado aos artistas pernambucanos. Com o projeto dos Megamurais do Recife, várias fachadas de prédios centrais da cidade receberam obras que reverenciam as manifestações culturais do período momesco. “O Carnaval pernambucano e a arte urbana compartilham uma essência comum: ambos nascem das ruas, do povo, da resistência e da celebração da cultura popular. O Carnaval transforma a cidade em um grande palco, onde a criatividade e a espontaneidade ganham vida, e essa mesma energia se reflete na arte urbana. As cores, os personagens icônicos e o movimento presente nos blocos e folguedos são fontes de inspiração para quem pinta os muros da cidade”, ressaltou o artista Vários Nomes, que é sócio-fundador da Cordalama Graffiti Shop e Galeria Lama. O artista afirma que desde a infância, no bairro de Linha do Tiro, foi profundamente influenciado pelo Carnaval multicultural do Recife. Suas avós tinham comércio no Mercado de São José, um dos berços do frevo e dos principais blocos pernambucanos. No Centro conviveu com as músicas antigas do frevo e o artesanato do barro, rico em referências carnavalescas. Na periferia, vivenciou os ensaios do Caboclinho Kapinawá e os festejos dos blocos. “Hoje, essa vivência se reflete no meu trabalho, seja em murais, telas ou grafite, trazendo elementos do Carnaval: personagens vestidos de chita (referência aos tecidos usados pelos foliões), personagens históricos, e minha observação do que absorvo nos carnavais da vida”. Entre suas obras está o painel A Rua Cria, a Cidade Dança, aprovado no edital Recife Cidade da Música e localizado na Rua da Saudade. “Os megamurais que tomaram o Recife também carregam essa celebração carnavalesca. Nesse mural, homenageio duas mulheres fundamentais para o frevo: as passistas Rebecca Godin e Inae Silva, além de uma musicista criada artisticamente para representar a essência do ritmo. A obra busca transmitir a energia do Carnaval o ano inteiro, convidando o público a sentir o movimento e a vibração da festa por meio das cores e dos gestos retratados”, explicou Vários Nomes. CARNAVAL NO CINEMA PERNAMBUCANO A sétima arte pernambucana também