Nossa cozinha é muito mais que bolo de rolo
Nas últimas décadas, especialistas em gastronomia têm valorizado a singularidade de alimentos e a forma típica como são preparados numa área geográfica. É o tão falado terroir. Em Pernambuco, Claudemir Barros tem sido um dos chefs que mais enaltece a riqueza dos quitutes da terra. Nesta entrevista a Cláudia Santos, ele fala da influência de sua mãe, cozinheira do restaurante Leite, que fazia carne de sol e queijo coalho no quintal de casa, das suas pesquisas sobre a culinária sertaneja e da necessidade de estudantes e profissionais valorizarem os ingredientes nordestinos. Como começou a sua paixão pela gastronomia nordestina? Minha mãe foi cozinheira líder do Leite, naquele tempo não havia chef. Ela trabalhou durante 17 anos no restaurante e, por ser muito gorda, tinha medo de morrer e os quatro filhos ficarem à mercê. Ela, então, obrigava todos a cozinhar. Também obrigava a gente a plantar e ter o que comer no quintal de casa. A comida que eu lembro bem que minha mãe fazia era uma peixada. Mas ela valorizava também a carne de sol que era feita dentro de casa, assim como o queijo coalho. Vocês plantavam e faziam queijo numa casa no Recife? Morávamos no Jordão Baixo, que hoje é um bairro, mas antes era considerado como uma cidade interiorana. Como minha mãe foi do interior, fazia as coisas acontecerem dentro de casa. Ela colocava sal na carne e jogava no sereno para fazer a carne de sol. Como havia uma abundância de leite, ela fazia com que ele coalhasse e virasse queijo. Requeijão ela também fazia na própria panela e eu e meus irmãos aprendemos tudo isso. Como não tínhamos condições financeiras, tudo era feito em fogareiro e panela de barro. Como começou a trabalhar na área gastronômica? Como falei, minha mãe nos obrigava a ser cozinheiros. Minha irmã mais velha, aos 15 anos, ao ver a necessidade chegando em casa, foi procurar emprego. Hoje ela é aposentada como cozinheira de uma creche. Meu irmão encostado a ela, Jorge, fez curso de cozinheiro no Senac e foi para o quartel, onde trabalhou como taifeiro (cozinheiro). Hoje é oficial aposentado e, não cozinha mais. Cláudio é sub chef num hotel em Porto de Galinhas. Ou seja, a família toda está nesse ramo. Quando eu era menino via minha mãe ser procurada aos domingos – dia em que o restaurante Leite fechava – por pessoas que queriam que ela fizesse comida em suas casas. Eu dizia para mim mesmo: eu queria que um dia alguém chegasse na porta da minha casa me convidando para cozinhar. Sempre tive essa vontade de querer ser igual a minha mãe e, quando completei 17 anos, fui para o Senac me profissionalizar. Depois trabalhei num restaurante francês em Candeias, depois num outro numa praça do Shopping Recife. Em seguida, fui convidado a trabalhar no Sheraton, onde passei oito anos. Também trabalhei no hotel Golden Beach, em Piedade. Foi quando me mandaram para São Paulo fazer estágio e, quando retornasse, abriria o Mingus que hoje fica em Boa Viagem. Fui chef ainda do Wiella, desde a sua abertura, onde trabalhei 14 anos. Depois comecei a fazer consultoria. Foi quando meus atuais sócios me perguntaram: “por que você não abre um restaurante próprio?” Eu respondi: Por que não tenho tempo (diz rindo e esfregando o polegar com o indicador). Eles disseram: “a gente vai arrumar tempo pra você. Se você abrisse um restaurante, como seria?” Dei a ideia do Oleiro para eles. Eles me perguntaram quando estaria apto a abri-lo e respondi: quando vocês me arrumarem tempo (risos). Cinco dias depois eles me procuraram, dizendo que havia esta casa aqui, propondo o projeto. Como você fez a pesquisa sobre a culinária nordestina que resultou no livro Sonhos & Sabores? Falar da pesquisa é falar de estágios que eu fiz. Fui para São Paulo fazer estágio no Emiliano (restaurante) com a equipe do chef Laurent Suaudeau, um francês radicado no País há mais de 30 anos. Ele se destacou muito por valorizar os ingredientes do nosso País. Logo em seguida, estagiei com Alex Atala, que não preciso dizer quem é. Comecei a observar que essas pessoas cresceram olhando para trás, olhando os ingredientes existentes na sua região, valorizando-os. Foi quando comecei a pesquisar os costumes no interior. Fui a cidades como Frei Miguelinho e fiz um vídeo com um senhor de 84 anos. Perguntava o que ele comia, porque a comida dele era feita daquele jeito e sempre batia com aquilo que nossas mães ensinam pra gente dentro de casa. Passei a levar essas informações para eventos em São Paulo e me diziam que eu precisava tirar aquilo do vídeo e colocar no prato. Passei a fazer menu degustação só com ingredientes daqui. Virei uma referência tanto fora como dentro do Estado. O Recife é considerado o terceiro polo gastronômico do País. Em quê? Por quê? Vi a necessidade de mostrar uma cozinha pernambucana que é muito mais que bolo de rolo, não tirando o mérito, de maneira alguma, do bolo de rolo. Quanto mais eu pesquisava, mais uma coisa me levava a outra. Quando eu estava pesquisando um ingrediente, chegava um senhorzinho ou uma senhorinha e dizia assim: “você já comeu palma?” Eu havia assistido a reportagens sobre esse ingrediente e sabia que era considerado vergonhoso, porque é dado aos animais. Percebi que havia um leque de ingredientes exóticos no Sertão tanto quanto há na Amazônia. Mas há muito preconceito contra esses alimentos, não é? Existe, sim, o preconceito. Ele está alicerçado na região Nordeste. As pessoas têm vergonha do que comeram e ainda comem. Vou usar a palma como exemplo: quem come esse alimento sente vergonha porque as pessoas que vivem na cidade demonstram pavor dele porque aprenderam na televisão que aquilo era errado. Mas se a gente olhar com olhos gastronômicos, veremos que aquele alimento foi o que nutriu aquela família. Uma pessoa percebeu que o gado se nutria de palma e começou a dar também a seus familiares. E quantas pessoas
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