A reforma tributária, segundo Gustavo Cavalcanti Costa, advogado e sócio do escritório Cavalcanti Costa Advogados, seria uma excelente oportunidade para reconstruir o pacto federativo. Seria a chance de não só descentralizar recursos e distribuir poderes, mas, também, de refundar o projeto federativo nacional com o propósito de dinamizar as livres trocas econômicas de bens e serviços no continental mercado comum brasileiro. Infelizmente, porém, na análise de Costa, que é mestre em direito tributário internacional pela Queen Mary, Universidade de Londres, tal objetivo não será alcançado no fatiamento da reforma proposta pelo ministro Paulo Guedes, e corre o risco de ser distorcido pelos projetos elaborados pela Câmara e pelo Senado. O motivo? Não há um esforço conjunto visando ao benefício do País como um todo. “Cada um quer um IVA (imposto de valor agregado) pra chamar de seu”, constata o advogado. Nesta entrevista a Cláudia Santos, Gustavo Costa, que é ex-auditor da Sefaz/PE e, atualmente, colabora como vice-presidente da Comissão de Estudos Tributários do IAP (Instituto dos Advogados de Pernambuco), analisa a realidade tributária do País e repudia a retomada do debate sobre um imposto sobre transações financeiras neste momento. Quais os principais entraves proporcionados pelo atual sistema tributário ao setor produtivo? Vamos começar com um pouco de perspectiva: o relatório anual do Banco Mundial sobre ranking de competitividade entre os países (Doing Business, 2020) destaca o Brasil na 124ª posição entre 190 economias comparadas. O nosso indicador tributário é pior deles, colocando-nos na 184a posição. Ou seja, nossas empresas competem na última divisão, vendendo produtos caros e com uma alta carga de tributos, custos de transação e controles embutidos nos preços, em um efeito cascata direto e indireto nas cadeias produtivas. Sequer sabemos o quanto pagamos na ponta, o que por si só revela uma curiosa tolerância com nosso déficit de cidadania tributária. Essa não é uma obra do acaso: durante todo Século 20, e até agora, houve considerável esforço de acomodação e improvisos entre os atores responsáveis por criar um sincrético modelo de tributação sobre o consumo de bens e serviços, jogando as suas muitas distorções embaixo do tapete. São muitos os entraves derivados desse modelo exótico, mas tudo começa com nossa enorme dificuldade de assimilar a ideia e as vantagens de uma federação, que na sua origem etimológica, carrega o sentido de pacto (foedus), ou seja, união de interesses para um objetivo comum. Pacto não apenas para descentralizar e dividir poderes, mas principalmente para integrar e promover dinamismo econômico ao espaço federativo. Desperdiçamos a enorme vantagem de ter um espaço territorial continental e um bloco econômico federativo de potenciais 210 milhões de consumidores, desintegrando, desarmonizando e fracionando nosso modelo de tributação sobre o consumo. Os bens e serviços não circulam livremente na federação brasileira. Ela está repleta de barreiras tributárias. Há mais de 30 anos o Congresso debate a reforma tributá ria. Por que é tão difícil aprová-la? O senhor acredita que a pandemia pode acelerar a sua aprovação? Por quê? A pandemia desperta maior senso de urgência e a aprovação de uma reforma tributária constitucional nunca esteve tão perto. Todavia, é necessário muito cuidado para que o açodamento não comprometa a clareza do debate e distraia a origem das questões centrais, inclusive os muitos detalhes dos interesses ocultos, não raro escondidos nos textos. Não pode ser uma reforma tributária para conservar os mesmos interesses e distorções com uma roupagem jurídica nova. Muito menos para gerar caixa para combater os efeitos fiscais imediatos da pandemia. É preciso não apenas eliminar o atual modelo de tributação sobre o consumo, mas a sua obra. Se o Congresso debate a reforma tributária há mais de 30 anos é porque o consenso entre os atores políticos é dificílimo, e envolve nova acomodação no balanço de interesses federativos entre União, estados e municípios, em nível vertical e horizontal. Isto é, um novo pacto federativo para remodelar, por completo, a tributação sobre o consumo em outras bases políticas e com objetivos distintos, voltados à integração e dinamismo do mercado brasileiro de bens e serviços. Sempre fico intrigado quando vejo ser vendida a reforma com a premissa de que deve ser “neutra” para ninguém perder. Se o consenso pretendido for para conservar os mesmos interesses e distorções federativas na mesma situação, os grandes perdedores mais uma vez seremos nós, os contribuintes. Uma boa reforma tributária pode trazer um ganha-ganha na base tributária e na federação, mesmo com redução de alíquotas. O ministro Paulo Guedes apresentou um projeto que propõe a troca do PIS e da Cofins por uma nova contribuição, a CBS, com uma alíquota única de 12%, com o intuito de eliminar o efeito cascata dos impostos. Mas tributaristas criticam o projeto afirmando que ele pode até beneficiar o setor industrial, que possui várias etapas de produção, mas não o setor de serviços, principalmente as pequenas empresas, formadas apenas por mão de obra, que antes pagavam de 3,5% a 9,5% de imposto e vão passar a pagar 12%. O senhor concorda? Sim, concordo, mas não pelas razões apresentadas. O projeto de Paulo Guedes sinaliza para avanços técnicos importantes sobre os atuais entraves do modelo de tributação sobre o consumo. Um deles é o destaque do tributo por fora do preço, permitindo sua transparência, um avanço enorme do ponto de vista da cidadania tributária. Por sua vez, a possibilidade de creditamento largo de insumos também aponta para redução do efeito cascata, inclusive nos serviços, cuja cadeia produtiva é integrada num ciclo muito maior do que apenas a mão de obra utilizada, que não gera crédito. A própria alíquota nominal geral proposta (12%) incidiria sobre uma base de valor agregado que ainda não conhecemos e temos dificuldade de projetar, tamanho é o grau de opacidade sobre o quanto de tributos incide na atual formação dos preços dos bens e serviços brasileiros. A alíquota real pode e deve ser muito menor e, de alguma maneira, todos esses problemas apontados também estão nas duas PECs em tramitação no Congresso. O problema maior da proposta não é técnico ou de definição