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Os rios que eu encontro vão seguindo comigo (por Bruno Bezerra)

Muitas pessoas costumam falar que o rio corta a cidade, quando na verdade, ele não corta a cidade. O que ocorre é que, ou cidade abraça ou a cidade sufoca o rio. E isso acontece pelo simples fato de que ele já estava naquele lugar bem antes da cidade. O Recife durante um bom tempo abraçou o rio Capibaribe. Entretanto, com um crescimento acelerado, o Recife passou a sufocar o Capibaribe. O mestre Ariano Suassuna certa vez escreveu: “O otimista é um tolo. O pessimista, um chato. Bom mesmo é ser um realista esperançoso”. Sem fugir da realidade, uma luz de esperança surgiu na margem esquerda do Capibaribe. Era o extraordinário Projeto Parque Capibaribe, que nasceu com o propósito de reintegrar o rio e a cidade do Recife. No primeiro momento, uma experiência que logo se mostrou exitosa, nascia o Jardim do Baobá, uma pequena área, uma espécie de degustação, com a incrível capacidade de mostrar todo o poder de transformação do projeto. Há pouco tempo, uma nova etapa do Parque Capibaribe começou a sair do papel, mais uma importante intervenção. Nascia assim o Parque das Graças, que transformou uma das áreas mais degradadas do trecho urbano do rio Capibaribe em um ambiente agradável, com a magia de reestabelecer a integração do rio com aquela parte da cidade. O Parque das Graças descortinou o Capibaribe e criou uma preciosa oportunidade para as pessoas encontrarem o rio. Isso me fez lembrar o poeta pernambucano João Cabral de Melo Neto, que cravou em um poema Os rios que eu encontro vão seguindo comigo. Seguindo as pegadas poéticas de João Cabral, é fundamental engajar as escolas (públicas e privadas) com o projeto Parque Capibaribe, para criar novas oportunidades lúdicas de encontros, que possam semear e cultivar a sustentabilidade no coração dos alunos, mostrando a importância socioambiental de cuidar do rio, para que possamos, desde muito cedo, conectar as crianças com o rio, como afluentes límpidos que avivam o Capibaribe. Como resultado já no curto prazo, teremos de maneira perene e impactante, a garotada educando os adultos. O Capibaribe é, literalmente, o rio das capivaras. O projeto Parque Capibaribe deve ser também uma excelente oportunidade para que possamos discutir e melhorar a relação entre humanos e capivaras no Recife. Segundo alguns biólogos, preservar a vegetação nativa de margens de rios e cursos de água, deixar as gramas de praças e parques sempre baixas, para que não virem um atrativo para as capivaras, e a construção de muretas em áreas em que elas correm perigo são medidas apropriadas para o manejo na zona urbana. Além da colocação de placas, alertando a população sobre a presença das capivaras e orientando para não incomodar ou se aproximar dos animais. O projeto Parque Capibaribe precisa cumprir sua missão no Recife e crescer, ganhar musculatura para subir firme e forte da foz até a nascente do Capibaribe na serra do Jacarará, localizada no município de Poção, Agreste Pernambucano. Tudo com a mesma determinação de um peixe que sobe um rio no período da piracema para garantir a reprodução da espécie. O projeto Parque Capibaribe precisa seguir recuperando áreas degradadas e reintegrando o rio com todas as cidades banhadas por ele. Eu acredito que a essência do projeto Parque Capibaribe é criar oportunidades para que as pessoas encontrem o rio Capibaribe, criando assim um encantamento capaz de gerar uma sagrada simbiose com o poder de formar uma nova geração comprometida com o resgate do Capibaribe e com uma cidade melhor, mais humana e ambientalmente responsável. Bruno Bezerra É administrador de empresas, atual presidente da CDL Santa Cruz do Capibaribe-PE e coordenador do projeto socioambiental Bichos da Caatinga. Foto de abertura: Márcio Cabral de Moura

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"O fator de risco mais prevalente relacionado à demência no Brasil é a baixa escolaridade"

Carla Nubia, Diretora da Abraz (Associação Brasileira de Alzheimer) analisa a pesquisa da entidade sobre o panorama da demência no País. Ela ressalta a importância do controle dos fatores de risco que desencadeiam a doença e necessidade de seus sintomas serem mais conhecidos pela população e profissionais de saúde. A doença de Alzheimer apresenta 12 fatores de risco modificáveis, isto é, que podem ser controlados, entre eles: o grau de instrução, a perda de audição e a hipertensão. Se a população brasileira pudesse controlar todos os fatores, haveria uma redução de 48,2% dos casos de demência no Brasil. A diminuição seria de até 54% nas regiões mais pobres do País. Os dados fazem parte de um compilado de vários estudos divulgado no 1º Big Data Abraz, realizado no Hospital Albert Einstein em São Paulo. A geriatra pernambucana Carla Nubia Nunes Borges, diretora científica nacional da Abraz (Associação Brasileira de Alzheimer), conversou com Cláudia Santos sobre a pesquisa, que revelou ser a baixa escolaridade o fator de risco para a demência mais comum no Brasil. Ela também falou das dificuldades relacionadas ao diagnóstico da doença, por ser desconhecida da população e até dos médicos. “Sessenta e dois por cento dos profissionais de saúde em todo o mundo ainda acham que demência é algo normal do envelhecimento”, destaca a geriatra. Como surge a Doença de Alzheimer? A Doença de Alzheimer está associada à alteração de duas proteínas: a proteína chamada beta-amiloide que formam placas amiloides extracelulares que matam os neurônios, e a alteração da proteína TAU intracelular, os chamados emaranhados neurofibrilares, que também levam à morte neuronal. Essas duas alterações começam principalmente no centro do cérebro, onde está o hipocampo que é área da memória. Por isso que os primeiros sinais e sintomas estão relacionados a essa área. Depois, outras áreas do cérebro vão sendo atingidas. Trata-se de uma doença muito inflamatória, que tem várias causas e vários fatores de risco podem ajudar a desencadeá-la como obesidade, hipertensão, diabetes, sedentarismo, uso de álcool e drogas, déficit auditivo, distúrbios do sono, baixa escolaridade. Cada vez mais está clara a interferência dos fatores de risco. É uma doença que para evitá-la você tem que cuidar da saúde como um todo. Mas isso não quer dizer que se você adotar todas essas medidas saudáveis não vá desenvolver a Doença de Alzheimer. Mas, ao cuidar da saúde, você pode até retardar o aparecimento da doença, embora se ela estiver codificada geneticamente, você vai desenvolvê-la. Porém, cuidando bem da saúde você aumenta sua reserva cognitiva, funcional, muscular, sua saúde mental, para, se aparecer a doença, você enfrentar de maneira diferente, por ter um organismo mais bem cuidado, com mais reservas funcionais e isso é um diferencial muito grande. Qual a importância da dieta mediterrânea como medida preventiva? Ela é um dos pilares da prevenção, mas, sozinha, ela não vai prevenir. Se você só faz a dieta, mas fuma, não faz atividade física, não estuda, não trabalha sua saúde mental, só a alimentação não vai adiantar. E existem várias dietas que são preconizadas, porém a que a gente mais indica é a do Mediterrâneo (baseada em azeite, em frutas, verduras, oleaginosas, peixes) por ser rica em ômega 3 e em várias substâncias que fazem parte da bainha de mielina que é a membrana que envolve os neurônios. Essa dieta tem um poder anti-inflamatório a nível cerebral e, consequentemente, menos ativação da micróglia que são células cerebrais ativadas no processo inflamatório. Essa ativação persistente inflamatória leva ao desencadeamento da formação de placas amiloides. Quais os principais desafios relacionados à doença de Alzheimer? Uma pesquisa mundial com vários centros mostrou que uma a cada três pessoas não sabe o que é demência, mas a cada três segundos alguém é diagnosticado com Alzheimer no mundo. Muitos pensam que demência é algo normal. Então, o grande desafio é o diagnóstico precoce porque há um desconhecimento. As famílias das pessoas com Alzheimer não valorizam muitas vezes os sintomas porque nem sempre a doença começa pela memória, pode começar com alteração de comportamento ou funcional, ou seja, aquela atividade que a pessoa fazia de forma corriqueira passa a não fazer mais. Pode ser algo como fazer um bolo, em que se coloca o ovo, o leite, a farinha. Aí, a pessoa começa a não botar o ovo ou o leite, ela pula etapas. Um grande executivo que tem reunião, tem documentos para entregar, pode começar a faltar reuniões, a não conseguir fazer entregas. A pessoa começa a perder a sequência lógica de como realizar ações rotineiras. No aspecto comportamento, a pessoa pode chorar com facilidade ou dizer que a estão perseguindo, que está sendo roubada, além de ficar irritada, gritando do nada, ou ficar muita apática, totalmente sem energia. Os três grandes pilares da doença são: alteração de memória (esquecimento principalmente de coisas recentes e o passado fica mantido), alteração de comportamento e alteração de funcionalidade. Um dado muito interessante é que os familiares começam a encontrar justificativas para esses comportamentos, como por exemplo: “ah, mamãe está assim porque o neto se casou”, “papai está esquecido porque deixou de trabalhar”. Isso é um erro que pode retardar um diagnóstico precoce. Esquecimento é normal em qualquer idade, a criança esqueceu o presente da professora, adultos esquecem reuniões, documentos. Isso pode estar atrelado a cansaço, sono, estresse, momentos ruins. Mas aquele esquecimento que é repetido e, principalmente, quando vem associado a alterações comportamentais, esse requer procurar ajuda médica. O que é preciso fazer para reverter essa falta de conhecimento sobre a doença? É preciso sensibilizar a população para, ao surgirem os primeiros sinais e sintomas, procurar um profissional. Também sensibilizar os profissionais para perceberem que aquilo não é só uma tristeza, mas pode se tratar de uma demência, e sensibilizar a sociedade política civil para colocar mais frentes de profissionais que lidam com as demências: neurologistas, geriátricas e psiquiatras. É muito difícil pelo SUS você conseguir um psiquiatra ou geriatra porque há poucos trabalhando no sistema. Por isso precisamos sensibilizar os profissionais como um todo.

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Municípios no Vermelho: entenda os motivos da greve dos prefeitos

A crise crônica das finanças das prefeituras se tornou aguda no segundo semestre de 2023. O questionamento da divisão de recursos entre a União, estados e municípios é antiga e está nas raízes do almejado Pacto Federativo. Porém, no atual trimestre, um combinado de queda de arrecadação e aumento das obrigações orçamentárias levou os prefeitos a um movimento “grevista” por um socorro federal. Em Pernambuco, a Amupe (Associação Municipalista de Pernambuco) estima que 80% das cidades sobrevivem do FPM (Fundo de Participação dos Municípios) e ficaram em uma situação de maior fragilidade nos últimos meses. Entender a briga pelo orçamento nesse caso não é fácil. Existem diferentes fontes de receitas dos municípios, como o ISS (Imposto sobre Serviços), o IPTU (Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana) e uma parcela do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços). Porém, as pequenas cidades, de forma geral, dependem muito do FPM para realizar seus serviços. O fundo é composto por 22,5% da arrecadação líquida da União da soma do IR (Imposto de Renda) com o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados). O resultado dessa sopa de letrinhas que deixou os prefeitos em pânico foi que houve uma redução das receitas vindas do IR das pessoas jurídicas, ao mesmo tempo em que aconteceu um aumento das restituições do Imposto de Renda. O resultado final é que houve uma diminuição da arrecadação da União e, consecutivamente, queda do repasse municipal. O impacto veio no início do segundo semestre. Os repasses do FPM são feitos três vezes ao mês. A queda do primeiro decêndio de julho foi de 32,4%, enquanto que nos meses de agosto e setembro, no mesmo período, foram respectivamente de 20,3% e 28,2%. “Se já temos um Pacto Federativo injusto aos municípios, perder cerca de 30% da receita prejudica muito os serviços que a gente presta para a população e a forma que temos de pagar os servidores. Somado a isso, tivemos queda de outras arrecadações, como o ICMS. Esses dois fatores fizeram com que muitas prefeituras se encontrassem em situação de calamidade”, destacou a presidente da Amupe e prefeita de Serra Talhada, Márcia Conrado. O processo de desindustrialização do País, intensificado nos últimos anos, e as mudanças mais recentes nas regras do Imposto de Renda tiveram uma relação com essa queda das receitas, segundo o economista e professor da UPE (Universidade de Pernambuco), Sandro Prado. “Enquanto nos anos 1980 chegamos a ter em torno de 30% do PIB da indústria, no Governo Bolsonaro chegou a 11%. Tivemos uma queda percentual desse setor que fez com que o IPI murchasse. Essa desindustrialização é um processo longo, que teve um agravamento muito forte nos últimos anos. Além disso, houve uma restituição maior do Imposto de Renda. É uma luta importante para a população, mas traz um complicador que é a diminuição desse repasse nos meses de agosto e setembro, fazendo com que os municípios ficassem enlouquecidos”, afirmou Sandro Prado. A proximidade com as eleições municipais do próximo ano se tornou um agravante nesse cenário, pois cria dificuldade para a máquina pública das prefeituras, na análise do economista. CRESCIMENTO DAS DESPESAS NO RADAR Além da queda das receitas, outra queixa forte dos prefeitos, capitaneada no País pela CNM (Confederação Nacional dos Municípios), é o aumento de despesas obrigatórias, sem uma fonte definida. Em outras palavras, são leis que elevam, por exemplo, salários, sem que haja a indicação de quem pagará a conta e tudo vai acabar nos cofres municipais. O aumento do piso dos professores, por exemplo, entra nessa conta. “Temos visto e revisto o Pacto Federativo porque é muito injusto com os municípios. As demandas só chegam, mas contrapartida financeira não chega para fazermos o melhor, que é cuidar das pessoas. Temos um grave subfinanciamento na saúde, na educação e na assistência social. É preciso rever a distribuição desses recursos”, afirmou a presidente da Amupe. Ela destaca que o subfinanciamento dos serviços não é um problema recente, mas algo que já atravessa pelo menos uma década, com graves prejuízos aos cofres municipais. De acordo com o estudo recém-publicado pela CNM, 53% das pequenas cidades do País e 38% dos municípios de médio e grande porte estão com déficit – despesas maiores que as receitas. “No primeiro semestre de 2023, a cada R$ 100 arrecadados nos pequenos municípios, R$ 91 foram destinados para pagamento de pessoal e custeio da máquina pública”, afirmou o estudo Avaliação do cenário de crise nos municípios. A pesquisa foi realizada a partir de dados do Siconfi (Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público Brasileiro) e elaborada pela CNM. O economista Sandro Prado avalia que são justas as reivindicações das categorias profissionais e que deveriam haver outros pisos instituídos em lei. No entanto, vê com preocupação a ausência de comunicação entre os legisladores e o Poder Executivo na definição dos recursos. “Essa falta de diálogo entre os dirigentes municipais, estaduais e federais é uma coisa muito séria. Quando o Congresso aprova uma legislação que vai afetar 5.570 municípios é algo muito grave. Obviamente as categorias são merecedoras. Algumas mais fortes conseguem. O piso dos professores e dos profissionais de saúde aumenta as despesas do município. Deveria haver, por parte dos gestores, um remanejamento dos recursos para esse pagamento, mas muitos colocam isso como algo que ele não conseguiu pagar e algo que fez com que dificultasse ainda mais a sobrevivência desses municípios”, disse o economista. No primeiro semestre, os municípios de Pernambuco tiveram um aumento de despesas com pessoal na ordem de 7%, em comparação com o mesmo período de 2022. Os gastos de custeio avançaram em 23% e os investimentos subiram em 24% nos primeiros seis meses de 2023. Já a arrecadação no primeiro semestre registrou um aumento de 7% do FPM e uma queda de 4% do ICMS. Uma redução abrupta, no entanto, foi das execuções de emendas parlamentares, que alcançaram o patamar de 63% a menos que em 2022. Diante do baque do começo do segundo semestre, Márcia Conrado destacou que os prefeitos

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Todo dia pode ser um dia sem carro

Em artigo, o jornalista Du Dias explica a origem e as motivações do Dia Mundial Sem Carro, neste 22 de setembro. Um dos motivos é o clima, que dá sinais de fadiga (Do Mobilize Brasil) Era o ano de 1956 quando Israel, com o apoio da França e do Reino Unido, declarou guerra ao Egito, após o país que liga o nordeste da África ao Oriente Médio nacionalizar o Canal de Suez, importante rota de comércio da região. Foi assim que se iniciou a Guerra de Suez, que só foi encerrada após pressões de Estados Unidos, União Soviética e das Nações Unidas para a retirada de tropas invasoras. A esta altura, você deve estar se perguntando o que um conflito armado no final dos anos 1950 tem a ver com o Dia Mundial Sem Carro. Não foi a guerra propriamente dita, mas a crise de abastecimento de combustíveis em diversos países europeus, decorrente do conflito no canal de Suez, que levou, por exemplo, a Bélgica e a Holanda a racionar o uso de combustíveis e proibir a circulação de automóveis aos domingos. Naquela época, estes países também sofriam severamente com a poluição atmosférica e o aumento das mortes no trânsito, inclusive de crianças, causadas pela popularização do automóvel. O embrião do Dia Mundial Sem Carro estava nascendo e se reproduziria em países como a Dinamarca e a Suíça, que também restringiram o uso do carro durante a crise do petróleo de 1973. Estes eventos foram transformadores para alguns destes países, que a partir de uma medida emergencial para enfrentar uma crise econômica, revolucionaram para sempre seus padrões de mobilidade. As experiências de enfrentar as crises decorrentes da guerra, da escassez de petróleo e suas consequências a partir da restrição do uso do carro haviam sido relativamente bem sucedidas na Europa, mas a redução do uso de automóveis já vinha ganhando força nos Estados Unidos desde os anos 1950, quando moradores de Nova York protestavam contra a extensão da 5ª Avenida, uma das mais importantes da cidade. A vitória dos nova iorquinos nas manifestações contra a obra que cortaria um importante parque da cidade ao meio (a Washington Square Park), é frequentemente creditada à jornalista e urbanista Jane Jacobs, que naquela época já denunciava as consequências catastróficas para o meio urbano, do uso irrestrito dos veículos individuais motorizados. Bem antes disso, no início do século 20, cidades dos Estados Unidos realizaram intensas campanhas para evitar a entrada de automóveis em suas ruas, até então muito ocupadas por pessoas de todas as idades. A indústria reagiu: uma intensa campanha foi realizada para "organizar" o trânsito, limitar os espaços destinados aos "pedestres" e liberar a circulação dos carros. E assim, a vida nas cidades foi inteiramente transformada, conta Peter D. Norton, historiador da Universidade de Virginia e autor de Fighting Traffic: The Dawn of the Motor Age in the American City. Mas, no final do século, quando as cidades já estavam entupidas e intoxicadas de carros, os ensinamentos de Jane Jacobs, Jan Gehl e Jeff Speck, entre outros, ganhavam popularidade e conquistaram corações e mentes também no velho continente quando, em outubro de 1994, o economista Eric Britton fez um importante discurso durante evento sobre cidades acessíveis na Espanha, conclamando a sociedade a adotar medidas restritivas severas para o uso de automóveis. Nos anos seguintes ao chamamento de Britton, há registros de dias livres de carro promovidos extraoficialmente em cidades da Islândia, do Reino Unido e da França, entre outros. Em 1996, um grupo de ativistas holandeses começou uma campanha por dias livres de carro com abrangência nacional para aquele país. O grupo organizou mensalmente manifestações informais nas ruas, quando paravam os carros e ocupavam as vias com festas, pic-nics, brincadeiras para as crianças, manifestações artísticas e pinturas. Essa estratégia seria utilizada posteriormente em manifestações pacíficas no mundo todo, inclusive em São Paulo, quando movimentos sociais (o Mobilize estava lá!) pressionaram a prefeitura municipal para fechar a avenida Paulista para os carros aos domingos.   O que é o "dia sem carro"? O primeiro dia sem carro celebrado por um país oficial e nacionalmente, no entanto, se daria na Inglaterra, que foi seguida pela França, em 1997. Foi só a partir do ano 2000 que se estabeleceu o dia 22 de setembro como Dia Mundial Sem Carro, a partir de uma campanha que se estenderia oficialmente por todo o continente europeu. Hoje celebrado em cidades do mundo todo, o Dia Mundial Sem Carro é uma oportunidade de refletir sobre os prejuízos sociais, ambientais e econômicos da cultura do carro e seus impactos nos territórios. Cada cidade adota medidas distintas, sempre tentando conscientizar a população de que outras formas de deslocamento não são apenas possíveis, como também eficientes, baratas e sustentáveis. Há cidades que restringem o uso do carro em algumas vias, outras fazem campanhas de conscientização e em alguns casos, ampliam a oferta de transporte público e coletivo. Na cidade de São Paulo, são realizadas atividades de conscientização sobre o uso excessivo de automóveis no dia 22 de setembro desde o ano de 2003, com pedaladas/bicicletadas; interlocuções com o poder público municipal; fechamento de vias para os carros e atividades culturais, quase sempre promovidas por movimentos sociais ou decorrentes da pressão realizada por eles. A partir de 2010, os dias sem carro passaram a ser celebrados em diversos estados do Brasil. Mas, o carro é mesmo um vilão?Se analisado individualmente, o automóvel não parece ser um grande problema: ao contrário, a facilidade e o conforto de se deslocar em um carro são sedutoras; a crescente tecnologia e segurança para os usuários também não ficam atrás. E não podemos deixar de lembrar que a indústria automobilística também é responsável pela geração de milhões de empregos e de movimentar fortemente a economia. Mas então, porque os carros hoje são vistos como ameaças? A resposta tem a ver com o uso que se faz dos automóveis. Além das altas velocidades praticadas nas vias urbanas, provocando acidentes e mortes que poderiam ser evitados, os custos de implantação e manutenção de

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"A resolução da habitação e do saneamento pode aliviar a pressão ambiental do Rio Beberibe"

Edilson Junior, mestre em desenvolvimento e meio ambiente pela UFPE e doutor em geografia pela UFES, pesquisou o Rio Beberibe durante a sua dissertação Nas Trilhas da Floresta Urbana: Gestão ambiental e conflitos na Mata do Passarinho. Mais que uma questão natural, relacionada aos efeitos das mudanças climáticas, o cenário vivido na comunidade emblemática vizinha ao rio é um problema de ordem social. O pesquisador destaca que os indicadores sociais dos bairros que convivem com o Beberibe são comparáveis aos países mais pobres da África. Nesta entrevista concedida ao jornalista Rafael Dantas para a série 3 Rios, 3 Comunidades, 3 Desafios, Edilson Junior trata ainda dos possíveis caminhos para recuperação do Rio Beberibe e das comunidades do seu entorno, mas alerta para o agravamento da situação social nas últimas décadas, com o crescimento demográfico das comunidades ribeirinhas. (Fotos: Midiã Tavares, especial para a Algomais) Qual a relação entre o poder público, a comunidade que vive na região e o Rio Beberibe? A relação entre o poder público e a comunidade é de abandono; entre a comunidade e o rio é de desprezo; e entre o rio e o poder público é de serventia. Explico: se traçarmos um panorama com indicadores de renda, saúde e educação, que são utilizados no Índice de Desenvolvimento Humano, dentro de um município, veremos que os bairros que margeiam essa porção do Rio Beberibe estão historicamente atrelados a resultados similares aos de países africanos pobres. São décadas de desamparo, falta de equipamentos urbanos e oportunidades de trabalho. A desigualdade é muito violenta, o que torna secundária a pauta da conservação ambiental. A exemplo da Reserva de Floresta Urbana (FURB) Mata do Passarinho, que foi seu objeto de pesquisa, como se caracteriza a pressão ambiental nessa região? Ninguém vai pensar nos impactos ambientais de derrubar a mata para construir sua casa, de retirar lenha para poder cozinhar suas refeições, ou nos problemas de lançar esgoto e lixo diretamente no rio, enquanto o poder público não atende sequer as demandas sociais básicas. É uma situação triste, pois o Beberibe e as Reservas de Floresta Urbana que o margeiam são, de certa forma, patrimônios vivos da nossa terra e estão diariamente sofrendo com este tipo de ação. Portanto, por necessidade, a população faz uso desses recursos naturais e não há ação de conscientização que possa impedir isso. Apenas a resolução das demandas de habitação e saneamento, anulando a necessidade de fazer uso desses espaços naturais, pode aliviar a pressão ambiental do Beberibe e das FURBs. Há mais de uma década a região foi alvo do Prometrópole. Esse programa era voltado para a Bacia do Beberibe e inclusive retirou a população da Vila do Tetra, que fica entre a FURB e o Rio. Mas a área foi reocupada e não foi construído o habitacional. O que aconteceu para esse projeto não ser executado? O programa Prometrópole, que este ano completa duas décadas desde o grande aporte financeiro recebido do Banco Mundial, é um caso emblemático, tanto pelo seu escopo quanto pelo seu resultado. Em teoria, ele iria garantir uma transformação urbanística completa das margens do Beberibe, servindo de vitrine para Pernambuco numa época em que diversas organizações intergovernamentais, como as Nações Unidas, estavam financiando projetos de urbanização no Brasil. No entanto, o que tivemos foi a fragmentação do programa em obras sem a devida efetividade, pouco integradas entre si ou fora dos fundamentos de saneamento e combate à pobreza do programa. Isso é completamente diferente do que foi apresentado à população. Até hoje, os habitantes dos bairros contemplados pelo Prometrópole lembram do projeto com frustração. Muitas das áreas de lazer propostas não foram construídas, o quantitativo de habitações entregues ficou aquém da demanda, a pavimentação e o esgotamento sanitário das ruas se arrastaram além do necessário, e o abastecimento de água ainda é deficiente. Isso sem falar na rede de serviços públicos, que não foi ampliada como anunciado. Sobre a Vila do Tetra, pode-se dizer que a questão até triplicou de tamanho, tanto no quantitativo populacional quanto na área ocupada. Isso ocorreu porque, diante do atraso ou da inexistência das obras, novas frentes de ocupações foram se formando ao longo do Beberibe, a exemplo do terreno no antigo endereço da Rádio Olinda. Acredito que o Prometrópole sofreu muito pela visão engessada de um "kit de urbanização" que não atendia às especificidades do povo atendido e do espaço que habitavam. A população vive numa situação de extrema vulnerabilidade social e sem saneamento básico. Quais os possíveis caminhos para encontrar uma solução que seja satisfatória para a população e para o Rio Beberibe? Não há solução efetiva que não seja através de um grande projeto integrado entre urbanização e demais questões sociais. Em uma situação ideal, a realocação da população para moradias mais adequadas e a consequente proteção das margens seriam o melhor caminho. No entanto, isso tem um custo político e orçamental que pouquíssimas gestões municipais estão dispostas a enfrentar. Além disso, desde a Lei 14.285/2021, os municípios detêm competência para regularizar todas as ocupações urbanas nas margens dos rios, chancelando a transformação do que deveriam ser áreas de proteção em tecido urbano consolidado. É esse caminho que tem sido adotado, normatizando a precarização das margens dos rios. Dessa forma, temos o próprio poder público a "planejar" desastres, como os provocados por enchentes. O que fica claro é que qualquer projeto precisa contemplar as dimensões sociais e ambientais, pois não é possível pensar em recuperar um rio enquanto a população sofre necessidades mais urgentes como emprego e habitação. A história do Prometrópole mostra isso. A população se queixa da maior intensidade de eventos de enchentes nos últimos anos. Podemos inferir alguma relação com as mudanças climáticas e a maior intensidade de chuvas, num período mais curto de tempo? Não apenas as mudanças climáticas estão propiciando mais eventos hidrológicos extremos, mas também as características da suburbanização a partir do médio curso do Beberibe estão contribuindo para as situações de enchentes. Na verdade, as questões relacionadas a como produzimos a nossa cidade

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"Uma das coisas que literatura faz é criar laços"

Flávia Suassuna, nova integrante da Academia Pernambucana de Letras fala da sua produção literária e conta como seu tio Ariano Suassuna contribuiu para tornar-se escritora. Ela também é professora e analisa o impacto da internet no ensino e afirma que a ficção pode ajudar a reduzir a polarização atual. É comum os alunos de Flávia Suassuna se encantarem com a maneira como ela oferece os conteúdos das suas aulas de História da Literatura. Prova disso é que esta entrevista, que ela concedeu a Cláudia Santos no café de uma livraria no Recife, foi interrompida por uma ex-estudante que não se conteve para abraçar e fazer elogios à antiga mestra. Talvez esse talento se deva à maneira envolvente como Flávia conversa e que pode ter origem no DNA que compartilha com o tio Ariano Suassuna. Além da prosa boa — que pode ser constatada nesta entrevista — a professora também herdou do tio o ofício de escritora e seu trabalho foi reconhecido ao ser recentemente eleita para integrar a Academia Pernambucana de Letras. Nesta conversa, ela fala da sua trajetória pedagógica e literária, da relação com Ariano, do impacto da internet no aprendizado das crianças e na polarização ideológica que, para ela, pode ser revertida com a leitura de romances. Ao se identificar com os personagens, muitas vezes, o leitor, segundo Flávia, desfaz preconceitos e amplia seus conhecimentos. Parafraseando Contardo Calligaris, ela assegura: “a literatura, a ficção, tem uma mágica complementar porque ensina também a identificação como ser humano”. Como surgiu seu interesse pela literatura? Quando eu era muito pequena, as pessoas me perguntavam: o que você vai ser quando crescer? Eu dizia que queria ser mãe e escritora. Não entendia por que todo mundo achava graça da resposta, eu estava falando sério. Talvez tenha organizado isso na minha cabeça a partir da existência de tio Ariano, que era escritor, porque uma menina de 5 anos provavelmente não saiba o que seja um escritor. E como era Ariano como tio? Ele foi perfeito comigo. Um dia papai disse a tio Ariano: tem uma pessoa lá em casa que gosta desses livros que você gosta. Tio Ariano ficou todo entusiasmado e começou a me mandar livros no Natal, no aniversário. Quando fiz 11 anos, ele me deu As Minas do Rei Salomão, um livro de aventura que eu amei. Depois passou a me dar livros que tinham a ver com a minha idade. Foi um orientador perfeito das minhas leituras. O que acho lindo de tio Ariano é que ele é uma pessoa muito forte, muito incisiva, mas nunca me orientou para eu ser armorial, por exemplo. Ele deixou que eu seguisse meu caminho. Perto de morrer, ele disse: “as pessoas vêm me perguntar o que é que eu sou de Flávia. Aí eu digo que eu sou tio e todo mundo diz que você é uma professora muito adorável. E eu fico muito orgulhoso”. Vê que coisa bonitinha! Uma das coisas que literatura faz é isso: criar laços. É você contar e discutir a história de Capitu, ver como cada geração enxerga essa a história, trazer o filme de Capitu, trazer uma adaptação do livro Dom Casmurro. Tudo isso vai criando laços entre as pessoas de uma sociedade. Esse é um dos motivos por que existe essa história da criação de uma identidade nacional com aqueles livros. Nunca conheci um russo, mas eu amo os russos por causa de Tolstói. É nesse sentido que a literatura cria esses laços de identidade e fraternidade mais amplos. Li um artigo do psicanalista Contardo Calligaris, em que ele diz que quando leu O Caçador de Pipas se identificou com o narrador, apesar de o romance se passar num espaço político, social, ideológico totalmente diferente do dele. Calligaris disse também que num documentário sobre o Afeganistão, você aprende muito, mas você aprende a diferença, as particularidades do país. Já a literatura, a ficção, tem uma mágica complementar porque ensina também a identificação como ser humano. Você percebe que uma pessoa que mora no Afeganistão é tão humana quanto você. E a história é muito linda, fala de um menino de 8 anos que viu um amigo sendo violentado e correu. Esse artigo de Contardo Calligaris me bateu muito porque eu pensei a mesma coisa que ele: se eu tivesse 8 anos e visse uma amiga sendo violentada, eu acho que eu correria… Como você decidiu atuar como escritora e professora? Isso foram os desastres da vida porque eu queria ser mãe. Tive três filhos, mas fui abandonada pelo pai deles e precisei sustentá- los. Eu tinha o curso de Letras e me tornei professora por uma necessidade básica de sobrevivência. Acho, inclusive, que ser professora dificulta um pouco ser escritora, porque a gente tem muita coisa para fazer em casa, mas não tinha outro jeito. Somos pagos pela hora dada, mas quando chegamos na sala de aula, já gastamos um tempão preparando a aula, corrigindo trabalhos. Você começou sua carreira como escritora ao lançar Jogo de trevas (1980), que foi o primeiro romance a ser publicado por uma mulher em Pernambuco. Como foi essa produção? Eu ainda era solteira. Esse romance foi publicado pelas Edições Pirata em 1980. Eu tinha um professor maravilhoso chamado José Rodrigues de Paiva e eu fiz uma proposta indecente a ele. Eu disse: se eu lhe der o meu romance pronto, você perdoa o meu último trabalho? Porque eu não conseguia conciliar o trabalho e fazer o romance. Ele aceitou. Dei os originais do meu romance, e ele me deu uma nota, me livrei do trabalho dele e consegui terminar esse livro. Depois participei do concurso literário para marcar os 450 anos do Recife, instituído por Jarbas Vasconcelos, que era prefeito. Eu ganhei e esse foi meu segundo romance chamado Remissão ao Silêncio. Comecei com prosa que exige uma disciplina. Para fazer esse segundo romance, eu saía da minha casa, ia para a casa da minha mãe toda quarta-feira de tarde, deixava meus filhos para poder escrever. Depois passei

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SANTOS MARTIRES DO RIO GRANDE DO NORTE

Santos mártires imolados pelos holandeses no Rio Grande do Norte em 1945

*Por Leonardo Dantas Silva Quando das Guerras com a Holanda (1630-1654), se transportou para o Nordeste do Brasil, os propósitos da Guerra Religiosa, que grassava em Flandres e nos Países Baixos, entre católicos, calvinistas e luteranos desde a segunda metade do Século 16. Em 16 de julho de 1645, na localidade de Cunhaú, no hoje município de Canguaretama, no Rio Grande do Norte, uma tropa holandesa de 200 homens, comandados pelo alemão Jacob Rabi, juntamente com um grande número de índios tapuias e potiguares, dizimaram 69 habitantes locais que assistiam à missa dominical na igrejinha de Nossa Senhora das Candeias. Matança semelhante veio se repetir, dias depois, no povoado próximo, Uruaçu. Ali também foram dizimados Mateus Moreira e dezenas de outros homens; repetindo os índios os mesmos atos de antropofagia de Cunhaú devorando, ainda vivos, os corpos de suas vítimas, retirando deles os olhos, a língua, o pênis e outras partes. Por causa de tais atrocidades, os portugueses passaram a fio de espada cerca de 200 outros índios que lutaram ao lado dos holandeses, quando da Batalha de Casa Forte (Recife), em 17 de agosto de 1645. Esses fatos motivaram um longo processo de canonização por parte da Igreja Católica, concluído recentemente pelo Papa Francisco, em solenidade acontecida no domingo 15 de outubro do ano de 2017, quando declarou santos os 30 Mártires de Cunhaú e Uruaçu, massacrados no Rio Grande do Norte em 16 de julho de 1645. A cerimônia de canonização foi presidida pelo Papa Francisco e contou com 450 concelebrantes, assistida por aproximadamente 50 mil pessoas, que lotavam a Praça de São Pedro em Roma. Na ocasião, o Papa Francisco declarou santos os mártires potiguares, após o pedido oficial durante a cerimônia celebrada pelo cardeal Angelo Amato, prefeito da congregação da Causa dos Santos. “Que estes que agora são santos indiquem a todos nós o verdadeiro caminho do amor e da intercessão junto ao Senhor para um mundo mais justo”, declarou o Papa Francisco, em sua homilia. Por causa desses episódios, a história nos relata o sentimento de abandono que veio a tomar conta dos habitantes de Pernambuco que, em outubro de 1645, resolveram redigir um longo manifesto narrando o clima de terror que estavam vivendo sob o domínio holandês. Manifesto dos cidadãos de Pernambuco publicado para sua defesa sobre a tomada de armas contra a Companhia das Índias Ocidentais, dirigido a todos os príncipes cristãos e particularmente aos Senhores Estados dos Países Baixos Unidos. Numa das versões do documento, escrito em espanhol, como se depreende da cópia original, pertencente ao Instituto Ricardo Brennand do Recife, são descritas algumas das atrocidades perpetradas pelos holandeses e índios antropófagos, seus aliados, que a eles eram entregues, para alimentação, os corpos das vítimas dos seus soldados. "Sendo bem servidos pelos selvagens tapuias a quem animavam [os holandeses] como a tigres e lobos sangrentos, que diante dos seus olhos comiam os corpos mortos daqueles que haviam matado, feito tão abominável que nem os antigos tiranos cometeram tal crueldade. Nas praças onde paravam para repousar e comer os que os recebiam amigavelmente em suas casas eram mortos e como recompensa da sua cortesia e pagamento pela comida que aqueles cristãos haviam dado a cristãos, davam-se seus corpos como comida para os selvagens." No ano seguinte (1646), o embaixador Francisco de Souza Coutinho, de posse de cópia desse manifesto, bem como dos relatórios de funcionários da Companhia, descontentes com o clima de terror insuflado pelo Governo do Recife, fez publicar uma série de panfletos, traduzidos para o holandês, denunciando a triste situação em que viviam os habitantes de Pernambuco. "Não há infâmia tão grande nem descortesia que não tenham usado contra as mulheres; depois de terem abusado delas desonestamente, e as filhas aos olhos dos pais e as mulheres casadas na presença de seus maridos as davam como regalo aos selvagens, que depois de satisfazerem seus intentos bestiais, as matavam e comiam. É verdade que não era a maior crueldade matá-las, porque depois da infâmia de desonrá-las e violá-las, elas mesmas prefeririam a própria morte por acharem- -se privadas de sua honra. Os ouvidos humanos têm horror de escutar tais coisas, mas os da Companhia tiveram olhos para vê-las e permitir tais crueldades, não apenas a um, mas a muitas de nossas pequenas crianças arrancaram os selvagens dos seios de suas mães. Assados e guisados como prato muito delicado. Comum entre eles um provérbio que dizia que os holandeses vieram ao Brasil para castigar os pecados dos portugueses, no que também concordamos e confessamos diante de Deus que bem merecemos tal castigo por nossos pecados, mas que tenham conosco segundo sua grande misericórdia e como um pai benigno que após haver castigado seus filhos lança o açoite ao fogo. Nossa perdição não foi apenas termos caído nas mãos de senhores cruéis e que tinham ódio mortal contra a nação [portuguesa], mas também extremamente apegados ao dinheiro; e passada toda a fúria sangrenta dedicaram-se com afinco a tomar-nos nossos bens justa ou injustamente." Esses panfletos eram impressos em oficinas apócrifas e distribuídos nas ruas, de modo a levantar a opinião pública contra os dirigentes da Companhia das Índias Ocidentais, com sede em Amsterdã. Esta, por sua vez, incomodada com tamanho noticiário, veio à forra [levar a efeito uma vingança; desforrar-se, vingar-se], denunciando, pela imprensa, a deslealdade de Portugal e a duplicidade de D. João IV ao apoiar, de forma escusa, o movimento separatista de Pernambuco.

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padre sergio gomez tey

“A padroeira da Argentina, Nossa Senhora de Luján, é brasileira”

Sergio Gomez Tey, padre argentino conta a história da imagem da Virgem, esculpida no Brasil e que se tornou conhecida por operar milagres, e do escravizado Manoel, trazido da África para o Recife, que cuidava da santa e que é alvo de um movimento para ser beatificado. Uma história ainda pouco conhecida de Nossa Senhora de Luján, a padroeira da Argentina, tem ligações com o Brasil, mais especificamente com o Recife, e envolve pessoas de diferentes nacionalidades. Ela começa com Manoel, um escravizado africano, comprado por André João, um mercador português que levava um carregamento de navio para a Argentina. Além de mercadorias, André levou Manoel e uma imagem de Nossa Senhora da Conceição, para atender ao pedido de um outro português que morava no país vizinho. Mas antes que a Virgem chegasse ao seu destino, ocorreu um milagre, que fez com que a imagem e Manoel permanecessem juntos numa localidade às margens do Rio Luján. O padre argentino Sergio Gomez Tey participa das ações para beatificar Manoel, a partir de relatos de que ele curava pessoas com o azeite da lamparina que iluminava a santa. Ele e outros religiosos argentinos realizaram uma peregrinação de Aparecida do Norte (SP) até o Recife para tornar a história do escravizado conhecida, para que mais pessoas invoquem a sua ajuda e, ao fazer isso, possam ocorrer mais milagres. Na capital pernambucana os peregrinos foram recebidos por Dom Paulo Jackson, recentemente empossado como arcebispo de Olinda e do Recife que, na ocasião, celebrou sua primeira missa na nova função em Jaboatão dos Guararapes. Nesse período o Recife e e Luján tornaram-se cidades-irmãs. Isso quer dizer que haverá cooperação mútua em áreas como turismo, cultura, comércio e desenvolvimento social. Nesta entrevista a Cláudia Santos, padre Sergio conta a história do milagre de Luján, diz estar agradecido pela acolhida no Recife e que está esperançoso com o processo de beatificação de Manoel. “Agora é um tempo favorável, o Papa Francisco tem uma imagem pequena de Manoel no seu altar (...) e tem uma forte preocupação com as novas formas de escravidão contemporâneas, que seguem sendo como uma peste na humanidade”. Gostaria que o senhor explicasse quem foi Manoel e qual a importância dele em transformar a Nossa Senhora de Luján na padroeira da Argentina. Manoel foi um escravo que veio da África para Pernambuco e foi comprado por um navegador português chamado André João. Em 1630, ao transportar mercadorias para a Argentina, André João levou Manoel que logo foi cedido a outro homem que se chamava Barnabé González Filiano. André João trabalhava com mercadoria, que muitas vezes era contrabando. Quando chegou ao Porto de Buenos Aires teve a mercadoria confiscada e apreendida. Filiano era um homem que tinha muito dinheiro, o que lhe permitiu pagar uma a fiança e liberar a mercadoria trazida do Brasil. É possível que essa ajuda que recebeu de González Filiano tenha incentivado André João a ceder o escravo para Filiano. O que sabemos é que o escravo Manoel passa a ser propriedade de González Filiano. Veja que a imagem da Nossa Senhora da Conceição é igual à de Nossa Senhora de Aparecida: tem 38 centímetros de altura e é feita de terracota. André João tinha que levar esta imagem, que lhe havia pedido outro português que vivia no interior da Argentina. Mas antes, passou pela fazenda [Rosendo] de González Filiano que ficava a 70 km de Buenos Aires junto ao Rio Luján. Lá eles pernoitaram e traziam muitas carroças de bois que levavam as mercadorias para o norte da Argentina. Pela manhã, quando quiseram seguir caminho, a carroça onde estava sendo levada a imagem de Nossa Senhora não se move, ficou parada. Tiraram algumas caixas pesadas, mas continuou sem se mover. Eles então tiram uma caixa pequena, onde estava a imagem. Quando a caixa com a imagem sai da carroça, ela começa a se mover. Mas quando devolvem a caixa com a santa, a carroça, outra vez, fica sem sair do lugar. Todos que estavam em volta da carroça disseram na hora: “Nossa Senhora quer ficar neste lugar”. E isso é o que se conhece como o milagre de Luján. A imagem permanece naquele lugar e junto com ela fica Manoel. Como foi testemunha do milagre, o deixam na fazenda para que cuidasse da imagem. Este é o vínculo entre Manoel e Nossa Senhora de Luján. A imagem passa a ser assim chamada, porque o milagre havia ocorrido junto ao rio que tem esse mesmo nome. Manoel ficou 40 anos cuidando da imagem. Quando os milagres operados por Manoel começaram a acontecer? Manoel colocava uma lamparina de azeite para iluminar a imagem, que sempre ficava acesa. Quando chegava gente enferma, Manoel ungia essas pessoas com o azeite da lamparina e elas se curavam. O milagre mais forte que se tem na história escrita foi quando recebeu um sacerdote chamado Pedro Montalbo, que chegou quase morto e Manoel com o azeite da lamparina o curou. Manoel lhe disse que a Virgem queria que ele fosse o sacerdote daquele lugar. Até esse momento não havia nenhum padre naquela localidade. Ele concordou. Este milagre acontece não na fazenda Rosendo, mas em outro lugar para onde a imagem foi levada. Isto porque uma mulher, Maria de Matos, compra a imagem e a transporta para sua fazenda a uns 30 km também à margem do Rio Luján. Mas, por duas vezes, a imagem volta ao lugar do milagre [fazenda Rosendo] de maneira extraordinária. Então, Maria de Matos disse: “Vou a Buenos Aires ver o bispo e vou lhe pedir conselho sobre a imagem”. E o bispo responde: “vamos fazer uma procissão desde o lugar do milagre até o local onde você quer que a imagem esteja”. Ela já havia feito a promessa de fazer uma capela em devoção à Nossa Senhora. A procissão teve a participação de muita gente, inclusive de Buenos Aires e dos arredores. Buenos Aires era uma pequena cidade nessa época. E nessa peregrinação foi também Manoel e, como ele vai, a

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Olinda: do retorno da agitação cultural aos desafios na segurança

*Por Rafael Dantas Entre ladeiras, bares e ateliês, Olinda é o recanto de muitos artistas, foliões e amantes da cultura. Para além dos dias festivos do Carnaval, a vida cultural da cidade tem seus encantos, mas divide opiniões. A percepção de quem vive a cena olindense é de que as expressões culturais brotam quase que espontaneamente das suas esquinas. Todo esse potencial, no entanto, carece de maior organização e comunicação. Além disso, há um fantasma que tem assombrado moradores e turistas: a segurança. Quem vive Olinda há mais tempo registra o fechamento de muitos ateliês e espaços de cultura que marcavam a vida da cidade. Alguns mestres das artes plásticas faleceram, como Tereza Costa Rêgo, outros deixaram o município. Um dos lugares que ficou na lembrança dos moradores, por exemplo, foi a Casa do Cachorro Preto. Mas novos points da música e demais manifestações artísticas também surgiram, como a Casa Criatura e a Casa Estação da Luz. Nesse novo ciclo, também houve a revitalização do Mercado Eufrásio Barbosa e de bares com forte programação musical. Novas veias por onde pulsa essa economia criativa local. NOVOS ESPAÇOS A Casa Estação da Luz tem sido um empreendimento de destaque ao longo dos últimos cinco anos, embora tenha oficialmente aberto suas portas como centro de cultura há três, devido às restrições da pandemia. A ideia original foi concebida por Alceu Valença e sua mulher Yanê Montenegro, que embora passem a maior parte do tempo no Rio de Janeiro, são proprietários do espaço. Natália Reis foi convidada a se tornar sócia e gestora do projeto que transformou a casa em um centro cultural. “Desde a abertura pós-pandemia em 2021, a Casa Estação da Luz tem trabalhado para cumprir sua visão cultural, abrangendo diversas áreas como artes plásticas, dança, música, literatura e culinária. Hoje estamos operando em quase 100% do que a gente pode fazer na casa”, afirmou a gestora. Do movimento cultural sonhado para o espaço, ela diz que só não aconteceu ainda o teatro. Em breve acontecerá também a abertura de uma exposição permanente de Alceu Valença. “Um dos nossos objetivos é que num futuro próximo a casa abrigue a exposição permanente que conta a trajetória e poética de Alceu Valença. Um ponto cultural e turístico, pois Alceu é uma atração turística da cidade”, afirmou o curador Bruno Albertim. Na dinâmica atual da casa, ele destaca duas preocupações: a maior visibilidade de novos artistas e a preservação das raízes olindenses. “Um dos eixos curatoriais que tenho tentado imprimir é reinserir atores e autores de uma prática artística que eram relegados ao segundo plano, sem acesso aos mecanismos de produção de hegemonia e poder, ao coração de Olinda. Outro aspecto é que a casa trabalha muito a memória artística da cidade, dentro de um panorama da arte modernista brasileira, da exposição do modernismo tardio que se manifestou na cidade” Outro novo endereço da cultura olindense é a Casa Criatura. Idealizado por Isac Filho. O projeto completou quatro anos de existência, dois dos quais no atual espaço, situado no Sítio Histórico de Olinda. Concebida na pandemia, a casa começou a ganhar vida em 2021 na Rua do Amparo, mas cresceu substancialmente desde então, agora ocupando um espaço dez vezes maior. Isac e sua companheira Juliana, ambos arquitetos, tiveram a visão de revitalizar o patrimônio e construir um ambiente de criação e inovação em Olinda. A casa funciona como um centro de trabalho colaborativo durante a semana e se transforma em uma galeria de arte gratuita nos fins de semana, com exposições, shows e eventos culturais que valorizam a diversidade e a pluralidade de usos. Isac enfatiza que há um esforço para unir artistas consolidados com iniciantes, homens e mulheres, buscando sempre a diversidade e valores que reflitam o espírito do espaço cultural. Ele projeta que a Casa Criatura se consolide como um centro de arte, influenciando positivamente a cultura e a economia criativa em Olinda e na região. O idealizador da casa lembra que o projeto não se limita a suas instalações, mas abraça o entorno urbano, ativando espaços menos explorados. Um exemplo foi a ideia de criar em Olinda um "Beco do Batman", uma referência a um local em São Paulo que ganhou uma nova vida a partir de uma intervenção urbana com muita arte e criatividade. A percepção de Isac sobre a cultura de Olinda é repleta de entusiasmo e um senso de missão. Ele descreve o momento pós- -pandêmico como uma oportunidade de reconexão local. “Eu vejo como um momento de estruturação. Mais bandas se desenvolvendo, mais orquestras se destacando. Não destacaria só música mas, também, os movimentos voltados à arte. Vejo mais efervescentes as artes visuais, um número crescente de grafites, exposições e colabs surgindo. Aqui tem uma mistura do grafite, da arquitetura, da fabricação digital, das figuras a laser. Uma conexão de diversas linguagens. Isso é uma coisa nova. Vejo um momento bom para isso”. Isac acredita que Olinda possui um potencial criativo poderoso, capaz de atrair artistas e criativos de diversas áreas, a partir do fomento de uma política cultural local que consolide a cidade como um polo de criatividade e inovação. BOEMIA OLINDENSE Morador e também trabalhador de Olinda, Márcio Valença aprecia a cena que se constrói nos bares da cidade. Tanto novos endereços, como alguns já tradicionais abrigam a diversidade musical local. “Gosto de desfrutar a boemia da cidade. Frequento bares, principalmente à noite, numa cidade que acontece após às 18h, quando escurece”, afirma Márcio, ressaltando que os vestígios do período carnavalesco são interessantes para os moradores e visitantes. “São blocos fora de época, orquestras passando, um boneco gigante perdido. São resquícios do Carnaval que vivem durante o ano”. Como um bom boêmio, ele lista uma série de espaços tradicionais, como o Bar do Peneira, a Bodega do Veio, o Recanto do Ingá, entre outros por onde ele caminha. “Existem bares mais novos, como o Bar do Amparo e o Fogo de Oca, que são a cara de Olinda, antenados com a cultura da cidade. Ainda

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praca independencia 2023

5 fotos da Praça da Independência Antigamente

Em celebração ao dia 7 de setembro, a coluna Pernambuco Antigamente faz um passeio por um dos espaços centrais da cidade do Recife: a Praça da Independência. Uma das centralidades do tradicional Bairro de Santo Antônio é a Praça da Independência. Conhecida como a pracinha do Diário, ela já fazia parte da planta original da Cidade Maurícia. O local já teve no passado outros nomes, como Praça Grande, Praça do Comércio, Praça da Ribeira, Praça do Polé, Praça da União, recebendo o nome atual apenas em 1833. Confira abaixo uma seleção de imagens da Biblioteca do IBGE. Clique nas fotos para ampliar. 1. Vista do Edifício do Diário de Pernambuco, o jornal mais antigo da América Latina. .2. Vista ampla da Praça, com os prédio da Sulacap e a Avenida Guararapes no lado direito. 3. Destaque para a Matriz de Santo Antônio 4. Meios de transporte antigos circulando pelo bairro (no ônibus placa para o bairro da Tamarineira) 5. Vista parcial a partir da praça para a Rua 1º de Março

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