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Soluções para o Recife não afundar

Por Rafael Dantas As mudanças climáticas saíram das páginas de ciência ou de meio ambiente para o noticiário cotidiano. As chuvas estrondosas que inundaram a capital pernambucana no ano passado, as enchentes que acometeram recentemente o Rio Grande do Sul e a seca que atinge o Rio Negro, no Amazonas, são cenas de um mesmo filme. A urgência de preparar as cidades para esses cenários extremos foi discutida no Seminário Recife Cidade Parque — Carta do Recife do Futuro para o Recife do Presente que apontou as vulnerabilidades do País frente à rápida transição que o mundo enfrenta. O evento foi organizado pelo Recife Cidade Parque — Plano de Qualidade da Paisagem, projeto de pesquisa, fruto de convênio entre a UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) e a Prefeitura do Recife. “Nós somos um dos países mais vulneráveis do Planeta”, alertou o vice-reitor da UFPE, Moacyr Araújo, que também é coordenador da Rede Clima e um dos maiores conhecedores das transformações climáticas no Brasil. No contexto do País, o Recife é uma das cidades ameaçadas, sendo classificada pelo IPCC (Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas) como a 16ª cidade com maior vulnerabilidade às alterações climáticas em escala global. MUDANÇAS MAIS ACELERADAS Segundo o pesquisador, a combinação do movimento da Terra e dos ventos resulta em uma maior acumulação de água quente ao longo da costa brasileira. Isso ocorre porque esses fatores empurram o volume hídrico em direção ao nosso litoral. O aquecimento dos oceanos também desempenha um papel fundamental nesse cenário, de acordo com Moacyr. Quando os oceanos se aquecem, eles tendem a se expandir, ocupando mais espaço. Para explicar isso, ele fez uma analogia com o efeito de ferver água em uma panela, que leva à expansão do líquido, fazendo-o transbordar. Da mesma forma, o aquecimento das águas oceânicas faz com que o nível do mar aumente, contribuindo para o problema da elevação, que atinge principalmente as cidades mais baixas, como o Recife. Moacyr destacou ainda que a mudança na temperatura da Terra e seus efeitos na vida das cidades chegaram muito antes do que previam os especialistas. Algumas projeções de fenômenos estimavam que aconteceriam daqui a 50 anos ou mais, porém seus sinais já são sentidos em pleno 2023. “Estamos com uma taxa de aumento do nível do mar cerca de 2,5 vezes mais intensa do que a média de todo o século passado. O que significa isso pra gente? Significa que, de fato, está aumentando o nível do mar, mas que está aumentando a uma velocidade mais rápida do que a gente imaginava”, advertiu Moacyr Araújo. BAIXA DO NÍVEL DAS CIDADES Além do avanço do mar, Moacyr ressaltou ainda outro problema que é mais difícil de mensurar, a subsidência: afundamento gradativo da superfície da Terra. “Nós hoje não sabemos o nível de subsidência das nossas capitais. A subsidência é quando começa a afundar. E Pernambuco e o Recife, com sua região metropolitana, são locais de subsidência, claramente. Isso está já cientificamente comprovado”, assegurou. Em Maceió, por exemplo, há um problema de afundamento de pelo menos cinco bairros, provocado pela mineração de sal- -gema da empresa Braskem. No seminário, o pesquisador explicou que esse processo de subsidência pode ser também natural. Quando a elevação do nível das águas soma-se ao rebaixamento da superfície das cidades, a equação impõe desafios que demandam soluções amplas e estruturais, segundo os pesquisadores. LIÇÕES DA EUROPA E DA CHINA “É o momento de começar a projetar extremos”, conclamou a pesquisadora Mila Avellar, que realiza pesquisas no Instituto para Educação das Águas (Unesco/Governo Holandês). Ela discorreu sobre as lições do intercâmbio internacional Holanda-China-Recife para enfrentar o aumento do nível do mar. Há mais de 10 anos, os diálogos entre a capital pernambucana e Amsterdã têm gerado documentos, projetos e utopias de como o Recife pode se preparar para os efeitos das mudanças climáticas de forma menos traumática, promovendo mais qualidade de vida para os seus moradores. “O aumento do nível do mar é apenas um dos ‘n’ efeitos dessas mudanças climáticas. Então acho que isso só acende um grande alerta e um senso de urgência em todos nós de que o futuro não é amanhã, não é hoje, é ontem”, declarou Mila. A pesquisadora considera que a sociedade não discute ainda de forma ampla a necessidade de um novo design e um projeto holístico para as cidades, que se adapte às mudanças climáticas. Por outro lado, Mila avalia que a frequência mais elevada do nível dos acidentes promovidos pela transição que o Planeta atravessa tem sensibilizado contingentes maiores da população a dar mais atenção ao tema. Ao comparar imagens de grandes calamidades da China e lembrar de eventos recentes do Recife e de outras cidades, a pesquisadora reforçou no encontro a amplitude dessa agenda. “Estamos lidando com eventos e desafios compartilhados”. As experiências internacionais apontam para a necessidade de se planejar o que tem sido chamado de cidades-esponja, aquelas que têm alta capacidade de absorção das águas das chuvas. Entretanto, ela lamenta que os esforços na maioria das cidades, hoje, se concentram em outra direção, isto é, de acelerar a velocidade das águas em direção ao mar. “As cidades esponjas visam absorver nas cidades 70% da carga de chuva anual. Os chineses têm um plano ambicioso de que em 2030 todas as cidades piloto dos planos de ‘Sponge Cities’, atinjam em mais de 80% da sua área as metas de absorção máxima”, exemplificou. Outro princípio que tem norteado a preparação das cidades para os eventos extremos é o de 3PA, que é uma avaliação em três pilares. Um deles é a preparação da cidade para eventos naturais do seu cotidiano. O segundo é uma atenção para como a estrutura das cidades poderá absorver as águas no momento em que o espaço urbano começa a falhar, com alagamentos e inundações. Além desses dois, o modelo propõe uma leitura para as situações de catástrofes naturais, que são os eventos mais desafiadores, mas que estão se tornando mais recorrentes no Planeta. “Para cada um desses pontos, o nível

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Pesquisa revela cenário das Fusões e Aquisições no setor de consumo

A pesquisa recente da PwC revela que o mercado de fusões e aquisições (M&A) no segmento de consumo no Brasil teve um primeiro semestre fraco, atingindo os níveis mais baixos desde o início da pandemia de COVID-19. A incerteza econômica e a diminuição do poder de compra devido à inflação impactaram a confiança e os gastos dos consumidores, mas há otimismo cauteloso de que as tendências de longo prazo levarão a uma recuperação gradual ao longo do ano. MAIS CONFIANÇA DO CONSUMIDOR A pesquisa também indicou uma recuperação na confiança do consumidor, com 69% dos consumidores brasileiros planejando aumentar suas compras on-line nos próximos seis meses. Além disso, houve aumentos significativos nas expectativas de gastos em várias categorias de varejo. No entanto, o gap de valuation entre compradores e vendedores está afetando a chegada de ativos ao mercado, mas espera-se uma crescente atividade de reestruturação no setor de consumo, especialmente no varejo e em partes do setor de lazer. TENDÊNCIA DE NEGÓCIOS COM EMPRESAS EM DIFICULDADES Com empresas enfrentando problemas de liquidez e custos de financiamento mais altos, é provável que ocorram mais reestruturações e pré-fusões e aquisições em dificuldades. Empresas com recursos e fundos de private equity tendem a ser os compradores nessas situações, enquanto a pressão para a inovação e a implementação de planos estratégicos deve continuar aumentando. A tecnologia, como o comércio direto ao consumidor (D2C) e a inteligência artificial (IA), desempenhará um papel fundamental na busca por novas oportunidades e no atendimento às demandas dos consumidores. Luciana Medeiros Sócia e líder da indústria de Consumo e Varejo da PwC Brasil "Os CEOs do setor de consumo estão se equilibrando em um ambiente econômico difícil, com mudanças de longo prazo no comportamento do consumidor e o avanço contínuo da tecnologia. Acredito que as transações de M&A serão um acelerador valioso, ajudando as empresas a alcançarem seus objetivos estratégicos."

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"Nós nos consideramos um movimento popular de cultura digital"

Pierre Lucena, presidente do Porto Digital, comemora o sucesso do Rec’n’Play que atraiu mais de 60 mil pessoas e destaca a grande presença de jovens da periferia no evento. Ele também analisa os desafios para instalar moradias do Centro do Recife e as perspectivas do parque tecnológico. Este ano do Rec’n’Play atraiu 61.700 pessoas que foram ao Bairro do Recife em busca de conteúdos sobre inovação. O sucesso de público surpreendeu até os organizadores. Para Pierre Lucena, presidente do Porto Digital, além da qualidade das palestras, algumas novidades também contribuíram para incentivar as pessoas a irem ao festival, como as ativações de rua — tais como as arenas Gamer e de Negócios — e atividades culturais. Pierre comemora ainda a grande presença de jovens da periferia, que era um objetivo perseguido com mais ênfase nesta edição. Na sua opinião, o aumento do público no evento mostra que o Porto Digital começa a trabalhar melhor o sentido de comunidade no Recife, a partir de uma rede de engajamento muito forte na cidade. Nesta conversa com Cláudia Santos, ele fala do êxito do Rec’n’Play, adianta algumas novidades do evento do ano que vem, analisa os desafios para a revitalização do Centro do Recife e expõe sua visão sobre o futuro do setor. Qual o balanço que você faz do Rec’n’Play? Ficamos surpresos. Eu, particularmente, não achava que seriamos capazes de mobilizar tanta gente em busca de conteúdo. Foram 61.700 inscritos. O ano passado teve 40 mil, que já tinha sido recorde. A que você atribui esse sucesso? Primeiro, começamos a trabalhar melhor o sentido de comunidade. Temos atualmente uma rede de engajamento muito forte na cidade. Hoje, nós nos consideramos um movimento popular de cultural digital. São pessoas que trabalham, estudam, têm interesse em tecnologia e viram no Porto Digital o movimento para que isso surgisse. É muito fora da bolha tradicional de tecnologia. Também qualificamos o evento, com o nível das palestras. Tivemos muita ativação de rua, como a arena de robô incrível — a Arena Gamer —, e a Arena de Negócios. Era um pedido das empresas do ecossistema ter um lugar para as startups se apresentarem. As apresentações estiveram lotadas todos os dias. Na entrevista anterior que concedeu a Algomais, você disse que um dos intentos do Rec’n’Play seria atrair a juventude da periferia para Porto Digital. Isso foi atingido? Isso ficou muito visível no evento. Quando acabou o Carnaval do REC'n'Play, fui ao show de Rayssa Dias, na Avenida Rio Branco. Ela é uma cantora da periferia. Estava lotado. Fiquei impressionado com a quantidade de gente que veio fazer selfies comigo, eram os meninos do programa Embarque Digital. Muitos também não eram e diziam: “muito obrigado por ter trazido a periferia para dentro do Rec’n’Play”. Essa era a grande questão: como é que a gente atrairia esse público? Porque não é atrair para um carnaval, mas para que eles se sintam acolhidos. Foi bonito de ver a participação da juventude. A gente ampliou até a faixa de idade do público, fizemos atividades para bebês – teve muitas ações para criança – até para o grupo 50+. Tudo foi feito de forma colaborativa, o que é muito complexo, porque tem uma margem para dar errado, mas tudo deu certo. O coronel da guarda municipal, disse: “eu nunca fiz um evento de massa que não tivesse uma confusão. Fiquei impressionado. Eu não tive uma ocorrência de roubo de celular”. Mas o ponto decisivo foi a qualidade do evento em termos de conteúdo. A gente teve muita coisa de inovação, de inteligência artificial, trouxemos palestrantes conhecidos. As atividades e palestras estavam todas lotadas. Eu falei para João Campos: colocar 60 mil pessoas no Carnaval para tomar cerveja é fácil. Agora, para participar de conteúdo, de atividades educacionais, é outra coisa. Acho que um dos grandes acertos do Rec’n’Play é ligar tecnologias com arte, com educação. O importante é que esse movimento popular, digamos assim, em torno da tecnologia vem se consolidando no Recife como em nenhuma outra cidade. Às vezes as coisas são muito dispersas, aqui não, aqui é no Porto Digital. E todo mundo se sente bem dentro desse guarda-chuva, se sente protagonista do evento, é um espaço de debates que a cidade conquistou. Queremos manter essa pegada, vamos qualificar mais ainda o evento. No próximo ano, vamos ampliar a área de negócios, vamos manter o Carnaval e insistir na atração de gente de periferia. Vamos debater a de inteligência artificial, o futuro da educação, e já tem a data. Quando será? De 6 a 9 de novembro de 2024. Vamos crescer essa área de negócio absurdamente. Na pauta do ano que vem, vamos discutir o futuro. Ainda não temos temas, mas estamos preocupados com essas discussões. Qual vai ser o futuro da educação, já que na sala de aula a gente tem que buscar uma outra experiência? Qual vai ser o futuro do emprego com a chegada da inteligência artificial? Tem uma outra novidade: vamos abrir para as pessoas montarem as mesas. Como assim? Vamos abrir um período para perguntar: “você quer discutir no Rec’n’Play? Monte uma mesa, faça uma proposta em dois parágrafos dizendo ‘eu quero discutir isso, que vai custar X, vou precisar trazer uma pessoa de São Paulo etc”. Vamos montar uma comissão pública para escolher as propostas. Vamos fazer uma curadoria popular. Se uma empresa ou um coletivo quiser propor uma mesa, nós vamos correr atrás para realizá-la. Se chegar umas mil propostas, vamos selecionar 100. Há uma demanda reprimida nessa área de negócio? Sim. Conversei com o Daniel Coelho (secretário de Turismo do Estado) sobre a necessidade de fazermos do Rec’n’ Play um evento turístico de negócios nacional, porque não tem nada igual. O Brasil precisa saber que esse é o maior festival do País. Vamos precisar fazer isso como um modelo de negócio. Vamos também crescer o número de ativações na rua, que foi uma experiência que deu certo, como a Arena de Robô, a Arena do Bradesco. Vamos manter e qualificar

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A formação do Brasil evangélico

O pesquisador e reverendo José Roberto de Souza, professor do Seminário Presbiteriano do Norte, explica de forma didática os passos do surgimento dos protestantes no Brasil *Por Rafael Dantas O historiador e doutor em Ciência das Religiões, José Roberto de Souza (na foto acima), destaca que a chegada do protestantismo e o surgimento dos evangélicos, tal qual conhecemos hoje, pode ser classificado em um conjunto de etapas. Os primeiros passos foram no Brasil Colônia, mas há mudanças definidoras para o crescimento evangélico da segunda metade do Século 20. “Há três momentos do protestantismo ainda no período da Colônia, que é o protestantismo de invasão, que acontece entre 1557 e 1558, com a chegada dos franceses na Baía da Guanabara, e depois com os holandeses, no início da primeira metade do Século 17, em 1630, presente aqui no Nordeste. São de invasão porque supostamente aqui pertencia a Portugal”. Após a chegada da família real e da assinatura de alguns acordos com a Inglaterra, aconteceu o segundo momento: o protestantismo de imigração. “Esses protestantes vão ter alguns direitos de professar a fé, mas também limites. Por exemplo, foi prometido que eles não teriam inquisição aqui, mesmo sendo um país predominantemente católico. Eles também vão poder realizar o seu culto, com limites”, conta o historiador. Eles não podem construir templos, não podem pregar para que alguém se converta, nem fazer uso de alguns objetos que simbolicamente pertencem a igreja católica, como sino e a cruz. Só em meados do Século 19 é que chegam os primeiros missionários com o objetivo mais claramente de expandir o evangelho entre os brasileiros. Esse terceiro momento é classificado como o protestantismo de missão, ainda exclusivo das igrejas do chamado protestantismo histórico (presbiterianas, batistas, congregacionais, entre outras). Nesses períodos, o catolicismo era a religião oficial do País, que só se torna laico com o advento da República (1889), mas especificamente com a primeira Constituição (1891). “Esses protestantes não foram expulsos porque eles não vieram só com a Bíblia. Assim, eles não teriam sido aceitos. Eles vêm, acima de tudo, para oferecer o seu ofício. Havia missionários médicos, aqui em Pernambuco, por exemplo, chegou um doutor. Esse trabalho protestante vai ser aceito porque vai abrir escolas e hospitais, isso tudo gratuitamente. Então, para a Coroa era interessante ter a presença desses grupos”, explica José Roberto. No início do Século 20 vai nascer no País, com a Congregação Cristã do Brasil e com a Assembleia de Deus, o pentecostalismo, que é majoritário atualmente. Na década de 1950 há uma segunda onda do pentecostalismo, mas ainda com o surgimento de poucas denominações, como a Igreja do Evangelho Quadrangular, a Igreja O Brasil para Cristo e a Igreja Pentecostal Deus é Amor. Na década de 1970, porém, é o berço do chamado neopentecostalismo, quando surgem uma maior diversidade de grupos religiosos. “Enquanto a primeira onda do pentecostalismo era marcada pela ênfase à glossolalia (que é a prática de falar em ‘línguas estranhas’), a segunda onda foi caracterizada pela ênfase nos milagres de cura divina. Já o neopentecostalismo é marcado pelo exorcismo e pela teologia da prosperidade”, explica o historiador. Embora algumas denominações históricas sejam numerosas, como os batistas e presbiterianos, são os pentecostais e neopentecostais que puxaram o crescimento do Brasil evangélico nos últimos anos, com o uso mais incisivo dos meios de comunicação e com a presença dominante nas representações políticas. *Rafael Dantas é repórter da Revista Algomais (rafael@algomais.com | rafaeldantas.jornalista@gmail.com) LEIA TAMBÉM A fé que cresce nas periferias

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A fé que cresce nas periferias

*Por Rafael Dantas A Terra de Santa Cruz, nomeada assim pelos portugueses há cinco séculos, vai se tornando cada vez mais uma nação dos evangélicos. A Reforma Protestante, que balançou o mundo também há pouco mais de 500 anos e será celebrada no próximo dia 31, tem uma relação com o fenômeno da transição religiosa do País. Uma conversão muito numerosa, principalmente nas periferias das grandes cidades, que influencia o consumo, a cultura e a política nacional. Uma trajetória costurada por muitos testemunhos de transformações pessoais, mas também de agravadas tensões sociais no debate público. Entender quem são os evangélicos e o que querem não é uma tarefa fácil, mas é necessária para fazer uma leitura do presente e do futuro do Brasil. A multiplicidade de denominações e a diversidade de atuação dos fiéis é uma das principais marcas desse grupo religioso. O que se convencionou a chamar de evangélicos engloba desde igrejas luxuosas, com espaços na TV (ou mesmo donos de grandes redes de comunicação) até pequenas comunidades independentes instaladas nas favelas. O porte dos templos não é nem de longe a maior das diferenças. “Há uma massa bastante distinta dos evangélicos. Inclusive dentro da própria história das religiões, classificar de uma forma uniforme se torna bem difícil. Eu costumo usar esse termo bem no plural, os protestantismos e os evangélicos. A gente tem que entender que existe uma história muito consolidada desses protestantes ou desses evangélicos aqui no País,, que começa ainda no Brasil Colônia”, afirma o historiador e professor da Universidade de Pernambuco, Carlos André Silva de Moura. “Se a gente for tentar fazer uma configuração de quem são esses evangélicos hoje, é uma massa extremamente heterogênea, muito inserida nas periferias das cidades e que está em plena expansão”. Muito fragmentados, esses grupos poderiam ser classificados em três grandes blocos: os protestantes históricos, os pentecostais e os neopentecostais (veja na reportagem A formação do Brasil evangélico). Mesmo entre esses setores há discordâncias e tensões imensas, especialmente envolvendo os neopentecostais. Para o pastor e historiador José Roberto de Souza, há um elemento religioso que unifica esse indivíduo que se denomina evangélico. “É aquele indivíduo que faz parte de uma igreja que professa a sua fé unicamente em Jesus Cristo. Essa pessoa se reconhece como pecadora, que precisa do arrependimento dos seus pecados, que nunca o mérito vai estar nela, mas num Cristo”, afirmou o docente, que é doutor em Ciência das Religiões e professor do Seminário Presbiteriano do Norte. As práticas, ênfases teológicas e a gestão dessas igrejas são muito diversificadas. Há desde as denominações que são geridas com princípios democráticos, regidas por assembleias e com votos paritários dos membros, até instituições com donos, que concentram na família pastoral as decisões e os rumos da comunidade. Dos ultraconservadores aos mais liberais. Os dados do Censo 2022 sobre religião ainda não saíram, mas o histórico de todas as pesquisas anteriores trazem inferências importantes sobre a “conversão” dos brasileiros. O fenômeno religioso identificado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) não é somente do avanço evangélico mas, de longe, é a transição mais notável em andamento no País, que ainda é o mais católico do mundo. “Temos dados de 1872 até 2010. Esses dados mostram que os católicos estavam perdendo 1% por década entre 1872 e 1991. Depois, arredondando os números, começou a cair 1% por ano. Todos os outros grupos vieram crescendo. Os evangélicos, os sem religião e as outras religiões cresceram. Mas o destaque, principalmente nos últimos 30 anos, foi dos evangélicos”, afirmou o sociólogo e doutor em demografia, José Eustáquio Alves. Mesmo sem os números mais recentes, a partir de dados de outros institutos, o pesquisador estima que a queda do número de católicos seja de 1,2% ao ano e que a subida de evangélicos esteja em aproximadamente 0,8% por ano. Ele traça a partir disso que a quantidade de fiéis evangélicos, somando as suas diversas denominações, será superior ao de católicos em 2032. Em menos de 10 anos, os evangélicos se aproximariam de 40% da população brasileira. Publicada em 2020, uma pesquisa do Instituto Datafolha sobre o perfil religioso dos brasileiros indicava que 31% da população já se declarava evangélica. Enquanto isso, 50% eram católicos, 10% sem religião. De acordo com o levantamento, os espíritas compõem 3% da população, enquanto os seguidores da umbanda, candomblé e outras religiões afro-brasileiras representam 2%. Além disso, 2% da população segue outras religiões, 1% se declara ateu, e 0,3% é composto por judeus. Na nota técnica Políticas Públicas, Cidades e Desigualdades, produzida pelo Centro de Estudos da Metrópole em 2019, foi constatado que naquele ano foram abertas 6.356 igrejas evangélicas no Brasil. Isso dava uma média de 17 novos templos por dia. Além do número crescente, os estudos apontam um nível de engajamento muito maior dos evangélicos na prática da sua fé. Eles são mais assíduos nos cultos e celebrações e contribuem financeiramente muito mais para suas comunidades religiosas. AMBIENTE DO FENÔMENO DA TRANSIÇÃO RELIGIOSA José Eustáquio Alves aponta alguns fatores socioeconômicos que contribuíram para um encolhimento do catolicismo e avanço do protestantismo nas últimas décadas. Um deles é o processo de urbanização do País que resultou na explosão das periferias. Enquanto os grandes templos católicos permanecem nas regiões mais centrais ou de ocupação mais antiga, o comportamento empreendedor dessas comunidades religiosas chegava de forma muito mais rápida e adaptada ao contexto dos milhões de brasileiros que deixaram a vida rural para morar no subúrbio das cidades. O avanço econômico, com o crescimento significativo das telecomunicações, é outro fator que ajuda a explicar o fenômeno, pois a igreja evangélica, mesmo sendo minoritária, é muito eficiente no uso das TVs e rádios para propagar a sua fé. Além disso, mais recentemente, também dominou rápido o uso da internet e das redes sociais na propagação das suas pautas e sermões. “A partir da década de 1970, os evangélicos começam a utilizar os meios de comunicação massivos. Surge a ideia de igreja eletrônica. Os televangelistas começam a comprar espaços nas emissoras

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Custo da cesta básica cai em todas as regiões do país em setembro

(Da Agência Brasil) Em setembro, o custo da cesta básica Abrasmercado, composta por 35 produtos de largo consumo, caiu em todas as regiões do país, informou, nesta quinta-feira (26), a Associação Brasileira de Supermercados (Abras). A queda foi de 1,72% na comparação com agosto. Segundo a Abras, nesse período, o preço médio da cesta recuou de R$ 717,55 para R$ 705,22. A maior queda foi registrada na Região Sul (-2,19%), seguida pelas regiões Nordeste (-1,69%), Sudeste (-1,51%), Centro-Oeste (-1,16%) e Norte (-0,71%). Quando se considera a cesta de alimentos básicos, com 12 produtos, a queda foi de 1,93% em setembro em relação a agosto, com o preço médio saindo de R$ 305,00 para R$ 299,10. Já o item consumo nos lares brasileiros manteve-se em setembro no patamar de crescimento de agosto, em torno de 0,80%. Na comparação com setembro do ano passado, o crescimento foi de 1,10%. No ano, a alta é de 2,62% em relação a 2022.  “O consumo se mantém firme e tende a seguir nesse ritmo até o final do ano, uma vez que passamos a compará-lo com uma base forte de crescimento. Há de se recordar que foram injetados cerca de R$ 41,2 bilhões na economia com a PEC [proposta de emenda à Constituição] dos Benefícios no ano anterior, que impulsionou o consumo no segundo semestre. Neste ano, os recursos escalonados e mais previsíveis movimentam a economia e sustentam o consumo no domicílio, assim como as quedas consecutivas nos preços dos alimentos ”, disse, em nota, o vice-presidente da Abras, Marcio Milan.

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Inteligência artificial e ESG são maiores potenciais para acelerar os negócios em 2024

A pesquisa "Panorama 2024", realizada pela Amcham Brasil em colaboração com a Humanizadas, consultou 694 empresários no Brasil para determinar as tendências que mais provavelmente afetarão suas empresas em 2024. Os resultados indicam que a tendência principal que se destaca para o próximo ano é a Inteligência Artificial (IA), mencionada por 60% dos entrevistados. Logo na sequência, a Agenda ESG (Ambiental, Social e Governança), apontada por 51% deles, também foi apontada pelos entrevistados. AVANÇO DA IA NAS EMPRESAS Embora a adoção da Inteligência Artificial (IA) no mercado brasileiro ainda seja limitada, com 32% dos entrevistados afirmando que ainda não a incorporaram às operações de suas empresas, a pesquisa revela que quase 70% já possuem algum nível de familiaridade com a IA, mesmo que seja em um contexto de apoio a tarefas mais convencionais. OTIMISMO COM A ECONOMIA As perspectivas para o próximo ano são otimistas, de acordo com os entrevistados do Panorama 2024. Cerca de 56% dos empresários esperam um crescimento acima de 10%. Para esses respondentes, o crescimento estará condicionado à confirmação de vários aspectos, incluindo a estabilidade política (42%), o avanço tecnológico (41%), a redução de incertezas globais (40%), o aumento de investimentos em infraestrutura (38%) e o aumento da renda dos consumidores (34%). 10 MAIORES TENDÊNCIAS PARA 2024 As principais tendências que vão exigir a atenção das empresas em 2024 podem ser divididas em duas categorias: transformação digital e sustentabilidade. Na ordem de relevância, as tendências incluem: 1 - Inteligência Artificial (IA)2 - Agenda ESG (Ambiental, Social e Governança)3 - Produtos e Serviços Digitais4 - Big Data5 - Trabalho Híbrido6 - Energia Renovável7 - Cibersegurança8 - Internet das Coisas9 - Computação em Nuvem10 - Economia Circular Abrão Neto, CEO da Amcham “O Panorama 2024 da Amcham mostra o empresariado brasileiro consciente sobre o valor estratégico da tecnologia e da agenda ESG. Ao mesmo tempo em que as empresas buscam incorporar os benefícios de inovações tecnológicas como a inteligência artificial e Big Data, elas têm evoluído em suas responsabilidades com o meio ambiente e com a sociedade. Esses fatores serão decisivos para o êxito, a relevância e a própria existência dos negócios”.

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"Pernambuco poderia ter uma relação melhor com a China"

Evandro Carvalho, professor da FGV Direito Rio, é um conhecedor da economia da China e da forma singular e prática como os chineses realizam os negócios. Ele morou em Xangai de 2013 a 2015, quando atuou como senior scholar da Escola de Finanças e Economia da Universidade de Xangai. Em seguida, ajudou a fundar o Centro para Estudos do BRICS da Universidade de Fudan, também em Xangai. Atualmente, está em Pequim, onde é senior visiting da universidade local. Diante de toda essa vivência na China, ele observa que o Brasil e, em especial, Pernambuco, estão muito aquém do potencial que poderiam usufruir com as relações econômicas com o Gigante Asiático. Nesta entrevista a Cláudia Santos, Evandro Carvalho, que é pernambucano e também professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense, analisa os motivos que levam brasileiros a não vislumbrarem as oportunidades com investimentos chineses. Ele destaca principalmente a área das novas tecnologias, que tiveram um grande desenvolvimento nas últimas décadas na China e que podem favorecer a criação de uma infraestrutura necessária para aumentar a competitividade e a eficiência do Brasil. Como o Brasil pode se beneficiar das relações econômicas com a China, que tem investido na infraestrutura dos países? Os investimentos da China no setor de infraestrutura são voltados para portos, aeroportos ou ferrovias que contribuem para a importação de produtos chineses. É normal que os bancos chineses invistam onde identifiquem algo que vai favorecer empresas chinesas naquele país. Muito embora uma boa parte dos investimentos da China tenha sido em eletricidade e, mais recentemente no Brasil, em energia eólica e solar. A China é uma produtora de equipamentos, como geradores de energia solar. Os investimentos beneficiam o Brasil, mas também a China. O Brasil precisa identificar a sua prioridade, não só dentro dos setores em que o País já tem uma presença, como o agronegócio, exportação de soja, minério, petróleo. Quando se fala dos investimentos chineses em infraestrutura, penso na infraestrutura do digital, das novas tecnologias, que é um setor que está muito aquém do potencial que pode ter. O Brasil poderia aproveitar o superávit que tem com a China de US$ 28 bilhões para fortalecer outros setores, outras infraestruturas importantes. Como o Brasil poderia desenvolver a relação econômica nessas áreas? No governo passado houve o problema em relação ao 5G da Huawei, que criou um obstáculo desnecessário ao avanço de uma agenda que é importante para o Brasil. A Huawei estava aqui desde o 2G, 3G, 4G e nunca houve nenhum tipo de suspeita de uso dessa tecnologia que ela vende para as empresas de telecomunicações do País. Ocorreu o contrário, o governo de Dilma Rousseff foi espionado pelo Governo Obama. Não existe um fundamento para o tipo de problema que foi levantado no governo passado. Isso criou um clima de quebra de confiança que atrasou parcerias que poderiam ser desenvolvidas não só no 5G, mas na computação em nuvem, na inteligência artificial, no desenvolvimento da economia digital, no uso dessas tecnologias para favorecer a infraestrutura necessária para aumentar a competitividade e a eficiência do País. A China utiliza essa tecnologia para incrementar toda a sua cadeia de valor, desde o processo de produção até a entrega e toda a informação que circula nisso. Nos inúmeros encontros focados na inovação que acontecem nos hubs de tecnologia no Brasil, você mal vê a presença de empresas chinesas ou parcerias com empresas chinesas. Na China vemos a importância dos superaplicativos. Por trás deles, há uma rede de logística poderosa que o Estado fornece. Então, há uma ausência muito grande de parcerias que poderiam ser feitas usando as novas tecnologias para, por exemplo, o setor de saúde. A China é muito habituada com a gestão de grandes volumes de pessoas e de problemas. Consegue gerir grandes volumes de dados, inclusive com a big data e a computação quântica que ela desenvolveu de maneira extraordinária. Isso tudo ela usa na gestão e na governança do país. Como aproveitar essas experiências que a China tem e que o Brasil também tenta fazer da melhor forma possível? Isso envolve o setor espacial, aéreo, de segurança. Vez ou outra a gente vê notícia de alguns prefeitos de grandes cidades do Brasil que visitam a China para verificar como fazem a gestão da cidade, utilizando essa tecnologia. Mas ainda está muito aquém do potencial, considerando a realidade hoje da China na área de tecnologia. Qual a razão dessa falta de interesse do Brasil em relação a toda essa expertise da China? Tem havido investimentos de empresas chinesas ou empresas chinesas vindo para o Brasil na área de TI. Mas é muito aquém do potencial. O problema tem diversas causas. Primeiro, há uma ausência de clareza por parte do governo de uma política digital e de incremento dessa nova infraestrutura que pudesse dialogar com a China. O Brasil precisa intensificar mais essa discussão e ver quais são as parcerias que poderiam ser feitas entre as instituições de pesquisas sérias de ambos os lados, conectadas com os principais atores econômicos que atuam nos mercados estratégicos. A China tem investido em muitos setores e é preciso identificar quais seriam aqueles que o Brasil tem interesse para poder estimular. Falta também uma visão estratégica mais ampla. Darei um exemplo: os trens bala. O que mais se escuta é que isso caro e é mais complexo no Brasil por causa da topografia. Um trem bala Rio/São Paulo vai passar por diversas cidades, o que pode provocar diversos problemas jurídicos em cada uma delas. Porém qualquer processo de mudança significativo da estrutura econômica de um país não é feito de maneira simples e vai sempre requerer custos e grandes obstáculos. No passado quando se falava em petróleo no Brasil, a quantidade de gente que dizia que o País não tinha petróleo era alta, depois, falava- -se dos custos e, no entanto, hoje o País está autossuficiente. Na China, a estrutura de ferrovias foi um componente essencial para o desenvolvimento do país. Tudo isso permite ter esses superaplicativos de entrega

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brasil desmatamento

Brasil perde 15% de florestas naturais em quase 40 anos, diz MapBiomas

(Da Agência Brasil) Em novo levantamento, a rede MapBiomas constatou que, entre 1985 e 2022, houve redução de 15% da área ocupada por florestas naturais no país, passando de 581,6 milhões de hectares para 494,1 milhões de hectares. O principal fator de devastação foi a apropriação da agropecuária, e os últimos cinco anos aceleraram o processo de desmate, respondendo por 11% dos 87,6 milhões de hectares perdidos, revela a Coleção 8 do Mapeamento Anual da Cobertura e Uso da Terra no Brasil. Segundo o trabalho, os biomas que mais viram florestas sumirem nesse período foram a Amazônia (13%) e o Cerrado (27%). O mapeamento considera diversos tipos de cobertura arbórea: formações florestais, savanas, florestas alagáveis, mangue e restinga. De acordo com o MapBiomas, esses ecossistemas ocupam 58% do território nacional. Quando todos são considerados,  a Amazônia (78%) e a Caatinga (54%) aparecem como os biomas com maior proporção de florestas naturais em 2022. O MapBiomas observou, ainda, que dois terços da área destruída, ou seja, 58 milhões de hectares, foram de formações florestais, que são áreas de vegetação com predomínio de espécies arbóreas e dossel contínuo como as florestas que prevalecem na Amazônia e na Mata Atlântica. A diminuição das formações florestais foi de 14% nos 38 anos analisados. O Pampa foi o único em que o patamar se manteve estável, mesmo com o passar dos anos. Pelos cálculos da organização, quase todo o desflorestamento (95%) se deu como consequência do avanço da agropecuária, que implica tanto a transformação de floresta em pastagens como a utilização das áreas para cultivo agrícola. Nas duas primeiras décadas do período sob análise, registrou-se aumento da perda de florestas, seguido de período de redução da área desmatada a partir de 2006. As florestas alagáveis também fazem parte da paisagem da Amazônia e passaram a ser monitoradas pelo MapBiomas neste ano. Tais florestas são caracterizadas por se formar nas proximidades de cursos d’água. Nesse caso, no intervalo de quase 40 anos, foram perdidos 430 mil hectares de florestas, que ocupavam 18,8 milhões de hectares ou 4,4% do bioma em 2022.

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DANCA DO INDIOS TAPUIAS ALBERT ECKHOUTH

A noite dos índios pelados

Naquela manhã de 11 de maio de 1644, o Conde João Maurício de Nassau deixou triunfantemente a sua Cidade Maurícia. Montado a cavalo, seguido de um grande séquito de admiradores, cavalgou pelo litoral em busca da Paraíba. A sua despedida de forma apoteótica, como a exaltar o sucesso dos sete anos do seu governo (1637-1644), mereceu de Netscher, escrevendo com a parcialidade de cidadão holandês, uma descrição sentida, com cores fortes e povoada por palavras tomadas de emoção, que vale a pena transcrever: Pelo litoral passou por Olinda, Itamaracá, atingindo a Paraíba onde deveria embarcar, em Cabedelo. Por toda parte recebeu expressivas homenagens que significavam estima, reconhecimento e saudades. Sua viagem tomava o aspecto de uma marcha triunfal. As populações dos lugares por onde ia passando formavam alas para dizer-lhe adeus. Em Cabedelo, um grupo de índios tapuias, afastando os guardas de sua escolta, o transporta, nos ombros, até o escaler que flutuava sobre as ondas, esperando para conduzi-lo até o navio capitânia Zuphen. Somente no dia 22 de maio de 1644 é que a esquadra levanta âncoras, deixando desolados nas praias dezenas de índios que com o Conde Nassau desejavam embarcar para a Holanda. Todo o episódio do seu embarque é também descrito com cores vivas pelo cronista Gaspar Barlaeus (1647). Partiu o Conde de Nassau no mesmo barco que o trouxera ao Brasil em 1637. Ao seu redor navegava uma frota de 13 navios, tripulados por 1.400 marinheiros, armados com 327 canhões, e um carregamento avaliado em 2.600.000 florins, composto principalmente de açúcar, pau-brasil, madeiras de lei (notadamente jacarandá e pau-violeta), fumo, pau-campeche, além de toda a produção de seus artistas e objetos vários, bem como curiosidades pertencentes ao seu museu de antropologia. É desta época a notícia de uma curiosa festa brasileira, promovida pelo Conde de Nassau nos jardins e salões de sua residência na Haia, a Mauritshuis, na presença de nobres e embaixadores acreditados junto aos Países Baixos. Da crônica da vida diária da Holanda são frequentes os comentários sobre esta festa, segundo se depreende da correspondência de muita gente famosa que descreve a festa brasileira com riquezas de detalhes. Os comentários mais frequentes ficaram por conta da apresentação da dança guerreira dos índios pelados, nos mesmos moldes da que foi eternizada em tela por Albert Eckhout. Na ocasião o Conde de Nassau fez apresentar os 11 índios tapuias, que o acompanharam na sua viagem de regresso do Brasil, completamente despidos que com as suas setas e bordunas realizaram a dança ritual. Assinala Jan van den Besselaar no livro Maurício de Nassau Esse Desconhecido que, “entre os convidados se achavam vários predicantes com suas esposas. Para alguns, a representação foi um grande escândalo e, justamente por ser motivo de escândalos para alguns, foi motivo de grande hilaridade para outros”.

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