Leonardo Dantas Silva – Revista Algomais – a revista de Pernambuco

Leonardo Dantas Silva

A noite dos índios pelados

Naquela manhã de 11 de maio de 1644, o Conde João Maurício de Nassau deixou triunfantemente a sua Cidade Maurícia. Montado a cavalo, seguido de um grande séquito de admiradores, cavalgou pelo litoral em busca da Paraíba. A sua despedida de forma apoteótica, como a exaltar o sucesso dos sete anos do seu governo (1637-1644), mereceu de Netscher, escrevendo com a parcialidade de cidadão holandês, uma descrição sentida, com cores fortes e povoada por palavras tomadas de emoção, que vale a pena transcrever: Pelo litoral passou por Olinda, Itamaracá, atingindo a Paraíba onde deveria embarcar, em Cabedelo. Por toda parte recebeu expressivas homenagens que significavam estima, reconhecimento e saudades. Sua viagem tomava o aspecto de uma marcha triunfal. As populações dos lugares por onde ia passando formavam alas para dizer-lhe adeus. Em Cabedelo, um grupo de índios tapuias, afastando os guardas de sua escolta, o transporta, nos ombros, até o escaler que flutuava sobre as ondas, esperando para conduzi-lo até o navio capitânia Zuphen. Somente no dia 22 de maio de 1644 é que a esquadra levanta âncoras, deixando desolados nas praias dezenas de índios que com o Conde Nassau desejavam embarcar para a Holanda. Todo o episódio do seu embarque é também descrito com cores vivas pelo cronista Gaspar Barlaeus (1647). Partiu o Conde de Nassau no mesmo barco que o trouxera ao Brasil em 1637. Ao seu redor navegava uma frota de 13 navios, tripulados por 1.400 marinheiros, armados com 327 canhões, e um carregamento avaliado em 2.600.000 florins, composto principalmente de açúcar, pau-brasil, madeiras de lei (notadamente jacarandá e pau-violeta), fumo, pau-campeche, além de toda a produção de seus artistas e objetos vários, bem como curiosidades pertencentes ao seu museu de antropologia. É desta época a notícia de uma curiosa festa brasileira, promovida pelo Conde de Nassau nos jardins e salões de sua residência na Haia, a Mauritshuis, na presença de nobres e embaixadores acreditados junto aos Países Baixos. Da crônica da vida diária da Holanda são frequentes os comentários sobre esta festa, segundo se depreende da correspondência de muita gente famosa que descreve a festa brasileira com riquezas de detalhes. Os comentários mais frequentes ficaram por conta da apresentação da dança guerreira dos índios pelados, nos mesmos moldes da que foi eternizada em tela por Albert Eckhout. Na ocasião o Conde de Nassau fez apresentar os 11 índios tapuias, que o acompanharam na sua viagem de regresso do Brasil, completamente despidos que com as suas setas e bordunas realizaram a dança ritual. Assinala Jan van den Besselaar no livro Maurício de Nassau Esse Desconhecido que, “entre os convidados se achavam vários predicantes com suas esposas. Para alguns, a representação foi um grande escândalo e, justamente por ser motivo de escândalos para alguns, foi motivo de grande hilaridade para outros”.

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Santos mártires imolados pelos holandeses no Rio Grande do Norte em 1945

*Por Leonardo Dantas Silva Quando das Guerras com a Holanda (1630-1654), se transportou para o Nordeste do Brasil, os propósitos da Guerra Religiosa, que grassava em Flandres e nos Países Baixos, entre católicos, calvinistas e luteranos desde a segunda metade do Século 16. Em 16 de julho de 1645, na localidade de Cunhaú, no hoje município de Canguaretama, no Rio Grande do Norte, uma tropa holandesa de 200 homens, comandados pelo alemão Jacob Rabi, juntamente com um grande número de índios tapuias e potiguares, dizimaram 69 habitantes locais que assistiam à missa dominical na igrejinha de Nossa Senhora das Candeias. Matança semelhante veio se repetir, dias depois, no povoado próximo, Uruaçu. Ali também foram dizimados Mateus Moreira e dezenas de outros homens; repetindo os índios os mesmos atos de antropofagia de Cunhaú devorando, ainda vivos, os corpos de suas vítimas, retirando deles os olhos, a língua, o pênis e outras partes. Por causa de tais atrocidades, os portugueses passaram a fio de espada cerca de 200 outros índios que lutaram ao lado dos holandeses, quando da Batalha de Casa Forte (Recife), em 17 de agosto de 1645. Esses fatos motivaram um longo processo de canonização por parte da Igreja Católica, concluído recentemente pelo Papa Francisco, em solenidade acontecida no domingo 15 de outubro do ano de 2017, quando declarou santos os 30 Mártires de Cunhaú e Uruaçu, massacrados no Rio Grande do Norte em 16 de julho de 1645. A cerimônia de canonização foi presidida pelo Papa Francisco e contou com 450 concelebrantes, assistida por aproximadamente 50 mil pessoas, que lotavam a Praça de São Pedro em Roma. Na ocasião, o Papa Francisco declarou santos os mártires potiguares, após o pedido oficial durante a cerimônia celebrada pelo cardeal Angelo Amato, prefeito da congregação da Causa dos Santos. “Que estes que agora são santos indiquem a todos nós o verdadeiro caminho do amor e da intercessão junto ao Senhor para um mundo mais justo”, declarou o Papa Francisco, em sua homilia. Por causa desses episódios, a história nos relata o sentimento de abandono que veio a tomar conta dos habitantes de Pernambuco que, em outubro de 1645, resolveram redigir um longo manifesto narrando o clima de terror que estavam vivendo sob o domínio holandês. Manifesto dos cidadãos de Pernambuco publicado para sua defesa sobre a tomada de armas contra a Companhia das Índias Ocidentais, dirigido a todos os príncipes cristãos e particularmente aos Senhores Estados dos Países Baixos Unidos. Numa das versões do documento, escrito em espanhol, como se depreende da cópia original, pertencente ao Instituto Ricardo Brennand do Recife, são descritas algumas das atrocidades perpetradas pelos holandeses e índios antropófagos, seus aliados, que a eles eram entregues, para alimentação, os corpos das vítimas dos seus soldados. “Sendo bem servidos pelos selvagens tapuias a quem animavam [os holandeses] como a tigres e lobos sangrentos, que diante dos seus olhos comiam os corpos mortos daqueles que haviam matado, feito tão abominável que nem os antigos tiranos cometeram tal crueldade. Nas praças onde paravam para repousar e comer os que os recebiam amigavelmente em suas casas eram mortos e como recompensa da sua cortesia e pagamento pela comida que aqueles cristãos haviam dado a cristãos, davam-se seus corpos como comida para os selvagens.” No ano seguinte (1646), o embaixador Francisco de Souza Coutinho, de posse de cópia desse manifesto, bem como dos relatórios de funcionários da Companhia, descontentes com o clima de terror insuflado pelo Governo do Recife, fez publicar uma série de panfletos, traduzidos para o holandês, denunciando a triste situação em que viviam os habitantes de Pernambuco. “Não há infâmia tão grande nem descortesia que não tenham usado contra as mulheres; depois de terem abusado delas desonestamente, e as filhas aos olhos dos pais e as mulheres casadas na presença de seus maridos as davam como regalo aos selvagens, que depois de satisfazerem seus intentos bestiais, as matavam e comiam. É verdade que não era a maior crueldade matá-las, porque depois da infâmia de desonrá-las e violá-las, elas mesmas prefeririam a própria morte por acharem- -se privadas de sua honra. Os ouvidos humanos têm horror de escutar tais coisas, mas os da Companhia tiveram olhos para vê-las e permitir tais crueldades, não apenas a um, mas a muitas de nossas pequenas crianças arrancaram os selvagens dos seios de suas mães. Assados e guisados como prato muito delicado. Comum entre eles um provérbio que dizia que os holandeses vieram ao Brasil para castigar os pecados dos portugueses, no que também concordamos e confessamos diante de Deus que bem merecemos tal castigo por nossos pecados, mas que tenham conosco segundo sua grande misericórdia e como um pai benigno que após haver castigado seus filhos lança o açoite ao fogo. Nossa perdição não foi apenas termos caído nas mãos de senhores cruéis e que tinham ódio mortal contra a nação [portuguesa], mas também extremamente apegados ao dinheiro; e passada toda a fúria sangrenta dedicaram-se com afinco a tomar-nos nossos bens justa ou injustamente.” Esses panfletos eram impressos em oficinas apócrifas e distribuídos nas ruas, de modo a levantar a opinião pública contra os dirigentes da Companhia das Índias Ocidentais, com sede em Amsterdã. Esta, por sua vez, incomodada com tamanho noticiário, veio à forra [levar a efeito uma vingança; desforrar-se, vingar-se], denunciando, pela imprensa, a deslealdade de Portugal e a duplicidade de D. João IV ao apoiar, de forma escusa, o movimento separatista de Pernambuco.

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Como era tratado um espião pelos holandeses?

*Por Leonardo Dantas No Brasil Holandês (1630-1654), tempo em que ainda não se encontrava solidificado o sentimento nativista e a consciência de uma pátria, como a temos nos dias atuais, a deserção era fato corriqueiro dentro das fileiras dos exércitos litigantes. No seu relato, o soldado Ambrosius Richshoffer, que escreveu o Diário de um soldado da Companhia das Índias Ocidentais, registra constantes fugas das hostes holandesas e de outras, particularmente de mouros (negros) e brasilianner (índios), do lado das forças da resistência; os primeiros chegaram a formar um regimento e esses últimos, graças ao seu conhecimento das trilhas e veredas do território ocupado, foram de grande valia para a causa dos holandeses. Do lado dos holandeses torna-se notável o número de mercenários franceses que fogem em busca de refúgio do lado contrário, talvez por sua condição de católicos e por não suportarem a fome que lhes fora impingida durante o cerco do Recife; “os desertores são na sua maioria franceses, de sorte que os desta nacionalidade estão sendo muito suspeitos e odiados entre nós”, relata Richshoffer. O caso de um agente duplo aparece nas crônicas holandesas, durante o período da Guerra de Resistência. Trata-se do holandês Adriaen Verdonck, natural de Brabante e morador na vila de Olinda, quando da invasão em 1630. Para angariar simpatias do Alto Conselho, tomou para si a tarefa de escrever um longo relatório acerca da situação da vila de Olinda, particularmente no que diz respeito a lugares, aldeias e comércio, “bem como Itamaracá, Paraíba e Rio Grande, datado de 20 de maio de 1630”, conforme consta no Relatório de Adriaen Verdonck, publicado por José Antônio Gonsalves de Mello. Com isso, ele adquire as simpatias dos holandeses, chegando a privar do convívio em seus passeios e da própria refeição do general comandante Theodorus van Waerdenburch (Jonkheer Diederick van Waerdenburch), tomando assim conhecimento de informes preciosos do desenvolvimento da guerra. Tudo caminhava sem atropelos até que, em dada de 26 de dezembro de 1630, segundo registra Richshoffer em seu Diário: Passou-se para o nosso lado um mouro [negro escravo] do inimigo, que referiu haver entre a nossa gente um traidor, que diariamente vai ter com os nossos adversários na floresta, e lhes dá notícia da força que guarnece todos os nossos postos, dos navios que chegam da pátria, e quantos soldados, víveres e munições trazem. A denúncia toma corpo a 15 de janeiro, quando um escravo de Adriaen Verdonck vem a ser reconhecido por um indígena, que se passa para o lado holandês, adiantando ser ele o portador das cartas destinadas a Matias de Albuquerque de três em três dias, comunicando-lhe todos os nossos planos, e revelando-lhe tudo o que se passava ou lhe era confiado. O agente espião foi de imediato recolhido à prisão, com ferros nas mãos e nos pés e lá fica recolhido até que novas acusações lhe foram feitas, inclusive por um velho monge português, que vem a ser libertado pelos holandeses, mas cujo nome não é revelado. Diante das denúncias, a partir de 3 de abril o prisioneiro vem a ser submetido a contínuas sessões de torturas, sendo levado ao potro [cavalete de atormentar; instrumento de suplício] e à prancha [instrumento de suplício], e assim foi obtida a sua confissão. Desesperado, tenta ele o suicídio, atirando-se por um pequeno buraco que havia junto à prisão com o propósito de quebrar o pescoço. Sofreu apenas um pequeno buraco na cabeça, sendo em seguida ainda mais severamente torturado e melhor guardado. Não suportando as torturas que lhe foram impostas, Adriaen Verdonck vem a falecer na noite anterior ao dia da sua execução, 10 de abril de 1631. Não se conformando com a morte de Verdonck, as autoridades holandesas determinaram que fosse o seu cadáver retirado da prisão e arrastado pelas ruas por quatro mouros até o lugar da execução onde, após a leitura da sentença condenatória, veio a ser estrangulado, como narra Richshoffer, em seu Diário: Ali, em virtude da condenação, foi estrangulado, sendo-lhe cortados dois dedos e a cabeça. Em seguida foi esquartejado; colocaram a cabeça num alto poste no hornaveque do forte de Bruyn, e o quarto junto ao Vijfhuck ou Trots den duivel [orgulho do diabo]; o outro foi pendurado numa forca diante da trincheira nova kyk in de pot [olha para dentro do pote]. Os outros dois [quartos] foram mandados para Olinda, devendo um ser pendurado da mesma forma no monte e o último no lugar em que a nossa gente foi abatida a 3 de janeiro último [1631].

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Calabar, o grande desertor

*Por Leonardo Dantas Silva Durante a Guerra Holandesa (1630-1654), do lado das forças da resistência, comandadas pelo general Matias de Albuquerque, são constantes as deserções e atos de traição, como se vislumbra da leitura das Memórias Diárias, escritas pelo próprio donatário, Duarte de Albuquerque Coelho, irmão do general comandante. De todos esses fatos, o que mais causou impacto, foi o episódio da deserção do mulato Domingos Fernandes Calabar, em 20 de abril de 1632. Tal acontecimento é atribuído pelos cronistas da Guerra Brasílica como a principal causa da perda da capitania de Pernambuco para as forças de ocupação holandesas. Com a sua ajuda e orientação foram tomadas as vilas de Igarassu (1632), Rio Formoso (1633), Itamaracá (1633), Rio Grande do Norte (1633) e Nazaré do Cabo (1634). Pouco se sabe dos seus motivos em trair os portugueses, passando-se de armas e bagagem para o lado dos holandeses. Dos relatos e documentos de então informam apenas que era ele filho da negra Ângela Álvares com um português de nome desconhecido, nascido em 1609, na vila alagoana de Porto Calvo, que tomou parte ativa na guerra desde o seu primeiro momento. Fora ele ferido, em 14 de março de 1630, quando na defesa do Arraial do Bom Jesus, estando processado por alguns crimes pela justiça do Rei de Espanha. Fora ele citado no diário de um seu contemporâneo, o oficial inglês Cuthbert Pudsey, que entre 1629 e 1640 esteve a serviço da Companhia das Índias Ocidentais no Brasil. “Por esse tempo veio até nós um português chamado Domingos Fernandes [Calabar], que por haver estuprado uma mulher na região de Camaragibe, e para que depois ela não contasse quem havia feito isto, cortou-lhe a língua da boca. Vivera como renegado por cerca de dois anos entre os portugueses. Então, tendo vindo servir aos holandeses, foi feito capitão. Graças a seus conselhos e meios molestamos muitíssimo o país, sendo ele um sujeito intrépido e político, sabedor de todas as picadas e caminhos através de toda a terra, jactando-se de nada mais fazer senão dano aos portugueses. Sendo ele mesmo um mulato, isto é, com um pai português e uma mãe negra. Desta espécie achamos muitos sujeitos intrépidos. Graças aos seus conhecimentos da região e do aprendizado rápido da língua holandesa, Calabar logo cativou as autoridades militares e administrativas neerlandesas, gozando das simpatias e recebendo carinho e atenções por parte dos mais grados. Convivia ele com as figuras mais representativas de sua época e, para um mestiço do seu tempo, tal tratamento contribuiria para massagear de sobremaneira o seu ego de mulato e o animava na conquista de novos postos em sua carreira militar, na qual veio a atingir o posto de capitão com o soldo de sargento-mor. Seria este, quem sabe, talvez o principal motivo que o fez grato aos superiores holandeses, quando a sua condição de mulato, filho de pai desconhecido, o impediria de receber tais honrarias e simpatias por parte dos senhores da terra e da oficialidade portuguesa. Seu prestígio social junto aos novos aliados tornou-se patente quando do batizado do seu filho com Ana Cardosa, na igreja reformada do Recife. Segundo anotações no Livro Batismal 1633 -1654, conservado no Arquivo Municipal de Amsterdã (Gementes Archief Amsterdam), sob o nº 379/211, estiveram presentes ao batizado do menino Domingos Fernandes Filho, em 20 de setembro de 1634, o alto conselheiro Servatius Carpentier (também médico e senhor do engenho Três Paus), o coronel alemão Sigmund von Schkoppe, o coronel polonês Chrestofle d’Artischau Arciszewski e uma senhora da alta sociedade do Recife não identificada. O fato vem demonstrar a importância social de que gozava o mestiço Domingos Fernandes Calabar quando, em simples solenidade familiar, reúne um represente do alto Conselho e os dois principais chefes do Estado Maior do Brasil Holandês. Outro gesto de consideração do governo do Brasil Holandês para com a memória de Calabar, se dá quando do pedido de sua viúva em favor dos seus três filhos órfãos, em data de 13 de abril de 1636. Na ocasião, “considerando os grandes serviços feitos à Companhia pelo seu falecido esposo”, o Conselho Político concedeu uma pensão de 8 florins por mês a cada uma das crianças, segundo informa José Antônio Gonsalves de Mello in Tempo dos flamengos. Após a derrota das tropas que defendiam o Arraial do Bom Jesus, Matias de Albuquerque, que se encontrava em Nazaré do Cabo, inicia sua marcha em direção à Bahia. No caminho, ao passar pela povoação de Porto Calvo, no atual território de Alagoas, comandando um pequeno exército de 140 homens, resolve tomar aquele baluarte até então em mãos dos holandeses. Para isso contou com a colaboração de Sebastião Souto, que fez o chefe holandês, major Alexandre Picard, crer na vantagem numérica das forças da resistência. Porto Calvo vem a se render em 19 de julho de 1635. Nos termos da rendição uma das condições impostas por Matias de Albuquerque ao major holandês que comandava uma tropa de pouco mais de 360 homens, seria a entrega de Domingos Fernandes Calabar e do judeu Manuel de Castro, este último servindo aos holandeses nas funções de almoxarife da povoação. Foi Manuel de Castro de imediato condenado pelo Auditor Geral “que o mandou enforcar em um cajueiro”, ficando Calabar para o dia seguinte. Entregue Calabar às forças de Matias de Albuquerque, seu julgamento sumário e sua execução passam a ser descritos com cores fortes e detalhes minuciosos pelo frei Calado, encarregado pelo general de acompanhá-lo nos seus últimos momentos. Prisioneiro Calabar, foi ele submetido a um julgamento sumário, em 22 de julho de 1635, sendo condenado à morte por garroteamento pelo general Matias de Albuquerque na ocasião representando a pessoa do próprio rei, “pois era seu general naquela guerra”, sendo acusado o prisioneiro de “muitos males, agravos, extorsões que havia feito”. Após a sentença foi o condenado assistido pelo frei Manuel Calado que o ouviu em confissão e com ele ficou conversando, “das oito da manhã ao meio-dia”, ocasião em que relacionou os nomes dos seus credores, bem como

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Frei Caneca, o mártir esquecido

Certa vez em visita ao Recife, o então governador de Santa Catarina, Esperidião Amin, desejou conhecer os Montes Guararapes, onde visitou a igreja de Nossa Senhora dos Prazeres, e o monumento em honra ao mártir pernambucano Frei Joaquim do Amor Divino Caneca. O levaram ao Largo das Cinco Pontas, onde se encontra um pequenino busto e o resto de parede com uma lápide em mármore, assinalando o local do seu suplício em 13 de janeiro de 1825. Extasiado, indagou o visitante se era tudo que existia no Recife em memória de tão ilustre liberal, e ao obter a confirmação exclamou irritado: “É muito pouco para um Grande Brasileiro!” Os tempos passaram e nada foi feito para avivar a memória do mártir maior da Confederação do Equador (1824), restringindo-se tudo ao pequenino busto (hoje desaparecido), junto a um resto de muro no qual se encontra afixada uma placa em mármore, com inscrição em letras pretas maiúsculas, ali colocada pelo Instituto Arqueológico e Geográfico Pernambucano na data de 2 de julho de 1917: Neste largo foi espingardeado junto à forca, a 13 de janeiro de 1825, por não haver réu que se prestasse a garroteá-lo, o Patriota Frei Joaquim do Amor Divino Caneca. Republicano de 1817, e a figura mais notável da Confederação do Equador em 1824. Nascido em Fora de Portas, de uma família pobre do Recife, em agosto de 1779, Joaquim do Amor Divino Rabelo entrou para o convento carmelita de sua cidade em 1796. Ordenando-se em 1801, substituiu o seu nome de família pelo apelido dado a seu pai, que tinha a profissão de tanoeiro. Logo se notabilizou pelos seus conhecimentos de retórica e geometria, direito, filosofia racional e moral, com incursões nos estudos da mecânica e cálculo matemático. Foi membro da Academia do Paraíso, e teve participação inflamada no movimento que instalou a República em Pernambuco, em 6 de março de 1817, tendo sido levado preso aos cárceres da Bahia, onde penou por quatro anos, sendo dele esses versos: Não posso cantar meus males Nem a mim mesmo em segredo; É tão cruel o meu fado, Que até de mim tenho medo. Decretada a anistia pelas Cortes Portuguesas, em 1821, voltou frei Caneca ao Recife e, após o episódio da dissolução da Constituinte pelo imperador Pedro I, resolveu fundar o jornal Typhis Pernambucano, principal divulgador das ideias liberais que viriam a ser defendidas pela Confederação do Equador (1824). O jornal circulou entre 25 de dezembro de 1823 e 12 de agosto do ano seguinte, tendo sido impressas 29 edições, transformando-se no ideário dos liberais de então, partidários de Manoel de Carvalho Paes de Andrade. Com a província de Pernambuco invadida pelas tropas imperiais, é proclamada, em 2 de julho de 1824, a Confederação do Equador, movimento separatista de caráter republicano que mais uma vez põe em armas os liberais pernambucanos. Derrotados no Recife, os revoltosos iniciam penosa marcha em direção ao Ceará, episódio narrado com cores fortes pelo próprio Frei Caneca no seu Itinerário. Presos e agrilhoados retornaram ao Recife, onde o frade vem a ser condenado à forca em sentença expedida em 10 de janeiro de 1825. Debalde o Cabido Metropolitano (colegiado de cônegos responsável pela administração da Diocese) comparece em procissão ao Palácio do Governo pedindo a suspensão da pena. Em represália os cônegos negaram-se a desautorar suas ordens tornando nulo, perante o direito canônico, todos os atos que se seguiram. A execução foi marcada para a manhã de 13 de janeiro de 1825. Na prisão mais uma vez escreve versos, despedindo- se dos amigos e das suas filhas, por ele chamadas de “afilhadas das minhas entranhas”, dormira sereno a sua última noite e, na manhã seguinte, marchou com altivez em direção ao patíbulo. Diante de tal cena o inesperado aconteceu: carrascos convocados para execução da pena capital negaram-se executá-la, pouco se importando com as promessas e com os suplícios que lhes foram impostos pela tropa. Diante do impasse foi à pena transformada em execução por espingardeamento, o que aconteceu no Largo das Cinco Pontas, “por não haver réu que se prestasse a garroteá-lo”. Quem passa a vida que eu passo, Não deve a morte temer; Com a morte não se assusta Quem está sempre a morrer. Os seus restos mortais vieram a ser sepultados no Convento do Carmo, em local não determinado, o seu nome, porém, é hoje reverenciado pela grande maioria das capitais do Brasil, onde sempre existe uma Rua Frei Caneca, muito embora continue esquecido na terra que lhe serviu de berço. E observem que foi criada uma Comissão de Notáveis destinada a elaboração das Comemorações dos 200 anos da Revolução Republicana de 1817, instituída com “pompa e circunstância” pelo governador Paulo Câmara! O que fez esta Comissão de Notáveis no transcurso da morte de Frei Caneca, um dos mártires de 1817 e a principal cabeça pensante da Confederação do Equador?

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Frevo mete medo a quem não é do Recife…

*Por Leonardo Dantas Silva (Foto: Frevo na Praca do Diario, por Pierre Verger – 1947) N a visão do escritor Mário Sette, tratava-se apenas do frevo… “O frevo! Um imperativo de loucura, um contágio de desatinos, uma coceira de alegria. Ninguém mais se continha, ninguém mais se governava. Todas as imediações do bairro atravessado pelo buliçoso cordão carnavalesco vibravam ao zumbido fortíssimo do contentamento. Nas ruas mais afastadas o povo parava, ouvia os acordes ásperos da orquestra, orientava-se, e disparava de novo, entre avisando-se: – Vem pelo Pátio do Terço, minha gente!– Vamos esperar ele na esquina da igreja.– Eu vou atalhar no Livramento. Você acredita que este cenário, aqui descrito, pode meter medo em quem não é do Recife? O que, para nós, é apenas o frevo, para quem não é da terra se transforma em sinônimo de pavor quando passistas, endemoniados, tomam conta das ruas. Para o escritor Mário Sette, in Seu Candinho da Farmácia (1933) “era apenas o frevo” que tomava conta das ruas estreitas do bairro de São José, mas para a garota Maria Lia Faria, aquela multidão de homens, empunhando sombrinhas, com os seus corpos suados, pulando ao som de uma fanfarra de metais, tornara-se uma onda que ameaçava quem estivesse no seu trajeto. Recém-chegada do Rio de Janeiro, Maria Lia (que veio a ser mãe do nosso José Paulo Cavalcanti), veio residir no Parque Treze de Maio e, no seu primeiro Carnaval, em 1939, se viu diante de um clube carnavalesco pedestre, trazendo sua fanfarra a executar agudas notas, acompanhada de uma percussão que levava a multidão à loucura… Aquela onda de homens a pular contritos, no ruge-ruge de corpos, sisudos e circunspectos, acompanhando os agudos acordes dos trombones e trompetes, causou espanto, seguido de medo e pavor, naquela adolescente que tentava se aclimatar aos costumes de sua nova cidade. Tal não foi a surpresa quando, naquele mesmo Carnaval, ao adentrar-se nos salões do Clube Internacional constatou que no Recife a festa tinha outras características. Poucos pares enlaçados, como era comum no Rio de Janeiro e em outras capitais, mas muita gente pulando ao som do frevo da Orquestra de Nelson Ferreira, não com a violência que acontecia nas ruas, “coisa de doido de cabra assanhado”, mas moderadamente, comportadamente, a cantar a plenos pulmões as marchas românticas compostas por Capiba, Irmãos Valença e outros mais. Neste mesmo Carnaval, a Maria Lia vem a conhecer, também, o Maracatu Elefante a desfilar pelas ruas, ao som dos seus bombos e atabaques, que lhes trouxe de volta às melodias que aprendera a cantar na cozinha de sua casa do Rio de Janeiro, quando as empregadas entoavam loas dos terreiros de candomblé. Naquele balanço, naquele gingado, a menina se sentiu em casa; “na sua praia”, como se diz em nossos dias…

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Praça da República, o campo dos mártires de 1817

*Por Leonardo Dantas Silva Quem contempla a Praça da República nos dias atuais, com seus jardins bem conservados projetados por Roberto Burle Marx (1909-1994), cercada de monumentos como o Palácio do Governo (1841), o Teatro de Santa Isabel (1850), o Liceu de Artes e Ofícios (1880), o Palácio da Justiça (1930) e o prédio da Secretaria da Fazenda (1944), mal desconfia que o seu solo encontra-se embebido pelo sangue de oito mártires pernambucanos que deram as suas vidas pela causa da liberdade quando do Movimento Republicano de 1817. No dizer de Manuel de Oliveira Lima foi a Revolução Republicana de seis de março de 1817: “A única revolução brasileira digna desse nome e credora de entusiasmo pela feição idealista que a distinguiu e lhe dá foros de ensinamento cívico, e pela realização prática que por algum, embora pouco, tempo lhe coube. Eu lhe disse uma vez que foi instrutivo pelas correntes de opinião que no seu seio se desenharam, atraente pelas peripécias, simpática pelos caracteres e tocante pelo desenlace. Foi um movimento a um tempo demolidor e construtor, como nenhum outro entre nós e como nenhuma outra em grau superior, na América espanhola.” No século 17 a área da atual Praça da República era tomada pelo Palácio de Friburgo, também conhecido como Palácio das Torres (uma ocupada por um observatório astronômico e a outra por um farol), construído entre 1640 e 1642 pelo conde João Maurício de Nassau-Siegen, governador do Brasil Holandês, que implantou nos seus jardins o primeiro Zoobotânico do continente americano. No início do século 19, a atual Praça da República era chamada de Largo do Erário, local que serviu de cenário a solenidade da benção das Bandeiras dos Revolucionários de 1817, ocorrida na data de 3 de abril daquele ano. Um século depois voltou este pavilhão azul e branco, a tremular em nossos céus, transformado que foi em bandeira oficial do Estado de Pernambuco (1917). O mesmo local fora também chamado de Campo da Honra, em memória dos oito mártires pernambucanos que pagaram com suas vidas pela participação naquele movimento de independência do Brasil.Em 8 de julho de 1817, foram ali enforcados os capitães Domingos Teotônio Jorge Martins Pessoa e José de Barros Lima (o Leão Coroado), e o padre Pedro de Sousa Tenório. Além desses, foram também imolados os mártires Antônio Henrique Rabelo, Amaro Coutinho, José Peregrino Xavier de Carvalho, Inácio de Albuquerque Maranhão e o padre Antônio Pereira de Albuquerque. Os corpos desses condenados, depois de executados, eram esquartejados e, com suas cabeças separadas dos corpos e as mãos decepadas, para servir de exposição à curiosidade popular nos locais onde teriam feito sua pregação revolucionária.Em memória dos Mártires da República de Pernambuco de 1817, foi erigido um monumento em bronze, de autoria do escultor Abelardo da Hora (1924-2014). O conjunto foi inaugurado em 1987 pelo Governo de Pernambuco, atendendo à sugestão do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano, na alameda em frente ao Palácio da Justiça. No lado contrário, da mesma alameda, em frente ao Palácio do Governo, encontra-se a estátua em meio corpo do conde alemão João Maurício de Nassau-Siegen (1604-1679), governador do Brasil Holandês (1637–1644), responsável pelo primeiro plano urbanístico desta ilha de Santo Antônio, na qual fez erguer a Cidade Maurícia. Inaugurado em 17 de junho de 2004, por ocasião do quarto centenário de nascimento do conde alemão João Maurício (1604-1679, o monumento em bronze foi presenteado pela República Federal da Alemanha ao povo de Pernambuco. Trata-se de réplica da escultura original, produzida por Bartholomeu Eggers (c.1630-1692) no ano de 1664, e que atualmente se encontra sob o túmulo de João Maurício de Nassau na cidade alemã de Siegen. Cruzando a Praça da República por entre seus jardins, encontraremos outras estátuas de procedência francesa, em ferro fundido, representando divindades clássicas: Juno, Diana, Ceres, Flora, Minerva, Níobe, Vesta e Têmis. Os postes de iluminação estão decorados com esculturas das Três Graças, filhas de Vênus – Eufrosina (Alegria), Tália (Verdejante), Agláia (Esplendor), sustentadas por igual número de anjos, em notável trabalho de fundição em ferro.Um conjunto de palmeiras imperiais (Roystonea oleracea) e de cinco tamareiras (Proenix dactylífera) circunda o lago com sua fonte luminosa. No extremo leste, ao centro do jardim, uma estátua do conde da Boa Vista em bronze, assinada por Félix Charpentier, lembra aos passantes a figura deste Grande de Pernambuco: Francisco do Rego Barros, barão, visconde e depois conde da Boa Vista, nascido no Cabo de Santo Agostinho, em 1802, e falecido no Recife em 1870, responsável pela construção do Teatro de Santa Isabel e do atual Palácio do Governo. No mesmo jardim, uma estátua pedestre do poeta Augusto dos Anjos, o autor dos versos à ponte Buarque de Macedo, aparece ao nível da grama. Ainda na Praça da República, também de Campo das Princesas (1858), plantada em frente ao Palácio do Governo, uma grande árvore desperta a atenção dos visitantes. Trata-se de um baobá centenário (Adansonia digitata), árvore sagrada do Senegal, imortalizada por Antoine de Saint Exupéry em seu O pequeno príncipe e exaltada em versos pelo poeta João Cabral de Melo Neto:Recife. Campo das Princesas.Lá tropecei com um baobácrescido em frente das janelasdo Governador que sempre hádo Governador que sempre há. (Publicado originalmente em 17 de março de 2017 na Revista Algomis)

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A história do primeiro frade negro

*Por Leonardo Dantas Silva Nasceu em 1609, de origem humilde, era conhecido pelo apelido de Pretinho. Com a invasão holandesa, em janeiro de 1630, logo apresentou-se ao comandante Henrique Dias (falecido em 1662), passando a integrar os exércitos nativos que, durante cinco anos fizeram parte as resistência luso-brasileira do Arraial do Bom Jesus. Durante 24 anos serviu à sua Pátria, pelejando ao lado dos guerreiros comandados pelo Governador dos Crioulos, Negros e Mulatos do Brasil, e, após a rendição de 26 de janeiro de 1654, resolveu ingressar na Ordem Franciscana dos Frades Menores no Convento de Nossa Senhora das Neves de Olinda. Não consta a data do seu ingresso no Convento Franciscano de Olinda, mas, segundo Frei Antônio de Santa Maria Jaboatão (1695- 1769) era a ele atribuída uma vida religiosa, cuidando dos serviços interiores da casa, “de muita abstinência e sumamente caritativo”. Por mais que se dedicasse aos deveres da ordem, o frei Francisco de Santo Antônio, não conseguia sua promoção ao sacerdócio por conta de sua cor, sendo debalde todos os seus pleitos junto os seus superiores. O acidente da cor, como se atribuía na época, era causa impeditiva da conquista do sacramento da ordem sacerdotal. Vendo que todos os seus esforços seriam inúteis em Pernambuco, embarcou para Portugal com o objetivo de levar o seu desejo ao conhecimento do monarca D. Pedro II (1648-1706). Depois de suportar muitas grosserias das figuras da Corte, o Frei Pretinho, como era conhecido, consegue ser recebido pelo rei e, entre lágrimas de júbilo e agradecimento, recebe a ordem real determinando o seu ingresso no Noviciado do Convento Franciscano de Olinda, em 2 de agosto de 1689, quando contava com a idade de 80 anos. Seis anos depois, em data de 1º de agosto de 1695, celebra ele a sua primeira missa, no próprio Convento Franciscano de Olinda, mas vem falecer completando seu dilatado curso de vida gozando da fama de virtuoso e de santidade. Falecera Frei Francisco de Santo Antônio, com a idade de 86 anos, tornando-se, além de herói do Terço dos Henriques, o primeiro afrodescendente admitido como irmão professo no Brasil. Comenta Francisco Augusto Pereira da Costa: “Ele suportou heroicamente toda a oposição que lhe moveram, todos os embaraços que se lhes apresentaram, mas viu coroados os seus intentos, e viu triunfar a causa da igualdade e da fraternidade, e despeito dos prejuízos da época, dessa desigualdade que se procurou manter nas ordens religiosas”

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Bárbara de Alencar, a protomártir da Independência

Bárbara Pereira de Alencar, pernambucana, nascida no Exu, na Fazenda Caiçara, em 11 de fevereiro de 1760, e falecida em Fronteiras (PI) no dia18 de agosto de 1832, foi a primeira prisioneira política da história do Brasil e, por sua participação ativa na República Pernambucana de 1817, tornou-se protomártir da Independência do Brasil. Casando-se aos 22 anos, transferiu-se para o Crato, no sul do Ceará. Foi mãe de cinco filhos; dois deles, José Martiniano de Alencar e Carlos José dos Santos, foram estudar no Seminário de Olinda; onde vieram se inteirar das ideias do liberalismo europeu do Século 17, fundamentos do ideário da República de Pernambuco de 1817. Comerciante no Ceará, Dona Bárbara teve papel ativo na divulgação da ideologia liberal que deu causa ao movimento revolucionário, como se depreende da carta do sábio naturalista Manuel Arruda da Câmara (1752-1810), endereçada ao padre João Ribeiro Pessoa de Melo Montenegro, datada de 2 de outubro de 1810, na qual o sábio naturalista a trata por “heroína”: “viúva dos Sertões de Pernambuco, mas domiciliada na Vila do Crato do Ceará”. Com a Proclamação da República de Pernambuco de 1817, dona Bárbara Pereira de Alencar, proclamou a República do Crato, que teve a duração de oito dias. Na repressão à República do Crato, pelas forças imperiais, a família teve confiscados todos os seus bens, documentos e papéis, sendo sua matriarca presa e recolhida, em um poço no Quartel de 1ª Linha, entre a Fortaleza de Nossa Senhora de Assunção e a Cadeia do Crime (depois Cadeia Pública). De lá, saiu para as prisões do Recife e posteriormente da Bahia. Foi a única mulher recolhida à Cadeia da Bahia, quando da Devassa dos Revolucionários de 1817, tendo sido pronunciada em 13 de setembro de 1818, intimada em 30 de setembro de 1819, incluída no Perdão das Cortes de Lisboa em 6 de fevereiro de 1818 e liberada em 30 de setembro de 1819. Assim, Dona Bárbara Pereira de Alencar tornou-se a primeira mulher, prisioneira política do Brasil. Quando da sua prisão em um poço, na Fortaleza de Assunção, onde mal podia permanecer em pé, “conta-se que gritava desesperadamente, dias e dias a fio”, ainda hoje o local é assinalado com a inscrição: “Aqui gemeu Bárbara Pereira de Alencar sob a tirania do Governador Sampaio”. Ao ser enviada para a prisão da Bahia, foi vestida com um camisolão, vestimenta igual à da sua escrava que a acompanhava, mas ao subir no navio uma negra na multidão, que olhava o embarque dos prisioneiros, jogou um chalé para que se cobrisse. Seu filho, o padre José Martiniano de Alencar ganhou notoriedade política, sendo eleito deputado pelo Brasil junto às Cortes de Lisboa (1820); seu outro filho, Tristão Gonçalves Araripe, que veio a ser nomeado Presidente do Ceará, veio a ser morto em combate com as forças imperiais em 30 de outubro de 1825. Dona Bárbara Pereira de Alencar, morreu depois de várias peregrinações em fuga da perseguição política em 1832 na cidade piauiense de Fronteiras, mas foi sepultada em Campos Sales, no Ceará. Seu túmulo encontra-se em processo de tombamento. Quando das Comemorações do Bicentenário da Independência do Brasil, o seu nome permaneceu no esquecimento pelo Canal History (que produziu uma série sobre as mulheres e a Independência, mas não citou Bárbara de Alencar) e pela própria Academia Brasileira de Letras, em seus vários pronunciamentos.

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Conheça a história do jesuíta Manuel de Morais: o padre traidor

Para algumas fontes holandesas, uma das grandes perdas para as forças luso-brasileiras foi a passagem para o lado dos invasores do jesuíta paulista Manuel de Moraes, quando da tomada da Paraíba em 30 de dezembro de 1634, pelas tropas comandadas pelo coronel Chrestofle d’Artischau Arciszewski, segundo assim descreve o autor das Memórias Diárias: “O padre Manuel de Moraes com um lenço em um pau foi render- -se ao inimigo, tão esquecido das obrigações de sua profissão, que a este juntou o maior, que foi casar-se depois em Amsterdã, sendo sacerdote e pregador apostólico, e abraçar a seita de Calvino!” Era esse jesuíta um grande conhecedor da língua dos indígenas, revelando-se posteriormente autor do Dicionário da Língua Tupi e de História da América, cujos originais receberam mais tarde elogios do filólogo Hugo de Groot. Exercia papel da maior importância entre as forças da resistência, como comandante das milícias indígenas a quem ensinara as técnicas da guerra de guerrilhas. Dele testemunhava, em 1631, Matias de Albuquerque: “pelejava com tão notável zelo e ardis como se fora sua profissão a guerra e milícia”. Por sua vez, era visto por fontes holandesas na Paraíba para onde se transferiu, como “a maior autoridade sobre todos os selvagens daquela região”. Mestiço, descrito por uns como mulato e por outros como mameluco, ele vivia há sete anos entre os indígenas e, mais recentemente, se encontrava empenhado em ministrar táticas de guerra volante. Dentre os seus aplicados alunos figurava o futuro herói da restauração e futuro dom, Antônio Filipe Camarão, que vem a ser seu sucessor no comando daqueles batalhões. Constrangido por ter perdido a função de capitão geral dos índios para o seu aluno Antônio Filipe Camarão, o padre Manuel de Moraes aproveitou a rendição da Paraíba para aderir à causa dos holandeses, renunciando sua fé católica e tornando-se um pregador luterano. Caindo nas boas graças do comandante Arciszewski, o padre ganhou notoriedade ao renunciar à teologia católica, tomando-se de paixão pelos ensinamentos da igreja reformada. Sua inesperada adesão, logo se transformou em propaganda da igreja reformada: “Padre torna-se protestante”. Foi o padre Manuel de Moraes de logo enviado aos Países Baixos a fim de melhor aprimorar seus estudos teológicos. Na Holanda, logo aprendeu a língua local e em pouco tempo veio a casar-se com a jovem Margaretha van der Heide, irmã do mestre dos pesos de Gelderland. Fixando moradia em Amsterdã, transformou-se de guerrilheiro em pregador devotado, conhecido por suas preleções nos púlpitos dos templos contra a doutrina e dogmas da igreja católica romana. Ainda nesta cidade escreve alguns textos científicos e, por causa do falecimento de sua mulher, transfere-se para Leiden onde se matricula na universidade local em 27 de julho de 1640, apresentando-se como Lusitanius Licenteatus Theologiae. Nesta cidade ele tenta a publicação do seu Dicionário da língua Tupi e de sua História da América. Sua vida afetiva, porém, toma novas cores quando do seu casamento com a jovem Anna Smits, uma das mais belas jovens de Leiden, que logo se tornou enfeitiçada pelo seu charme de mulato brasileiro. Apesar de sua aparência de homem “feio, preto, cara de chim”, segundo depoimento de Dona Anna Paes, “veio ele a se casar na Holanda com uma das moças mais formosas do país”. O segundo casamento, ao que parece, pouco durou, pois o padre apóstata se transfere para Amsterdã e lá tem um encontro secreto com o Núncio Apostólico, junto ao Reino dos Países Baixos, “onde se mostrou arrependido de sua escapada protestante e confessou seus pecados ao representante do papa que lhe deu absolvição”. Deixando na Holanda mulher e filhos, bem como amigos de prestígio como o historiador Jan de Laet, que tece elogios a sua inteligência, o padre Manuel de Moraes volta a sua terra a fim de explorar o corte de pau-brasil em área que lhe fora arrendada pela Companhia. Após algum tempo, João Fernandes Vieira, sabedor do retorno do padre apóstata o manda prender e logo que este chega à sua presença é acometido de grande arrependimento: “prostrou-se aos seus pés e com copiosas lágrimas, que lhe corriam sem cessar, lhe pediu encarecidamente que lhe desse uma palavra em seu aposento, com mostras de grande arrependimento, para que fosse um de seus soldados e assim se eximir do castigo que temia”. Abandonando a causa dos flamengos, tornou o padre aos exércitos dos insurrectos servindo com ardor, ao lado de João Fernandes Vieira, à causa da Insurreição Pernambucana, sendo o seu nome anotado por Diogo Lopes Santiago quando da batalha dos Montes das Tabocas, na qual participou exortando os soldados e rezando em voz alta suas orações, até a vitória final em três de agosto de 1645. Após o sucesso das tropas insurrectas em Tabocas e Casa Forte, foi o padre Manuel de Moraes enviado por João Fernandes Vieira à Lisboa, com a missão de narrar a D. João IV os feitos obtidos pelos exércitos da terra contra os holandeses. Durante essa temporada foi ele preso pela Inquisição de Lisboa e ali respondeu a processo, cujo teor vem a ser publicado na Revista do Instituto Histórico Brasileiro (v. LXX, Rio de Janeiro 1908). Da leitura de suas páginas se depreende que o religioso apresentou a seu favor “um perdão do Papa para sua apostasia ao catolicismo”, assegurando em seu depoimento “ter sido ele o único jesuíta preso a quem as autoridades nos Países Baixos haviam proibido de regressar ao Brasil, por temerem que levantasse o gentio contra o governo do Recife”.

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