"O Recife precisa saber que o hub consular existe"
Isabella de Roldão é a primeira mulher eleita a ocupar o cargo de vice-prefeita do Recife e tem levado para campo político discussões sobre as dificuldades enfrentadas pela população feminina. Ela tem afirmado que a busca de soluções para a desigualdade de gênero passa, necessariamente, pela visibilização e valorização da chamada economia do cuidado. Isabella também tem se aproximado dos consulados presentes no Recife, cujo número só perde para São Paulo. Nesta conversa com Cláudia Santos, a vice-prefeita detalha as ações em prol de uma maior participação das mulheres no mercado de trabalho e as negociações com o hub consular para consolidar iniciativas de cooperação em diversas áreas. Como a senhora analisa a participação das mulheres na política brasileira e, especialmente, em Pernambuco? A avaliação que faço é um caminho crescente. A participação é ainda aquém do esperado, da potência de quantidade existente de mulheres com mentes pensantes, brilhantes, inquietas. Acredito que temos potencial para expandir mas os impedimentos da vida doméstica e pessoal para a vida profissional – na política, principalmente – são gritantes. A dificuldade a gente sente na pele quando ousa dizer sim à vida pública. E, nesse processo, vemos como é difícil, mesmo, para as mulheres terem esse espaço porque não nos é permitido. Até pelo horário de compromissos, das exigências que são feitos para o universo masculino. A senhora poderia detalhar melhor porque existem tão poucas mulheres na política? Eu tenho trazido muito à tona a temática da economia do cuidado que é uma coisa que a gente precisa descortinar. Para se compreender o que é a economia do cuidado, vou dar um exemplo: por que na Europa as pessoas não decidem casar tão cedo? Às vezes moram juntos, se separam, mas ninguém tem essa ansiedade, essa relação de namoros longos, noivar, casar e, logo depois, os filhos. A vida a dois, a vida doméstica é compartilhada. Ainda que as dificuldades que as mulheres europeias enfrentam, em tese, sejam muitos similares em decorrência da gestação, do parto e da amamentação, há uma parceria com o marido. No Brasil, especificamente no Nordeste, as exigências são grandes: você começa a namorar, perguntam logo quando você vai ficar noiva, aí quando você noiva, perguntam: “vai casar quando?” Quando você casa: “Vai ter filho quando? E quando é que vem o segundo? Ah! vieram dois meninos, e não vai tentar um terceiro pra ver se vem uma menina?” Então, é sempre muita exigência e eu tenho uma tese: essa exigência existe porque o cuidado doméstico está restrito à mulher. O ônus recai sobre a gente; é a tal história: “quem pariu Mateus que o embale.” A economia do cuidado é invisibilizada, ninguém discute as mais de 70 horas semanais que uma mulher em período de amamentação passa exclusivamente com o bebê no peito. Não estou aqui contando hora de botar para arrotar, de trocar fralda, de dar banho, de botar para dormir. Durante o período de aleitamento materno, preconizado pela OMS de seis meses, são mais de 650 horas só exclusivamente no peito. Fora essa mulher fazer comida e, quando volta a trabalhar, assumir os trabalhos fora e dentro de casa. A economia do cuidado precisa inicialmente ser materializada, ser identificada e ser, acima de tudo, monetizada. Uma mulher que casa e faz a opção junto com o marido de ficar mais em casa com o trabalho doméstico do que com o trabalho externo, quando há uma briga conjugal sobre dinheiro, a primeira coisa que o homem faz é bater no peito e dizer: “quem paga as contas sou eu, quem sustenta a casa sou eu e você tem que comprar o que eu quero e fazer o que eu mando”. Ou seja: nada do que essa mulher faz na casa é contabilizado. Aí eu pergunto a você: como é que a gente vai dizer para mais mulheres entrarem na política se o ônus desse cuidado continua sobre as nossas costas? Há um desafio para nós, mulheres: precisamos aprender a enxergar o nosso limite. Uma coisa básica: eu preciso fazer depilação. Homem não se depila e, no universo político, trabalha-se de segunda a segunda, de 6 horas da manhã até a meia-noite, se for preciso. E a gente precisa dizer: espera aí, mas eu tenho o meu tempo, eu preciso fazer a minha depilação, preciso ficar com meu filho, ter meu tempo de descanso e não entrar nesse embalo que masculiniza. E acho que até para os homens é ruim também porque robotiza. Temos necessidade de comer e dormir, descansar, amar, ler um livro, um dolce far niente, um ócio produtivo. A gente precisa dizer: eu sou um trator trabalhando mas preciso do meu tempo. Diante dessa realidade, quais as suas propostas para ajudar a reverter essa situação? Há um dado gritante: 42% das mulheres em idade produtiva estão fora do mercado de trabalho por causa desses cuidados domésticos que são tão restritos a esse ser mulher. Por isso, normatizou-se contratar homens – porque as mulheres engravidam – e se convencionou que as mulheres devem ficar em casa. O importante é falar, é trazer à tona essas questões. Esse espaço que ocupo hoje, democraticamente escolhido numa chapa construída a muitas mãos, é um espaço de abrir caminhos, de reafirmação para as meninas e para as mulheres de que, de fato, a gente pode seguir adiante mesmo com as dificuldades. Temos construído algumas coisas que são frutos dessas provocações. Por exemplo, você deve saber que embora tenhamos o nosso Porto Digital super mega equipado e visionário, enxergado pelo mundo todo como referência, temos, porém, um déficit de mulheres na área de TI. Apenas 15% de mulheres ocupam os espaços de tecnologia. Então, estamos estabelecendo parcerias junto com consulados para capacitarmos as mulheres para a área de TI, se for do desejo e da habilidade delas, contanto que a gente diga: isso não é um espaço só para homem, é para quem quiser. Um exemplo concreto de uma política pública que já foi sancionada, já é lei, é o Crédito Popular, que prioritariamente
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