"O fator de risco mais prevalente relacionado à demência no Brasil é a baixa escolaridade"
Carla Nubia, Diretora da Abraz (Associação Brasileira de Alzheimer) analisa a pesquisa da entidade sobre o panorama da demência no País. Ela ressalta a importância do controle dos fatores de risco que desencadeiam a doença e necessidade de seus sintomas serem mais conhecidos pela população e profissionais de saúde. A doença de Alzheimer apresenta 12 fatores de risco modificáveis, isto é, que podem ser controlados, entre eles: o grau de instrução, a perda de audição e a hipertensão. Se a população brasileira pudesse controlar todos os fatores, haveria uma redução de 48,2% dos casos de demência no Brasil. A diminuição seria de até 54% nas regiões mais pobres do País. Os dados fazem parte de um compilado de vários estudos divulgado no 1º Big Data Abraz, realizado no Hospital Albert Einstein em São Paulo. A geriatra pernambucana Carla Nubia Nunes Borges, diretora científica nacional da Abraz (Associação Brasileira de Alzheimer), conversou com Cláudia Santos sobre a pesquisa, que revelou ser a baixa escolaridade o fator de risco para a demência mais comum no Brasil. Ela também falou das dificuldades relacionadas ao diagnóstico da doença, por ser desconhecida da população e até dos médicos. “Sessenta e dois por cento dos profissionais de saúde em todo o mundo ainda acham que demência é algo normal do envelhecimento”, destaca a geriatra. Como surge a Doença de Alzheimer? A Doença de Alzheimer está associada à alteração de duas proteínas: a proteína chamada beta-amiloide que formam placas amiloides extracelulares que matam os neurônios, e a alteração da proteína TAU intracelular, os chamados emaranhados neurofibrilares, que também levam à morte neuronal. Essas duas alterações começam principalmente no centro do cérebro, onde está o hipocampo que é área da memória. Por isso que os primeiros sinais e sintomas estão relacionados a essa área. Depois, outras áreas do cérebro vão sendo atingidas. Trata-se de uma doença muito inflamatória, que tem várias causas e vários fatores de risco podem ajudar a desencadeá-la como obesidade, hipertensão, diabetes, sedentarismo, uso de álcool e drogas, déficit auditivo, distúrbios do sono, baixa escolaridade. Cada vez mais está clara a interferência dos fatores de risco. É uma doença que para evitá-la você tem que cuidar da saúde como um todo. Mas isso não quer dizer que se você adotar todas essas medidas saudáveis não vá desenvolver a Doença de Alzheimer. Mas, ao cuidar da saúde, você pode até retardar o aparecimento da doença, embora se ela estiver codificada geneticamente, você vai desenvolvê-la. Porém, cuidando bem da saúde você aumenta sua reserva cognitiva, funcional, muscular, sua saúde mental, para, se aparecer a doença, você enfrentar de maneira diferente, por ter um organismo mais bem cuidado, com mais reservas funcionais e isso é um diferencial muito grande. Qual a importância da dieta mediterrânea como medida preventiva? Ela é um dos pilares da prevenção, mas, sozinha, ela não vai prevenir. Se você só faz a dieta, mas fuma, não faz atividade física, não estuda, não trabalha sua saúde mental, só a alimentação não vai adiantar. E existem várias dietas que são preconizadas, porém a que a gente mais indica é a do Mediterrâneo (baseada em azeite, em frutas, verduras, oleaginosas, peixes) por ser rica em ômega 3 e em várias substâncias que fazem parte da bainha de mielina que é a membrana que envolve os neurônios. Essa dieta tem um poder anti-inflamatório a nível cerebral e, consequentemente, menos ativação da micróglia que são células cerebrais ativadas no processo inflamatório. Essa ativação persistente inflamatória leva ao desencadeamento da formação de placas amiloides. Quais os principais desafios relacionados à doença de Alzheimer? Uma pesquisa mundial com vários centros mostrou que uma a cada três pessoas não sabe o que é demência, mas a cada três segundos alguém é diagnosticado com Alzheimer no mundo. Muitos pensam que demência é algo normal. Então, o grande desafio é o diagnóstico precoce porque há um desconhecimento. As famílias das pessoas com Alzheimer não valorizam muitas vezes os sintomas porque nem sempre a doença começa pela memória, pode começar com alteração de comportamento ou funcional, ou seja, aquela atividade que a pessoa fazia de forma corriqueira passa a não fazer mais. Pode ser algo como fazer um bolo, em que se coloca o ovo, o leite, a farinha. Aí, a pessoa começa a não botar o ovo ou o leite, ela pula etapas. Um grande executivo que tem reunião, tem documentos para entregar, pode começar a faltar reuniões, a não conseguir fazer entregas. A pessoa começa a perder a sequência lógica de como realizar ações rotineiras. No aspecto comportamento, a pessoa pode chorar com facilidade ou dizer que a estão perseguindo, que está sendo roubada, além de ficar irritada, gritando do nada, ou ficar muita apática, totalmente sem energia. Os três grandes pilares da doença são: alteração de memória (esquecimento principalmente de coisas recentes e o passado fica mantido), alteração de comportamento e alteração de funcionalidade. Um dado muito interessante é que os familiares começam a encontrar justificativas para esses comportamentos, como por exemplo: “ah, mamãe está assim porque o neto se casou”, “papai está esquecido porque deixou de trabalhar”. Isso é um erro que pode retardar um diagnóstico precoce. Esquecimento é normal em qualquer idade, a criança esqueceu o presente da professora, adultos esquecem reuniões, documentos. Isso pode estar atrelado a cansaço, sono, estresse, momentos ruins. Mas aquele esquecimento que é repetido e, principalmente, quando vem associado a alterações comportamentais, esse requer procurar ajuda médica. O que é preciso fazer para reverter essa falta de conhecimento sobre a doença? É preciso sensibilizar a população para, ao surgirem os primeiros sinais e sintomas, procurar um profissional. Também sensibilizar os profissionais para perceberem que aquilo não é só uma tristeza, mas pode se tratar de uma demência, e sensibilizar a sociedade política civil para colocar mais frentes de profissionais que lidam com as demências: neurologistas, geriátricas e psiquiatras. É muito difícil pelo SUS você conseguir um psiquiatra ou geriatra porque há poucos trabalhando no sistema. Por isso precisamos sensibilizar os profissionais como um todo.