Considerados um dos mais renomados clínicos de Pernambuco, Oscar Coutinho cultiva uma outra atividade que talvez poucos pacientes seus conheçam: é um assíduo jogador de futebol. É tão assíduo que este ano ele e seu grupo de amigos com quem pratica o esporte bretão vão comemorar 60 anos de pelada em maio, um marco que ele já tentou até figurar no Guiness. Criada pela iniciativa de dois ícones da medicina pernambucana, Ciro de Andrade Lima e Rostand Paraíso, que convidaram alguns alunos seus para bater uma bola – entre eles Coutinho – a pelada hoje conta com novos integrantes, mas nunca foi interrompida nestas seis décadas. E talvez seja esse o motivo da boa forma de Oscar Coutinho em plenos 82 anos. Nesta conversa com Cláudia Santos, o clínico conta detalhes dessa longeva pelada, fala da sua vivência como médico durante a fase mais crítica da Covid-19, elogia as vacinas, analisa o aumento dos casos de depressão e insônia e afirma que as fake news talvez sejam pior que o próprio coronavírus e que a teleconsulta veio para ficar. Confira a entrevista a seguir. Como foi sua experiência como clínico ao atender casos de Covid-19? A Covid foi um aprendizado desde o início porque foi uma doença nova. Já tínhamos convivido com o coronavírus, mas o que causa a Covid-19 foi diferente. Não foi só a ignorância do médico em lidar com ele, nem apenas pelos falsos remédios, como a cloroquina e similares, mas nunca a categoria médica do mundo imaginou a violência e a gravidade das primeiras variantes, a Alfa, a Beta, a Delta, que matavam mais e causavam mais complicações. Mas, o vírus vai perdendo a agressividade, porque ele é inteligente: para sobreviver, precisa do hospedeiro que somos nós, humanos, e que estejamos vivos. Então, à medida que ele faz mutações, ele pode continuar a ser contagioso, mas menos mortal. Veja o que aconteceu: no ano passado, pensávamos que estava tudo ótimo, até setembro quando chegou a mutação chamada Ômicron que, em novembro, provocou uma elevação assustadora do número de casos. Porém, era pouco agressiva. Até o fim de dezembro atendi uns 280 doentes afetados pela variante, mas só dois foram hospitalizados, nenhum foi pra UTI ou morreu. Este ano, com o Carnaval, quando eu esperava um repique maior, parece que está tudo calmo, porque há muitas pessoas vacinadas. Além disso, muita gente teve a Covid e não foi relatada, não entrou nas estatísticas. Esse pessoal ficou com alguma imunidade também. O Brasil hoje é considerado um dos melhores perfis do mundo para imunidade da Covid porque vacinou mais de 50% da população. Sou totalmente a favor das vacinas. Quais as características da vacina bivalente? A grande vantagem da bivalente é o fato de ser uma vacina mais moderna, o desenho dela nos protege melhor da Ômicron. E 99% do vírus da Covid-19 que está circulando corresponde a essa variante. Assim como as outras vacinas, a bivalente não evita a doença, mas se tivermos a Covid, estando vacinados, será de uma forma branda. As vacinas contra a Covid-19 podem provocar alguns sintomas, uma dorzinha no local da picada, que demora 24 horas. Eu mesmo tive febre leve, duas vezes em que fui vacinado e um pouquinho de moleza. Agora, num universo de bilhões de pessoas no mundo, a vacina pode provocar, excepcionalmente, alguma complicação, como a síndrome de Guillian-Barré, uma doença neurológica grave, mas que acomete uma em 100 mil pessoas. Se você for comparar o custo benefício em termos de proteção, é seguramente melhor tomar a vacina. Mas, quando acontece um desses raros casos, espalha-se pelas redes sociais aquele terrorismo como se a vacina fosse o mal, quando o mal é a ignorância. Como o senhor enfrentou as fake news? As fake news têm sido talvez um problema maior do que o próprio vírus. Circulam em rede social tratamentos falsos, como a cloroquina e a ivermectina, que são absolutamente ineficazes, além da vitamina D, como se ela aumentasse a imunidade. Vitamina D é bom para o osso, não tem nada a ver com a imunidade. Ao mesmo tempo, surgiram notícias falsas afirmando que as vacinas matavam e aleijavam. As fake news são um tremendo mal que infelizmente veio com essa modernidade dos meios de comunicação. Com a chegada da bivalente agora, voltaram a circular mentiras contra a vacina dizendo que provocaria AVC, trombose. Tive que informar, por WhatsApp, a uma grande quantidade de pacientes e familiares que essas informações eram falsas. Meu exemplo era esse: a vacina é boa, estou me vacinando e toda minha família também. O senhor recorreu à teleconsulta? O Conselho Federal de Medicina, muito antes da pandemia, chegou a liberar a telemedicina, mas a liberação não durou muitos meses, principalmente porque os sindicatos nos diversos Estados acharam que era uma forma prejudicial de fazer medicina, que iria prejudicar os mais pobres que não tinham acesso aos meios de comunicação. Então, o Conselho revogou a legalização. Com a pandemia, novamente ela foi legalizada e eu imediatamente aderi. Fiz muita teleconsulta, a maioria eram casos de Covid. Ainda hoje não há uma semana que eu não tenha, ao menos, uma meia dúzia de teleconsultas que nada tem a ver com a Covid. Agora, a teleconsulta é limitada porque falta o exame físico, mas há muitas situações em que ela é válida. No meu caso, faço clínica médica. Muitas vezes a pessoa é um cliente antigo meu, que eu já conheço e que quer fazer um checkup. Então é basicamente ouvir as queixas básicas, pedir os exames que o paciente manda via WhatsApp. Nesse período, houve um aumento do número de casos de depressão e ansiedade. Esse quadro ainda persiste? O início da pandemia foi o pior momento para o transtorno psicológico porque o mundo estava cheio de incertezas e as fake news contribuíram para o sentimento de insegurança. A própria categoria médica favoreceu muito essa situação, muitos médicos, sem a formação adequada, faziam comentários sinistros sobre a doença, sobre os tratamentos, que geraram insegurança